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Revista Gestão e Conhecimento

994-1016, 2022
ISSN: 1677-9762

DESAFIOS PROBATÓRIOS DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA


A MULHER NA RELAÇÃO DOMÉSTICA

EVIDENCE CHALLENGES OF PSYCHOLOGICAL VIOLENCE


AGAINST WOMEN IN THE DOMESTIC RELATIONSHIP

DOI: 10.55908/RGCV16N2-029
Recebimento do original: 14/10/2022
Aceitação para publicação: 17/11/2022

Antônia Lorena Torres Cardoso Arruda


Bacharel em Direito
Instituição: Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Carlos
Curso de Direito (UNITPAC)
Endereço: Rua Vermelha, qd. 20, lote 03, CEP: 77815-866
E-mail: lohccosta@gmail.com

Marcos Paulo Goulart Machado


Bacharel em Direito, Especialista
Instituição: Centro Universitário Tocantinense Presidente Antonio Carlos
Endereço: Avenida Filadelfia, n. 568, Setor Oeste, CEP: 77816-540, Araguaína -TO
E-mail: marcos.machado@unitpac.edu.br

RESUMO: Este trabalho analisa os limites probantes da palavra da vítima em casos de


violência psicológicas no contexto doméstico sendo de suma relevância para a sociedade devido
ao alta incidência na sociedade brasileira contemporânea sendo essa problemática que afeta a
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, busca estudar a formação histórica da sociedade
brasileira no tocante aos direitos da mulher, bem como compreender as leis Maria da Penhas e
outras que tutelam os direitos da mulher vítima de violência doméstica, e saber quais os limites
impostos a palavras da vítima no processo e os diversos tipos de provas existente. Este trabalho
será realizado pela metodologia bibliográfica o qual se reveste do estudo de revista, artigo e
obras sobre o objeto debruçado, através do método dialético com a contraposição de pontos de
vistas distintos.

PALAVRAS-CHAVE: Violência Psicológica. Mulher. Prova.

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ABSTRACT: This work analyzes the probative limits of the victim's word in cases of
psychological violence in the domestic context, being of paramount relevance to society due to
the high incidence in contemporary Brazilian society, and this problem affects the dignity of
the human person. In this sense, it seeks to study the historical formation of Brazilian society
regarding women's rights, as well as to understand the Maria da Penhas laws and others that
protect the rights of women victims of domestic violence, and to know the limits imposed on
the victim's words in the process and the different types of evidence available. This work will
be carried out by the bibliographic methodology which is covered by the study of magazine,
article and works on the object, through the dialectical method with the contrast of different
points of view.

KEYWORDS: Psychological Violence. Women. Test.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira profundamente patriarcal e machista tem seus contornos


delimitados na superioridade do gênero masculino, tal ideia reforçada pela igreja e por muito
tempo sustentado por diversas pessoas no poder fomentou em diferenças extremas no tocante
aos direitos e tratamentos dispensados a mulheres no decorrer da história.
Tal descompasso causou na relação doméstica abusos físicos, moral, sexual, material e
por último, mas não menos importante, psicológicos. Este último distingue dos demais quando
se refere a sua forma de comprovação, haja vista que o resultado da sua conduta não é tangível,
sendo muita das vezes difícil para a vítima iniciar a persecução penal a fim de responsabilizar
o companheiro infrator.
Assim, para as mulheres o pior da violência psicológica não é a violência em si, mas a
tortura mental e convivência com o medo e terror. Por isso, este tipo de violência deve ser
analisado como um grave problema de saúde pública e, como tal, merece espaço de discussão,
ampliação da prevenção e criação de políticas públicas específicas para o seu enfrentamento.
Esta pesquisa é focada em encontrar as dificuldades encontradas pela vítima mulher de
violência psicológica nas relações de domesticidade dada a suas consequências não serem

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mensuráveis no mundo físico ou que tais condutas muitas das vezes ficam somente entre a
vítima e o agressor.
Além disso, é necessário analisar os obstáculos probatórios no tocante à violência
psicológica praticada no contexto doméstico, buscando, de forma objetiva, responder se tal
problemática afetará o processo de responsabilização, estudar as influências históricas atinentes
ao objeto estudado, a origem do machismo e da ideologia patriarcal bem como esmiuçar a lei
11.340/06.
Ademais, objetiva-se explorar as novas tipificações de condutas sob a ótica da Lei
14.188/21, assim como as formas de provas trazidas pelo Código de Processo Penal, bem como
compreender de forma efetiva os desafios enfrentados pela vítima na comprovação da violência
psicológica no contexto familiar.
O estudo deste tema é suma relevância, pois o problema de violência em si é algo grave
que deve ser combatido em todas suas formas para que se possa haver harmonia na convivência
em sociedade. Nesse sentido, faz-se ainda mais necessário o estudo das formas de violências
quando suas causas advêm de alguma forma de preconceito, como é a violência psíquica contra
a mulher por seu parceiro.
Uma possível solução para o problema em questão seria o uso da palavra da vítima como
único meio para se provar a agressão psicológica contra a mulher quando ausentes outros meios
de prova enfrentando o machismo nas instituições do Estado, dos fatores que contribuem a esse
problema, pois dão a palavra da mulher pouco valor probatório o que pode até levar a vítima a
não querer prestar a representação contra a violência em questão.
O estudo foi desenvolvido com base na metodologia bibliográfica a qual consiste na
análise de dados e obras sobre o tema de autores renomados e com método de abordagem
dialético contrapondo ponto de vista dos mais diferentes autores.

