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FACULDADE DE DIREITO DE CONSELHEIRO LAFAIETE

A RESPONSABILIDADE CIVIL DERIVADA DO


FENÔMENO DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA À
LUZ DO DIREITO BRASILEIRO

LUCIANA CARLA PIRES RIBEIRO

CONSELHEIRO LAFAEITE
2019
LUCIANA CARLA PIRES RIBEIRO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DERIVADA DO


FENÔMENO DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA A
LUZ DO DIREITO BRASILEIRO

Monografia apresentada à
Faculdade de Direito de Conselheiro
Lafaiete como requisito para a
obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Profa. Marta Mariza
Barbosa Borges de Alencar

CONSELHEIRO LAFAEITE
2019
DECLARAÇÃO

Aprovação e Responsabilidades

À Subcoordenação de Monografia.

A Professora Marta Mariza Barbosa Borges de Alencar, Orientadora da estudante


Luciana Carla Pires Ribeiro na elaboração de Monografia intitulada ” A
Responsabilidade Civil Derivada do Fenômeno da Pornografia de Vingança à Luz do
Direito Brasileiro”, após acompanhar os trabalhos desenvolvidos pela discente e
fazendo as correções necessárias, declara este Trabalho adequado para depósito
definitivo e que a acadêmica está apta para defendê-lo ante Banca Examinadora.
Para tal, declara, também, ter pleno conhecimento das obrigações presentes no
Regulamento do Trabalho de Curso vigente na FDCL.

A acadêmica declara, para fins de direito, que assume toda e qualquer


responsabilidade pelo aporte ideológico contido neste Trabalho, isentando,
totalmente, a Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, a Subcoordenação de
Monografia, o (a) Professor (a) Orientador (a) e os membros da Banca Examinadora.

Conselheiro Lafaiete, ____ de ________ de 201___.

________________________________________

Orientadora

________________________________________

Acadêmica
AGRADECIMENTOS

À Deus, mestre de todas as coisas, o qual tem me proporcionado caminhar e vencer


todas as adversidades vivenciadas não só na graduação, mas ao longo de toda
minha vida. Agradeço por todas as experiências concedidas, principalmente pela
oportunidade que me concedeu em obter conhecimento nesta área de Direito e pela
força expressiva, manifestada e adquirida através da fé em cada momento de
fraqueza ao decorrer dos anos e pela vontade de sempre ir em busca da justiça.

Aos meus pais e irmã Juliana pelo companheirismo, união e amparo e por terem
acreditado em mim. Em especial, a minha mãe Rosemary, a mulher mais forte e
guerreira que pude conhecer e também o meu pai José Carlos, por todo amor,
cuidado e noites sem dormir. Obrigada por me darem essa oportunidade,
respeitarem as minhas fases e por terem me permitido tornar a pessoa que sou.
Sem vocês nada sou.

Ao Cássio, meu companheiro, conselheiro, melhor amigo, com quem há 6 anos


compartilho momentos bons e difíceis, agradeço pelo apoio diário, principalmente
durante a elaboração deste trabalho. Obrigada por ser meu incentivador, meu
suporte, meu porto seguro, minha luz.

Não conseguirei agradecer o suficiente em palavras, pois serei eternamente grata


por tudo o que fizeram ao meu favor.

Meus amigos e familiares, aqueles que me apoiam mesmo distantes e sempre


estiveram dispostos a me ouvir, ajudar e me acolher, as minhas amizades
construídas ao longo da faculdade que partilham comigo não só a mesmo sonho,
mas todas as angústias e alegrias dessa jornada e da vida.

Por fim, mas não menos importante, agradeço a todos os Mestres, que de algum
modo contribuíram com a minha formação acadêmica e como pessoa, aqueles que
me inspiraram e me ajudaram a trilhar esse caminho, em especial minha orientadora
Marta, com a qual tive o prazer de ter convivido em sala de aula, obrigada pelo
carinho e compreensão de sempre.
RESUMO

O trabalho em questão tem o intuito de apresentar a Revenge Porn, intitulado no


Brasil como Pornografia de Vingança ou Pornografia de Revanche. O delito em
análise é resultado de um país machista repleto de violência de gênero contra a
mulher. Em suma, o crime consiste em um agente, com o objetivo de vingança, que
expõe, na maioria dos casos, sua ex-companheira, através de divulgação na
internet, de imagens, mensagens e/ou vídeos íntimos. Primeiramente, é apresentado
a origem desse fenômeno para compreensão acerca de seu surgimento e como
essa atividade evoluiu com o passar do tempo, bem como é legitimado, exercendo
assim, mais uma forma de poder de controle do homem sobre a mulher. Destaca-se
que devido a praticidade e celeridade presente no mundo virtual, a cultura de
violência contra mulher é reproduzida e reforçada ainda mais. O foco do estudo é
sob a perspectiva da indispensabilidade de se ter uma reparação cível frente aos
danos morais, físicos e psicológicos ocasionados à menina ou mulher, vítimas desse
ato. O método de pesquisa utilizado no presente trabalho fora baseado em
pesquisas bibliográficas em leis, doutrinas e jurisprudências de casos reais
impulsionadores para a criação da norma penal específica. O assunto em comento é
recente e lesiona os direitos da personalidade, por isso faz-se necessário que sejam
tutelados jurisdicionalmente de maneira abrangente e eficiente, visto a necessidade
de proteger o princípio absoluto da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Pornografia de revanche; Pornografia de vingança; Revenge Porn;


Reparação Cível; Violência de gênero; Direitos da personalidade.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 6
1. DO FENÔMENO DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA ............................................................................ 9
1.1 – A Origem da Pornografia de Vingança ....................................................................................... 9

1.2– A Pornografia de Vingança em um Mundo Virtual ................................................................... 11

1.3 – Como a Pornografia de Revanche Afeta a Sociedade .............................................................. 12

2. DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ................................................................................................. 15


2.1– Direitos da Personalidade na Constituição Federal de 1988. ................................................... 15

2.2 – Direitos da Personalidade no Código Civil Brasileiro de 2002. ................................................ 17

3 – DA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ATO ILÍCITO.......................................................... 19


3.1 – Do ilícito civil – artigo 186 combinado com o artigo 927 do CC............................................... 19

3.2 – A Independência da Responsabilidade Civil em relação à Responsabilidade Penal. ............... 24

3.3 – Do Ilícito Penal referente aos Crimes contra a Dignidade Sexual da Pessoa Humana. ........... 26

4 – DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA À LUZ DO DIREITO PENAL BRASILEIRO...................................... 28


4.1 – Pornografia de Vingança e a Mídia Brasileira .......................................................................... 28

4.1.1 - Francyelle dos Santos Pires ................................................................................................ 28


4.1.2 – Rose Leonel ....................................................................................................................... 32
4.1.3 – Julia Rebeca dos Santos..................................................................................................... 35
4.2 - Do Surgimento da Lei Penal nº 13.718/2018 e a inserção do artigo 218-C .............................. 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................. 41
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INTRODUÇÃO

Os novos avanços presentes nas redes e as facilidades de transmissão de


informações modificaram o modo como a população interage no meio social. Através
desses avanços, decorrente da sua praticidade e celeridade, as informações são
dispersadas de maneira instantânea, podendo ocasionar danos avassaladores.
Todavia, apesar de possuir um lado benéfico, demonstra-se, o lado negativo desta
evolução que tem sido utilizada, inclusive, para disseminação de conteúdos que
violam o direito do outro.

O fácil acesso a informações, bem como a praticidade de compartilhá-las, ocasionou


no surgimento de um novo fenômeno de violência, onde o usuário, dotado de
confiança e liberdade, dissemina crueldade e pratica o ódio através da publicação de
conteúdos sem permissão, violando desse modo, a privacidade, a imagem e a honra
da vítima.

Posto isso, através de um simples “clique”, meninas e mulheres sofreram e sofrem


diversos danos em todas as áreas de suas vidas, assim como tiveram e têm que
enfrentar uma série de problemas tanto físicos quanto psicológicos, consequentes
dessa tamanha violação.

Desse modo, nasce o termo “Pornografia de vingança” ou “Pornografia de


Revanche”, ambos empregados no Brasil para intitular a publicação de fotos,
mensagens e/ou gravações de caráter sexual sem o consentimento da pessoa. O
termo é originário do EUA, no qual é denominado “revenge porn”, correspondendo
este a um novo método de violência e discriminação contra meninas e mulheres,
uma vez que essas se tornam as mais afetadas por essa invasão.

A Pornografia de Revanche possui demasiada força no mundo


tecnológico, o qual motiva ainda mais as publicações de momentos íntimos, para o
público, devido ao sentimento de impunidade que o agente possui, acreditando estar
seguro atrás de uma tela de um computador ou celular.
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Assim que esses materiais são publicados, a sociedade enxerga as


vítimas como responsáveis pelo ato, ao tratá-las como culpadas, condenando-as,
repreendendo-as e criticando-as, por sua vida sexual.

