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CIDADE DE GOIÁS-GO
JANEIRO/2024
DHYORANA SILVA CARDOSO
CIDADE DE GOIÁS-GO
JANEIRO/2024
FICHA CATALOGRÁFICA
CDU 3
DHYORANA SILVA CARDOSO
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o caso da atriz Klara Castanho, problematizando a
maternidade compulsória e o abortamento no Brasil. Busca-se compreender como as mulheres
são pressionadas a serem mães de forma romantizada. Além disso, serão apresentadas análises
da realidade do aborto no país, com dados e observações sobre sua ocorrência. O tema da
justiça reprodutiva também será explorado, visto que é de grande importância no que diz
respeito à autonomia e às decisões das mulheres sobre suas vidas. Serão examinadas
propostas legislativas acerca do aborto, a fim de destacar diferentes ideias sobre o assunto e
como este é abordado na política. Por fim, serão abordados temas como a geração NoMo
(mulheres que não desejam ser mães), as dificuldades da maternidade real e a importância de
uma educação para a sociedade que promova justiça reprodutiva, bem como políticas públicas
adequadas em relação ao abortamento no Brasil, entendendo-o como um debate de saúde
pública.
Palavras-chave: Abortamento; Autonomia feminina; Geração NoMo; Maternidade
compulsória; Justiça reprodutiva.
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ABSTRACT
This work aims to analyze the case of actress Klara Castanho, problematizing compulsory
motherhood and abortion in Brazil. The goal is to understand how women are pressured to
become mothers in a romanticized way. In addition, analysis of the reality of abortion in the
country will be presented, with data and observations about its occurrence. The theme of
reproductive justice will also be explored, as it is of great importance regarding women's
autonomy and decision-making about their lives. Legislative proposals regarding abortion
will be examined to highlight different ideas on the subject and how it is addressed in politics.
Finally, topics such as the NoMo generation (women who do not want to be mothers), the
challenges of real motherhood, and the importance of an education for society that promotes
reproductive justice, as well as appropriate public policies regarding abortion in Brazil, will
be addressed, understanding it as a public health debate.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
1. MATERNIDADE COMPULSÓRIA NO BRASIL: CONJUNTO DE PRÁTICAS
SOCIOCULTURAIS E POLÍTICAS ...................................................................................15
1.1.PRESSÃO BIOLÓGICA DA MATERNIDADE ..................................................15
1.2. GERAÇÃO NoMo x DIFICULDADE NA MATERNIDADE REAL.................19
1.3. JUSTIÇA REPRODUTIVA..................................................................................22
CONCLUSÃO.........................................................................................................................47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................50
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INTRODUÇÃO
rigidez da lei permitindo o abortamento somente em alguns casos junto com a dificuldade de
acesso ao mesmo pelas mulheres (não são todas cidades que o fazem de forma segura) geram
consequências desastrosas para vida de muitas mulheres principalmente de baixa renda,
periféricas.
O tema que deveria fazer parte da pauta de saúde pública ainda é olhado como um
tabu por muitos políticos. Em consequência disso infelizmente se instala e impõe uma
realidade violenta com a vida feminina. Mais uma violência entre tantas outras que sofremos.
Sobre isso Arendt aborda:
Com base nessas premissas, o presente trabalho problematiza essa questão crucial
enfrentadas pelas mulheres na sociedade, destacando a importância do movimento feminista e
da representação política para combater a desigualdade de gênero. Romper com essas
construções sociais é um desafio, pois a mentalidade da sociedade está enraizada em
determinadas "verdades".
O trabalho é relevante, pois trata de um assunto delicado e urgente sobre corpos e
vidas femininas, tendo o objetivo de fortalecer o debate sobre a maternidade compulsória e o
abortamento no Brasil. Como Arendt (1975) bem citou acima com intuito de tornar público e
fazer brilhar através dos séculos uma pauta de força e luta feminista na tentativa de preservar
"da ruína natural do tempo".
Com objetivo de fortalecer a discussão o capitulo um trata sobre a Maternidade
Compulsória no Brasil com conjunto de práticas socioculturais e políticas abordando
discussões como a pressão biológica e social pela maternidade, também sobre geração NoMo
versus as dificuldades na maternidade real. E ainda sobre a justiça reprodutiva no Brasil.
