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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

UNIDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


REGIONAL GOIÁS
CURSO DE DIREITO

DHYORANA SILVA CARDOSO

KLARA CASTANHO: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE MATERNIDADE


COMPULSÓRIA E O ABORTAMENTO NO BRASIL

CIDADE DE GOIÁS-GO
JANEIRO/2024
DHYORANA SILVA CARDOSO

KLARA CASTANHO: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE MATERNIDADE


COMPULSÓRIA E O ABORTAMENTO NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


como requisito parcial para a obtenção do título
de Bacharel em Direito pela Universidade
Federal de Goiás – Campus Goiás.

Orientadora: Profa. Dra. Sofia Alves


Valle Ornelas

CIDADE DE GOIÁS-GO
JANEIRO/2024
FICHA CATALOGRÁFICA

Cardoso, Dhyorana Silva


Klara Castanho: problematizações sobre maternidade compulsória e
o abortamento no Brasil [manuscrito] / Dhyorana Silva Cardoso. -
2024.
53 f.

Orientador: Prof. Sofia Alves Valle Ornelas.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade
Federal de Goiás, Unidade Acadêmica Especial de Ciências
Sociais Aplicadas, Direito, Cidade de Goiás, 2024.
Bibliografia.
Inclui abreviaturas.

1. Abortamento. 2. Autonomia feminina. 3. Geração NoMo. 4.


Maternidade compulsória. 5. Justiça reprodutiva. I. Ornelas, Sofia Alves
Vale , orient. II. Título.

CDU 3
DHYORANA SILVA CARDOSO

KLARA CASTANHO: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE MATERNIDADE


COMPULSÓRIA E O ABORTAMENTO NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso Orientado pelo


Profa. Dra. Sofia Alves Valle Ornelas, apresentado
ao curso de Bacharelado em Direito pela
Universidade Federal de Goiás – Campus Goiás,
como requisito para obtenção do grau em bacharel
em Direito.

APROVADO EM: _______/_______/_______

BANCA EXAMINADORA

Sofia Alves Valle Ornelas


Profa. Dra.
ORIENTADORA– UFG

Fernanda de Paula Ferreira Moi


Profa. Dra. -
EXAMINADORA INTERNA – UFG

Silvana Beline Tavares


Prof. Dr. -
EXAMINADORA INTERNA - UFG
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AGRADECIMENTOS

Agradeço profundamente a todos que contribuíram para a realização desta monografia.


Manifesto a minha gratidão a Deus por guiar cada passo desta jornada acadêmica,
concedendo-me força, sabedoria e perseverança. Sua graça foi fundamental para superar
desafios e alcançar esta conquista.
Expresso minha gratidão aos meus orientadores pela orientação valiosa, à minha
família pelo incentivo inabalável.
Gostaria ainda de expressar meu sincero agradecimento à minha irmã, cujo apoio
incansável e incentivo foram fundamentais para a conclusão desta monografia. Sua presença e
encorajamento constante fizeram toda a diferença. Muito obrigado por estar ao meu lado nesta
jornada de conclusão do curso.
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Sempre fui feminista. Isso significa que eu me oponho à


discriminação das mulheres, a todas as formas de desigualdade
baseadas no gênero, mas também significa que exijo uma política que
leve em conta as restrições impostas pelo gênero ao desenvolvimento
humano. (Judith Butler)
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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o caso da atriz Klara Castanho, problematizando a
maternidade compulsória e o abortamento no Brasil. Busca-se compreender como as mulheres
são pressionadas a serem mães de forma romantizada. Além disso, serão apresentadas análises
da realidade do aborto no país, com dados e observações sobre sua ocorrência. O tema da
justiça reprodutiva também será explorado, visto que é de grande importância no que diz
respeito à autonomia e às decisões das mulheres sobre suas vidas. Serão examinadas
propostas legislativas acerca do aborto, a fim de destacar diferentes ideias sobre o assunto e
como este é abordado na política. Por fim, serão abordados temas como a geração NoMo
(mulheres que não desejam ser mães), as dificuldades da maternidade real e a importância de
uma educação para a sociedade que promova justiça reprodutiva, bem como políticas públicas
adequadas em relação ao abortamento no Brasil, entendendo-o como um debate de saúde
pública.
Palavras-chave: Abortamento; Autonomia feminina; Geração NoMo; Maternidade
compulsória; Justiça reprodutiva.
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ABSTRACT

This work aims to analyze the case of actress Klara Castanho, problematizing compulsory
motherhood and abortion in Brazil. The goal is to understand how women are pressured to
become mothers in a romanticized way. In addition, analysis of the reality of abortion in the
country will be presented, with data and observations about its occurrence. The theme of
reproductive justice will also be explored, as it is of great importance regarding women's
autonomy and decision-making about their lives. Legislative proposals regarding abortion
will be examined to highlight different ideas on the subject and how it is addressed in politics.
Finally, topics such as the NoMo generation (women who do not want to be mothers), the
challenges of real motherhood, and the importance of an education for society that promotes
reproductive justice, as well as appropriate public policies regarding abortion in Brazil, will
be addressed, understanding it as a public health debate.

Keywords: Abortion; Women's autonomy; NoMo generation; Compulsory motherhood;


Reproductive justice.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADPF–ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


BBC-NEWS - BRITISH BROADCASTING CORPORATION
CFEMEA – CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ACESSORIA
CRC – CENTRO NACIONAL DE INFORMAÇÃO DE REGISTRO CIVIL
DPP – DEPRESSÃO PÓS-PARTO
FEBRASGO – FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLIA E
OBSTETRÍCIA
LGBTQQICAAPF2K+ - LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS, QUEER,
QUESTIONANDO, INTERSEXUAIS, CURIOSO, ASSEXUAIS, ALIADOS,
PANSEXUAIS, POLISSEXUAIS, FAMILIARES, 2-ESPÍRITOS E KINK
NoMo– NOT MOTHERS
PDT –PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA
PL – PROJETO DE LEI
PNA – PESQUISA NACIONAL DE ABORTO
PSOL – PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE
STF – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SUS - SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
UFMA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
1. MATERNIDADE COMPULSÓRIA NO BRASIL: CONJUNTO DE PRÁTICAS
SOCIOCULTURAIS E POLÍTICAS ...................................................................................15
1.1.PRESSÃO BIOLÓGICA DA MATERNIDADE ..................................................15
1.2. GERAÇÃO NoMo x DIFICULDADE NA MATERNIDADE REAL.................19
1.3. JUSTIÇA REPRODUTIVA..................................................................................22

2. ABORTO NO BRASIL E SUA PROIBIÇÃO COMO FORMA DE VIOLÊNCIA


CONTRA A MULHER..........................................................................................................24
2.1. APARATO LEGAL DO ABORTO NO BRASIL.................................................25
2.2. NOVAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS A CERCA DO ABORTO...................29
2.3. A INSEGURANÇA DO ABORTO CLANDESTINO EM MULHERES DE
BAIXA RENDA...........................................................................................................33

3. CASO KLARA CASTANHO: A VIOLAÇÃO DE DIREITOS, ROSA WEBER E


DESCRIMALIZAÇÃO DO ABORTO.................................................................................36

3.1. BIOGRAFIA DE KLARA CASTANHO E DE QUE FORMA SEU CASO


REPERCUTIU NO BRASIL........................................................................................37
3.2. A VERSÃO DE CLARA CASTANHO................................................................39
3.3. ANÁLISE DO VOTO DA MINISTRA ROSA WEBER E SUA IMPORTÂNCIA
PARA LEGISLAÇÕES EFICIENTES QUE RESPEITEM O DIREITO DE
ESCOLHA DA MULHER............................................................................................43

CONCLUSÃO.........................................................................................................................47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................50
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INTRODUÇÃO

Discorrer assuntos que envolvam mulheres é sempre polêmico e cheio de


problematizações, isto porque a sociedade de forma geral cria e reproduz padrões
comportamentais que se espera destas. Infelizmente esses padrões acabam restringindo a
liberdade feminina em várias áreas de sua vida. Essa tentativa de apagamento da autonomia e
poder de escolha das mulheres começa desde muito cedo, ainda em sua infância quando
espera que se comportem melhor do que os meninos, por exemplo; dê menos birra, sejam
boazinhas, educadas,
A consequência desse modelo de educação são indivíduos “adestrados”, atropelados e
educados para seguir um roteiro de vida; geralmente aquilo que as pessoas de fato esperam
deles. Esse plano consiste na maioria das vezes em estudar, casar e ter filhos para meninas. A
maternidade é praticamente uma obrigação social da mulher, seja pelo aspecto biológico, já
que as mulheres têm útero e engravida, sejam pelo papel atribuído as mesmas na sociedade
patriarcal. As mulheres de modo direto ou indireto sempre ficavam com responsabilidades
domesticas e dos filhos.
Romper com construções culturais e sociais é difícil, uma vez que a sociedade de
modo geral tem a mentalidade doutrinada para algumas “verdades”. Verdade entre aspas, pois
esta depende do ponto de vista e realidade de cada indivíduo. O movimento feminista
encabeçado por mulheres vem ganhando muita força nos últimos anos e se destaca em todas
as áreas sociais em que mulheres são vulnerabilizadas e sofrem processo de desigualdade
social e de gênero. Mulheres denunciam e falam de suas realidades nos diferentes espaços que
ocupam e pedem por representação na política por exemplo.
O sistema democrático possibilita uma política participativa com espaço para luta de
diversos interesses e representações. É um lugar de força social em que espera se que faça
escutar as vozes femininas e suas problemáticas em busca de soluções efetivas. Desta maneira
é de fundamental importância o sistema de governo que temos que é a democracia
representativa onde pela vontade soberana do povo ou pelo menos da maioria são eleitos
políticos que defendem e lutam por interesses que a maioria em diferentes seguimentos
sociais compartilha.
O aborto bastante debatido na atualidade ainda esbarra nos mesmos obstáculos morais
e religiosos que impedem decisões assertivas sobre a vida e autonomia das mulheres. A
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rigidez da lei permitindo o abortamento somente em alguns casos junto com a dificuldade de
acesso ao mesmo pelas mulheres (não são todas cidades que o fazem de forma segura) geram
consequências desastrosas para vida de muitas mulheres principalmente de baixa renda,
periféricas.
O tema que deveria fazer parte da pauta de saúde pública ainda é olhado como um
tabu por muitos políticos. Em consequência disso infelizmente se instala e impõe uma
realidade violenta com a vida feminina. Mais uma violência entre tantas outras que sofremos.
Sobre isso Arendt aborda:

[...] a maioria das ações políticas, na medida quem permanecem fora da


esfera da violência, são realmente realizadas por meio de palavras, mas
também, mais fundamentalmente, que o ato de encontrar as palavras certas no
momento certo, independentemente da informação ou comunicação que
transmitem, constitui uma ação. Somente a pura violência é muda, e por esse
motivo a violência, por si só, jamais pode ter grandeza (ARENDT, 1975,
p.31)

Com base nessas premissas, o presente trabalho problematiza essa questão crucial
enfrentadas pelas mulheres na sociedade, destacando a importância do movimento feminista e
da representação política para combater a desigualdade de gênero. Romper com essas
construções sociais é um desafio, pois a mentalidade da sociedade está enraizada em
determinadas "verdades".
O trabalho é relevante, pois trata de um assunto delicado e urgente sobre corpos e
vidas femininas, tendo o objetivo de fortalecer o debate sobre a maternidade compulsória e o
abortamento no Brasil. Como Arendt (1975) bem citou acima com intuito de tornar público e
fazer brilhar através dos séculos uma pauta de força e luta feminista na tentativa de preservar
"da ruína natural do tempo".
Com objetivo de fortalecer a discussão o capitulo um trata sobre a Maternidade
Compulsória no Brasil com conjunto de práticas socioculturais e políticas abordando
discussões como a pressão biológica e social pela maternidade, também sobre geração NoMo
versus as dificuldades na maternidade real. E ainda sobre a justiça reprodutiva no Brasil.
O capitulo dois trata sobre o Aborto no Brasil e sua proibição como ato de violência
contra a mulher. Aprofunda no aparato legal do aborto no Brasil. Analisa ainda novas
propostas legislativas acerca do aborto e ainda aprofunda na conversa sobre a insegurança do
aborto Clandestino em mulheres de baixa renda.
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O capitulo três traz a problematização do caso Klara Castanho e violação de direitos


que a atriz sofreu, quem é Klara Castanho e de que forma seu caso repercutiu no Brasil.
Analisa ainda a contribuição da proposta de descriminalização e facilitação do aborto
proposto pela ministra do STF, Rosa Weber e sua importância para criação de legislações
eficientes que respeitem o direito de escolha da mulher.
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CAPÍTULO 1