A vítima colocada como vilã é algo que predomina na maior parte dos
casos, e ainda que ela seja a parte mais lesada pela violação, mesmo assim, tem
suas ações julgadas e criticadas, sem sequer referirem e imputarem culpa aos reais
responsáveis, isso constitui indiretamente como justificativa para a prática do
referido delito.

Neste ponto, tem-se refletido como o patriarcado ainda está arraigado


mesmo na atualidade, ainda que tenham evoluído, as mulheres ainda estão sujeitas
a ofensas e condenações, mesmo que sejam apenas vítimas de uma violação cruel
e criminosa.

O trabalho em enfoque visa a contextualização da pornografia de


vingança, fazendo-se necessário expor seus motivos e efeitos resultantes para a
parte lesionada, bem como os efeitos causados em sua vida. Apontando o delito
como mais uma forma do gênero masculino controlar o feminino, favorecendo assim,
a cultura de violência contra a mulher. Além disto, é importante ressaltar que o
intuito do autor através da Pornografia de Vingança é expor a vítima, para que ela
sofra e seja humilhada, prejudicando todas as áreas da sua vida, o que em
consequência a faria obter o direito a requerer danos em juízo.

Posto isso, o presente estudo terá o propósito de averiguar sob o aspecto


da reparação, bem como efeitos resultantes nas vidas de suas vítimas, na esfera da
responsabilidade civil, posto que os direitos de cunho personalíssimos são
totalmente violados, respondendo, deste modo, a subsequente questão: Existem
fundamentos para responsabilização do agente sob a óptica patrimonial no
ordenamento jurídico brasileiro?

Ter-se-á como propósito um breve estudo acerca da historicidade que


transcorre o crime em questão e que de algum modo tem essa prática legitimada, o
primeiro capítulo tratará sobre o surgimento da pornografia de revanche a fim de
compreender sobre a sua origem e como essa atividade evoluiu com o passar do
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tempo, bem como a análise da pornografia de vingança no mundo virtual e como


essa afeta a sociedade.

Em seguida, o segundo capítulo versará acerca dos aspectos conceituais


importantes relativos aos direitos da personalidade, tal como à inserção destas
garantias na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro de 2002.

No terceiro capítulo tratar-se-á quanto à responsabilidade civil decorrente


de ato ilícito como à inserção destas no âmbito do Código Civil Brasileiro de 2002,
bem como de forma pormenorizada, da independência da responsabilidade civil da
responsabilidade sob a esfera penal.

Por fim, o quarto capítulo versará acerca do advento da Lei Penal nº


13.718/2018 e a inserção do artigo 218-C que versa sobre o tema pertinente ao
presente estudo, bem como a apresentação e análise de casos reais que foram
propícios a impulsionar a criação da supramencionada lei.

O método de pesquisa utilizado no presente trabalho será baseado em


pesquisas bibliográficas em leis, doutrinas e jurisprudências de casos reais
impulsionadores para a criação da norma penal específica.
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1. DO FENÔMENO DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

A Pornografia de Vingança, também conhecida como Pornografia de


Revanche ou Pornografia de Revanchismo, vem do termo inglês “Revenge Porn”. A
Pornografia de Vingança é definida por Danielle Keats Citron e Mary Anne Frank
como imagens íntimas consensualmente entregues a um parceiro que
posteriormente as distribui sem o seu consentimento.

Pode-se acrescentar a essa conceituação, a distribuição também de


vídeos, e não necessariamente a sua publicação e compartilhamento deverá ter sido
por um parceiro.

O presente capítulo tem a finalidade de conceituar a origem do fenômeno


da pornografia de vingança com o objetivo de compreender sobre o surgimento
deste fenômeno e como essa atividade evoluiu com o passar do tempo, bem como a
análise da pornografia de vingança no mundo virtual e como essa afeta a sociedade,
conforme será explicado a seguir.

1.1 – A Origem da Pornografia de Vingança

O primeiro caso que ganhou repercussão nas redes de comunicação


tratando da pornografia de revanche, ocorreu nos EUA durante a década de 80,
com o casal Lajuan e Billy Wood que se fotografaram nus e resolveram guardar as
imagens. Todavia, o seu até então amigo e vizinho Steve Simpson violou a
privacidade e intimidade do casal, quando oportunamente invadiu a residência de
seus amigos e, ao se deparar com as fotos, enviou as imagens da Sra. Wood para
uma popular revista americana denominada “Beaver Hunt”, que regularmente
recebia e publicava imagens nuas de modelos amadoras as quais eram destinadas
ao público masculino.

Para efetuar o envio a Beaver Hunter, Steve Simpson fraudou um


cadastro fingindo ser o marido de Lajuan e, inclusive, deu falsas informações sobre
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preferências da “esposa” na cama. O caso só pôde ser descoberto pelo casal,


porque no cadastro deveria constar um telefone para contato e Steve colocou os da
vítima, fazendo com que os Wood recebesse inúmeros telefones de pessoas os
assediando, principalmente a Lajuan. (TSOULIS-REAY, 2013,
http://nymag.com/news/features/sex/revenge-porn-2013-7/)

Outro caso que repercutiu nas redes de comunicação abordando o tema


de divulgação de conteúdo íntimo, ocorreu também durante a década de 80, em que
a revista Hustler, de origem americana, que criou um setor exclusivo para o envio de
fotografias amadoras de mulheres, junto de seus dados pessoais. As mulheres que
desejariam a divulgação de suas imagens, tinham que efetuar o preenchimento de
um formulário com seus respectivos dados, gostos e a autorização para a
publicação e enviar juntamente com a sua foto.

Devido ao baixo grau de segurança na admissão das imagens, inúmeras


fotos foram publicadas sem a real autorização das mulheres, que teriam não apenas
suas imagens íntimas divulgadas em uma revista pornográfica, como também suas
informações pessoais, como contato telefônico e endereço. Durante a circulação
destas imagens, muitas dessas mulheres recebiam ligações e sofriam constantes
assédios tanto em seus ambientes de trabalho quanto no seu convívio social, por
estranhos e conhecidos.

A maior parte das imagens que foram publicadas sem a autorização das
mulheres, foram enviadas por seus parceiros e ex-parceiros. São variados os
diversos motivos como, para provocar humilhação, prejudicar seus relacionamentos,
dificultar suas vidas sociais, enfim, causar danos irreparáveis à vida profissional e
social destas mulheres.

A revista recebeu diversos processos judiciais, contudo é indubitável que


uma vez divulgadas as imagens, a vida dessas mulheres já havia sido danificada,
pois elas teriam que conviver com o estigma e a humilhação que estariam
definitivamente presentes em seus cotidianos a partir daquele momento.

A partir dos casos em comento, as revistas especializadas passaram a ter


um controle mais rigoroso quanto às fotografias que recebiam, além disso, muitas
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passaram a aceitar apenas materiais de casais que trabalhavam com fotografias


pornográficas. Porém, com o surgimento da internet e a possibilidade de veiculação
de inúmeros conteúdos, de incontáveis lugares para milhões de pessoas, a
facilidade para que se cometesse esse tipo de violação aumentou drasticamente.

1.2– A Pornografia de Vingança em um Mundo Virtual

A evolução do mundo tecnológico originou grandes avanços para a


sociedade, contudo, a junção de sua praticidade à sua celeridade, podem ocasionar
danos avassaladores, demonstrando assim, o lado negativo desta evolução.

A falta de limites ou até mesmo de barreiras físicas no mundo tecnológico,


possibilita que a Pornografia de Revanche ingresse na internet de modo fácil e
arrebatador. Pois ela transcende as mais variadas nações, povos e gerações,
reunindo informações e desinformações da mesma maneira, trazendo assim, uma
enorme complexidade em separar o bom do ruim e o certo do errado.

Virtualmente, onde todos possuem seu espaço e autonomia para


compartilharem suas crenças, ideais e anseios, há também espaço para inverdades,
corrupção e maldade, pois a internet é vista por muitos como “terra de ninguém”. A
Pornografia de Vingança possui demasiada força no mundo tecnológico, o qual
motiva ainda mais as publicações de momentos íntimos, para o público, devido ao
sentimento de impunidade que o agente possui, acreditando estar seguro atrás de
uma tela de um computador ou celular.

Devido a enorme proporção do mundo virtual, assim que publicado na


internet, não poderá mais ser apagado. É dura a realidade da vítima de Porn
Revenge, uma vez que esta não possuirá mais paz ou sossego, com a receio de que
em algum momento aquelas imagens voltem à tona.

São inúmeros os momentos de aflição ao não saber, quem, quando e


onde poderão ser acessados esses materiais. Podendo futuramente ser seus
colegas de trabalho, chefes, futuro parceiro, ou até mesmo os colegas de seu filho.
12

E assim que ressurgir novamente, todo o sentimento de humilhação e sofrimento


retornará à vítima.