O capitulo dois trata sobre o Aborto no Brasil e sua proibição como ato de violência
contra a mulher. Aprofunda no aparato legal do aborto no Brasil. Analisa ainda novas
propostas legislativas acerca do aborto e ainda aprofunda na conversa sobre a insegurança do
aborto Clandestino em mulheres de baixa renda.
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CAPÍTULO 1
do lar, dos irmãos, brincar de bonecas e histórias de princesas que sempre têm seus felizes
para sempre com a chegada do príncipe encantado. Ou seja, a menina é educada para ser
meiga, delicada, cuidadosa, com um evidente incentivo à maternidade, à domesticidade e
ao embelezamento físico. Enquanto para meninos, inexiste cuidar do lar, brincar de
bonecas ou conto de fadas. Para os meninos, é ensinado o papel de homem com autoridade
e poder. São encorajados a ser agressivos, ativos e independentes.
A jornalista e analista de comunicação, Katia Deutner (2011), elaborou um quadro
que exemplifica esta diferença na criação de meninos e meninas. No entanto, vale ponderar
que aqui se apresenta uma visão geral dos papeis sociais, pois cada família tem uma
configuração e funciona de uma certa maneira. Segue o quadro:
Meninos Meninas
Não ajudam nos afazeres domésticos Precisam ajudar nos afazeres domésticos
Aprendem a não levar desaforo para casa Aprendem que jamais podem se meter
em confusão
A reflexão feita acima transparece a cobrança social em se tornar mãe. A mulher que
não é mãe é, muitas vezes, encarada como anormal, passando a ser alvo de constantes ataques,
críticas e opiniões. A imposição da maternidade ocasiona prejuízos futuros, de forma que
muitas mulheres se frustram com a idealização maternal, as mudanças na relação conjugal, e
principalmente, a perda da identidade e individualidade.
A decisão e escolha da mulher em se tornar mãe acaba sendo permeada pelo conjunto
de práticas sociais e políticas na sociedade. A maternidade passou a ser considerada uma
obrigação feminina pelos vários motivos abordados no subitem anterior. Segundo o site O
Tempo (2023), cerca de 37% das mulheres entrevistadas no Brasil que afirmaram que não
querem ou não desejam ser mães sofreram algum tipo de preconceito ou pré-julgamento.
Hoje no Brasil, tem-se a geração NoMO (Not Mothers): mulheres que não querem ser
mães, e levantam a voz para defender esta decisão de não ter filhos. Optaram por viver
histórias diferentes das escritas para elas pelo patriarcalismo. Como pontua a psicóloga
Daiana Quadro Fidelis, mestra em Psicologia Clínica:
Segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayyer, com apoio da
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e
do Think about Needs in Contraception (TANCO). No mundo o índice chega a72%
(O TEMPO, 2023)
Assim, como não é possível medir sua posse do mundo, não é possível medir no
abstrato a carga que constitui para a mulher a função geradora: a relação da
maternidade com a vida individual é naturalmente regulada nos animais pelo ciclo
do cio e das estações: ela é indefinida na mulher; só a sociedade pode decidir dela.
Segundo essa sociedade exija maior ou menor número de nascimentos, segundo as
condições higiênicas em que se desenvolvam a gravidez e o parto, a escravização da
mulher à espécie faz-se mais ou menos estreita. (BEAVOUIR, 1970, p. 55).
Eu jamais imaginei que a maternidade pudesse ser tão incrivelmente solitária. Mas
estarei a todo vapor cuidando do meu filho, como poderia me sentir só? O que
realmente sentimos não está lá. A solidão não está no manual. Falar que não estamos
plenas ou que temos medo? Isso não faz parte do script. Então, acabamos nos
isolando e calar é uma bomba-relógio. Uma hora a gente explode. (VILARINHO,
2017, p.43).
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Não obstante, muitas mães chegam a desenvolver baby blues ou depressão pós-parto.
Segundo a psicóloga e psicanalista Cristiana Julianelli (2016), o baby blues é bastante comum
e acontece com a maioria das mulheres. Nos primeiros dias após o parto, cerca de 80% delas
experimentam oscilações no humor, choro fácil e sem causa aparente, ansiedade,
irritabilidade, alterações no sono, no apetite e preocupação excessiva com o bebê. Ele está
associado a fatores como: mudanças hormonais, descida do leite e a percepção da
responsabilidade que é cuidar de um bebê.