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2. DO BREVE HISTÓRICO DA VIOLENCIA DOMÉSTICA NO BRASIL
2.1 CULTURA MACHISTA NO BRASIL

Desde o início da civilização, no compasso da consolidação da sociedade, a mulher


passou a exercer um papel secundário perante o homem, pois este assumiu a posição de
provedor, aquele que busca por ser o mais forte e, consequentemente, superior.
A violência doméstica é uma manifestação consequente da subalternidade e diminuição
da figura feminina. O estrago causado pela violência doméstica contra a mulher em todas as
modalidades é tão prejudicial que, atualmente, os danos morais na esfera cível para mulheres
nessas circunstâncias são presumidos, podendo o juízo criminal fixar o valor desde que haja
pedido da vítima ou da procuradoria do caso sem ser necessário que seja determinado valor por
quem pede.
Às mulheres era reservado um lugar de menor destaque. Seus direitos e seus deveres
estavam sempre voltados para a criação dos filhos e os cuidados do lar, portanto, para a vida
privada (SILVA, 2010).
No mesmo sentido, as autoras Lana Lage e Maria Beatriz (2012) afirmam que no Brasil,
desde o período colonial a ideologia patriarcal transpassa nas relações conjugais e familiares,
na qual foi incorporado à sociedade o sentimento de posse sobre o corpo feminino bem como
atrelado a honra masculina ao comportamento das mulheres sob sua tutela.
Assim, a mulher que cometesse adultério era punida como forma de exemplo para ser
seguido às outras mulheres, na qual esse poder que o homem detinha sobre a vida e a morte da
mulher tinha seu respaldo em lei pelas Ordenações Filipinas (PORTUGAL, 1970), a qual era a
legislação em vigor durante o período colonial brasileiro. Esta reconhecia como lícita a conduta
do homem que matava sua mulher caso a surpreendesse em adultério, como se lê a seguir:

TÍTULO XXXVIII -Do que matou sua mulher, pola achar em adulterio.
Achando o homem casado sua mulher em adulterio, licitamente poderá matar assi a
ella, como o adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso
Dezembargador, ou pessoa de maior qualidade.Porém, quando matasse alguma das
sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adulterio, não morrerá por isso mas

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será degradado para Africa com pregão na audiencia pelo tempo, que aos Julgadores
bem parecer, segundo a pessoa, que matar, não passando de trez anos.
E não somente poderá o marido matar sua mulher e o adultero que achar com ella em
adulterio, mas ainda os pôde licitamente matar, sendo certo que lhe commetterão
adulterio (2);
[..]
(2) Sendo certo que lhe commetterão adulterio.Não bastava o direito de matá-las em
flagrante, a Lei concedia ainda ao marido a faculdade de matar os adulteros depois,
somente impunha a obrigação de provar o facto; o que se podia fazer ainda por
conjecturas.

Percebe-se, portanto, que a mulher estava à mercê da boa vontade do marido, na qual o
homem tinha seu respaldo em lei para fazer o que bem quisesse com a vida de sua companheira
sob o manto das relações domésticas, inclusive matá-la, caso quisesse. Tudo isso em defesa de
sua honra, a qual encontrava posição hierárquica em detrimento da vida feminina.
Ademais, com o Código Criminal do Império do Brasil (Brasil, 1930), surgiu a
segurança do estado civil e doméstico do casamento, garantindo para o homem a certeza da
origem de sua prole e exercendo um controle mais severo sobre os corpos femininos, conforme
aduz as autoras Leila Barsted e Jacqueline Hermann (1999).