1. MATERNIDADE COMPULSÓRIA NO BRASIL: CONJUNTO DE PRÁTICAS


SOCIOCULTURAIS E POLÍTICAS

Para entender sobre maternidade compulsória primeira se faz necessário compreender


de que maneira a sociedade patriarcal se consolidou no Brasil e a forma com a qual ela
influencia e determina situações na vida das mulheres até os dias de hoje. O patriarcado é,
essencialmente, uma forma de organização social em que predomina a autoridade paterna para
o controle e a opressão das mulheres. No Brasil, o patriarcado surgiu de forma efetiva com a
colonização portuguesa no século XVI, tendo o homem como detentor não só da autoridade
como também do poder político e econômico. As mulheres e seus descendentes deviam
obediência à figura masculina, sendo submissos ao pai; no caso das esposas a submissão se
estendia ao marido (PINHEIRO, 2008; SAMARA, 2002).
Neste primeiro capitulo, será abordada a forma como a sociedade pressiona a
mulher para maternidade, evidenciando como desde criança existem diferenças pontuais na
criação e no que se espera de meninos e meninas. A maternidade romantizada também é
outro ponto de análise e problematização. Será mostrado o movimento NoMo ou Not
Mothers movimento das mulheres que não querem ser mães e a importância deste debate
que representa tantas outras mulheres no Brasil e no mundo. Também serão apresentadas
as dificuldades da maternidade real e como ela impacta de forma diferente na vida das
mulheres, a depender de suas condições sociais, econômicas, políticas e de raça.
Por fim, será analisada a questão da justiça reprodutiva e sua importância no debate
sobre a escolha de ser ou não mãe e da autonomia de seu próprio corpo. Como cita Simony
dos Anjos (2020), pensar em justiça reprodutiva é considerar que as mulheres não são
apenas aquelas que irão gestar, parir e criar crianças. É considerar que as mulheres devem
escolher se irão gestar ou não; e quando decidirem parir, que tenham condições dignas de
criar as crianças.

1.1 Pressão biológica e social da maternidade

No modelo de sociedade patriarcal vigente, desde criança tanto meninos quanto


meninas são “treinados” para desempenhar papéis sociais. Às meninas são ensinadas cuidar
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do lar, dos irmãos, brincar de bonecas e histórias de princesas que sempre têm seus felizes
para sempre com a chegada do príncipe encantado. Ou seja, a menina é educada para ser
meiga, delicada, cuidadosa, com um evidente incentivo à maternidade, à domesticidade e
ao embelezamento físico. Enquanto para meninos, inexiste cuidar do lar, brincar de
bonecas ou conto de fadas. Para os meninos, é ensinado o papel de homem com autoridade
e poder. São encorajados a ser agressivos, ativos e independentes.
A jornalista e analista de comunicação, Katia Deutner (2011), elaborou um quadro
que exemplifica esta diferença na criação de meninos e meninas. No entanto, vale ponderar
que aqui se apresenta uma visão geral dos papeis sociais, pois cada família tem uma
configuração e funciona de uma certa maneira. Segue o quadro:

Meninos Meninas

Praticam artes marcais Fazem balé

Brincam de carrinho Brincam de bonecas

Não ajudam nos afazeres domésticos Precisam ajudar nos afazeres domésticos

Podem sair sozinhos Não podem sair sozinhas

São menos contrariados e tem poucos Recebem educação mais rígida


limites

Aprendem a não levar desaforo para casa Aprendem que jamais podem se meter
em confusão

São cobrados a terem desempenho físico Menos estimuladas a se destacarem


e intelectual maior intelectualmente ou serem fisicamente
mais fortes

Podem falar palavrão Proibidas de falar palavrão

Estímulo da sedução mais agressiva Estímulo da sedução de castas

Podem brincar na rua Não podem sair

FONTE: UNIVERSA UOL, Katia Deutner, (2011).

A Igreja Católica, desde a época da colonização, esteve muito presente na tentativa


de implantar a fé e os valores matrimoniais cristãos na América. O casamento religioso era
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a única forma de relacionamento legal e desejável até a inauguração da República


brasileira. No entanto, este servia também como espécie de contrato e instrumento de
controle feminino. A imagem da mulher ideal era próxima a de Maria como mãe e
cuidadora do lar, do marido e dos filhos. Ao contrário, a Igreja tolerava até mesmo relações
concubinárias dos homens que tinham relações sexuais e filhos fora do casamento.
Neste aspecto, a maternidade passou a ser esperada e romantizada, no sentido que a
espera e chegada do filho é sempre maravilhosa e que todas mulheres nasceram para este
momento biologicamente estabelecido. A escolha de não querer ter um filho é quase uma
afronta à sociedade patriarcal já que esta pressiona e prega que para as mulheres serem
realizadas e plenas se faz necessário construir uma família com filhos, de preferência
biológicos.
Mulheres que optam por não seguirem o convencional e esperado papel da
maternidade ainda sofrem muito com a decisão. Badinter aborda que:

É notório que a forma como organizamos em sociedade é permanentemente


baseada no modelo em que mulheres se tornam mãe em algum momento da
vida. Assim será o amor materno um instinto, uma tendência feminina inata,
ou depende, em grande parte, de um comportamento social, variável de
acordo com a época e os costumes? [...] O amor materno se expressa por
uma variabilidade de sentimentos, do qual não se pode fugir que é um amor
como um sentimento outro qualquer, e como tal incerto, frágil. Contrariando
a crença generalizada em dias atuais, de que ele não está inscrito na natureza
feminina. (BADINTER, 1985, p. 02).

Evidencia-se, então, que a sociedade patriarcal pretende condicionar as mulheres ao


lugar da maternidade e espera-se que as mesmas sejam mães em algum momento de sua
vida e que ame seu filho de forma incondicional e infinita desde a gestação. Esta pressão é
notória quando própria ideia de identidade feminina se baseia na maternidade, pois a “mulher
ideal” é apenas aquela que é mãe.
No Brasil, tal problemática seria ainda maior, pois o aborto não é tratado como um
direito de escolha da mulher. O tema, em geral, é monopolizado por homens, supostamente
cristãos que não levam em consideração a escolha e a realidade de vida das mulheres, mas
que se fundamentam em ideias distorcidas, preconceituosas e, superficiais acerca do
assunto.
Na sociedade patriarcal, a mulher é atropelada, engolida, silenciada e invisibilizada
e Movimentos feministas dão voz e espaço para que sejam analisadas e transformadas essas
relações dominadas pelo patriarcalismo. Saffioti expõe que:
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A identidade social da mulher, assim como a do homem, e construída através


da atribuição de distintos papéis que a sociedade espera ver cumpridos pelas
diferentes categorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante precisão,
os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os
terrenos em que pode atuar o homem. A socialização dos filhos, por
exemplo, constitui tarefa tradicionalmente atribuída as mulheres.
(SAFFIOTI, 1987 p.08)

Mulheres e homens ao longo da história sempre desempenharam funções diferentes. A


sociedade pressupõe expectativas de comportamento no sexo feminino, e isso influencia
diretamente na vida desta, de modo que a questão gênero está fortemente ligada às relações e
aos papéis sociais femininos.
A naturalização do “processo ideal” de vida feminino contribui de forma significativa
para uma imposição da maternidade na vida das mulheres. Espera-se que ela se disponha e
adapte sua vida para cuidar da manutenção da casa, criação e educação dos filhos,
principalmente se esta tiver um poder aquisitivo baixo ou não tiver renda.
De forma “natural e harmônica”, a sociedade patriarcal cristã vai relacionando o
espaço doméstico à figura feminina, deixando livre todos os outros campos para que o
homem, de forma desproporcional em oportunidades, ocupe a maioria dos espaços públicos e
sociais. Conforme afirma Saffioti (1987), ao atribuir às mulheres a responsabilidade quase
exclusiva pelo cuidado dos filhos e da casa implica automaticamente limitar suas
possibilidades de desenvolvimento de outras habilidades que elas possuem.
Toda a suposta inferioridade feminina advém de uma construção exclusivamente
social. Impor a uma mulher um comportamento essencial e virtuoso socialmente é dogmatizá-
la a uma falsa crença de realização pessoal, menosprezando sua capacidade de escolha e
impondo a idealização da maternidade como fenômeno natural e desejável.
Adiante não são todas as mulheres que escolhem ser mães, e pressioná-las seria um
grave dano em diferentes esferas da sua vida, uma vez que a maternidade não é sinônimo de
felicidade. Muitas vezes, esta escolha, é constantemente influenciada pelo desejo do parceiro
ou o que se consome nas grandes mídias sociais. O embelezamento do materno, em sua
maioria está ligada muito mais ao ganho econômico do que a satisfação feminina que reforça
uma crença machista que tenta impedir a consciência livre da mulher à escolha de ser mãe,
que vai muito além de gerar um filho, mas envolve grande responsabilidade e sacrifício. Neste
sentido, Badinter (1985), expõe que todas as mães compartilham da mesma responsabilidade
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de consagrar-se totalmente a esse sacerdócio, sacrificando sua vontade ou prazer em prol do


bem da família.
No Brasil, as mães acabam sendo as maiores responsáveis pela educação e cuidado
com os filhos, destinando todo seu tempo, saúde, e disposição para cuidar deles. Há também,
as mães solos, que por algum motivo assumem a criação do filho única e exclusivamente
sozinha, sem nenhum companheiro. Estas assumem obrigações que deveriam ser partilhadas
entre ambos os genitores – o que acarreta uma sobrecarga mental. Badinter, aduz ainda:

Normalmente devotada”. A primeira condição de uma boa maternagem reside


na capacidade de adaptação as necessidades do filho, isto é, no prolongamento
no plano psicológico durante várias semanas após o seu nascimento, da
relação biológica intra-uterina. (BADINTER,1985, p. 309).

A reflexão feita acima transparece a cobrança social em se tornar mãe. A mulher que
não é mãe é, muitas vezes, encarada como anormal, passando a ser alvo de constantes ataques,
críticas e opiniões. A imposição da maternidade ocasiona prejuízos futuros, de forma que
muitas mulheres se frustram com a idealização maternal, as mudanças na relação conjugal, e
principalmente, a perda da identidade e individualidade.

1.2. Geração NoMo x Dificuldades na maternidade real

A decisão e escolha da mulher em se tornar mãe acaba sendo permeada pelo conjunto
de práticas sociais e políticas na sociedade. A maternidade passou a ser considerada uma
obrigação feminina pelos vários motivos abordados no subitem anterior. Segundo o site O
Tempo (2023), cerca de 37% das mulheres entrevistadas no Brasil que afirmaram que não
querem ou não desejam ser mães sofreram algum tipo de preconceito ou pré-julgamento.
Hoje no Brasil, tem-se a geração NoMO (Not Mothers): mulheres que não querem ser
mães, e levantam a voz para defender esta decisão de não ter filhos. Optaram por viver
histórias diferentes das escritas para elas pelo patriarcalismo. Como pontua a psicóloga
Daiana Quadro Fidelis, mestra em Psicologia Clínica:

Vivemos em uma sociedade que historicamente coloca a maternidade como um


ideal feminino. Mas por que não podemos optar pelo nosso próprio corpo? Acreditar
e dizer que toda mulher deve sonhar ou viver um sonho com a maternidade é uma
pressão cruel e que pode ser traduzida como pesadelo até para algumas mães que se
sentem de maneira diferente. (FIDELIS, 2013, p. 155).
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A NoMo objetiva o respeito às decisões de uma pessoa e a liberdade de tomá-las, pois


ser mãe, não é um desejo de todas. As mulheres foram tomando consciência de como a
sociedade patriarcal pode podar sua potencialidade. Algumas, simplesmente, não se vêem
como mães e tal decisão precisa ser respeitada sem questionamentos, já que o corpo é da
mulher e só a ela cabe o poder de decisão sobre o mesmo.

Segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayyer, com apoio da
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e
do Think about Needs in Contraception (TANCO). No mundo o índice chega a72%
(O TEMPO, 2023)

Simone de Beavouir, em seu livro “O Segundo Sexo”, provoca grandes questões:

Assim, como não é possível medir sua posse do mundo, não é possível medir no
abstrato a carga que constitui para a mulher a função geradora: a relação da
maternidade com a vida individual é naturalmente regulada nos animais pelo ciclo
do cio e das estações: ela é indefinida na mulher; só a sociedade pode decidir dela.
Segundo essa sociedade exija maior ou menor número de nascimentos, segundo as
condições higiênicas em que se desenvolvam a gravidez e o parto, a escravização da
mulher à espécie faz-se mais ou menos estreita. (BEAVOUIR, 1970, p. 55).

Diante do exposto, a autora acreditava que as meninas recebiam a vocação de


maternidade da sociedade, e questionou a função maternal no contexto conservador do pós-
guerra (2ª Guerra). Ter ou não filhos é uma escolha exclusivamente individual e a
maternidade não é requisito da feminilidade. Ademais, todo o desejo materno é determinado
por modelos sociais e culturais construídos no contexto histórico vigente.
Mesmo possuindo a liberdade sobre seu corpo, a maioria das mulheres ainda se sentem
inadequadas por não sentirem a suposta vocação à maternidade. Entender esse sistema
machista, opressor e compulsório, é essencial para que cada vez mais mulheres não se sintam
coagidas a seguir determinados padrões sem uma reflexão crítica do que é a maternidade e de
que forma esta impactaria em sua vida. Como aponta Vilarinho:

Eu jamais imaginei que a maternidade pudesse ser tão incrivelmente solitária. Mas
estarei a todo vapor cuidando do meu filho, como poderia me sentir só? O que
realmente sentimos não está lá. A solidão não está no manual. Falar que não estamos
plenas ou que temos medo? Isso não faz parte do script. Então, acabamos nos
isolando e calar é uma bomba-relógio. Uma hora a gente explode. (VILARINHO,
2017, p.43).
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A solidão pode se fazer ainda mais presente no período do puerpério ou pós-parto em


que organismo da mulher está voltando às condições anteriores à gestação. Neste tempo, é
visível a exaustão das mães nos cuidados solitários com o filho recém parido.
Ainda neste viés, as mães que não possuem nenhum tipo de apoio, seja da família, do
pai ou companheiro (a), precisam ainda se adaptar à nova realidade em que um ser é
completamente dependente de seus cuidados. A mãe deixa por um tempo de viver sua vida e
passa a viver a vida do bebê. Voltar à configuração da vida anterior ao filho é praticamente
impossível. Nada mais é como antes. Nesta perspectiva, Vilarinho destaca:

A parte mais difícil da maternidade não é passar noites sem dormir, ou o


aperto que dá no peito quando os filhos estão doentes. Difícil mesmo é não
ter com quem contar. Não ter um ombro pra chorar. Sentir-se só no meio da
multidão. Quem cuida muito de alguém, precisa ser cuidada também.
Simples, assim, sabe o que ajuda? Falar, abraçar, poder chorar.
(VILARINHO, 2017, p. 43).

Não obstante, muitas mães chegam a desenvolver baby blues ou depressão pós-parto.
Segundo a psicóloga e psicanalista Cristiana Julianelli (2016), o baby blues é bastante comum
e acontece com a maioria das mulheres. Nos primeiros dias após o parto, cerca de 80% delas
experimentam oscilações no humor, choro fácil e sem causa aparente, ansiedade,
irritabilidade, alterações no sono, no apetite e preocupação excessiva com o bebê. Ele está
associado a fatores como: mudanças hormonais, descida do leite e a percepção da
responsabilidade que é cuidar de um bebê.
Já a depressão pós-parto (ou DPP) é um quadro moderado ou grave de enfermidade
mental. Os sintomas começam geralmente com ansiedade, insônia e inquietação. De acordo
com Julianelli (2016), são frequentes as mudanças bruscas de humor, choro fácil, tristeza
profunda, falta de prazer e desinteresse pelas atividades do dia-a-dia, geralmente somados à
sensação de incapacidade de cuidar do bebê e desinteresse por ele, podendo chegar até a
pensamentos suicidas. Normalmente os sintomas se intensificam após a segunda ou terceira
semana após o parto e podem persistir por até quase dois anos.

Alguns estudos apontam para fatores de risco para a DPP: quadros


depressivos anteriores e/ou na gestação, idade da mãe, histórico de
infertilidade, mães que perderam filhos anteriores, mães de bebê que
nasceram com alguma anomalia, mães que vivem uma relação
conjugal conflituosa, gravidez precoce ou não planejada e/ou
desejada, baixa escolaridade, desemprego, dificuldades financeiras,
violência doméstica, ausência de suporte social, abuso de substâncias.
Importante salientar que isso não significa que as mulheres que
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passam por isso necessariamente terão DPP, mas são fatores que as
deixam mais predispostas (JULIANELLI, 2016).

Desta maneira, enquanto o baby blues é algo natural e que passa, a depressão pós-
parto persiste e necessita de tratamento. Cristiana Julianelli (2016), alerta e aconselha que
além da psicoterapia, recomenda-se a avaliação psiquiátrica para averiguar a necessidade ou
não do uso de medicação juntamente com o tratamento psicológico. A depressão pós-parto
ainda é uma doença pouco compreendida pela sociedade visto que ainda exista muita
idealização acerca da maternidade.

1.3.Justiça Reprodutiva

O direito humano de manter a autonomia corporal, de ter filhos, não ter filhos e cuidar
dos filhos que temos em comunidades seguras e sustentáveis é o que se define como justiça
reprodutiva. O termo foi popularizado pela Sister Song que é o maior coletivo nacional
multiétnico de justiça reprodutiva. Seus membros representam mulheres indígenas, afro-
americanas, árabes e do Oriente Médio, das ilhas da Ásia e do Pacífico, e mulheres latinas e
pessoas LGBTQ.

Foi na Conferência sobre População e Desenvolvimento da Organização das


Nações Unidas, realizada no Cairo em 1994, que se definiu,
internacionalmente, o conceito de direitos sexuais e direitos reprodutivos,
abandonando-se a anterior abordagem de controle populacional que
dominava as discussões e as políticas públicas sobre reprodução e fertilidade.
Assim, após a chamada Conferência de Cairo, mulheres e homens foram
reconhecidos como sujeitos do direito básico de “decidir livre e
responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter
filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar
do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também o
direito de toda pessoa de tomar decisões sobre a reprodução, livre de
discriminação, coerção ou violência.” (§ 7.3, do Capítulo VII, da Plataforma
de Ação de Cairo) Pouco antes da Conferência de Cairo, um grupo de
mulheres negras se reuniu em Chicago, nos Estados Unidos, por entender que
o movimento de direitos das mulheres, liderado e representado por mulheres
brancas de classe média, não defenderia as necessidades das mulheres
racializadas, e outras mulheres marginalizadas e pessoas trans. Esse grupo se
nomeou Mulheres de Descendência Africana pela Justiça Reprodutiva
(Women of African Descent for Reproductive Justice) e com elas nasceu o
conceito de justiça reprodutiva, apontando as limitações de um paradigma de
direitos individuais e integrando o acesso à saúde e aos direitos no campo
sexual e reprodutivo à justiça social (COLETIVO MARGARIDA ALVES,
2020).
22

É de fundamental importância discussões no campo da saúde, dos direitos sexuais e


reprodutivos femininos. Uma mulher, por exemplo, que sofre violência obstétrica durante o
parto sofre um ataque à sua saúde que é um direito garantido pela Constituição Federal.
Discutir e divulgar este assunto se faz necessário para que a cada dia mais mulheres saibam se
proteger e exijam que seus direitos sejam respeitados.
Outro ponto importante de ser destacado e analisado é o da justiça social, pois se
compreende- que as discriminações e desigualdades de raça, gênero e classe impactam no
acesso à saúde. De acordo com a cartilha acima citada, é preciso que se tenha acesso a
recursos materiais, sociais e políticos que são distribuídos desigualmente na sociedade.
Somente entrando em contato com esse universo de conhecimento e debates que decisões
conscientes poderão ser tomadas sobre seus próprios corpos e sexualidades,

Sabe-se, por exemplo, que mulheres pretas possuem maior risco de ter um
pré-natal inadequado, ausência de acompanhante e de receber menos
orientações sobre o trabalho de parto e possíveis complicações na gravidez.
Além disso, a maioria das mulheres que morrem por aborto são pobres, pretas
ou pardas e com baixa escolaridade. A desigualdade de classe e raça está,
portanto, diretamente relacionada a essas injustiças sexuais e reprodutivas e
por isso, é fundamental conectar as lutas contra a desigualdade e por
redistribuição, às lutas por liberdade e autonomia na sexualidade e
reprodução. (COLETIVO MARGARIDA ALVES, 2020)

É importante que existam condições de informação e conhecimento, além de garantias


básicas para que as mulheres ter condições para o exercício de seus direitos e a sua efetivação.
O direito à vida está entre os principais direitos humanos e por si só estabelece a obrigação do
Estado como responsável por prover condições básicas a uma existência digna.
A saúde se faz um meio de manutenção ao direito à vida, e por isso, deve ser ofertado
pelo Estado, através de políticas públicas que salvaguardam a vida de mulheres que optam
pela escolha da maternidade. No que se relaciona á saúde, o Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 1992) estabelece, em seu art. 12, o direito
de toda pessoa desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental. Desta forma,
este direito compreende serviços de qualidade e meios para seu acesso, uma vez que o Estado
deve assegurar a disponibilidade e acessibilidade de bens e serviços de saúde
(ALBUQUERQUE, 2016, p.138).
Dos Anjos (2020), em seu artigo para Carta Capital, aborda que a justiça reprodutiva é
uma visão ampliada do direito ao próprio corpo, que passa pelo acesso às garantias sociais
fundamentais para si e, consequentemente, para seus filhos. Considerando que as mulheres
23

não são apenas aquelas que irão gestar parir e criar crianças, mas quando decidirem parir
tenham condições dignas de criar seus filhos. Defende ainda que justiça reprodutiva é sobre a
coletivização do trabalho do cuidado, no sentido de responsabilizar os genitores ea sociedade
sobre a sua obrigação social com as infâncias. Portanto, é um desafio de todas as pessoas, de
toda a sociedade. Parlamentares devem ser pressionados para que promovam a justiça
reprodutiva no Parlamento, bem como a sociedade civil organizada deve insistir sobre este
tema, em todos os espaços de poder.
24

CAPÍTULO 2

2. ABORTO NO BRASIL E SUA PROIBIÇÃO COMO ATO DE VIOLÊNCIA


CONTRA A MULHER

As decisões as mulheres, apesar de dizerem a respeito somente a elas, são sempre


discutidas e legisladas, essencialmente, por homens. A escolha de ter filhos foi um dos
exemplos aprofundados no capítulo anterior. Além desta pressão social que a sociedade faz,
homens e mulheres acabam reproduzindo a idealização de uma maternidade leve e feliz,
distante das dificuldades e problemas desta nova realidade, em especial para vida da mulher.
Após a descoberta de uma gravidez, independente do modo como está foi concebida, a
sociedade palpita e quer decidir pela mulher acerca do prosseguimento ou não da gestação. De
forma geral, muitas pessoas são totalmente contra o aborto e o condenam veementemente. O
tema é polêmico é uma pauta constante no Congresso brasileiro.
Desta forma, o presente capítulo reflete sobre o direito à saúde e a prática do
abortamento, bem como a importância de legislações protetivas à mulher, o sentido de e fazer
valer seu direito a saúde de forma plena.

2.1 Aparato legal do aborto no Brasil

A saúde é um direito constitucional no Brasil., nesta perspectiva, todas as pessoas


devem ter seu acesso pleno e garantido pelo Estado. A Lei 8.080/90, conhecida como lei do
SUS, disserta de forma detalhada todos os relacionados ao A saúde é direito fundamental e
deve ser reivindicada pelos cidadãos e, inclusive, por estrangeiros residentes no país. Deve
ainda ser de qualidade, configurando-se como requisito essencial para a dignidade humana.

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado


prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.§ 1º O dever do
Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e
igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das
empresas e da sociedade. Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização
social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico,
o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o
transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Parágrafo único.
25

Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo
anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de
bem-estar físico, mental e social (BRASIL, 1990).