O sofrimento causado pela divulgação desses momentos íntimos, além de


afetar gravemente a vítima, afeta também o seu núcleo familiar por completo, que
vira motivo de zombaria no trabalho, escola ou qualquer lugar de seu convívio social.

É de suma importância ressaltar que a ideia disseminada pela Pornografia


de Vingança, possui um sentido degradante, de que a pessoa exposta pelas
imagens estaria fazendo algo impróprio, quando na realidade, ela estaria agindo
naturalmente em uma situação de amor e confiança. No entanto, tem-se a imagem
ligada a ideia de despudor, de prostituição, que faz com que a pessoa se sinta
culpada, quando esta é simplesmente a vítima.

1.3 – Como a Pornografia de Revanche Afeta a Sociedade

A Pornografia de Revanche atinge a todos os gêneros, faixas etárias e


classes sociais, todavia mulheres com idades entre 12 a 25 anos são o público que
mais sofre com a divulgação das imagens íntimas.

Poderia ser feita uma análise do ponto de vista sociológico sobre o motivo
dessa parcela da sociedade ser mais afetada, porém é necessário admitir que a
atual sociedade é machista, e desde cedo, se é ensinado que mulheres são objetos,
seja por orientações familiares, propagandas e marketings preconceituosos ou
docentes com pensamentos arcaicos. É importante ressaltar que os homens não
são capazes de imaginar como a mulher vai se sentir quando a sociedade começar
a julgá-la por algo que não é pertinente a vida de mais ninguém, além da dela.

Nos dias atuais, estamos constantemente presenciando um fenômeno


imenso de humilhação e perseguição pela internet, o que está mais habitualmente
conhecido como Cyberbullying.
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Além da vida pessoal se tornar um caos devido à exibição de momentos


íntimos, o limite do virtual está sendo rompido, como por exemplo, alunos imprimindo
fotografias e criando listas de quem são as garotas mais “vadias” da escola.

Uma lista chamada "TOP 10", que circula entre alunos de escolas públicas
nas periferias de São Paulo, já motivou tentativas de suicídio de pelo menos
12 garotas desde o ano passado no Grajaú, Parelheiros e Embu das Artes.

(...) Os alunos montam rankings classificando dez meninas como "vadias".


Os nomes circulam pelo Whattsap, vídeos no Youtube, Facebook e até
cartazes colados no interior das escolas. Cada colégio tem sua lista e
alguns alunos as divulgam semanalmente. As escolhidas que ficam mais de
uma semana no ranking vão subindo de colocação. Desde que a lista
começou, há quase um ano, a rotina dessas meninas se transformou em
uma espécie de prisão e condenação sem que nada tivessem feito. Grupos
ativistas tentam reverter a situação das vítimas e conscientizar os
adolescentes do crime que estão cometendo.

Os estudantes pegam fotos das redes sociais para montagem ou se utilizam


de imagens de nudez que as meninas mandaram para algum namorado que
repassou para os colegas. A lista tornou-se conhecida não só entre os
alunos, mas também nos bairros, depois que muros com xingamentos às
vítimas foram pichados. No Jardim Castro Alves, no Grajaú, zona sul da
capital, “S. L. Puta Top 10” ficou exposto por meses até que foi apagado por
um "grafitaço" promovido pelo movimento social "Mulheres na Luta".
(ALBUQUERQUE, 2015, https://noticias.r7.com/sao-paulo/meninas-
abandonam-estudos-e-tentam-suicidio-apos-entrar-para-lista-das-mais-
vadias-27052015)

A precoce sexualização dos jovens, bem como o uso inconsequente dos


meios tecnológicos tem gerado inúmeras vítimas, ainda mais quando não há uma
proteção e punição adequada para o menor de idade. Isto é, a vítima de um menor
de idade tem que se contentar em não obter justiça adequada ao crime que sofreu.

Saori, hoje com 16 anos, foi vítima de Pornografia de Vingança. O


garoto que divulgou suas fotos tinha 17 anos. "Ele pedia para
fazermos sexo novamente, me ameaçou dizendo que ia espalhar as
fotos para a escola, e eu não quis", relata. A partir daí, ficou muito
difícil para que a adolescente voltasse a viver como antes. Amigos
viraram as costas e dedos condenatórios lhe apontavam como se
fosse uma criminosa. "Fui obrigada a parar de estudar por uns dois
anos. Não saía, não fazia nada a não ser viver trancada em casa.
Cheguei a entrar em depressão, tentei me matar e fui parar no
hospital. Hoje, aprendi a lidar com tudo isso, a ser forte. Mas ainda
choro muito e tomo remédios", diz. O crime não terminou naquele dia
traumático há quatro anos: não raro, a adolescente encontra suas
fotos em diferentes sites. (VARELLA, G; SOPRANA, 2016,
https://epoca.globo.com/vida/experiencias-
digitais/noticia/2016/02/pornografia-de-vinganca-crime-rapido-trauma-
permanentee.html)
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A perspectiva da mulher como um objeto torna mais fácil esquecer que


ela é uma pessoa dotada de sentimentos. E a ausência de punição além de facilitar
esse processo, também propaga esse pensamento, inclusive no ambiente escolar,
onde os menores infratores respondem pelo ECA, o que normalmente acaba não
levando a nada.

Contudo, as próprias escolas não defendem nem prestam suporte às


vítimas, não há uma política adequada para lidar com essa situação. Deste modo,
acaba ocorrendo a exclusão da vítima até que ela desista da escola, enquanto o
autor e os compartilhadores permanecem impunes, disseminando o mesmo
pensamento e continuando a praticar o crime com outras pessoas, e até mesmo
com vítimas passadas, através de Cyberbullying dentre outras ações ofensivas.
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2. DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

A palavra “personalidade” vem do Latim personalitas, de personalis, que


significa “relativo a uma pessoa”. Que é a construção que aborda o conjunto
das características marcantes de um indivíduo, determinando a maneira
de pensar, sentir e agir, assim como determina a relação entre o indivíduo e as
demais pessoas e sociedade, através de sua própria individualidade pessoal e
também social.

Os direitos personalíssimos são atribuídos a todos, positivados e


garantidos pelo ordenamento jurídico. Considera-os inerentes a defesa dos valores
humanos, bem como a personalidade está interligada a definição de pessoa, dado
que, todos aqueles que nascem com vida tornam-se pessoas, obtendo
personalidade, por conseguinte. Acerca do termo, Carlos Roberto Gonçalves (2015,
p.94) conceitua:

[...] A personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a


estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos
constitucionais de vida, liberdade e igualdade. É qualidade jurídica que se
revela como condição preliminar de todos os direitos e deveres que se
refere à manifestação da desigualdade de gênero. (GONÇALVES, 2015,
p.94)

O presente capítulo é destinado à apresentação de aspectos conceituais


importantes relativos aos direitos da personalidade, como a inserção destas
garantias na Constituição Federal de 1988 e Código Civil Brasileiro de 2002.

2.1– Direitos da Personalidade na Constituição Federal de 1988.

Os direitos personalíssimos ou direitos da personalidade surgiram de um


cenário histórico, econômico e jurídico diante da responsabilidade de preservação
da humanidade, intervindo na elaboração da Constituição Federal de 1988.
Os direitos da personalidade caracterizam-se como aqueles inerentes à
pessoa e à sua dignidade, consoante o art. 1º, inciso III da CRFB/1988, que faz
menção à dignidade da pessoa humana, ao dispor tal princípio como fundamento da
16

República Federativa do Brasil. Alexandre de Moraes (2017, p.18), declara a


dignidade da pessoa humana como um valor moral e espiritual inerente à pessoa:

[...] constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve


assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. (MORAES, 2017, p. 18).

Nesse contexto, para proteger a dignidade da pessoa surgem os direitos


fundamentais na Constituição Federal, ao afirmar, em seu art. 5º, inciso X, que a
intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas são invioláveis,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação, devendo o direito abranger a todos indistintamente, ou seja, possuem
eficácia erga omnes.

Questiona-se: Como distinguir intimidade de vida privada? Conforme Uadi


Lammêgo Bulos apud Flávio Martins:

[...] a vida privada e a intimidade são os outros nomes do direito de estar só,
porque salvaguardam a esfera de reserva do ser humano, insuscetível de
intromissões externas (aquilo que os italianos chamam de rezervatezza e os
americanos privacy). (...) Amiúde, a ideia de vida privada é mais ampla do
que a de intimidade. Vida privada envolve todos os relacionamentos do
indivíduo, tais como suas relações comerciais, de trabalho, de estudo, de
convívio diário etc. Intimidade diz respeito às relações íntimas e pessoais do
indivíduo, seus amigos, familiares, companheiros que participam de sua
vida pessoal. (BULOS apud MARTINS, 2018, p. 924)

Deste modo, pode-se afirmar que a intimidade e a vida privada são dois
segmentos que dizem respeito ao mesmo direito: o direito à privacidade ou direito de
estar só. O direito à intimidade é restrito e está contido no direito à vida privada,
referindo-se as relações mais íntimas da pessoa e até mesmo a integridade corporal
como relações amorosas, familiares etc. O direito à vida privada é mais amplo e
refere-se a todos os relacionamentos, como comerciais, de trabalho, estudo,
convívio diário etc.