2.2 DO INÍCIO DA EMANCIPAÇÃO FEMININA: ESTATUTO DA MULHER


CASADA

Passado vários anos, entre o século XIX e XX, Clóvis Beviláqua, jurista e historiador
brasileiro, foi convidado pelo Presidente Campos Salles, em 1899, para criar o projeto do que
seria o Código Civil Brasileiro, cuja aprovação ocorreu em 1915, sancionado e promulgado em
1916, surgiu a codificação, convertendo-se na Lei nº 3.071/1639.
O mencionado Código Civil de 1916, redigido por um homem com seus ideais
patriarcais e machista, validou os costumes da sociedade a qual se encontrava, na qual a mulher
perdia sua identidade ao contrair matrimônio, tendo em vista que adquirir o sobrenome do
cônjuge era uma imposição. Ademais, para exercer atos da vida civil, como o trabalho, herança,
bem como sua capacidade de postulação no âmbito jurídico. Como se não bastasse, o divórcio
não era possível, havendo na época apenas o "desquite ", o qual trazia uma mancha social sobre
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a mulher, impossibilitando um novo matrimônio. ademais, as responsabilidades e despesas da
criação de um filho fora do casamento era exclusivamente da mulher, na qual a prole não
detinha direito algum nos bens do ascendente masculino.
Diante disso, seguindo o mesmo raciocínio, Catarina Gazele afirma que a legislação
brasileira não trazia qualquer segurança jurídica à mulher perante seu marido ou pai, o que deu
início aos questionamentos à sociedade e principalmente às mulheres que estudavam na época,
como a advogada Romy Martins Medeiros da Fonseca, que iniciou os debates entre a classe de
advogados no Brasil, para que houvesse a alteração do código civil vigente que trouxessem
garantias às mulheres, cuja modificações adveio dez anos depois, surgindo, então, o Estatuto
da Mulher Casada (GAZELE, 2005).
Vigorando em 27 de agosto de 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, a mulher
tornou-se plenamente capaz, na qual o poder familiar foi compartilhado, e o exercício da
profissão passou a dispensar a autorização do marido. Além disso, a guarda dos filhos após uma
separação tornou-se possível. Esta lei tornou-se o pontapé dos Direitos Humanos para a mulher
no país (BRASIL, 1962).

2.3 1988: O FIM DA DESIGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS?

Com o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988 (Brasil, 1988), a constituição


cidadã, os direitos e obrigações entre homens e mulheres foram equiparados, tornando cada vez
mais inadequado no ordenamento jurídico brasileiro à admissão de teses jurídicas como a
legitima defesa da honra - a qual foi amplamente utilizada como garantia da impunidade de
homens, principalmente ante o tribunal do júri (RAMOS, 2012) - pois demonstra-se aqui a
desigualdade de direitos entre os gêneros.
Sendo assim, é notório que até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
supremacia do homem dentro da família institucionalizava um ordenamento patriarcal na qual
o uso da violência (física ou psicológica) era legitimada/tolerada enquanto recurso para não só

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manter esta autoridade como também reafirmá-la, como forma de manutenção de um bom
funcionamento familiar e da sociedade.
A previsão legal de igualdade entre os gêneros não foi o bastante para coibir a cultura
machista, pois, entre os anos de 1988 e 1998, no Brasil, foram registrados cerca de 57.473 casos
de violência doméstica pelas Delegacias Especializadas de Atenção à Mulher de Porto Alegre.
Dessa quantia, metade dos crimes eram caracterizados como ameaça, lesão corporal e estupro
(Jesus, 2015).
Ainda nos dias atuais, mesmo com todas as atualizações e avanço da sociedade, a ordem
patriarcal ainda dita uma estrutura familiar designando papéis sociais para os sexos e lugar de
inferioridade, na qual, já em 2013, foram registrados 42.891 casos de mulheres vítimas ameaça,
25.964 vítimas de lesão corporal, 1.162 vítimas de estupro, 92 casos de feminicídios
consumados e 241 de feminicídio, 15 tentado, todos relacionados a violência doméstica no Rio
Grande do Sul, conforme dispõe Gerhard (2014) .
Além disso, o autor ainda informa ainda em 2013, o instrumento mais utilizado para
cometer feminicídio foi a arma branca (44,35%), seguida da arma de fogo (40,91%), da força
física (11,36%) e de ferramentas (3,41%). No que se refere a motivação para a prática do
feminicídio, 54,55% dos casos é baseada na separação, discussões e brigas como 27,27%,
traição 9,09% e vingança 9,09% (Gerhard, 2014).
Assim, a partir do momento em que a mulher deseja não manter a relação com seu
agressor e que este não aceita o término, colocando a mulher numa posição de objeto
intrasferível, inicia-se uma fase delicada para a mulher, a qual tem sua vida ameaçada
(GERHARD, 2014, p. 40).
Diante disso, no que se refere à violência no âmbito familiar, a sociedade a banalizou,
principalmente como algo a ser pessoal do casal, na qual “em briga de marido e mulher,
ninguém mete a colher”, ocasionando numa miopia social, em que a violência além de não ser
combatida, passa despercebida aos olhos do corpo social.