No art. 2º da Lei citada, fica claro que o aceso à saúde é um direito de todos os seres
humanos e dever do Estado brasileiro assegurar seu exercício e efetividade. O parágrafo
primeiro aborda sobre a formulação e a execução de políticas públicas com o objetivo da
redução de riscos de doenças, bem como assegurar o acesso universal e igualitário aos
serviços de saúde. O § 2º evidencia que o dever do Estado não exclui a participação das
pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade, ou seja, é de responsabilidade de todos a
efetivação do direito à saúde.
O art. 3º estabelece que a saúde é determinada e condicionada por fatores sociais,
como “a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
Assim, ter acesso à saúde abrange uma série de outros serviços e cuidados, além do
atendimento médico, incluindo todos aqueles que “se destinam a garantir às pessoas e à
coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”.
O SUS, (Sistema Único de Saúde), é responsável pela promoção do acesso ao direito à
saúde. Tanto a Constituição Federal, em seu artigo 196, quanto a Lei nº 8.080/1990 garante a
existência do SUS. A saúde como um direito universal não pode discriminar ou excluir
usuários e usuárias do SUS, independente de cor, gênero, raça, classe ou qualquer outro
distintivo social. Segue o disposto na Cartilha de Defesa Popular da Justiça Reprodutiva:

Uma pesquisa feita pela ONU, em 2017, mostrou que quase 80% da
população brasileira que depende do SUS se autodeclara negra (preta ou
parda). O IBGE, por outro lado, mostrou, em 2019, que pessoas negras são
75% entre as mais pobres no Brasil, e pessoas brancas são 70% entre as mais
ricas. O exame conjunto desses dois dados nos mostra o quão é importante é
o SUS no enfrentamento das desigualdades de classe e raça no país: é o SUS
o principal garantidor do serviço de saúde para as pessoas pretas e pardas,
que perfazem a parcela mais pobre população. Por isso, é fundamental
defender o SUS, como medida de justiça social! Mas, para além de funcionar
reparando desigualdades, o SUS também beneficia toda a sociedade
brasileira. Mesmo quem paga consulta médica particular, ou quem tem plano
de saúde privado, usa o SUS. Afinal, o SUS engloba muitas ações para além
do atendimento clínico e/ou hospitalar, como, por exemplo, o controle de
qualidade da água potável, o transplante de órgãos, a vacinação e a doação de
leite humano (COLETIVO MARGARIDA ALVES, 2020).
26

Com base no dado acima citado, é possível perceber a necessidade que a maioria da
população pobre que se autodeclara negra necessita do SUS, concomitante a isso se tem a
realidade do aborto que acomete a vida de várias mulheres. Sendo o SUS o principal
garantidor do serviço de saúde para as pessoas, o aborto ainda é criminalizado, permitido em
alguns casos que serão explanados adiante. O Sistema Único de Saúde é de fundamental
importância e necessidade na vida dos brasileiros, se torna instrumento imprescindível no
caso de aborto seguro para mulheres que optam por tal.
O Código Penal estabelece acerca do aborto:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Art. 124 - Provocar
aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um a
três anos. Aborto provocado por terceiro. Art. 125 - Provocar aborto, sem o
consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar
aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada: Art. 127 - As
penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em
consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre
lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas,
lhe sobrevém a morte. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por
médico: Aborto necessário: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II - se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de
seu representante legal (BRASIL, 1940).

Estes artigos estão dispostos na parte de crimes contra à vida. O art. 124 determina que
a mulher ao praticar o aborto em si mesma ou permitir que outra pessoa o faça, cometerá
crime, sob pena de 1 a 3 anos de detenção. Já o art. 125 reza que se outra pessoa provocar o
aborto, sem o consentimento da gestante, estará cometendo crime, sob pena de 3a 10 anos de
reclusão. O art. 126 aborda que se outra pessoa que provocar o aborto, com o consentimento
da gestante, cometerá crime, sob pena de 1 a 4 anos de reclusão.
O parágrafo único do art. 125 estabelece ainda que se a gestante é menor de 14 anos,
ou alienada ou débil mental, ou se o consentimento tiver sido obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência, levando à interrupção da gravidez, s a pena não será de reclusão de 1 a 4
anos, mas sim de 3 a 10 anos. O art. 127 trata da forma qualificada do aborto, ou seja, as
penas podem ser aumentadas de um terço se a gestante sofrer de lesão corporal de natureza
grave, podendo ser duplicadas se ela vier à morte.
O art. 128 prevê as hipóteses de isenção de pena para alguns casos de aborto.
Estabelece que não se pune o aborto praticado por médico autorizado, aborto permitido ou
27

aborto legal. Não cometem o crime de aborto, os médicos autorizados não respondem
criminalmente, nos casos do aborto necessário para salvar a vida da mãe ou em caso de
estupro. Nestes casos de violência sexual, o aborto é permitido até a 20ª semana de gestação,
podendo ser estendido até 22 semanas, desde que o feto tenha menos de 500 gramas.
Outro ponto importante de ser discutido é sobre o aborto em caso de estupro, O crime
de estupro não mais se restringe às situações de conjunção carnal.
Antes da lei 12.015/2009 o crime de estupro se restringia a hipótese de conjunção
carnal, mediante a violência ou a grave ameaça. O crime de atentado violento ao pudor era
classificado como: constranger alguém, mediante a violência ou grave ameaça, a praticar ou
permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Agora o crime de estupro abrange também a prática de ato libidinoso (práticas e
comportamentos que tenham finalidade de satisfazer desejo sexual, tais como: apalpar,
lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros), ou seja, o tipo
penal do atentado violento ao pudor foi absolvido.
Como nos demais crimes temos o sujeito ativo que faz as ações consideradas crimes e
sujeito passivo que sofre as ações praticadas pelo criminoso. Antigamente só existia estupro
com a conjunção carnal em forma de penetração. Após a Lei 12.015/09, tanto o sujeito ativo
quanto sujeito passivo pode ser qualquer pessoa independentemente de ser homem ou mulher.
O crime de estupro é classificado como de bi comum consumação e tentativa.
Outro projeto de Projeto de Lei mais recente numero 228/23 altera a definição de
estupro no Código Penal para deixar mais claro que o crime será configurado quando alguém
se aproveitar de vulnerabilidade ou ausência de sentido que impeça o consentimento expresso
para conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
O autor da proposta foi o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) Segue a alteração a
lei:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência, grave ameaça ou aproveitamento
de sua vulnerabilidade ou ausência de sentido que o impeça de consentir
expressamente, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso:§ 3º A ausência de sentido de que trata este artigo não
se limita à ausência total e absoluta da consciência da vítima, podendo ser
determinada tão somente pela perda ou inibição de suas faculdades mentais para
mensurar a relevância de sua decisão no que diz respeito ao seu comportamento
sexual.§ 4º Somente será considerado que houve consentimento quando este tiver
sido livremente expresso por meio de atos que, diante das circunstâncias do caso,
expressem claramente a vontade da pessoa.

O estupro pode ser objetivo ou subjetivo. O primeiro é forçar alguém a fazer algo
contra a vontade; o segundo é quando alguém tem a intenção consciente de obrigar outra
28

pessoa a ter relação sexual contra a vontade. Quando falamos de gravidezes resultantes de
estupro, é crucial abordá-las com cuidado, considerando os impactos sérios na vida dessas
mulheres, tanto física, psicológica, social e familiarmente. Muitas mulheres que foram vítimas
de violência sexual veem a gestação como uma lembrança dolorosa do crime cometido contra
elas.
Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a gestante poderia
interromper a gravidez em caso de anencefalia do feto – condição caracterizada pela ausência
parcial do encéfalo e da calota craniana. O site do STF explica os argumentos que foram
utilizados no debate acerca do tema:

A maioria seguiu entendimento do relator da ação, ministro Marco Aurélio


(aposentado), para quem é inadmissível que o direito à vida de um feto que
não tem chances de sobreviver prevaleça “em detrimento das garantias à
dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à
privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas
previstas na Constituição”. Em seu voto, ele afirmou que obrigar a mulher a
manter esse tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere
privado em seu próprio corpo”. O ministro Joaquim Barbosa e a ministra
Rosa Weber também consideraram a liberdade da gestante para optar sobre o
futuro de sua gestação, no caso de feto anencefálico. “Essa liberdade de
escolha ocorre em função do princípio da dignidade da pessoa humana,
inscrito no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal”, afirmou a ministra.
Já para o ministro Luiz Fux, obrigar a mulher a manter a gestação seria
submetê-la a uma tortura, o que também é vedado pela Constituição. Em seu
voto, a ministra Carmen Lúcia enfatizou que “não há bem jurídico a ser
tutelado pela norma penal que possa justificar a impossibilidade total de a
mulher fazer a escolha sobre a interrupção da gravidez”. O ministro Ayres
Britto (aposentado) destacou que, em caso de anencefalia, as mulheres
carregam no ventre “um natimorto cerebral, sem qualquer expectativa de vida
extrauterina”, e que obrigar a mulher a manter essa situação seria um
tratamento cruel. Para o ministro Gilmar Mendes, desde a edição do Código
Penal, em 1940, a sociedade brasileira convive com a descriminalização do
aborto em casos de estupro e de risco à saúde da mãe. “A possibilidade de
aborto de fetos anencéfalos está autorizada desde então, tendo em vista que,
comprovadamente, a gestação nesses casos traz graves riscos à saúde da
gestante”, assinalou. O ministro Celso de Mello destacou, ao votar, que até
então, em toda sua carreira jurídica, nunca tinha participado de um
julgamento “de tamanha magnitude, envolvendo o alcance da vida e da
morte”. Ele ressaltou o que considera uma “grande diferença entre
legalização do aborto e a antecipação terapêutica do parto em caso de
anencefalia (BRASIL, 2023).

O diagnóstico de anencefalia é possível a partir de 12º semanas de gestação, sendo que


a mulher pode decidir a qualquer tempo pela sua interrupção.
Neste sentido, é de fundamental importância pautar discussões recentes em propostas e
projetos de leis no que tange à discussão do aborto. Quais são os debates dentro da política e a
29

necessidade de legislações efetivas no que diz respeito à saúde da mulher na escolha e decisão
sobre seu próprio corpo.

2.2 Novas propostas legislativas acerca do aborto

Segundo o site BBC News Brasil (2023), publicando informações fornecidas pelo
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) entre janeiro de 2021 e 29 de junho de
2022, foram apresentados na Câmara dos Deputados, pelo menos, sete projetos de lei que
preveem restringir ainda mais o aborto no Brasil. O CFEMEA possui uma plataforma digital
com publicações abertas sobre diversos assuntos, como feminismo, direitos humanos,
democracia direito ao aborto, igualdade racial, educação feminista antirracista e outros
públicos.
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA, 2009) defende entre outras
questões, a descriminalização do aborto no Brasil. Segundo o Centro, 13 novos projetos de lei
relacionados aborto foram apresentados na Câmara Federal no período. O site BBC News
Brasil acrescenta que os projetos propõem aumentar as punições a quem faz cometer o aborto;
exigir boletim de ocorrência das vítimas de violência sexual; proibir qualquer teste,
comercialização e descarte de embriões; e alterar a legislação para estabelecer os direitos de
um feto.
A cientista política e assessora técnica do CFEMEA, Priscilla Brito (2022), comenta
que o maior número de projetos de lei contra o aborto advém do crescimento significativo da
bancada mais conservadora no Congresso Nacional. Priscila Brito destaca entre os projetos
legislativos acerca do tema, o Estatuto do Nascituro, de 2007, que inaugurou uma tendência
conservadora tentativa de legislar acerca do direito à vida e/ou aborto. “Na atual Legislatura, a
base aliada do governo está ainda mais ativa nesse sentido", fala feita no ano de 2022.
Os projetos de lei 478/2007 e 434/2021 discorrem acerca do Estatuto do Nascituro.
Segundo a PL 478/2007. em seu art. 2º, o nascituro é um ser humano concebido, mas ainda
não nascido, ou seja, o feto ainda na barrigada mãe.
A PL 478/2007, elaborada por Luiz Basuma e Miguel Martini, conta com 49 artigos.
O projeto conceitua o nascituro, qualificar toda sua capacidade jurídica, assim como
responsabiliza o Estado a assegurá-lo como prioridade, no que tange à vida, alimentação,
dignidade, saúde, respeito e liberdade, além da convivência familiar, colocando a salvo de
toda forma de negligência (PJ 478/2007, p.01-02).
30

Estes projetos foram elaborados com o objetivo de proteger a vida, assegurando


direitos fundamentais a um feto. No entanto, interfere diretamente e de forma incisiva na
autonomia feminina sobre suas decisões relacionadas ao seu corpo e a opção pela interrupção
da gravidez. Ademais, o artigo 13 da PL 434/2007, que se refere aos direitos fundamentais
explana:

Art.13 O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer


discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe ainda, os seguintes: Direito
prioritário a assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante.
I. Direito à pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário-mínimo, até que se
complete dezoito anos. II. Direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira
assumir a criança após o nascimento. Parágrafo único. Se for identificado o genitor,
será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo;
se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado. (PJ
478, 2007, p.3).