Já a depressão pós-parto (ou DPP) é um quadro moderado ou grave de enfermidade
mental. Os sintomas começam geralmente com ansiedade, insônia e inquietação. De acordo
com Julianelli (2016), são frequentes as mudanças bruscas de humor, choro fácil, tristeza
profunda, falta de prazer e desinteresse pelas atividades do dia-a-dia, geralmente somados à
sensação de incapacidade de cuidar do bebê e desinteresse por ele, podendo chegar até a
pensamentos suicidas. Normalmente os sintomas se intensificam após a segunda ou terceira
semana após o parto e podem persistir por até quase dois anos.
passam por isso necessariamente terão DPP, mas são fatores que as
deixam mais predispostas (JULIANELLI, 2016).
Desta maneira, enquanto o baby blues é algo natural e que passa, a depressão pós-
parto persiste e necessita de tratamento. Cristiana Julianelli (2016), alerta e aconselha que
além da psicoterapia, recomenda-se a avaliação psiquiátrica para averiguar a necessidade ou
não do uso de medicação juntamente com o tratamento psicológico. A depressão pós-parto
ainda é uma doença pouco compreendida pela sociedade visto que ainda exista muita
idealização acerca da maternidade.
1.3.Justiça Reprodutiva
O direito humano de manter a autonomia corporal, de ter filhos, não ter filhos e cuidar
dos filhos que temos em comunidades seguras e sustentáveis é o que se define como justiça
reprodutiva. O termo foi popularizado pela Sister Song que é o maior coletivo nacional
multiétnico de justiça reprodutiva. Seus membros representam mulheres indígenas, afro-
americanas, árabes e do Oriente Médio, das ilhas da Ásia e do Pacífico, e mulheres latinas e
pessoas LGBTQ.
Sabe-se, por exemplo, que mulheres pretas possuem maior risco de ter um
pré-natal inadequado, ausência de acompanhante e de receber menos
orientações sobre o trabalho de parto e possíveis complicações na gravidez.
Além disso, a maioria das mulheres que morrem por aborto são pobres, pretas
ou pardas e com baixa escolaridade. A desigualdade de classe e raça está,
portanto, diretamente relacionada a essas injustiças sexuais e reprodutivas e
por isso, é fundamental conectar as lutas contra a desigualdade e por
redistribuição, às lutas por liberdade e autonomia na sexualidade e
reprodução. (COLETIVO MARGARIDA ALVES, 2020)
não são apenas aquelas que irão gestar parir e criar crianças, mas quando decidirem parir
tenham condições dignas de criar seus filhos. Defende ainda que justiça reprodutiva é sobre a
coletivização do trabalho do cuidado, no sentido de responsabilizar os genitores ea sociedade
sobre a sua obrigação social com as infâncias. Portanto, é um desafio de todas as pessoas, de
toda a sociedade. Parlamentares devem ser pressionados para que promovam a justiça
reprodutiva no Parlamento, bem como a sociedade civil organizada deve insistir sobre este
tema, em todos os espaços de poder.
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CAPÍTULO 2
Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo
anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de
bem-estar físico, mental e social (BRASIL, 1990).
No art. 2º da Lei citada, fica claro que o aceso à saúde é um direito de todos os seres
humanos e dever do Estado brasileiro assegurar seu exercício e efetividade. O parágrafo
primeiro aborda sobre a formulação e a execução de políticas públicas com o objetivo da
redução de riscos de doenças, bem como assegurar o acesso universal e igualitário aos
serviços de saúde. O § 2º evidencia que o dever do Estado não exclui a participação das
pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade, ou seja, é de responsabilidade de todos a
efetivação do direito à saúde.
O art. 3º estabelece que a saúde é determinada e condicionada por fatores sociais,
como “a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
Assim, ter acesso à saúde abrange uma série de outros serviços e cuidados, além do
atendimento médico, incluindo todos aqueles que “se destinam a garantir às pessoas e à
coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”.