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3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DA LEI 11.340/06
E SUAS ÉSPECIES

Segundo a ONU, qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte
em sofrimento e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos,
coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada é considerado violência contra
a mulher (BRASIL, 2005).
A Lei 11.340/2006 cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, sendo necessariamente o sujeito passivo da norma pessoa do sexo
feminino.
Ademais, além de a violência dever ser praticada contra pessoa do sexo feminino,
também deve ter ocorrido em ambiente onde a convivência se qualifique como doméstica ou
familiar, como prevê o art. 5ª da Lei 11.240/2003 (BRASIL, 2006):

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I- no âmbito da unidade doméstica, [...] espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II- no âmbito da família, [...] formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III- em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.

Verifica-se, assim, que abrange todos que tenham convivência doméstica e familiar, e
que os desentendimentos tenham se derivado desta relação, ou seja, um pai contra a filha, um
irmão contra sua irmã, o marido contra sua esposa ou convivente, amante, ou uma amiga que
tenha tido com o homem uma convivência doméstica, não necessariamente pautada na relação
de coabitação.
No art. 7ª da Lei 11.340/06 o legislador, em rol exemplificativo, especificou as formas
de violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangendo outras formas de violência e não
apenas contemplando a violência física, mas também a violência sexual, psicológica, moral e
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patrimonial como formas de violência (MISTRETTA, 2011, p. 277).

3.1 DA VIOLÊNCIA FÍSICA

A violência física é uma ação ou omissão que cause dano à integridade de uma pessoa,
causando lesões ou até mesmo a morte. Isso ocorre entre outras maneiras, por meio de
empurrões, arremesso de objetos, espancamento, arma de fogo ou arma branca. Além de ser
amparada pela Lei 11.340/06, a violência física é tipificada como crime no art. 129, §13 do
Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940). Senão, vejamos:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo
feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº
14.188, de 2021)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).

Dias (2019, p. 89-90) reforça que embora quando visíveis os sinais seja mais fáceis de
se identificar a violência física, mesmo que a agressão não deixe a presença de machucados,
como por exemplo hematomas, arranhões ou fraturas no corpo da vítima, ainda se constitui a
conduta mencionada no artigo 7°.

3.2 DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

A Lei 11.340/2006 conceitua a violência psicológica como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Brasil, 2006).
Essa violência se relaciona aos outros tipos apresentados, interfere e prejudica a
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integridade da saúde da vítima. Porém, por se tratar de uma agressão em que não há
necessariamente o contato físico, é uma categoria de violência pouco vista, na qual até mesmo
as vítimas dessa violência não percebem que estão são vítimas da agressão (SILVA; COELHO;
CAPONI, 2007, p. 98).

3.3 DA VIOLENCIA SEXUAL

Conforme dispõe o art. 7ª, III, a violência sexual é entendida como qualquer conduta
que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de
qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que
a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos.
Verifica-se que na primeira parte do inciso III se refere aos chamados crimes contra a
dignidade sexual, constantes do Código Penal como o crime de estupro e o assédio sexual, por
exemplo. Já a segunda parte do inciso visa a assegurar acesso aos serviços de saúde relacionados
à sexualidade, como por exemplo, contracepção de emergência, profilaxia de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DSTs), aborto em casos de estupro e etc. (DIAS, 2019, p. 98).

3.4 DA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

A violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção,


subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades (Lei maria da penha, referenciar).
Hermann (2008, p. 107) declara o seguinte acerca dessa modalidade de violência:

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A violência patrimonial é forma de manipulação para subtração da liberdade à mulher
vitimada. Consiste na negação peremptória do agressor em entregar à vítima seus
bens, valores, pertences e documentos, especialmente quando esta toma a iniciativa
de romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como subterfúgio para
obrigá-la a permanecer no relacionamento da qual pretende se retirar.

Ademais, o dispositivo se estende também ao não pagamento de alimentos, conduta


identificada como retenção de recursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades da
vítima, mesmo durante a vida em comum.

3.5 DA VIOLÊNCIA MORAL

Sobre à violência moral, a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) aduz que é aquela
entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A violência moral é perpetrada para atingir a reputação e a dignidade da mulher e
acontece no espaço da relação familiar e seus vínculos afetivos (DIAS, 2019, p. 101-102).