Segundo o artigo 13 do projeto 478/2007, o nascituro, mesmo sendo concebido por ato
de violência sexual, não poderá sofrer discriminação ou restrição de direitos, e ainda será
assegurado o direito à assistência pré-natal, ao acompanhamento psicológico para mãe, o
direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento e uma
a pensão alimentícia equivalente a 1 (um)salário-mínimo até que que complete 18 anos. No
projeto, é nítido o modo pelo qual a mulher é exposta a diferentes formas de violência, uma
vez que a obriga a ter um filho, como resultado de estupro, o que mais tarde foi se
denominado “Bolsa Estupro”.
O estupro é um crime, cuja penalidade deve ser maior, ou ao menos proporcional à
gravidade do delito. Sendo um crime, deve ser analisado através de diversas faces, não
ficando somente estrito ao sujeito que o pratica, pois a vítima foi abusada fisicamente, seus
traumas permanecem por longos anos. Neste viés, o projeto discutido ao tentar realizar um
acordo com a vítima pela continuação da sua gravidez, silencia a gravidade da lesão em troca
de um valor mínimo simbólico de um salário-mínimo.
A proposta do salário mínimo é um insulto à mulher, porque a constrange-la a seguir
com uma gravidez decorrente de violência, o projeto é desrespeitoso com a mulher, pois a
pressiona a uma maternidade, consequência de uma violência, coagindo-a pela continuação da
gravidez, invalidando o Código Penal nas situações em que o aborto é permitido, além de
anular lutas femininas em prol da liberdade da mulher sobre seu corpo.
Outro ponto importante, que deve ser levado em consideração é o modo como o
Estado beneficia o autor do crime ao assumir um pagamento de pensão à vítima. Ressalta-se
que uma mulher vítima de violência, e levando adiante esta gravidez, o dinheiro seria o menor
31

de seus problemas. Adiante, sendo crime e não sendo penalizado conforme sua gravidade, as
infrações desta natureza poderiam até aumentar, pois o projeto se transformaria numa válvula
de escape para criminosos cometerem o delito, sem que sofresse a devida consequência de
forma punitiva incisiva e eficiente de seu ato violento e criminoso.
Neste viés, Castilhos (2017) aponta:

O Estatuto do Nascituro é um tema que merece ser abordado sob vários aspectos. É
um assunto multifacetado e que revela uma das mais profundas heranças misóginas
de nossa sociedade patriarcal, capitalista, judaico-cristã. Remete à tentativa milenar
de dominar, o corpo e a sexualidade das mulheres utilizando valores para o
disciplinamento da vida das pessoas que são impostos através da culpa e do pecado.
Nesta perspectiva é necessário entender e interpretar o que se esconde atrás de um
discurso hipócrita, pretensamente ético e em defesa da vida. Esta pregação, falsa e
oportunista, resulta em pressões e ações concretas no interior do poder legislativo,
na intimidação do poder executivo e no questionamento quanto aos pequenos
avanços obtidos junto ao poder judiciário (CASTILHOS, 2017, p. 1)

O posicionamento de Castilhos (2017), no que se relaciona ao Estatuto do Nascituro,


demonstra que o corpo das mulheres está sempre refém e sujeito às tentativas de domínio dos
homens usam de supostos valores na tentativa de um disciplinamento das pessoas através da
culpa e do pecado. É, portanto um discurso hipócrita que se esconde através da defesa da vida,
mas que na verdade é fruto de uma herança “misógina, patriarcal judaica cristã” (CASTILHO,
2017, p.3).
Os próximos dados foram tirados do site BBC News Brasil:

Entre as propostas que preveem restringir ainda mais o aborto no país


apresentadas desde 2021 está o PL 2125/2021, do deputado Junior Amaral
(PSL-MG). O projeto visa aumentar as penas para até 20 anos para mulheres
que interrompem a própria gestação ou permitem que outra pessoa realize o
procedimento, e até 30 anos para quem realiza ou auxilia um aborto sem o
consentimento da gestante ou em menores de 14 anos e pessoas com
deficiência mental. O PL 232/2021, também protocolado no período, propõe
alterar a lei para tornar obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência
com exame de corpo de delito positivo que ateste a veracidade do estupro,
para realização de aborto decorrente de violência sexual. A proposta é de
autoria das deputadas Carla Zambelli (PL-SP) e Major Fabiana (PSL-RJ).
Ainda foram apresentados em 2021 o PL 299/2021, que visa a proibir
qualquer forma de manipulação experimental, comercialização e descarte de
embriões humanos, e o PL 1515/2021, que busca vedar a realização de
qualquer procedimento de natureza abortiva na modalidade telemedicina.
Já o PL 434/2021 prevê instituir o Estatuto do Nascituro — o termo
"nascituro" é um sinônimo para feto. A proposta estabelece, entre outras
coisas, que "a personalidade civil do indivíduo humano começa com a
concepção" e que "o nascituro goza do direito à vida, à integridade física, à
honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade”. Já em
2022, foi apresentado o PL 883/2022, de autoria de Zambelli, que tem como
objetivo alterar o Código Civil para incluir disposições referentes ao direito
do nascituro e criar, no Código Penal, o crime de incitação ao aborto.[...] foi
32

protocolado o PL 2451/2021, apresentado pelo deputado LoesterTrutis (PSL-


MS), que busca penalizar quem, de qualquer modo, criar, produzir, divulgar,
incitar, reproduzir, distribuir ou financiar por meio digital, rádio e televisão,
ou em materiais impressos, mesmo que de forma gratuita, campanhas de
incentivo ao aborto. A pena seria de três a dez anos de prisão e multa, com
acréscimos em casos de uso de recursos públicos ou campanhas realizadas
dentro de instituições de ensino. Há também proposições para instituir o Dia
Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto e a
Semana Nacional de Celebração da Vida (BBC-NEWS, 2023)

As propostas acimas citadas visam aumentar as punições a quem faz o procedimento


de aborto; exigir boletim de ocorrência das vítimas de violência sexual; proibir qualquer teste,
comercialização e descarte de embriões; e alterar a Legislação para estabelecer os direitos de
um feto. Segundo a BBC News Brasil entre os 13 projetos de lei contabilizados pelo Cfemea,
pelo menos quatro buscam criminalizar propaganda ou distribuição de material sobre o
aborto, propõem fazer algum tipo de campanha contra a prática
Atualmente tramitam na Câmara Federal e no Senado mais de uma centena de
proposições que tratam do aborto, apresentadas ao longo de muitos anos, segundo o Cfemea:

Em 2022, mais especificamente até 29 de junho, o centro contabilizou 51


proposições tratando do tema no Congresso Nacional, entre projetos de lei
apresentados ou movimentados (14), projetos de decreto legislativos (15),
emendas (3) e requerimentos diversos (19). Já em todo o ano de 2021, foram
26 proposições, entre projetos de lei (19), projetos de decreto legislativo (6) e
propostas de emenda constitucional (1) (CFEMEA, 2019).

Os dados mostram a força que um governo bolsonarista concede às conservadoras que


não levam em consideração a autonomia e a liberdade feminina. Grupos se escondem atrás da
moralidade e da religião na tentativa de dominação feminina. Obrigar uma mulher a ter um
filho é restringir sua autonomia, independente das circunstâncias que se encontra, afim de que
se estabeleçam supostos direitos fundamentais ao feto.

2.3A insegurança do aborto clandestino em mulheres de baixa renda

Apesar da polêmica criminalização do abortamento no Brasil, o procedimento


considerado ilegal, é uma realidade na sociedade brasileira. Ser a favor ou contra não muda o
fato de ele existir. Políticas conservadoras e propostas legislativas que tem como objetivo
acabar com aborto são ineficientes e não encaram o problema de saúde que vivem as mulheres
brasileiras, principalmente as de baixa renda.
33

Segundo a PNA (Pesquisa Nacional do Aborto) de 2021, uma em cada 7 mulheres, aos
40 anos, já interrompeu uma gravidez. Das que fizeram o procedimento em 2021, 43%
tiveram que ser hospitalizadas. Isto é, mesmo proibido pela lei, as mulheres optam pela
interrupção da gravidez, realizando procedimentos inseguros podendo ocasionar em morte,
adoecimento, sofrimento físico e psicológico.
Greice Menezes e Débora Diniz refletem sobre a questão:

Mas há desafios à pesquisa sobre aborto no Brasil. A ilegalidade faz com que as
mulheres temam falar de suas histórias. O estigma do crime contribui para uma
atenção de baixa qualidade as mulheres com abortamento e intimida profissionais de
saúde que atuam em serviços de aborto legal. Há um silêncio que emudece mulheres
e profissionais de saúde. A insegurança acompanha as pesquisadoras em todas as
etapas da pesquisa de campo - como proteger as mulheres, como garantir sigilo
sobre suas histórias, como protegê-las do risco de uma investigação policial são
dimensões novas e inquietantes para as equipes de pesquisa. Esse contexto de risco e
proibição vem exigindo saídas criativas e novas metodologias para a pesquisa sobre
o aborto. (MENEZES e DINIZ, 2012, p.1).

É possível observar o processo de silenciamento e invizibilização que as mulheres


sofrem também na questão do aborto. Criminalizar o abortamento, segundo as autoras acima,
contribui para a baixa atenção às necessidades e intimida os profissionais de saúde na
condução dos casos. O tema ainda é tratado como algo proibido e perigoso.
O aborto não é somente um problema para quem decide realizá-lo. Sendo inseguro e
ilegal, desafia a saúde pública pela busca de resoluções rápidas e eficientes para que não haja
consequências desastrosas na vida de mulheres que se encontram temerosas pela
criminalização do aborto.
Segundo a revista Marie Claire (2023), no que tange aos direitos reprodutivos, em
2022, dados preliminares apontam 7.715 partos de crianças de até 14 anos, uma média de 42
partos por dia; sendo que 75% das crianças nascidas também eram negras, mantendo a
proporção racial.
O Nordeste foi a região do Brasil que representou a maior proporção de partos de
crianças de até 14 anos em 2022 e no início de 2023. Foram 38% no ano passado e 35% até
junho deste ano. A região é seguida por Norte e Sudeste, que representam 23% dos partos.
Entre os motivos que dificultam o acesso ao aborto por parte destas meninas está o
fato de poucos hospitais no Brasil realizarem o procedimento de forma autorizada. De acordo
com o Mapa do Aborto Legal (atualizado pela última vez em 28 de setembro de 2022), são 73
centros de atendimento que fazem aborto legal no país, sendo 33 indicados pelo Ministério da
34