A honra da pessoa constitui dois fatores: a honra objetiva, que consiste na


imagem que a sociedade tem sobre esta, são abrangidas além de pessoas físicas,
também as jurídicas; E a honra subjetiva, que consiste no que a pessoa pensa de si
própria, nessa são abrangidas, apenas as pessoas físicas. O direito à honra é um
direito individual, de primeira dimensão, de status negativo, considerando que não
17

poderá o Estado, através de suas ações, ferir a honra das pessoas. Entretanto, esse
direito inegavelmente possui eficácia horizontal, na medida em que esse deve ser
respeitado pelas próprias pessoas, horizontalmente, pena de responsabilização
penal e civil pelas violações.

A imagem também é compreendida em três aspectos: A imagem social,


chamada de imagem objetiva ou honra objetiva, que é o que as pessoas pensam
sobre o ofendido, tendo como titular tanto a pessoa física, como a pessoa jurídica; A
imagem-retrato que consiste na imagem física do indivíduo, capturada por recursos
como fotografias ou filmagens, bem como por pinturas e caricaturas; E a imagem
autoral que é a imagem do autor que participa de obras coletivas.

Por fim, é importante ressaltar que se trata de um direito absoluto,


encontrado no ordenamento jurídico, pois concedem a seu detentor o direito ao
respeito e possuem eficácia contra todos, impondo-se à coletividade o dever de
respeitá-los.

2.2 – Direitos da Personalidade no Código Civil Brasileiro de 2002.

Além da Constituição Federal, encontram os direitos da personalidade


fundamento legal no Código Civil, especialmente entre seus artigos 11 e 21,
lembrando sempre não serem essas normas exaustivas ou taxativas, conforme
ressaltou o Enunciado 274 do CJF que foi aprovado em 2006, no qual se lê que "os
direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil,
são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art.1º, III,
da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão
entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da
ponderação”.

A positivação dos direitos da personalidade na Parte Geral do Código


Civil representa, intrinsecamente, uma enorme evolução em relação ao Código Civil
de 1916. A instauração de um capítulo dedicado à proteção da pessoa, em seus
18

aspectos essenciais, deve ser interpretada como afirmação do compromisso de todo


o direito civil com a tutela e a promoção da personalidade humana.

Os direitos da personalidade no âmbito do Direito Civil Brasileiro são


reconhecidos como direitos individuais, pertencentes à pessoa humana,
intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, vitalícios, impenhoráveis,
inalienáveis, não sujeitos a desapropriação e que merecem proteção legal. São
reconhecidos pela doutrina, ordenamento jurídico, bem como protegidos pela
jurisprudência. São direitos personalíssimos, o direito à vida, ao nome, à liberdade,
ao próprio corpo, à imagem e à honra.

Francisco Amaral citado por Carlos Roberto Gonçalves (2015) conceitua


direitos da personalidade como direitos subjetivos que têm por objeto os bens e
valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual.

Por sua vez, Maria Helena Diniz citada por Carlos Roberto Gonçalves
(2015), com apoio na lição de Limongi França, os conceitua como direitos subjetivos
da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida,
alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas
do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento,
autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato,
segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social).

Dessa forma, percebe-se a importância dos Direitos da Personalidade nas


prerrogativas individuais pertencentes à pessoa humana, quanto ao nome, à
identidade, à honra, à moral, à integridade física e psíquica, na proteção da
intimidade e da disposição do próprio corpo. Assim é de fundamental importância
resguardar tais direitos, visto que estes protegem os indivíduos mesmo após a sua
morte.
19

3 – DA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ATO ILÍCITO

O termo “responsabilidade” origina-se do latim re-spondere, que distingue


a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem lesado.
Teria, destarte, o significado de recomposição, de obrigação de ressarcir ou restituir.

A concepção da responsabilidade sob o âmbito cível é representada em


nosso ordenamento jurídico através de variados dispositivos legais. Na esfera cível,
a responsabilidade é destinada a reparação e indenização daquele que teve um bem
jurídico lesado pelo agente causador do dano. Deste modo, Gagliano e Pamplona
Filho (2018, p.53) conceituam:

[...] a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse


eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de
uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o
estado anterior das coisas. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2018, p.53)

O presente capítulo é destinado à apresentação de aspectos conceituais


importantes para o estudo da responsabilidade civil decorrente de ato ilícito, como à
inserção destas no âmbito do Código Civil Brasileiro de 2002, bem como em relação
à esfera Penal.

3.1 – Do ilícito civil – artigo 186 combinado com o artigo 927 do CC

A responsabilidade civil está representada em nosso ordenamento


jurídico através de variados dispositivos legais, como nos artigos 186, 187 e 927 do
Código Civil de 2002, tal como se observa, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[...]
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo. (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de
2002).

A responsabilidade civil é dividida em objetiva e subjetiva. A


responsabilidade objetiva está elencada de modo específico no parágrafo único do
20

artigo 927 do Código Civil de 2002, sem prejuízo a outros dispositivos legais que
tratem a respeito desta.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem. (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro
de 2002).

O que interessa é a comprovação exclusiva do acontecimento do dano e


o nexo causal, visto que a responsabilidade objetiva independe de culpa. Dessa
forma, Sérgio Cavalieri Filho (2019, p.225). conceitua:

[...] Na responsabilidade objetiva teremos uma atividade ilícita, o dano e o


nexo causal. Só não será necessário o elemento culpa, razão pela qual fala-
se em responsabilidade independente de culpa. Esta poderá ou não existir,
mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar
(CAVALIERI FILHO, 2019, p.225).

Já a responsabilidade subjetiva “decorre daquele princípio superior do


Direito que ninguém pode causar dano a outrem” (CAVALIERI FILHO, 2019, p. 37).
Logo, é fundamental a confirmação da culpa do agente causador do dano.

O trabalho em comento manterá o enfoque sobre a perspectiva subjetiva


da responsabilidade civil, posto que, tratando-se de pornografia de revanche, o
encargo sobre a indenização manifesta-se de acordo com a ação do sujeito
causador do dano, ao divulgar imagens ou outros materiais de cunho sexual de sua
ex-companheira, dolosamente, com a intenção de depreciá-la.

É primordial a comprobação de alguns requisitos essenciais para que


configure a responsabilidade subjetiva, tais como: a conduta (ação ou omissão); dolo
ou culpa do agente, nexo de causalidade e o dano. Desse modo, cabe apresentar
cada requisito supramencionado, de forma sucinta, para maior compreensão acerca
do instituto da responsabilidade civil.

O primeiro requisito explana sobre a conduta do agente causador do


dano, nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho (2019, p.40), sugere:

[...] Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que


se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências
21

jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo


a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo (CAVALIERI FILHO,
2019, p.40).

Deste modo, é compreendido que através do ato é gerada a ilicitude e por


consequência a obrigação de indenizar, visto que a conduta é geradora da
responsabilidade.

O segundo pressuposto corresponde à culpa do agente, vários


doutrinadores apontam a culpa em duas concepções, sendo essas a lato sensu e a
stricto sensu.

A culpa lato sensu concerne a um requisito intrínseco da conduta


humana, sendo este um dos pontos de maior relevância no plano da
responsabilidade subjetiva. “é porque a realização externa de um fato contrário ao
dever jurídico deve corresponder a um ato interno de vontade que faça do agente a
causa moral do resultado” (CAVALIERI FILHO, 30 2019, p. 47). Trata-se de uma
culpa extensiva que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito.

No que corresponde à culpa em sentido estrito, o comportamento é


voluntário, porém não se deseja o resultado. O comportamento antecedente ao
resultado é apreciado, mas o resultado em si é involuntário.

Por último, há o dano, elemento fundamental da responsabilidade civil,


logo, “para que haja o pagamento de indenização, além da prova de culpa ou dolo
na conduta é necessário comprovar o dano patrimonial ou extrapatrimonial
suportado por alguém” (TARTUCE, 2014, p.390). Evidentemente, se não houver
dano a ser reparado, não há de se falar em dever de reparação.

O pressuposto supramencionado divide-se em duas vertentes, sendo em


dano patrimonial e dano extrapatrimonial, ambos vão surgir conforme o interesse
que se objetiva tutelar. Nos patrimoniais, há interesse de caráter econômico, posto
que, caso ocorra, há redução no patrimônio do autor, pois “constituem prejuízos,
perdas que atingem o patrimônio corpóreo de uma pessoa natural, pessoa jurídica
ou ente despersonalizado” (TARTUCE, 2014, p. 393).
22

Quanto aos extrapatrimoniais, são os que afetam o psicológico e a moral


da vítima, trazendo dor e sofrimento, “representam para o seu titular um valor maior,
por serem atinentes à própria natureza humana” (CAVALIERI FILHO, 2019, p.117).