4. ANÁLISE TEÓRICA
4.1 DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência psicológica é a espécie de violência mais comum aos reclames das


mulheres vítimas pela violência doméstica, uma vez que as palavras mal faladas pelo
agressor, provocam dor e sofrimento psicológico (DIAS, 2015, p. 114). Além disso, essa
modalidade de violência está presente em todas as outras também, seja física, patrimonial ou
moral.
A violência psicológica é uma das formas mais prejudiciais de violência à mulher,
tendo em vista que o bem estar é atingido, a auto estima é abalada, fazendo com que recorram
à tratamentos psicológicos, os quais não são garantia de que conseguirão viver livres dos
abusos psicológicos aos quais sofreu.
Sendo assim, antes de haver a violência física, a mulher sofre primeiramente a
violência psicológica, a qual se instala no âmbito familiar de forma lenta e silenciosa.
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Inicialmente a vítima tem sua liberdade individual restringida e após passa pelas humilhações
e constrangimentos que abalam sua autoestima fazendo com que deixem de traçar metas pela
certeza de que nada dará certo, de que não conseguirão realizar seus objetivos sem a presença
do agressor, conforme dispõe Miller (2002), motivo pelo qual tolerar qualquer hostilidade do
agressor parece ser mais seguro do que enfrentar um futuro aparentemente fracassado.
Ademais, a autora Berly(1982 apud Azevedo & Guerra, 2001, p. 34) realiza uma
listagem de condutas abusivas, quais sejam: caçoa da mulher; insulta-a; nega seu universo
afetivo; jamais aprova as realizações da mulher; grita com ela; insulta-a repetidamente (em
particular); culpa-a por todos os problemas da família; chama-a de louca, puta, estúpida etc;
ameaça-a com violência; critica-a como mãe, amante e profissional; exige toda atenção da
mulher, competindo zelosamente com os filhos; critica-a reiteradamente (em público); conta-
lhe suas aventuras com outras mulheres; ameaça-a com violência a ser dirigida aos filhos; diz
que fica com a mulher apenas porque ela não pode viver sem ele; cria um ambiente de medo;
faz com que a mulher sofra depressão e/ou apresente outros sintomas de enfermidade mental;
suicídio.
A autora Maria Geruza de Castro Silva (2018) nos mostra que apesar de tantos fatores
prejudiciais à vida da mulher, a violência psicológica é negligenciada e tampouco
reconhecida como violência assim como por suas vítimas quanto pelos próprios agressores.
Nos casos em que há este reconhecimento, é comumente vista como uma violência “menos
grave”, como se fosse um problema menor, quase insignificante se comparada às outras
violências a exemplo da física ou sexual.
Apesar de a Lei 11.340/2006 constar a violência psicológica em seu rol de formas de
violência contra a mulher no âmbito doméstico, essa conduta não configurava um ilícito
penal, dificultando o deferimento de medidas protetivas descritas na Lei Maria da Penha.
Com a entrada em vigor da Lei 14.188/2021 (BRASIL, 2021) houve a inserção do art.
147-B no Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940), o qual tipifica como crime a prática da
violência psicológica contra a mulher.
Senão, vejamos:

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Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno
desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui
crime mais grave.

Diante disso, verifica-se que o crime previsto no art. 147-B se consuma com a
provocação do dano emocional à vítima; tem natureza jurídica de crime doloso, pois aquele
que pratica dolosamente tais atos de ameaça, humilhação, manipulação, isolamento,
chantagem, ridicularização, limitação da liberdade ou similares, não poderá afirmar que não
sabia que tais condutas tinha o potencial de causar danos emocionais. Trata-se ainda de crime
que não admite a modalidade tentada, sendo o processo realizado por meio de ação pública
incondicionada a representação da vítima.
Ademais, a Lei 14.188/2021 (BRASIL, 2021) alterou o art. 12-C da Lei 11.340/2006
(BRASIL, 2006), passando a constar a locução “ou psicológica” em seu caput, na qual a
redação anterior agora é disciplinada da seguinte forma:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade


física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou
de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou
local de convivência com a ofendida.

Essa inserção, embora pareça pequena, é de grande valia, pois confere à violência
psicológica uma hipótese suficiente para que haja o deferimento das medidas protetivas de
urgência asseguradas no dispositivo.
Thiago Pierobom de Ávila (ÁVILA et al., 2020). disciplina que o deferimento da
medida protetiva de urgência era uma forma de segurança difícil de se aplicar, nas quais,
comumente eram remetidos casos de violência psicológica sob o tema do afastamento do lar
para a Vara de Família por ser considerado um conflito sem violência física. Por outro lado,
a situação de o casal se separar e continuar vivendo sob o mesmo teto, em contexto conflitivo
verbal, já é documentada como um fator de risco de feminicídio.

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Assim, o princípio da precaução e a proteção preventiva à integridade psicológica
da mulher passa a ser privilegiado, tendo em vista o afastamento do lar passou a ser
possibilitado sem que haja atos de violência física.