Saúde. Estes serviços estão distribuídos de forma desigual entre os estados, o que dificulta o
acesso para pessoas de baixa renda.
Sendo ilegal e considerado como crime com pena de reclusão, muitas mulheres que
não encaixam no que seria permitido para a interrupção da gravidez optam por clínicas
clandestinas ou realizam em sua própria residência. Segundo o Ministério da Saúde (2020), o
Brasil registra em média quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro em hospitais
por complicações do aborto.
Mesmo sendo um tabu, 73% das jovens entre 18 e 24 anos que engravidam
consideram interromper a gravidez, segundo dados do site Le Monde Diplomatique Brasil
(2019). É importante salientar que embora seja uma ocorrência frequente na vida de mulheres
de todas as camadas sociais, etnias e lugares diferentes, as consequências do aborto ocorrem
de maneira desigual.
Por exemplo, o aborto quando realizado em condições precárias, ocasiona grandes
consequências para a vida da mulher, podendo resultar em complicações como hemorragias,
infecções, em alguns casos, levam à morte. A criminalização do aborto afeta principalmente
as mulheres de baixa renda, por não possuírem condições sanitárias dignas para a realização
do procedimento. Logo, são obrigadas a recorrem a métodos inseguros, estando amedrontadas
com uma possível pena de prisão,
A proibição do aborto na vida de mulheres representa uma invasão no seu direito
reprodutivo, além da restrição na sua autonomia de liberdade de escolha, pois o impedimento
faz com que medidas extremas sejam tomadas.
A criminalização do aborto gera inúmeros impasses na saúde das gestantes. Isto
porque não impede a prática e ainda colabora com o fortalecimento da desigualdade social.
Infelizmente, enquanto algumas mulheres estão sujeitas a condições insalubres da
clandestinidade do aborto, as mulheres de classes mais altas estão menos propensas a estes
riscos, porque possuem muito mais chance de terem um atendimento adequado.
Impedi-la de realizar sua vontade, mesmo sendo amparada por lei, é submetê-la a
constrangimentos que ferem princípios humanos, contidos na Constituição Federal, tais como
sua autonomia, dignidade, liberdade e privacidade.
Nesse sentido, Lorena Ribeiro de Morais aponta que:

As mulheres ao serem impedidas de ter acesso à saúde por meio de tratamento


adequado para o seu caso, em razão da forte carga de preconceito e intolerância
acerca do procedimento do aborto, têm violada a sua honra e dignidade. Como ser
humano, a mulher tem agredido um valor axiológico supremo, insculpido na Carta
Magna. Por este motivo, o Código Penal deve ser interpretado de modo evolutivo.
35

Uma orientação que envolva o Judiciário, os profissionais da saúde, os legisladores e


a sociedade em geral são necessários para que se mostre a realidade do aborto como
uma questão social e um problema de saúde pública. (MORAIS, 2008, p.07)

É essencial que a questão do aborto seja tratada como um direito fundamental, uma
questão de saúde, de cuidado com a mulher, de o respeito ao seu corpo. É preciso que o
abortamento deixe de ser tratado como uma questão que viola a moral, as crenças subjetivas e
passe a ser tratada com a seriedade e o respeito necessário (BRASIL, 2009, p. 14)
O aborto clandestino acontece quando mulheres com baixa aquisição financeira
enfrentam dificuldades para acessar de forma segura serviços de saúde reprodutiva de
qualidade, o que inclui o aborto. O combate ao aborto clandestino inclui acesso universal a
serviços de saúde que possa instruir a mulher ao seu direito reprodutivo, assim como a
educação sexual, e contracepção acessível, mesmo que não seja 100% seguro. Resolvendo
questões como estas, haverá um consequente melhora no que tange a autonomia das mulheres
sobre seu direito reprodutivo independente da sua renda ou origem social.
Neste viés da criminalização do aborto, a maternidade compulsória como imposição
social ou legal para mulheres, as mulheres ao escolherem ter filhos devem estar orientadas
livremente pela sua profunda vontade para que esteja garantido o direito de controle da sua
própria vida, afim de que evitem situações acerca de uma gravidez forçada.
Quem não quer ser mãe, deveria ter o direito de receber informações suficientes para
prevenir uma gravidez e interromper uma gravidez não desejada. Por outro lado, quem quer
ser mãe, tem direito a viver a maternidade de forma digna e contar com apoio social para
tanto.
Ademais, no Capítulo 3 será analisado o caso da atriz Klara Castanho, no qual pôde
ser observado o desrespeito ao direito de privacidade, e principalmente a escolha de ser mãe.
Serão aprofundadas discussões no que tange informações como os deveres dos profissionais
de saúde, cuidado e atenção de qualidade, também conceitos tais como sigilo e
confidencialidade na saúde publica.
36

CAPÍTULO 3

3. CASO KLARA CASTANHO E A VIOLAÇÃO DE DIREITOS, ROSA WEBER E


DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

A divulgação da história da atriz Klara Castanho provocou várias discussões,


especialmente, em torno do aborto e da maternidade compulsória. Em 2022, a jovem, de 21
anos, publicou em suas redes sociais que foi vítima de violência sexual, engravidou em
consequência do estupro e que, mesmo tendo direito ao aborto legal, decidiu levar a gravidez
até o fim e, posteriormente, entregou a criança para adoção.
Ela disse ainda que, logo após o parto, enquanto ainda estava sob os efeitos da
anestesia, foi abordada por uma enfermeira do hospital que ameaçou vazar sua história para a
imprensa. O caso levou à apresentação do único projeto de teor mais favorável à ampliação do
direito ao aborto protocolado na Câmara nos últimos anos, segundo o Centro Feminista de
Estudos e Assessoria (CFEMEA, 2009).
O PL 1763/2022, do deputado Ricardo Silva (PSD/SP), busca alterar o Código Penal
para incluir um artigo específico em que cria o crime de divulgação de informações sobre a
vítima de crime contra a dignidade sexual o qual será aprofundado no decorrer do capitulo.

3.1 Biografia de Klara Castanho e de que forma seu caso repercutiu no Brasil

Klara Forkas Gonçalvez Castanho nasceu em Santo André, no dia 6 de outubro de


2000. É uma atriz bastante conhecida, que ganhou visibilidade ao interpretar papéis de
sucesso, como a vilã mirim na novela “Viver a vida”, no ano de 2009, dando vida a
personagem Rafaela. Sua carreira profissional foi iniciada muito cedo, aos nove meses, como
modelo fotográfica, e posteriormente de diversas campanhas publicitárias. A atriz também já
participou da novela “Revelação”, no SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) interpretando
Daniela.
No ano de 2018, participou do programa “Popstar”, além de outros trabalhos de
grande destaque como os filmes “De volta aos 15” (2002), “É Fada” (2016) e “Confissões de
uma Garota Excluída” (2021). Com grandes características como naturalidade em
desempenhar papéis de modo autêntico, fazendo com que o público se identifique com as
emoções e experiências da personagem, interpretando tipos bem diferentes desde os
dramáticos, às vilãs e os cômicos.
37

No Instagram, Klara Castanho conta com cerca de 7,2 milhões de seguidores, e mostra
um pouco dos trabalhos que desempenha, sem ser cotidianamente ativa nesta rede. Porém,
mesmo com todo sucesso fruto do trabalho árduo, seu nome ganhou grande repercussão ao ter
sua vida completamente exposta ao virar assunto nacional pela divulgação não autorizada de
um fato de sua vida em 2022.
Em junho de 2022, a Youtuber Antônia Fontenelle, divulgou a história de Klara em
uma live do Instagram. Segue a notícia dada:

Trata-se de uma atriz da TV Globo, ela tem 21 anos de idade, segundo os


autos, e as informações do hospital, e a enfermeira que me ligou a menina de
21 anos engravidou, escondeu a gravidez, inclusive trabalhou durante a
gravidez, pariu o filho dela, e segundo informações, pediu que o hospital
apagasse a entrada dela no hospital e pediu que não queria ver o filho,
mandou dar o filho, “tira” quero nem ver. Prestem atenção nesta história. Léo
Dias ligou para ela e perguntou para ela explicar, a mesma disse que o
mataria, caso essa notícia fosse divulgada e que isso aí aconteceu porque ela
foi vítima de um estupro, e que a religião dela, não permite que a mesma
abortasse. Mas a religião dela permite que ela “pari” uma criança e fale que
não quer ver e nem saber, tira de mim. E aí a coisa que mais me doeu, falei
cadê essa criança? Se for o caso, eu crio, ou procuro alguém que queira criar
essa criança. Essa criança não pode ser jogada fora (...). Porque uma pessoa
que pagou, segundo informações, 50 mil reais de aparelho particular.
Primeiro ela tem dinheiro, poderia criar essa criança, segundos é vítima deum
estupro, porque no dia seguinte não foi tomar providência para virar um
aborto uma vez que é contra o aborto (FONTENELLE, 2022),

Observa-se que essa fala de Antônia Fontenelle foi carregada de acusações fortes e
injúrias, discurso preconceituoso e julgamentos. A situação que Klara se encontrava e o que
havia passado não eram de importância para a divulgadora da situação. Tudo o que foi
levantado, desde a maternidade compulsória até ao aborto se resumiu à uma irresponsável
exposição da atriz cujo único objetivo parece ter sido a sua crucificação pelas redes sociais.
A vítima foi assim exposta para milhões de pessoas.
A Youtuber utilizou palavras pesadas, doloridas, que invalidaram totalmente a dor que
Klara Castanho passava no momento, colocou-a ainda como um ser humano desprezível após
se manifestar num tom de criminalização da atriz por ter encaminhado a criança para adoção,
um ato legítimo e previsto em lei, e que não configura a hipótese penal de abandono de
incapaz.
Toda a repercussão do caso de Klara Castanho e a forma como ela se deu, mostra a
necessidade de problematizar os juízes da internet. O espaço se tornou um território sem lei,
em que as pessoas atrás de telas se sentem corajosas para dar suas opiniões carregadas de
preconceito, ódio e ignorância. Os indivíduos que recebemos ataques virtuais, por vezes,
38

adoecem psicologicamente, se sentindo coagidos e humilhados. Percebe-se ainda uma


tendência da sociedade contemporânea em tornar fatos privados em espetáculo na internet.
Em tempo de uma indústria de grande circulação de notícias virtuais, as mídias digitais
potencializam as situações particulares em atendimento à curiosidade do público sobre a vida
privada de celebridades.
Segundo o site Estadão o jornalista Léo Dias procurou a atriz para falar sobre o caso.
Ela pediu para que não divulgasse o ocorrido, pois tinha sido vítima de um estupro e era uma
situação delicada para ela. No entanto, ocorre o jornalista passou a informação adiante, com
toda indelicadeza, sem se preocupar com a vida da vítima. Depois de esclarecido os fatos que
a gestação foi decorrente de estupro e estava legalizada a entrega da criança para a adoção,
Léo Dias e Antônia Fontenelle, tentaram se eximir de qualquer responsabilidade, porque não
teriam divulgado o nome da atriz.
O ambiente virtual favorece narrativas extremistas, sensacionalistas e fake News.
Trata-se de uma corrida desenfreada para divulgar primeiro a notícia custe o que custar. Qual
seria a relevância pública de um episódio que aconteceu na intimidade e na privacidade de
Klara Castanho? É de fundamental importância os meios de comunicação se comprometam de
forma ética para tratar de assuntos pessoais ou não. Mesmo com um pedido de desculpas após
o ocorrido, o mal já foi feito à Klara Castanho que reviveu o trauma e foi obrigada a abrir sua
vida particular para milhões de pessoas.

3.2 A versão de Klara Castanho

Após a repercussão do caso, em 25 de julho de 2022, Klara Castanho se manifestou


por meio de uma carta aberta, com fotos, que continham textos em seu Instagram. O post
atualmente conta com 8.178.451 milhões de curtidas a atriz escreveu:

Este é o relato mais difícil da minha vida. Pensei que levaria essa dor e esse
peso somente comigo. Sempre mantive minha vida afetiva privada. (...) No
entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões
sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri. Fui estuprada.
Relembrar esse episódio me traz uma sensação de morte, porque algo morreu
em mim (...) estava completamente sozinha. Não, eu não fiz boletim de
ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. (...) As coisas que tive
forças para fazer foram: tomar pílula do dia seguinte e fazer alguns exames.
(...), mas mesmo tentando levar uma vida normal, os danos da violência me
acompanharam. Deixei de dormir, deixei de confiar nas pessoas, deixei uma
sombra apoderar-se de mim. Uma tristeza infinita que eu nunca tinha sentido
antes. Somente a minha família sabia o que tinha acontecido (...). Meses
depois, eu comecei a passar mal. Fiz uma tomografia, no meio dela, o exame
foi interrompido às pressas. Fui informada que eu gerava um feto no meu
útero, sim, eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Meu
39

mundo caiu. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também, eu não
tinha ganhado peso, nem barriga. (...) O médico não teve nenhuma empatia
por mim, eu não era uma mulher que estava grávida por vontade e desejo, eu
tinha sofrido uma violência. E mesmo assim esse profissional me obrigou a
ouvir o coração da criança, que disse que 50% do DNA eram meus, e que eu
seria obrigada a amá-lo. Essa foi mais uma da série de violência que
aconteceram comigo. (KASTANHO,2022).