Sem dúvidas a pornografia de revanche atinge a moral e o psicológico de


quem sofre tal fenômeno, pois é posto em risco sua honra, imagem e privacidade,
denegrindo sua reputação. Assim sendo, afirma-se que tal delito provoca
preeminentemente, danos de natureza extrapatrimoniais, principalmente, o dano
moral, visto que os direitos personalíssimos são violados.

Importante mencionar o artigo 12 do Código Civil, que dispõe: “pode-se


exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas
e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”, trazendo, deste modo,
que sendo ocasionados ameaças, lesões ou danos aos direitos da personalidade, é
possível exigir-se que os encerre imediatamente, possibilitando que os danos e
prejuízos resultantes da violação sejam reparados.

Assim sendo, tem-se que “a responsabilidade civil opera a partir do ato


ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar
indemne o lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do
fato danoso” (CAVALIERI FILHO, 2019, p.16).

Conforme aludido, o objetivo da reparação dos danos é o


reestabelecimento à condição anterior ao acontecimento que lesou o direito,
entretanto, tratando-se de dano moral, o qual “abrange todo atentado à reputação da
vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao
seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, ás suas afeições etc.”
(STOCCO, 2004, p. 1665), se torna praticamente impossível, pois uma vez praticado
o ato que culminou o dano, dificilmente se consegue restabelecer o status quo ante.
Dessa forma, Gagliano e Pamplona Filho (2018, p.101) conceituam:

[...] O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é


pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras,
podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera
personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por
exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos
tutelados constitucionalmente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2018,
p.101).
23

A Constituição da República Federativa do Brasil atribuiu uma proporção


maior ao dano moral, como bem comentado por Cavalieri Filho (2019, p. 118):

[...] A luz da Constituição vigente podemos conceituar o dano moral por dois
aspectos distintos: em sentido estrito e em sentido amplo. Em sentido estrito
dano moral é a violação do direito à dignidade. E foi justamente por
considerar a inviolabilidade da intimidade, vida privada, da honra e da
imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu
art. 5º, incisos V e X, a plena reparação do dano moral (CAVALIERI FILHO,
2019, p. 118).

Se a prática do ilícito ocorrer no ambiente doméstico ou praticada por


relações efetivas contra a menina ou mulher, conforme ocorre no crime em estudo,
deve-se ser elevado o valor do dano, pois a relação de confiança depositada entre
agente e vítima é quebrada.

Ademais, ressalta-se que o “elemento fundamental do direito à intimidade,


manifestação primordial do direito à vida privada, é a exigibilidade de respeito ao
isolamento de cada ser humano, que não pretende que certos aspectos de sua vida
cheguem ao conhecimento de terceiros” (BITTAR apud GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2018, p. 235).

Portanto, ressalta-se que no tocante à intimidade da pessoa lesada, trata-


se de uma área reservada e particular de sua vida, faz-se necessário o respeito a
seu espaço privado, e o dever do autor que violou tal direito em arcar com os danos
que provocou.

No tocante às vítimas da pornografia de revanche, são evidenciadas as


solicitações com o intuito de remover suas mídias íntimas expostas na internet, com
o objetivo de diminuir ou findar o dano sofrido, bem como requisições de
indenização monetária fundamentadas na responsabilidade civil, para compensação
da lesão à moral da vítima.

A reparação de cunho monetário advinda desse ilícito é materializada


quando a importância em dinheiro correspondente ao dano é paga, todavia, quando
a intimidade é violada, o legislador encontra dificuldade ao estimar o dano sofrido,
ocasionando diversas indenizações em valores desproporcionais à lesão.
24

Constata-se que o dano moral de caráter indenizatório deve ser fixado


pelo juiz depois de analisadas as circunstâncias que motivaram o dano, isto é,
compete “ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a
repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a
título de reparação pelo dano” (CAVALIERI FILHO, 2019, p. 135).

No entanto, preocupa-se acerca da fixação dos fatores quantitativos do


dano, de modo que o equilíbrio seja mantido entre a reparação pelo dano causado a
vítima e a obrigação de prevenir o enriquecimento sem causa, impedindo que o
dano moral se transforme em fonte de lucro. Sérgio Cavalieri Filho (2019, p.136),
sugere:

[...] Na fixação do quantum debeatur de indenização, mormente tratando-se


de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que
o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser
suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada
mais. Qualquer quantia maior importará enriquecimento sem causa,
ensejador de novo dano (CAVALIERI FILHO, 2019, p.136).

Ademais, a sexualidade feminina é colocada em xeque nesse crime, que


nos faz deparar com preconceitos consolidados em nossa cultura, o que colabora
ainda mais para dificultar a análise quantitativa gerada pelo dano, posto que, em
nossa sociedade há a predominância da desigualdade de gênero. Deste modo, é
difícil dimensionar o dano moral como um todo, pois isso gera dificuldades quanto à
consolidação de jurisprudências, bem como a elaboração de decisões justas e
eficazes concernentes à pornografia de vingança.

3.2 – A Independência da Responsabilidade Civil em relação à


Responsabilidade Penal.

No direito brasileiro a responsabilidade jurídica compreende a


responsabilidade civil e a responsabilidade penal.

A ilicitude é considerada civil ou penal, a depender da norma jurídica


violada pelo infrator. Na responsabilidade penal, o interesse lesado é social,
desrespeitando uma norma penal, que atinge um bem jurídico protegido por ela,
sendo este de direito público.
25

Em contrapartida, na responsabilidade civil o interesse lesado é de ordem


privada, vez que o ofendido poderá requerer em juízo ou não, a reparação do dano
causado.

Se o dano causado, também infringir a norma penal, o transgressor será


responsabilizado, concomitantemente, civil e penalmente.

A responsabilidade civil é exclusivamente patrimonial, enquanto a


responsabilidade penal é pessoal e intransferível, visto que ninguém pode responder
criminalmente além dos limites da própria culpabilidade, respeitando o princípio da
personalidade da pena. Tal princípio está elencado no art. 5º, XLV, da Constituição
Federal, que assim dispõe:

Art. 5º - (...) XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado,


podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido. (BRASIL.
[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Presidência da República, 1988.)

Na esfera criminal, a tipicidade é um de seus requisitos genéricos.


Todavia, na área cível, quaisquer que sejam a ação ou omissão podem ocasionar a
responsabilidade, desde que infrinja algum direito e gere prejuízo a outro.

Quanto à culpa, na esfera criminal para que haja condenação é exigido


que a culpa tenha determinado grau ou intensidade. Já na esfera cível, a
culpabilidade é mais ampla, pois ainda que a culpa seja de natureza levíssima,
obriga-se a indenização. Porém, o que se difere é apenas o grau ou o critério de
aplicação, visto que a culpa penal e civil são iguais, pois possuem os mesmos
elementos.

No que se refere à imputabilidade, apenas os maiores de 18 anos são


responsáveis penalmente. Já na esfera cível, o menor de 18 anos responde pelos
seus atos geradores de prejuízo, se seus responsáveis não tiverem obrigação de o
fazer ou não dispuserem de meios suficientes, e se a indenização não o privar do
necessário ao seu sustento, ou de seus dependentes.
26

Posto isso, ao passo que o juiz da esfera criminal não tiver resolvido da
demanda, os processos correrão independentes e as duas responsabilidades
poderão ser, independentemente investigadas, haja vista o fato de na esfera criminal
ser julgado em seu aspecto social com a repressão ao agente através da aplicação
da pena, enquanto que na esfera civil, o mesmo é obrigado a reparar o dano
levando-se em consideração o elemento subjetivo do mesmo e o nexo de
causalidade entre a sua conduta, quer comissiva ou omissiva, e o resultado danoso,
gerando dessa maneira o dever de indenizar a vítima ou seus dependentes,
conforme o caso concreto.

3.3 – Do Ilícito Penal referente aos Crimes contra a Dignidade Sexual da


Pessoa Humana.

Ao longo da evolução da sociedade, em conformidade com a Constituição


Federal, fez-se necessária, a criação de uma nova concepção do objeto jurídico do
crime, de maneira que esse assuma especial importância na dignidade da pessoa
que é posta em risco.

Com isso, houve a alteração no foco da proteção jurídica. Não há de se


falar, em primeiro plano, do resguardo dos bons costumes, isto é, o bem mais
relevante a ser protegido, sob o ponto de vista sexual, passou a ser a tutela da
dignidade do indivíduo.