4.2 DAS ÉSPECIES DE PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO

No processo penal, a produção da prova objetiva contribuir para a formação da


convicção do juiz acerca da existência ou inexistência dos fatos e situações relevantes para a
sentença. Além disso, possibilita o desenvolvimento do processo enquanto reconstrução de um
fato pretérito, conforme assevera Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2000).
No que se refere às espécies de prova constantes no código de processo penal, pode-se
afirmar que são: prova pericial, prova testemunhal e prova documental.
Sobre a prova pericial, Plácido de Silva (SILVA, 2004) a conceitua como a diligência
feita por pessoas capacitadas para tal ato (peritos) visando o esclarecimento dos fatos, ou seja,
trata-se de verificações sobre a verdade de certos fatos, por pessoas que tenham reconhecida
habilidade técnica ou experiência na matéria de que se trata.
O autor referido menciona ainda que a perícia é medida esclarecedora do fato de forma
subsidiária, pois só cabe a perícia quando a prova documenta não é suficiente, ou quando se
quer esclarecer circunstâncias, a respeito do mesmo, que não se acham perfeitamente definidas.
O Código de Processo Penal em seu art. 159, caput, estabelece o perito oficial
competente para realizar a perícia deverá possuir diploma de curso superior. Todavia, caso não
possua esse documento, o §1º prevê a possibilidade de a perícia ser realizada por duas pessoas
idôneas portadoras de diploma de curso superior, preferencialmente na área específica.
Outrossim, a prova pericial não só está ligada às circunstâncias processuais, como
também tem a incumbência de ser um meio de auxílio ao Juiz quando esse não estiver munido
de conhecimentos técnicos sobre determinado assunto.
No mesmo sentido, Mirabete afirma que:

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Não possuindo o juiz conhecimentos enciclopédicos e tendo de julgar causas das mais
diversas e complexas, surge à necessidade de se recorrer a técnicos e especialistas que,
por meio de exames periciais, com suas descrições e afirmações relativas a fatos que
exigem conhecimento especiais, elucidam e auxiliam no julgamento. Entende-se
perícia o exame procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos
técnicos, científicos, artísticos ou condições pessoais inerentes ao fato punível a fim
de comprová-los.

Assim, a perícia tem o condão de elucidar conhecimentos técnico que formarão


documentos a fim de auxiliar a formação da livre convicção motivada do Estado-juiz.
A prova pericial é essencial ainda nos casos em que o delito deixe vestígios,
materialmente comprovados, momento em que será realizado o exame de corpo de delito, que
tem como função de, através de peritos, verificarem a contundência de tais vestígios e se os
mesmos possam trazer luzes ao deslinde do processo crime, conforme ensina Henrique Toscano
(HENRIQUES, 2008).
É necessário ainda discorrer que quando a infração deixar vestígios, conforme o art.
564,III, do Código de processo penal, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, além disso, a confissão do acusado não poderá suprir esse exame, ocorrendo a
nulidade do processo, caso haja a sua ausência (BRASIL, 1946).
Aldo Batista dos Santos Júnior (JÚNIOR, 2008) aduz também que caso os vestígios
materiais desapareçam e a realização do exame de corpo e delito fique impossibilitada, a prova
testemunhal poderá ser admitida para a comprovação da existência da infração penal, na
qualidade de prova supletiva.
Acerca da prova testemunhal, este tipo de prova está disposto nos artigos 202 a 225,
tratando-se de uma afirmação pessoal, oriunda de depoimento prestado por sujeito estranho ao
processo sobre fatos que tenha conhecimento sobre o delito objeto do litígio. Além disso,
constitui prova testemunhal a reprodução oral do que se encontra na memória daqueles que,
não sendo parte, presenciaram ou tiveram notícia dos fatos da demanda, conforme assevera
Fernando Capez (CAPEZ, 2007).
José Carlos Aquino (AQUINO, 1987) ainda acrescenta que, diferentemente de como
correia no antigo sistema da certeza legal ou da prova legal, na qual a prova testemunhal só

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prevalecia quando oriunda de mais de uma testemunha, hoje se admite condenações em que
somente um testemunho já é suficiente, caso esteja corroborado com os demais meios
probatórios colacionados aos autos. Apesar disso, mesmo nós processos em que gay várias
testemunhas, a quantidade de pessoas a depor não significa que será suficiente para uma
condenação, podendo afirmar, assim, que o que realmente importa é a credibilidade da
informação e do critério do jogador que irá trabalhar com esse tipo de prova.
Acerca da prova documental, o artigo 232 do Código de Processo Penal (Brasil, 1946)
considera documentos como "qualquer escrito, instrumentos, papéis públicos ou particulares".
Assim, Fernando Capez (CAPEZ, 2007) explica que documento é a coisa que representa
um fato, destinado a fixá-lo de modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo, enquanto
que os instrumentos são registros que foram criados visando provar determinados fatos. Os
papéis, por sua vez, são comprovantes que servem de prova, apesar de que não são produzidos
exclusivamente com essa finalidade.
Todavia, Guilherme Nucci (NUCCI, 2003) nos lembra que a prova documental não
pode ser considerada somente os escritos de papel, pois o avanço tecnológico mudou totalmente
a forma como nos comunicamos e vivemos. Assim, o autor assevera que:

Documento é toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um


pensamento, uma ideia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, que sirva
para expressar e provar um fato ou acontecimento juridicamente relevante. São
documentos: escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras,
disquetes, CDs, DVDs, pen-drives, e-mails, entre outros. Trata-se de uma visão
moderna e evolutiva do tradicional conceito de documento – simples escrito em papel
-tendo em vista o avanço da tecnologia.