O SUS, (Sistema Único de Saúde), é responsável pela promoção do acesso ao direito à
saúde. Tanto a Constituição Federal, em seu artigo 196, quanto a Lei nº 8.080/1990 garante a
existência do SUS. A saúde como um direito universal não pode discriminar ou excluir
usuários e usuárias do SUS, independente de cor, gênero, raça, classe ou qualquer outro
distintivo social. Segue o disposto na Cartilha de Defesa Popular da Justiça Reprodutiva:
Uma pesquisa feita pela ONU, em 2017, mostrou que quase 80% da
população brasileira que depende do SUS se autodeclara negra (preta ou
parda). O IBGE, por outro lado, mostrou, em 2019, que pessoas negras são
75% entre as mais pobres no Brasil, e pessoas brancas são 70% entre as mais
ricas. O exame conjunto desses dois dados nos mostra o quão é importante é
o SUS no enfrentamento das desigualdades de classe e raça no país: é o SUS
o principal garantidor do serviço de saúde para as pessoas pretas e pardas,
que perfazem a parcela mais pobre população. Por isso, é fundamental
defender o SUS, como medida de justiça social! Mas, para além de funcionar
reparando desigualdades, o SUS também beneficia toda a sociedade
brasileira. Mesmo quem paga consulta médica particular, ou quem tem plano
de saúde privado, usa o SUS. Afinal, o SUS engloba muitas ações para além
do atendimento clínico e/ou hospitalar, como, por exemplo, o controle de
qualidade da água potável, o transplante de órgãos, a vacinação e a doação de
leite humano (COLETIVO MARGARIDA ALVES, 2020).
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Com base no dado acima citado, é possível perceber a necessidade que a maioria da
população pobre que se autodeclara negra necessita do SUS, concomitante a isso se tem a
realidade do aborto que acomete a vida de várias mulheres. Sendo o SUS o principal
garantidor do serviço de saúde para as pessoas, o aborto ainda é criminalizado, permitido em
alguns casos que serão explanados adiante. O Sistema Único de Saúde é de fundamental
importância e necessidade na vida dos brasileiros, se torna instrumento imprescindível no
caso de aborto seguro para mulheres que optam por tal.
O Código Penal estabelece acerca do aborto:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Art. 124 - Provocar
aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um a
três anos. Aborto provocado por terceiro. Art. 125 - Provocar aborto, sem o
consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar
aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada: Art. 127 - As
penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em
consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre
lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas,
lhe sobrevém a morte. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por
médico: Aborto necessário: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II - se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de
seu representante legal (BRASIL, 1940).
Estes artigos estão dispostos na parte de crimes contra à vida. O art. 124 determina que
a mulher ao praticar o aborto em si mesma ou permitir que outra pessoa o faça, cometerá
crime, sob pena de 1 a 3 anos de detenção. Já o art. 125 reza que se outra pessoa provocar o
aborto, sem o consentimento da gestante, estará cometendo crime, sob pena de 3a 10 anos de
reclusão. O art. 126 aborda que se outra pessoa que provocar o aborto, com o consentimento
da gestante, cometerá crime, sob pena de 1 a 4 anos de reclusão.
O parágrafo único do art. 125 estabelece ainda que se a gestante é menor de 14 anos,
ou alienada ou débil mental, ou se o consentimento tiver sido obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência, levando à interrupção da gravidez, s a pena não será de reclusão de 1 a 4
anos, mas sim de 3 a 10 anos. O art. 127 trata da forma qualificada do aborto, ou seja, as
penas podem ser aumentadas de um terço se a gestante sofrer de lesão corporal de natureza
grave, podendo ser duplicadas se ela vier à morte.
O art. 128 prevê as hipóteses de isenção de pena para alguns casos de aborto.
Estabelece que não se pune o aborto praticado por médico autorizado, aborto permitido ou
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aborto legal. Não cometem o crime de aborto, os médicos autorizados não respondem
criminalmente, nos casos do aborto necessário para salvar a vida da mãe ou em caso de
estupro. Nestes casos de violência sexual, o aborto é permitido até a 20ª semana de gestação,
podendo ser estendido até 22 semanas, desde que o feto tenha menos de 500 gramas.
Outro ponto importante de ser discutido é sobre o aborto em caso de estupro, O crime
de estupro não mais se restringe às situações de conjunção carnal.