A tutela da dignidade sexual, por conseguinte, é derivada do princípio


norteador do direito penal, sendo este, o princípio da dignidade da pessoa humana,
que se propaga por todo o sistema jurídico devido aos seus inúmeros significados e
incidências. Posto isso, pode-se dizer que a dignidade da pessoa é uma alusão
constitucional unificadora dos direitos fundamentais pertencentes à natureza
humana, ou seja, daqueles direitos que têm em vista a garantia do conforto
existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social.

A dignidade da pessoa humana está diretamente ligada ao sentimento de


respeitabilidade, à liberdade de autodeterminação sexual da vítima, a sua
27

autoestima, à sua preservação mental, moral e física, de modo que constitui


presença marcante na formação da sua personalidade.

O Direito Penal compreende todas as incertezas originárias dos vários


segmentos sociais e busca cumprir o seu papel constitucional de tutelar a dignidade
sexual como bem maior, sem descuidar de outros direitos essenciais, como a
intimidade e a vida privada.

Desde a edição do Código Penal, em 1940, várias reformas no Título


referente aos delitos sexuais foram feitas, a fim da busca em eliminar o machismo
influente nesse cenário, que tutelava a virgindade da mulher e o seu recato sexual.

A Lei nº 13.718 foi sancionada no dia 24 de setembro de 2018,


modificando assim o Código Penal, onde as condutas de importunação sexual e de
divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia receberam o título de crime.
Deste modo, a partir do surgimento da supracitada lei, foi criminalizada no Brasil, a
prática denominada como Pornografia de Vingança.

Esta conduta, antes de ser regulamentada em lei, era enquadrada pelo


ordenamento jurídico brasileiro em crimes como difamação ou injúria, sendo esses
elencados nos artigos 139 e 140 do Código Penal Brasileiro, com penas de
detenção de três meses a um ano e de um a seis meses, respectivamente.

Se a mulher fosse submetida a agressão psicológica, ela poderia, em


tese, se amparar na Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha. E se caso a vítima se
encontrasse na posição de menoridade, esta seria tutelada pela Lei 8.069/90,
Estatuto da Criança e do Adolescente.

A conduta em análise ainda traz diversas divergências e discussões nos


Tribunais brasileiros, visto que se trata de um tipo de violência relativamente nova.
Por esse motivo, quanto à busca de responsabilização do agressor não apenas no
âmbito criminal, mas também no cível, as vítimas ainda encontram diversas lacunas
jurídicas, pois ainda há falta de domínio dos operadores da lei acerca do problema
em questão.
28

4 – DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA À LUZ DO DIREITO PENAL


BRASILEIRO.

No Brasil, a publicação de imagens, vídeos e outros conteúdos com teor


sexual sem a permissão dos envolvidos passou a ser interpretada pela Justiça como
crime, além de passível de indenização moral e material na esfera cível. O advento
dessa lei teve como marco impulsionador fatos reais e sucessivos a comover a
sociedade em nível nacional.

O presente capítulo é destinado à apresentação da Lei Penal nº


13.718/2018 e a inserção do artigo 218-C que versa sobre o tema pertinente ao
presente estudo, bem como a apresentação e análise de casos reais que foram
propícios a impulsionar a criação da supramencionada lei.

4.1 – Pornografia de Vingança e a Mídia Brasileira

No presente trabalho, serão abordadas histórias referentes ao fenômeno


da pornografia de vingança no Brasil que foram propícias a impulsionar o surgimento
da Lei Penal nº 13.718/2018. Francyelle dos Santos Pires, Rose Leonel e Julia
Rebeca dos Santos são representadas aqui como algumas das milhares de meninas
e mulheres que foram expostas através da internet com sua intimidade violada.

Será apresentado o relato de cada menina ou mulher que sofreu esse tipo
de violência com a sua imagem, mostrando um pouco o sentimento de cada uma.

Deste modo, o intuito é a reapropriação do relato, a fim de reproduzi-lo


respeitando especialmente o ponto de vista das meninas e mulheres. Assim, tem por
objetivo, ainda que de maneira póstuma e simbólica, proporcionar visibilidade e voz
às vítimas.

4.1.1 - Francyelle dos Santos Pires


“Queria ter minha vida de volta. Eu morri em vida.”
29

Francyelle dos Santos Pires


(NETO, 2014, https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/jovem-que-
teve-video-intimo-divulgado-na-internet-vai-abrir-outro-processo-contra-
suspeito-17588/)

O caso de Francyelle dos Santos Pires é provavelmente o caso que teve


maior repercussão nacional. No decorrer de três anos manteve com Sérgio Henrique
de Almeida Alves, de 22 anos, um relacionamento instável.

Fran, como era conhecida na internet, descobriu que estava grávida. A


apuração e o reconhecimento da paternidade do filho foram causa de inúmeras
brigas entre Francyelle e Sérgio. Durante 5 meses eles cortaram qualquer tipo de
comunicação, mas logo depois retomaram o relacionamento.

A partir daí, o até então companheiro pedia a Francyelle que o permitisse


filmar durante as relações sexuais do casal. No início ela se sentia desconfortável
com a sugestão, porém com o tempo Sérgio a convenceu, alegando que o vídeo
estaria seguro em seu celular.

Na data de 3 de outubro de 2013, dia em que o vídeo que visualizou na


internet foi gravado, os dois tiveram uma discussão, na qual Francyelle decidiu
romper a relação com Sérgio, dizendo que não queria vê-lo nunca mais. Durante o
dia Sérgio tentou contatá-la, mas Francyelle não respondeu mais suas mensagens.
Diante dessa situação, ele com raiva, enviou para amigos vídeos em que o casal se
relacionava sexualmente. Um detalhe, em todos os vídeos apenas Francyelle era
bem identificada e tudo começou a viralizar no aplicativo WhatsApp.

Com rapidez a identidade dela foi descoberta, e seus dados pessoais


como telefone, endereço e local de trabalho se espalharam na internet. Francyelle
disse que de maneira muito rápida e dolorosa sua vida se tornou uma grande
bagunça.

Diante do ocorrido Francyelle foi até a Delegacia Especializada em


Atendimento à Mulher (GO), onde mora, e registrou o boletim de ocorrência contra o
ex-companheiro.
30

Ela declarou que a equipe da delegacia demonstrou desinteresse, não


dando a devida relevância ao fato que havia acontecido com ela.

No decorrer de mais dois dias, Francyelle alegou que sua vida tinha
"virado um inferno", havia muita repercussão em torno dos vídeos e muitas ofensas
a respeito dela. Um dos vídeos gerou milhares de compartilhamentos, devido a um
símbolo em que faz com as mãos durante a gravação, o vídeo viralizou e ela virou
“meme” nas redes sociais tornando-se motivo de piada nacionalmente. Desatentos a
gravidade dos fatos, muitas pessoas, até mesmo famosos, postaram fotos imitando
o gesto vexatório.

Além de tudo isso, inúmeros desconhecidos começaram a compartilhar


fotos postadas na conta de Francyelle no Facebook, com isso, sua filha, que tinha
apenas dois anos de idade, também foi exposta na internet.

Devido às proporções que as gravações tomaram, a rotina de Francyelle


foi totalmente transformada em algo muito ruim, pois ela não tinha mais vida. Não
conseguia estudar, trabalhar ou sair de casa. A vida da estudante, devido à
repercussão que teve de seus vídeos, foi transformada, já que teve que alterar seu
visual totalmente e afastar-se do seu emprego de vendedora na loja da cidade. O
único motivo que ela saía de sua casa era para conversar com seus advogados
sobre o processo que promovia contra o seu ex-parceiro, que divulgou vídeos de
conotação sexual. As coisas começaram a piorar tanto, que o fato começou a
influenciar até mesmo em seu ambiente de trabalho, na qual entravam pessoas,
oferecendo programa para quem trabalhava no mesmo local que Francyelle.

E não só isso, pois também conseguiram o número de telefone de


Francyelle, mandavam mensagens querendo saber se ela fazia programa, em busca
de encontros sexuais com ela. Várias pessoas começaram a chama-la de vadia,
prostituta. Francyelle diz que um homem mandou mensagem para ela dizendo que
iria até Goiânia para ter um encontro com ela e que pagaria 10 mil reais.

A vítima relatou que recebia muitas mensagens, que se somavam


incessantemente no WhatsApp, comparando seu celular a uma calculadora, foram
mais de 4 mil mensagens de vários DDD's desconhecidos.
31

Francyelle revelou como foi importante o amparo que recebeu de sua


família, amigos e até mesmo de muitos desconhecidos que deram suporte para que
mantivesse a cabeça erguida, mesmo diante dos acontecimentos negativos. A partir
desse momento, foram criadas inúmeras páginas nas redes sociais, com o objetivo
de prestar solidariedade a ela, dentre as quais, a mais conhecida denominada
"Apoio Fran", somava mais de 38 mil seguidores. O intuito da página era a
divulgação de progressos no caso, bem como mensagens de apoio e solidariedade
a outras meninas e mulheres que vivenciaram situações como a dela. “Do mesmo
jeito que tem gente me criticando, tem gente me apoiando”, destacou à época.