Assim, percebe-se que documento pode ser dividido em dois conceitos: o de documento
sendo qualquer escrito, instrumento oi papel público ou particular, conforme disposto no art.
232 do Código de Processo Penal, e de outra forma na visão mais atual a qual interpreta o
documento como qualquer objeto representativo de um fato ou ato relevante, nas quais estão
inclusas fotos, desenhos, esquemas, planilhas, e-mails, figuras digitalizadas, entre outros
(TÁVORA; ASSUMPÇÃO, 2012, p. 95).

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Ademais, verifica-se no âmbito jurídico, o documento é tratado como um meio de prova
seja pela forma escrita, pela palavra falada, ou pela reprodução de um fato ou acontecimento
em objeto físico (MALATESTA, 2005).

5. CONSTRUÇÃO PRAGMÁTICA
5.1 OBSTÁCULOS PROBATÓRIOS E DESAFIOS ENFRENTADOS PARA
COMPROVAR A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA EM ÃMBITO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA

O art. 155 do Código de Processo Penal aduz o juiz irá avaliar as provas produzidas
usando seu livre convencimento motivado, através das apresentadas e irá tirar suas conclusões,
fundamentando a decisão devidamente baseadas em provas e nos demais elementos presentes
no processo.
Assim, conforme assevera Pacelli (PACELLI, 2017), a função primordial das provas é
tentar reconstruir fatos ocorridos e buscar relação com a realidade dos fatos e, assim, convencer
o juiz de que os fatos ocorreram conforme elas apresentam.
Contudo, existem situações em que a palavra da vítima é a prova principal do processo,
pois o fato ocorreu sem testemunhas que presenciassem como comumente ocorre nos crimes
domésticos, conforme explica Santos (apud PIRES, 2018, p. 60).
Dessa forma, as possibilidades de colher os indícios da infração penal se delimitam, e
por muitas vezes a única versão verdadeira dos fatos é comprovada somente pela palavra da
vítima.
No mesmo sentido, vem decidindo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça sobre o
assunto ao admitir como prova a palavra da vítima nos crimes no âmbito da violência
doméstica:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. INSUFICIÊNCIA
DA PROVA. AGRAVANTE DO MOTIVO FÚTIL. SÚMULA N. 7 DO STJ.
RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. REGIME INICIAL. SÚMULA N. 83
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DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O STJ reconhece a
relevância da palavra da vítima no tocante aos crimes decorrentes de violência
doméstica, em vista da circunstância de essas condutas serem praticadas, na maioria
das vezes, na clandestinidade. Precedente. Incidência da Súmula n. 83 do STJ. 2. A
verificação sobre a insuficiência da prova da condenação implicaria a necessidade de
revolvimento fático-probatório dos autos, procedimento vedado, em recurso especial,
pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ. 3. A agravante do motivo fútil foi devidamente
motivada pelas instâncias ordinárias e, para rever essa conclusão, seria necessária a
dilação probatória, inviável na via eleita pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ. 4. A
presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou de agravantes justificam a
imposição de regime inicial mais gravoso do que aquele previsto tão somente pelo
quantum de pena aplicada. Nesse ponto, a pretensão é inviável pelo entendimento da
Súmula n. 83 do STJ. 5. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no AREsp: 1925598 TO 2021/0217696-8, Relator: Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 26/10/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 04/11/2021).

Nesse sentido, nos crimes que foram executados em situação de violência doméstica e
familiar, os quais, geralmente, ocorrem de forma clandestina, sem a presença de testemunhas,
a palavra da ofendida assume especial relevo, podendo representar, inclusive, prova suficiente
para a condenação desde que coerente com os demais elementos dos autos, conforme disposto
no Acórdão 1283726 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Em que pese Eugênio Pacelli (2017), afirmar que não há hierarquia entre os meios de
prova no processo penal brasileiro, Machado (2014) aduz que apesar de existir a paridade entre
as provas, a palavra da vítima não deve ter o mesmo valor que a de uma testemunha, tendo em
vista que esta é devidamente compromissada e faz um juramento de falar a verdade dos fatos,
sob pena de incorrer no crime de falso testemunho.
Nesse diapasão, verifica-se que a palavra da vítima é desvalorizada quando comparada
a outros meios de provas, o que fragiliza ainda mais a situação da mulher que busca os órgãos
de segurança uma medida de proteção a seu agressor.
Assim, quando possível, utilização de meios tecnológicos também poderia ser um
recurso para a comprovação da violência, seja por prints de conversas, vídeos, áudios entre
outras, as quais se transformarão em prova documental.
No mesmo sentido afirma a promotora Valéria Scarance (apud BRANDINO, 2016):