No comunicado, consta ainda que, mesmo Klara Castanho sabendo da informação que
estaria grávida, e que faltava poucos dias para o parto, procurou uma advogada afim de que
tomasse uma atitude mais digna e humana naquele momento de extrema vulnerabilidade. Ela,
então, tomou a decisão de entregar a criança diretamente à adoção, passando por todos os
trâmites legais, para assegurar o sigilo das pessoas envolvidas no caso.
A entrega de um(a) filho(a) para adoção está prevista na Lei 13.509/2017 que garante
sigilo absoluto, desde o nascimento da criança entrega do bebê para a adoção.

Art 19-A: § 5º Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os


genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência
a que se refere o § 1º do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega. § 9º É
garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art.
48 desta Lei.Art 163. § 3º São garantidos a livre manifestação de vontade dos
detentores do poder familiar e o direito ao sigilo das informações (BRASIL, 2017).

Entregar um bebê de forma voluntária à adoção não constitui crime, e se for de


maneira acolhedora e orientada, pode ajudar a combater problemas como o abandono infantil.
O relato triste de Klara Castanho, após o caso ter sido revelado indevidamente pela imprensa,
fez com que a atriz se sentisse obrigada a tornar público seu caso de estupro, seguido de uma
gravidez silenciosa, descoberta poucos dias antes do parto.
Segundo a atriz, seu ciclo menstrual seguiu normal e seu corpo não sofreu mudanças
com a gravidez. Ademais, mesmo tomando todos os cuidados necessários em situações como
estas, como tomar pílula do dia seguinte e a realização de exames a fim de detectar sintomas
de doenças transmissíveis, a gravidez aconteceu.
Klara Castanho procurou ajuda jurídica para a entrega legal do bebê, uma vez que,
mesmo sendo vítima ou não de estupro, qualquer mulher gestante tem o direito de entregar
sua criança à adoção legal.
A atriz acrescentou em sua Carta que:

Ainda anestesiada do parto, fui abordada por uma enfermeira que estava na sala da
cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: “imagina se tal colunista descobre essa
história”. Eu estava dentro deum hospital, um lugar que era supostamente para me
acolhere proteger. Quando Cheguei ao quarto já havia mensagens do colunista, com
40

todas as informações. Ele só não sabia do estupro. Eu ainda estava sob o efeito da
anestesia. Eu não tive tempo de processar tudo àquilo que estava vivendo. Eu
conversei com ele, expliquei tudo que tinha acontecido. Ele prometeu não publicar.
Um outro colunista me procurou dias depois (...), mas apenas o fato de eles saberem,
mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de
extrema dor e vulnerabilidade, que tem obrigação legal de respeitar o sigilo da
entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim, e pela criança. (...) Como
mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem, e agora, sou reiteradamente
violentada por tantas outras pessoas que me julgam. (...) Entregar uma criança em
adoção não é crime, é um ato de supremo cuidado. (KASTANHO, 2022).

Ela finalizou seu comunicado pedindo a compreensão de todos e ajuda para manter a
privacidade que o momento exigia. Toda a exposição que sofreu contribuiu para mais uma
violação: a da sua intimidade exposta pelas redes sociais.
O art.5°, X, da Constituição brasileira prevê que são invioláveis os direitos à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. É assegurado ainda o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente da sua violação destes direitos (CF, art. 5°, X).
Mesmo com todos desafios enfrentados por Klara Castanho, atualmente tem na câmara
projetos de lei que pretendem tornar as leis antiaborto mais restritivas no Brasil, como
abordado no Capítulo 2 deste trabalho. Essas propostas visam aumentar as punições para
quem realiza o aborto, buscando mudanças nas leis para garantir os direitos do feto, e também
requerem boletins de ocorrência das vítimas de violência sexual. Além disso, esses projetos
visam criminalizar qualquer forma de propaganda ou distribuição de material sobre o aborto.
A publicização do caso de Klara Acastanho estimulou debates em relação ao tópico,
resultando na proposição de um único projeto de lei a favor da expansão dos direitos ao
aborto que foi submetido na Câmara, segundo o CFEMEA:

O PL 1763/2022, do deputado Ricardo Silva (PSD/SP) busca alterar o Código Penal


para incluir um artigo que cria o crime de divulgações de informações sobre a vítima
de crime contra a dignidade sexual. (BRAUN, 2022)

Este projeto de lei visa a tipificação de condutas que divulgam informações sobre
vítimas de violência sexual, no seu texto, na justificativa, é ainda citado a situação que Klara
Castanho foi submetida ao divulgar através de uma carta aberta no seu Instagram, contando
toda a situação que havia passado, após ser exposta de maneira sórdida e repugnante.
No texto original do projeto consta ainda:

Divulgação de informações sobre a vítima do crime de estupro. Art.218-D.


Divulgar, por qualquer meio, informações em relação à vítima de crime contra a
dignidade sexual, sem seu consentimento. Pena-reclusão de 01 (uma) a 05 (cinco)
anos. Parágrafo Único- Incorre na mesma pena quem divulga qualquer das ações
41

adotadas pela vítima de crime contra a dignidade sexual, sem seu consentimento,
especialmente a prática do aborto legal, previsto no artigo128, II, deste Código, ou a
entrega do filho para adoção, previsto no artigo 19-A, da Lei n°8.069/1990
(BRASIL, 1990)

O texto do projeto de lei acima é importante, porque tipifica a divulgação de


informações sobre a vida da vítima, sendo ao menos um projeto favorável a ampliação do
direito feminino.
Pesquisas feitas pelo Datafolha, divulgada no início de junho de 2022, o Datafolha
ouviu 2.556 pessoas em 181 municípios do país entre os dias 25 e 26 de maio deste ano mostram
maior aceitação da sociedade brasileira em relação ao aborto: 39% dos brasileiros
entrevistados consideram que a lei deve permanecer como está, 26% disseram acreditar que o
aborto deve ser permitido em mais situações ou em todas as situações.

Além disso, durante qualquer atendimento de saúde, temos direito: ◊ À


confidencialidade e à privacidade: ninguém pode difundir ou divulgar
informação sobre o nosso estado de saúde sem o nosso consentimento; ◊ A
receber um tratamento de saúde adequado e de qualidade, segundo a
evidência científica mais recente; ◊ A ser tratada com respeito, dignidade e
atenção; ◊ A tomar as decisões sobre o tratamento que receberemos, dando o
nosso consentimento livre e informado, a negar-nos a receber qualquer
tratamento que não desejemos e a deixar o sistema de saúde se não
estivermos satisfeitas com o tratamento recebido (pedir a alta voluntária). Se
você viveu uma situação que acredita ser violência obstétrica, ou sabe de
alguém que viveu, há algumas medidas que você pode tomar: ◊ Converse
com alguém de sua confiança e busque apoio, para não se sentir sozinha; ◊
Escreva o que aconteceu com você ou com a pessoa que você conhece, com
detalhes, caso deseje tomar medidas jurídicas mais tarde; ◊ Se desejar tomar
medidas jurídicas, você pode: (i) fazer um registro da ocorrência na delegacia
de polícia mais próxima de você, para que as medidas criminais sejam
tomadas; (ii) fazer uma denúncia no conselho profissional, que poderá impor
medidas disciplinares a quem cometeu a violência obstétrica e (iii) buscar
uma advogada feminista e dar início a um processo de reparação dos danos
morais (e materiais, se houver) sofridos (FOLHA DE SÃO PAULO,
2022).

Desta forma, houve violação do sigilo profissional e danos morais relativos ao direito
à intimidade de Klara Castanho expostos. A mesma não teve sua dignidade respeitada, muito
menos seus direitos. Nenhum profissional de saúde pode difundir ou divulgar informação sem
o consentimento do paciente. Também é direito receber um tratamento de saúde adequado e
qualificado. É possível fazer registro da ocorrência na Delegacia de polícia mais próxima,
uma denúncia no Conselho Profissional, que poderá impor medidas disciplinares a quem
cometeu a violência obstétrica e buscar reparação por danos morais e materiais.
42

É de fundamental importância abrir um parêntese sobre como a sociedade pressiona as


mulheres para maternidade e ao mesmo tempo naturaliza o abandono paternal. De acordo com
uma pesquisa da Universidade Federal do Maranhão (UFMA, 2022) o abandono paterno é
uma realidade de proporções assustadoras no Brasil. De acordo com o levantamento da
Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC, 2020), em 2020, 6,31% das
1.280.514 crianças nascidas foram registradas apenas com o nome das mães nas certidões.
Esta realidade também está associada a um contexto estrutural machista e patriarcal que
coloca os homens em situações de proteção e privilégio. Exige o máximo das mulheres e o
mínimo dos homens.
Muitas mulheres continuam lutando por mais direitos de outras. Uma delas é a
Ministra Rosa Weber, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que votou pela
descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 (doze)
semanas de gestação.

3.3 Análise do voto da Ministra Rosa Weber e sua importância para legislações
eficientes que respeitem o direito de escolha da mulher

Rosa Maria Pires Weber, Ministra do Supremo Tribunal Federal, nasceu em Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, em 02 de outubro de 1948. Filha do médico José Júlio Martins
Weber e da pecuarista Zilah Bastos Pires, possui publicações importantes e de grande impacto
em livros e revistas jurídicas. No que tange à sua carreira na Magistratura, foi Juíza do
Trabalho substituta (1976 a 1981); Juíza do Trabalho Presidente da Junta de Conciliação e
Julgamento (1981 a 1991); Juíza do TRT da 4° Região Desembargadora do Trabalho (1991 a
2006); além da sua atuação na Jurisdição como Juíza integrante, presidente e outras atividades
administrativas (WEBER, 2022).
Rosa Weber, em dia 22 de setembro de 2023, a então presidente do STF votou a favor
da ADPF N° 442, proposta pelo PSOL, com apoio do Instituto de Bioética, que pede a
descriminação do aborto até a 12° semana da gestação.

Com seu voto de 129 páginas, a ministra considera que os artigos 124 e 126 do
Código Penal não estão de acordo com a atual Constituição Federa. Na sua avaliação
é desproporcional atribuir pena de detenção de um a quatro anos para a gestante,
caso provoque o aborto por conta própria ou autorize alguém a fazê-lo, e também
para a pessoa que ajudar ou realizar o procedimento. A ministra ressalta que o
debate jurídico sobre o aborto é “sensível e de extrema delicadeza”, pois suscita
“convicções de ordem moral, ética, religiosa e jurídica”. Rosa Weber considera que
a criminalização do aborto voluntário, com sansão penal a mulher e o profissional da
43

medicina, “versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito
á saúde e os direitos das mulheres” (BRASIL, 2023).

Com uma linguagem acessível, Rosa Weber evidenciou como um assunto íntimo para
as mulheres se torna um tema debatido e sujeito a criminalização. O direito à vida deve
considerar, principalmente, a vida da mulher, pois ela desempenha um papel crucial no
desenvolvimento do feto. A ideia de obrigar uma mulher a ter um filho, independentemente
de suas condições físicas, psicológicas, sociais e financeiras, equivale a negligenciar a vida
tanto dela quanto da criança.
Ela discutiu ainda sobre a competência do STF para analisar o tema, cabendo ao À
Corte verificar se as regras e princípios fundamentais garantem o direito da minoria, que
posteriormente vai denominar como democracia. “Na democracia, os direitos das minorias
são resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a elas (minorias) possa ser causado
pela vontade da maioria” (BRASIL, 2023, p.3).
Rosa Weber é uma ministra com 75 anos, que acompanhou o surgimento e
desenvolvimento do Código Penal. Seu voto foi uma espécie de diálogo argumentativo
construído a partir de decisões anteriores. A ministra ainda lembrou a todos do no plenário
que a corte não é lugar de decidir sobre crenças religiosas, e principalmente, impor esta, pois
o Brasil é um Estado laico.
Dentre vários momentos marcantes do seu voto, destaca-se:

DA SOLUÇÃO NORMATIVA186. A questão da criminalização da decisão,


portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela
interrupção da gravidez perdura por mais de setenta anos em nosso país. A época,
enquanto titular da sujeição da incidência da tutela penal, a face coercitiva e
interventiva mais extrema do Estado, nós mulheres não tivemos como expressar
nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar
ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao
fato comum da vida reprodutiva da mulher, amis que isso, que fala sobre o aspecto
nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e
sua conciliação com todas as outras dimensões do projeto de vida digna (BRASIL,
2022).