Apesar da repercussão negativa, ela diz não ter se arrependido de efetuar


a gravação: “Não me arrependo porque fiz por amor, com uma pessoa que eu
amava e em quem eu confiava. Só que isso não deveria ter sido mostrado para
ninguém”, relata. “Eu confiei. Eu nunca imaginei que ele faria isso”.

Decorridos mais de um ano da publicação do vídeo, Francyelle conta a


impossibilidade de trabalhar devido à exposição. “Já até procurei emprego em outros
lugares. Mas quando olham meu currículo, veem meu nome e onde eu trabalhei se
lembram do que aconteceu e não chamam”, declarou. Desempregada, sem
condições de custear as despesas, teve que interromper seus estudos.

Na ação judicial movida em face de seu ex-companheiro, que correu em


segredo de justiça, Francyelle pleiteava sua condenação pelos crimes contra a
honra, injúria e difamação. Todavia, o Ministério Público, em outubro de 2014,
propôs um acordo, em que o acusado aceitou, no qual foi incumbido a durante cinco
meses, prestar serviços comunitários. Para a vítima, a sanção não foi suficiente. “A
vida dele continua normal. Quem sofreu as consequências fui eu”, desabafou.

A partir da repercussão de seu caso, a vítima analisa que a forma com


que enfrentou a violação e divulgação da sua intimidade, serve para que outras
vítimas desse crime se espelhem a fim de que consigam enfrentar os desafios de
tamanha exposição. Ela decidiu não se calar, ao conceder entrevistas demonstrando
o real culpado e responsável pelo ocorrido, e mostrando ser a vítima do delito
sofrido.
32

4.1.2 – Rose Leonel


“Sofri um assassinato moral e psicológico, perdi tudo.”
Rose Leonel
(GIMENES, 2014, http://g1.globo.com/pr/norte-

noroeste/noticia/2014/03/fui-assassinada-diz-mulher-que-criou-ong-
contra-vinganca-porno.html)

‘Rose, o que está acontecendo?’ Desta maneira que Rose Leonel, de 41


anos, teve conhecimento de que sua vida se transformaria dali em diante. Ela
trabalhava como colunista social e apresentadora de um programa televisivo em
Maringá - PR. Em outubro de 2005, Rose pôs um fim em seu relacionamento com
Eduardo Gonçalves Dias, que durou cerca de 4 anos. No início de 2006, Eduardo
encaminhou a mais de quinze mil pessoas, dentre familiares, colegas de trabalho e
conhecidos da cidade, e-mails com fotos nuas de sua ex-companheira.

“Quando terminamos, em outubro de 2005, ele me ameaçou e disse que


se eu não ficasse com ele, destruiria a minha vida. Não imaginei como seria essa
destruição”, relatou à época.

Nos e-mails havia uma apresentação de slides com inúmeras imagens


íntimas de Rose. O assunto do e-mail era intitulado, sarcasticamente como:
“Apresentando a colunista social Rose Leonel – Capítulo 1”. As descrições das
imagens insinuavam ser um portfólio fotográfico de uma prostituta.

Consequentemente, as imagens foram compartilhadas em sete milhões


de sites pornográficos pelo mundo.

Em toda a cidade se comentavam sobre o conteúdo das mensagens.


Rose informou aos familiares e amigos próximos que nas semanas anteriores,
através de e-mails, ela havia descoberto a intenção de seu ex-companheiro de ferir
sua moral e humilhá-la. Eduardo, após o fim do namoro, contratou um especialista
para adulterar fotos de Rose nua, criar a apresentação e enviar através de uma
conta anônima a todos os conhecidos e cidadãos da cidade. A vítima não imaginava
que o autor levaria este plano adiante, visto que, ela havia comparecido a delegacia
para registrar um boletim de ocorrência contra ele sobre este fato.
33

Infelizmente Rose se equivocou ao subestimar Eduardo, pois no mesmo


dia, ele desencadeou o que se transformaria em uma sequência de ataques
cibernéticos contra ela. Foram, no total, cerca de três anos e meio de violência
através da internet. Constantemente, enviava a milhares de pessoas, e-mails com
imagens íntimas dela, e denominava-os como “Capítulos 2, 3, 4,...”. Não satisfeito
apenas com as imagens nuas da vítima, o autor encaminhava também, montagens
pornográficas com o rosto de Rose inserido digitalmente. Além disso, como é
comum nesse crime, ele disponibilizava os dados dela, como telefones do trabalho,
pessoais e até mesmo de seus filhos, que na época dos fatos eram adolescentes.

Sofri um assassinato moral e psicológico, perdi tudo. Vi a vida dos meus


filhos desabando. Meus telefones não paravam de tocar. A cada dez dias
ele disparava uma leva de fotos para 15 mil e-mails da região e imprimiu
centenas de panfletos para distribuir no comércio. Foi uma campanha
contra mim. (GARCIA, 2014, https://www.geledes.org.br/sofri-um-
assassinato-moral-perdi-tudo-conta-vitima-de-cyber-vinganca/)

A partir do fornecimento dos seus números pessoais, a vítima começou a


receber inúmeras mensagens e ligações de homens desconhecidos de todo o Brasil
a fim de ridicularizá-la, assediá-la e solicitar o valor que era cobrado o "programa".
Rose levou um tempo para se encorajar a olhar seu e-mail pessoal, e quando o fez,
deparou com uma mensagem de seu chefe: “Não importa o que você faça entre
quatro paredes, não traga isso para o trabalho”. A jornalista então perdeu o
emprego, além de desenvolver depressão, visto que toda vez que saía de casa
sofria humilhações.
Foi necessário que seu filho mais velho, com 11 anos à época, fosse
transferido várias vezes de escola, pois não aguentava o bullying sofrido no colégio.
Até que, por fim, mudou-se para outro país para morar com seu pai. Já sua filha, que
tinha 8 anos, vivia chorando no banheiro quando o seu irmão mais velho brigava na
escola com seus colegas. O garoto pedia a Rose que o deixasse a algumas quadras
antes da nova escola, para que o momento que descobrissem quem era sua mãe
fosse adiado.
34

Ainda que Rose tenha ganhado a demanda no primeiro processo movido


em face do acusado, recebendo o valor de três mil reais, Eduardo não cessou os
ataques contra ela. Assim que liberado, ele os retomou com afinco, inclusive, a
perseguindo de carro pela cidade.

No total, foram movidas quatro ações em face de seu ex-companheiro.


Em junho de 2010, o agente foi condenado a pagar R$1.200 mensais à Rose, bem
como a cumprir pena de um ano, onze meses e vinte dias de detenção. Em outro
processo, foi submetido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de
R$30 mil reais. Portanto, Rose recorreu, visto que o valor quase não cobria os R$28
mil reais já gastos com o processo.

Rose sempre teve ciência de que foi vítima e não possuía nenhuma
responsabilidade por todo o constrangimento sofrido, a partir daí fundou a ONG
Marias da Internet, a fim de que outras vítimas desse crime tivessem auxílio. Na
ONG eram disponibilizados diversos profissionais especialistas em crimes
cibernéticos como advogados, psicólogos e peritos digitais, por meio de trabalho
voluntário.

Rose ficou assustada ao perceber a enorme quantidade de meninas,


entre 14 e 15 anos, que buscam pela sua ONG por sofrerem esse tipo de agressão:
“Muitas estão sozinhas porque têm vergonha de expor o que aconteceu aos pais”,
explica. “Em muitos casos, até a família se afasta e vira o rosto para você”, relata
Rose.

Atualmente, Rose Leonel é considerada uma personagem de notável


importância na luta contra a pornografia de vingança. Sendo uma das pioneiras no
país a ganhar uma ação judicial contra um ex-companheiro que publicou imagens
íntimas sem permissão da vítima. Ela enfatiza se tratar de mais um tipo de violência
contra gênero feminino. “Quando imagens íntimas de homens caem na web, eles
não são demitidos ou humilhados. Pelo contrário, passam a ser valorizados pela sua
virilidade. A sociedade só condena as mulheres”, afirma. Concluindo: “O agressor
ainda é poupado pela sociedade machista”.
35

4.1.3 – Julia Rebeca dos Santos

A adolescente Júlia Rebeca dos Santos foi encontrada morta em seu


quarto no dia 10 de novembro de 2013, com um fio da prancha ao redor de seu
pescoço na cidade de Parnaíba (PI). A jovem deu indícios do suicídio, momentos
antes, através de sua conta nas redes sociais Instagram e Twitter: “é daqui a pouco
que tudo acaba”.

Sem sombra de dúvidas, a repercussão da publicação de gravações


explícitas sem o seu consentimento, em que Julia, seu namorado e uma amiga do
casal, todos menores de idade apareciam mantendo relações sexuais, foi o fato
gerador que a levou a cometer suicídio. Inicialmente, foi afirmado que a própria
adolescente, havia feito as gravações e compartilhado com pessoas de sua
confiança.