O depoimento da vítima, de terceiros que tenham presenciado a violência, relatórios


médicos comprovando eventuais atendimentos à vítima para doenças associadas a
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essa violência psicológica, mensagens de texto e nas redes sociais. Quanto mais
provas houver de que o homem perseguia, humilhava e ameaçava a mulher e causou
um dano a sua saúde psicológica ou autodeterminação, maior será a influência na
resposta do Estado ao processo.

Ademais, há diversos acórdãos que trás relevância à palavra da vítima quando o delito
é cometido em ambiente doméstico e familiar, todavia, esse depoimente está condicionado à
demonstração de outros elementos de convicção acostados aos autos, como do Acórdão
1606715, publicado pela Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distruto Federal
em 04/09/2022.

Tratando-se de delito cometido em ambiente doméstico e familiar, é sabido que a


palavra da vítima é de extrema relevância para o esclarecimento dos fatos, quando em
consonância com outros elementos de convicção acostados aos autos, como no
presente caso. 2. Na espécie, a versão da vítima somada aos demais elementos de
prova coligidos aos autos, todos produzidos na fase processual com observância do
contraditório e da ampla defesa, possuem o condão de estabelecer a autoria e a
materialidade dos delitos e embasar um decreto condenatório, não havendo que se
falar em insuficiência de provas. (Acórdão 1606715, 07123728620198070006,
Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento:
25/8/2022, publicado no PJe: 4/9/2022.)

Este entendimento, todavia, é ineficaz no que se refere à violência psicológica, tendo


em vista que por se tratar de uma éspécie de dificil materialização, outros meios de prova podem
ser quase impossíveis de cercear, prejudicando, dessa forma, a formação da opinio delict da
autoridade policial, ocasionando em arquivamento da investigação por ausência de justa causa.
Como exemplo do exposto acima, pode-se citar o depoimento de uma vítima à Redação
Folha Vitória (R7, 2022), na qual afirma que encontra obstáculos em obter a proteção estatal
antes mesmo de iniciar o processo criminal, uma vez que na própria Delegacia da Mulher, a
qual é especializada para esses atendimentos não obteve o tratamento adequado, em virtude do
descaso para a sua situação em meio a violência psicológica. Abaixo está descrito trechos da
fala da vítima:

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Na Delegacia da Mulher, eles fazem o boletim de ocorrência e dizem que vão
continuar o processo. Perguntam se eu quero representar contra ele e eu digo que sim.
Passa um tempo e apenas aparece um oficial de Justiça na minha casa para dizer que
tudo foi arquivado por falta de provas.

Assim, a autora Dulcielly, assevera a prescindibilidade da existência de testemunhas


presenciais, tendo em vista que a palavra da vítima tem credibilidade e é fundamental para o
processo, aliás, principalmente pelas variadas condenações já existentes que ocorrem somente
com a palavra da vítima, bastando ela ser coerente e harmônica em seus relatos de fase policial
e judiciária.Nesses casos, entende-se que a palavra da vítima tem relevância e, analisada, pode
ser suficiente para embasar a condenação (apud BRANDINO, 2016).
Ishida (apud RIBEIRO, 2019), também compartilha o mesmo entendimento de que nos
crimes clandestinos, como é o caso, por exemplo, do crime de estupro, será utilizado o exame
de corpo de delito para comprovar a materialidade dos fatos, entretanto, nos casos em que este
não for realizado ou não constatado, será admitida a palavra da vítima como um meio de prova
e, ainda, caberá ao magistrado analisar a credibilidade da palavra da vítima, bem como, o que
por ela foi relatado.
Diante disso, verifica-se que quando a vítima se encontrar em situação de
clandestinidade e não houver possibilidade de constituir outro meio de probatório da violência
psicológica, a mera e exclusiva palavra da vítima deve ser suficiente para dar veracidade aos
fatos alegados.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o objetivo geral apresentado para este trabalho, que versou sobre
apresentar uma revisão sobre a violência contra a mulher e a utilização da palavra como prova
em casos de violência doméstica psicológica, observa-se que o mesmo fora atendido já que a
partir da revisão de literatura aplicada foi possível notar que há uma evolução ainda em curso
da compreensão sobre a tipificação da violência psicológica contra a mulher e do uso da

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palavra como um recurso de prova da mulher contra o seu agressor, já que muitas vezes a
violência psicológica não permite que seja explicitada uma marca física da violência.

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