Esta passagem expõe a necessidade de se garantir uma cidadania igualitária, pois por
muito tempo, as mulheres foram silenciadas, e hoje, precisam ser ouvidas. É importante
salientar que a relatora não ignorou as indagações masculinas, mas as enfrentou
argumentando de maneira forte e realista.
Outro ponto importante do seu voto é a colocação que não se trata de questões morais
ou religiosas referentes ao aborto, pois ao relacionar ambos é dificultada uma conversação
44

democrática. Assim, o Estado deveria adotar uma postura imparcial quantas questões
relacionadas à moralidade e ética pessoal.

Isso não quer dizer que questões de ética e moralidade sobre o aborto sejam
irrelevantes do ponto de vista jurídico ou para a formação social de determinada
comunidade política (...). Cada pessoa tem sua esfera privada moral e ética de como
ser comportamento e agir em sociedade, a partir de convicções e crenças. Contudo, a
esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera da moral pública, e
principalmente com o espaço de atuação do Estado de direito, na restrição de
direitos fundamentais (BRASIL, 2022).

Importante frisar que ela não desmerece questões éticas e de moralidade, no entanto
entende que a esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera de moral publica,
pois se assim acontecer haverá restrição de direitos por conta da superficialidade criadas nas
discussões. No que se relaciona ao começo da vida, (um dos pontos mais importantes de
quem é contra o aborto), a relatora evidencia que não há um consenso sobre o início da vida
humana, e mostra que os direitos fundamentais garantidos pela Constituição se referem aos
“nascidos no Brasil”, por isso, os direitos só decorrem após o nascimento, e não desde a
concepção, como defende o Estatuto do Nascituro.1
Ademais, quanto aos direitos das mulheres, a Ministra diz que a Constituição de 1988
garantiu as mesmas a condição de cidadania, com igualdade de condições e respeito, mas que
nunca tem fim a discriminação motivada pelo gênero.

No entanto, não obstante os passos dados na direção da igualdade como


reconhecimento, é certo que a reinvindicação da cidadania igualitária entre os
gêneros para o exercício dos direitos fundamentais assegurados no Estado
Constitucional ainda carece de efetivação. Em particular no que diz coma
autodeterminação como elemento estruturante da dignidade da mulher (BRASIL,
2022).

O voto contribuiu de maneira significativa para o direito das mulheres. referente à


liberdade reprodutiva, de escolha, de querer ou não ser mãe, não cabendo ao Estado interferir
na autonomia privada do casal, pois se configura como ato de violência. Tudo isso é exposto
em argumentos jurídicos robustos e princípios legais bem estabelecidos, com o objetivo de
proteção ao direito feminino.
Posteriormente, demonstrando sensibilidade às questões sociais, ela colocou sobre às
necessidades relacionadas à saúde das mulheres, que inclui questões reprodutivas,

1
Projeto de Lei 478/2007 e Projeto de Lei 434/2021que objetivam conferir personalidade jurídica integral ao feto
desde a concepção, transformando o aborto em crime hediondo – inclusive em casos de estupro, anencefalia fetal
e risco à vida da pessoa gestante, atuais permissivos legais no Brasil.
45

desenvolvendo o conceito de justiça social reprodutiva, sendo que o aborto deve ser
enfrentado por este viés.
Este conceito resume toda a necessidade de busca pela igualdade por questões
relacionadas à saúde e planejamento familiar. Isto é, a garantia de que todas as pessoas
tenham acesso á serviços de qualidade podendo exercer seus direitos reprodutivos sem
discriminação ou coerção seja pelo acesso a meios contraceptivos, ou à escolha sobre o
número e espaçamento de filhos, além do acesso a informações precisas incluindo educação
sexual sobre doenças sexualmente transmissíveis.
Esta parte do voto transmite conforto a todas às mulheres, que durante suas vidas se
sentiram lesadas, oprimidas e que trazem isto em sua saúde física e mental, desde os danos
físicos, às doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, depressão, ansiedade,
dentre outros. É o momento que após muito ouvir e aprender a relatora toca as raízes de
desigualdade brasileira, atravessando o projeto de vida de mulheres, atingindo ao que tange a
sua dignidade e seus direitos sociais reprodutivos, afim de que seja solucionado aluta pela
descriminalização do aborto:

128. Nesse marco, cumpre-se colocar em debate o acesso à interrupção voluntaria da


gestação como uma das respostas adequadas no sistema da justiça reprodutiva, ao
lado das demais dimensões preventivas e reparatórias. (ADPF 442, Weber Rosa,
p.83)165. A validade constitucional do sistema de justiça reprodutiva encontra
fundamento em duas razões essenciais. A primeira guarda relação com o
reconhecimento dos direitos das mulheres á liberdade de planejamento familiar, á
autodeterminação pessoal, á intimidade, á igualdade, á dignidade e á saúde, incluído
em seu âmbito de proteção os direitos sexuais e reprodutivos, como ponto de partida
do sistema constitucional no equacionamento na questão da interrupção voluntaria
da gravidez, no marco expresso das doze primeiras semanas (BRASIL, 2022).

Logo, há muito que se discutir sobre a autonomia reprodutiva da mulher e a escassez


de serviços ligados a ela. É imprescindível a livre escolha pela maternidade, assim como a
continuidade da gestação. Quando se priva alguém de escolher sobre seu corpo, sobre as
decisões que dizem respeito a sua vida privada, os princípios fundamentais são lesados, assim
como sua liberdade e intimidade.
A criminalização do aborto e a consequente imposição da gravidez compulsória
compromete a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, pois não lhes
reconhece a capacidade de tomar decisões reprodutivas. Além disso, a criminalização afeta
desproporcionalmente mulheres negras e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que
vivem distante de centros urbanos, onde os métodos para a realização de um aborto são mais
46

inseguros do que aqueles utilizados por mulheres com maior acesso à informação e poder
econômico, resultando em uma grave afronta ao princípio da não discriminação.
Segundo o site JOTA o projeto de descriminalização do aborto é de fundamental
importância para a Ministra Rosa Weber, uma vez que a “tutela da vida humana intrauterina é
construída, do ponto de vista normativo, com a participação da mulher e não sem ela,
tampouco contra sua autonomia no processo reprodutivo e de planejamento familiar” (JOTA,
2023). A Ministra avalia que a solução para a redução das taxas de aborto está “na observação
das causas relacionadas ao problema da gravidez indesejada e na opção pela interrupção
voluntária como forma de solução, que necessariamente são várias e estão interligadas, por se
tratar de autêntico problema estrutural na área da saúde sexual e reprodutiva” (JOTA,2023).
Foi um importante passo na luta e na construção de direitos legalizados que tem a vida
das mulheres como princípio norteador. O aborto como abordado durante todo trabalho é uma
realidade no Brasil, deve assim ser tratado coma questão de saúde pública e que privilegie a
participação soberana da mulher sobre a vida dela.
47

CONCLUSÃO

Pelo exposto foi possível perceber a importância de pesquisas e debates no que se


refere à autonomia e decisões femininas. Tratar sobre maternidade compulsória e o aborto no
Brasil significa lançar luz a histórias e realidades múltiplas em que diferentes mulheres têm
um ponto em comum. Perceber que pressões subjetivas são na verdade resultado de
construções sociais culturais determinadas e impostas por homens no decorrer da história.

Para precisar a questão, gostaria de remeter ao início do breve ensaio de Kant


intitulado “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?”. Ali ele define
menoridade ou tutela e, desse modo, também a emancipação, afirmando que
esse estado de menoridade é auto incompatível quando sua causa não é a falta
de entendimento, mas a falta de decisão e coragem de servir-se do
entendimento sem a orientação de outrem (ADORNO, 1995, p.185)

O obstáculo ao acesso para aborto seguro acaba deixando mulheres a mercê de


métodos insalubres que colocam até sua vida em risco. A escolha pelo aborto ou não partindo
da realidade de cada uma é um assunto externamente delicado que pertence à esfera privada
de sua vida. O caso da atriz Klara Castanho aprofundado no capítulo 3 abre a problemática
para o que aborda Arendt:

No entanto, há muitas coisas que não podem suportar a luz implacável e


radiante da constante presença de outros na cena pública; nesta, só pode só
pode ser tolerado o que é considerado relevante, digno de ser visto, ou
ouvido, de sorte o que é irrelevante se torna automaticamente um assunto
privado. É claro que isso não significa que as questões privadas sejam
geralmente irrelevantes; pelo contrário, veremos que existem assuntos muito
relevantes que só podem sobreviver no domínio privado (ARENDT, 2007,
p.63).

Mesmo tomando a melhor decisão que cabia à Klara Castanho na época, esta foi
violentada de várias formas; primeiro com o estupro, depois com a descoberta da gestação já
no final, e posteriormente com a exposição da sua vida para o mundo sem sua permissão. O
caso dela é o início de um leque de discussões onde é de fundamental a importância
problematizar as diversas realidades que diferentes mulheres se encontram.
Muitas mulheres que optam pelo aborto ele sendo permitido ou não já são mães ou
serão depois em algum momento da vida. Um filho transforma a realidade da vida das pessoas
48

envolvidas, ao passo que na maioria das vezes a obrigação sobrecarrega mulheres enquanto o
abandono paterno é naturalizado socialmente.
Para viver bem na sociedade é preciso olhar para o outro, enxergar seus motivos, suas
necessidades, sua realidade e as implicações que cada escolha interfere nela. Para Arendt “o
termo “público” significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e
diferente do lugar que privadamente possuímos nele “(ARENDT, 2007, p.64). É necessário
que discussões sobre o aborto e providências legais e efetivas sejam tomadas sobre ele na
esfera pública, pois é uma realidade que impacta a vida de milhares de mulheres.

Mas esse mundo comum só pode sobreviver ao ir e vir das gerações na


medida em que aparece em público. É a publicidade do domínio público que
pode absorver e fazer brilhar por séculos tudo o que os homens venham a
querer preservar da ruína natural do tempo. (ARENDT, 1975, p.68)

Assim, foi possível observar através desta análise, a tentativa de domínio e controle da
mente e dos corpos femininos, onde existe um roteiro de vida elaborado por outros para que
as mulheres sigam. Decisões sérias que impactam suas vidas significativamente devem ser
tomadas pelas mesmas. Não cabe a homens ou outras pessoas decidirem sobre sua história.
Cada pessoa sabe seus limites e o que uma gravidez, por exemplo, pode trazer pra vida.
Outro ponto importante é a luta pela justiça reproduzida, essa discussão precisa ser
tratada fora dos muros acadêmicos e do congresso. Mais pessoas precisam ter acesso ao
debate e as informações. É de fundamental importância que se quebre o tabu sobre o aborto
que o deixa num lugar distante, inacessível e pecaminoso. É urgente que seja tratado como
real, próximo e de saúde pública. Ser a favor ou contra cai num lugar de superficialidade e
não resolução do problema. É preciso então uma educação pra justiça reprodutiva e além
projetos e leis eficientes que protejam as mulheres.
A dificuldade de diálogo e elaborações de políticas públicas efetivas que olhem e
tentem verdadeiramente resolver o problema do abortamento no Brasil faz com que muitas
mulheres sejam violentadas tanto no que tange sua autonomia e seus corpos. A decisão de
seguir ou não com uma gestação cabe somente e exclusivamente à mulher. Apenas ela tem o
poder de decisão, não compete à deliberação de demais.
Infelizmente temos uma legislação hoje que criminaliza e pune mulheres que abortam.
Os poucos casos que são permitidos ainda esbarram em muitos obstáculos tais como possíveis
julgamentos de profissionais de saúde, vazamento de informação, pressão social, violência
obstétrica e falta de hospitais legalizados acessíveis em todas cidades e estado.
49

Por ser um fato presente cotidianamente o Estado deveria aprofundar na questão de


forma urgente e eficiente promovendo políticas públicas adequadas e satisfatórias no que
tange a questão do abortamento no Brasil. Somente assim conseguiremos então atingir a
maioridade defendida por Kant. Quando ocorrer a emancipação, não sendo necessário,
portanto, somente o entendimento das questões problematizadas, mas a decisão e coragem de
servir-se do entendimento para promover ações acertadas adequadas às realidades e demandas
femininas.
50

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