Ocorre que, nos próximos dias, a filmagem tomou enormes proporções e


foi compartilhada em segundos por milhares de pessoas, desde colegas de escolas
a pessoas que viviam a centenas de quilômetros de sua cidade.

Julia era uma garota feliz, sorridente, mas, após o vídeo publicado nas
redes sociais, passou a ser uma menina retraída e deprimida. Nas aulas, ela
passava distante das suas amigas, apenas no celular, e demonstrava muito se sentir
culpada de tudo que aconteceu, isto é, da exposição não consensual, que é um
sentimento comum entre as vítimas.

Os dias se passaram e, no dia 5 de novembro, a adolescente fez um


desabafo nas redes sociais, falando sobre seus sentimentos, dizendo que as
pessoas não sabem da vida dela para estar falando. Depois, afirmou que odiava as
pessoas da cidade na qual residia e que poucos eram amigos verdadeiros dela.

Poucos dias depois, Julia postou novamente nas suas redes sociais,
dizendo que estava cansada de falsidades, sorriso falsos, fingir que ela estava feliz e
que na verdade não estava. Ainda nesse mesmo dia, ela levantou a hipótese do
suicídio, dizendo que queria sumir para ver quem sentia a falta dela.
36

No dia posterior ao suicídio de Julia, um primo da adolescente confirmou


a sua morte no twitter, pedindo respeito pela dor da família. Ele pediu que não
fossem enviadas mensagens maldosas a respeito da Julia, mas nada disso foi
atendido. A maioria das pessoas culpava a menina pelo vídeo que foi espalhado.

A menina que também estava no vídeo tentou cometer suicídio cinco dias
depois de Julia, porém chegou a ser socorrida e levada ao pronto-socorro.

A mãe de Julia, disse que não sabia o que estava acontecendo com a
filha dela. A família disse que desconhecia a existência do vídeo até o dia do
sepultamento da menina. Ficaram sabendo quando um primo recebeu o vídeo e
contou aos familiares, que resolveram procurar a polícia.

A mãe relata que nunca tinha percebido que a filha estava adoecendo,
ficando deprimida e muito menos sabia do vídeo que estava rolando na cidade. A
mãe declarou que os adolescentes são inconsequentes, eles não têm maturidade
para muitas coisas, e que o que aconteceu com a sua filha é uma violação.

Após a morte da jovem, a Delegacia regional de Parnaíba encontrou o


que seria um vídeo com Julia e um rapaz. A gravação, contudo, foi feita por uma
terceira pessoa, sem consentimento, através de um tipo de janela aberta na porta do
banheiro. A menina em momento algum percebe a filmagem feita. No entanto, o
rapaz, parceiro de Julia em alguns momentos do vídeo, sorri olhando para a
filmagem. Os sujeitos, que são autores da publicação, são o rapaz que aparece no
vídeo e outro que manuseia a câmera.

No dia 18 de novembro, após 8 dias do suicídio da vítima, um site, que


era intitulado como “SP News”, anuncia a venda online do vídeo que ensejou a
morte da garota por R$ 4,90. A família busca a responsabilização no âmbito criminal
e cível da pessoa que administra a página.

A Polícia Federal iniciou investigações para identificação de websites de


provedores internacionais que compartilharam a gravação da adolescente. No
entanto, anos após a morte de Júlia, não se tem nenhum responsável apontado.
37

4.2 - Do Surgimento da Lei Penal nº 13.718/2018 e a inserção do artigo 218-C

Iniciemos transcrevendo a ementa da citada lei:

Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),


para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de
estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes
contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável,
estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como
causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e
revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei
das Contravenções Penais). (BRASIL. Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de
1940.)

Com o surgimento da Lei 13.718, foi criado o tipo penal específico para
criminalizar o agente que divulga cena de estupro, sexo ou pornografia, conforme os
termos do artigo 218-C. Na íntegra, temos:

Art. 218-C - Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à


venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, inclusive por meio
de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática,
fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro
ou estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou,
sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.
Pena - reclusão de um a cinco anos, se o fato não constitui crime mais
grave.
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o
crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação
íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
(Grifo nosso) (BRASIL. Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018.)

O dispositivo mencionado também dispõe sobre aumento de pena em 1/3


a 2/3 se praticado o crime por pessoa que possui ou que tenha mantido alguma
relação íntima com a vítima, praticando o ato como forma de se vingar ou apenas
humilhar o seu ex-parceiro.

A violência de gênero praticada virtualmente tem, certamente, um alcance


extremamente maior, visto que a possibilidade de exibição e transmissão do material
sucede de modo instantâneo e pode alcançar o acesso de um número ilimitado e
indeterminado de pessoas. A recente alteração ao texto legal tem o objetivo de
38

adequar o ordenamento jurídico aos avanços das novas tecnologias, tendo em vista
meios de preenchimento das lacunas da lei quanto a esta prática criminosa.

Não obstante, ressalta-se que o modelo punitivo-repressivo jamais foi


eficiente o bastante para que esses tipos de condutas abusivas fossem impedidas
ou até mesmo desencorajadas, especialmente se tratando de práticas delitivas onde
a mulher se encontra como a principal vítima, vez que ainda estamos perante a um
sistema dotado de estigmas do patriarcado.

Posto isso, é visível que a nova norma legal não é eficiente o bastante
para que tal violação seja coibida, pois ainda se faz necessário a implementação de
políticas destinadas a prevenção e conscientização acerca desse tipo de violência.

[...] De qualquer forma, inobstante o acerto da iniciativa, não se pode perder


de vista a necessidade de avançarmos também na mudança de posturas
sobre a forma como a sexualidade feminina é julgada, a partir de uma dupla
moral, para homens e mulheres, na qual delas se espera, ainda hoje, o
papel do recato, do comportamento sexual “adequado”, discreto e
tradicional (SANTOS, 2018, página https://www.conjur.com.br/2018-out-
04/silvia-chakian-novos-crimes-sexuais-lei137182018>).

Portanto, pode se concluir que até então não se é possível obter


conclusões acerca dos possíveis frutos advindos da legitimação da
supramencionada lei, visto que se trata de uma norma muito recente, todavia, é
simbolizado um grande avanço através de sua iniciativa, tendo em vista que, a
pornografia de vingança foi criminalizada através da sua promulgação tornando essa
conduta mais evidente e a reconhecendo como mais uma prática de violência de
gênero contra meninas e mulheres que merece e deve ser combatida.
39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o progressivo desenvolvimento da internet e a consequente


facilidade de acesso às mídias sociais, houve uma considerável alteração na forma
como as pessoas se relacionam atualmente, todavia, essa maior capacidade de
interação entre os usuários da rede proporcionou novas maneiras de violação dos
direitos da personalidade, colocando por muitas vezes sob grave ameaça o princípio
da dignidade da pessoa humana.

Em função disso o presente trabalho teve por finalidade o debate sobre o


compartilhamento de fotos que exponham a intimidade da vítima de forma hostil no
ambiente virtual sem o seu consentimento, a fim de gerar constrangimento, tomando
proporções gigantescas, tendo em vista a amplitude e a rapidez com que se
proliferam as informações.

Foi importante que se observou o assunto em comento sob o enfoque da


violência de gênero, historicamente presente em uma sociedade de cultura
predominantemente machista na qual muitas vezes as mulheres se sentem inibidas
ou muito desconfortáveis em se expressar.

Portanto, percebeu-se que dentre os muitos artifícios de controle de


gênero tem-se como mais um deles a pornografia de vingança, por isso deve ser
intensamente combatida.

Nesse contexto, verificou-se que o sistema jurisdicional brasileiro


reconhece a pornografia de vingança como uma forma de violência de gênero, de
caráter moral, sendo assim uma forma de violação dos direitos da personalidade,
especialmente a honra e a intimidade, colocando em xeque o princípio da dignidade
da pessoa humana. Além de que, constatou-se que essa espécie de pornografia
representa um ato ilícito e, por isso, o autor deve ser responsabilizado.

A partir do presente estudo foi possível verificar que em consequência da referida


conduta são várias as formas de violação ao direito da personalidade, além de se
salientar a importância da reparação no âmbito cível, como forma de remediar, ao
menos em parte, os danos causados à vítima, e visando coibir novas ocorrências.
40

Finalmente compreendeu-se a importância e a necessidade da


prevalência do respeito nas relações entre pessoas, deduzindo que a mulher tem o
direito de decidir o que faz com seu próprio corpo e é digna de ter seus direitos
personalíssimos preservados.

Conclui-se perante as consequências causadas pela pornografia de


vingança que é de imensa relevância a presença de uma tutela reparatória
assegurada à vítima, como forma de resguardar seus direitos da personalidade.
41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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