Antes da lei 12.015/2009 o crime de estupro se restringia a hipótese de conjunção
carnal, mediante a violência ou a grave ameaça. O crime de atentado violento ao pudor era
classificado como: constranger alguém, mediante a violência ou grave ameaça, a praticar ou
permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Agora o crime de estupro abrange também a prática de ato libidinoso (práticas e
comportamentos que tenham finalidade de satisfazer desejo sexual, tais como: apalpar,
lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros), ou seja, o tipo
penal do atentado violento ao pudor foi absolvido.
Como nos demais crimes temos o sujeito ativo que faz as ações consideradas crimes e
sujeito passivo que sofre as ações praticadas pelo criminoso. Antigamente só existia estupro
com a conjunção carnal em forma de penetração. Após a Lei 12.015/09, tanto o sujeito ativo
quanto sujeito passivo pode ser qualquer pessoa independentemente de ser homem ou mulher.
O crime de estupro é classificado como de bi comum consumação e tentativa.
Outro projeto de Projeto de Lei mais recente numero 228/23 altera a definição de
estupro no Código Penal para deixar mais claro que o crime será configurado quando alguém
se aproveitar de vulnerabilidade ou ausência de sentido que impeça o consentimento expresso
para conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
O autor da proposta foi o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) Segue a alteração a
lei:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência, grave ameaça ou aproveitamento
de sua vulnerabilidade ou ausência de sentido que o impeça de consentir
expressamente, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso:§ 3º A ausência de sentido de que trata este artigo não
se limita à ausência total e absoluta da consciência da vítima, podendo ser
determinada tão somente pela perda ou inibição de suas faculdades mentais para
mensurar a relevância de sua decisão no que diz respeito ao seu comportamento
sexual.§ 4º Somente será considerado que houve consentimento quando este tiver
sido livremente expresso por meio de atos que, diante das circunstâncias do caso,
expressem claramente a vontade da pessoa.
O estupro pode ser objetivo ou subjetivo. O primeiro é forçar alguém a fazer algo
contra a vontade; o segundo é quando alguém tem a intenção consciente de obrigar outra
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pessoa a ter relação sexual contra a vontade. Quando falamos de gravidezes resultantes de
estupro, é crucial abordá-las com cuidado, considerando os impactos sérios na vida dessas
mulheres, tanto física, psicológica, social e familiarmente. Muitas mulheres que foram vítimas
de violência sexual veem a gestação como uma lembrança dolorosa do crime cometido contra
elas.
Em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a gestante poderia
interromper a gravidez em caso de anencefalia do feto – condição caracterizada pela ausência
parcial do encéfalo e da calota craniana. O site do STF explica os argumentos que foram
utilizados no debate acerca do tema:
necessidade de legislações efetivas no que diz respeito à saúde da mulher na escolha e decisão
sobre seu próprio corpo.
Segundo o site BBC News Brasil (2023), publicando informações fornecidas pelo
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) entre janeiro de 2021 e 29 de junho de
2022, foram apresentados na Câmara dos Deputados, pelo menos, sete projetos de lei que
preveem restringir ainda mais o aborto no Brasil. O CFEMEA possui uma plataforma digital
com publicações abertas sobre diversos assuntos, como feminismo, direitos humanos,
democracia direito ao aborto, igualdade racial, educação feminista antirracista e outros
públicos.
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA, 2009) defende entre outras
questões, a descriminalização do aborto no Brasil. Segundo o Centro, 13 novos projetos de lei
relacionados aborto foram apresentados na Câmara Federal no período. O site BBC News
Brasil acrescenta que os projetos propõem aumentar as punições a quem faz cometer o aborto;
exigir boletim de ocorrência das vítimas de violência sexual; proibir qualquer teste,
comercialização e descarte de embriões; e alterar a legislação para estabelecer os direitos de
um feto.
A cientista política e assessora técnica do CFEMEA, Priscilla Brito (2022), comenta
que o maior número de projetos de lei contra o aborto advém do crescimento significativo da
bancada mais conservadora no Congresso Nacional. Priscila Brito destaca entre os projetos
legislativos acerca do tema, o Estatuto do Nascituro, de 2007, que inaugurou uma tendência
conservadora tentativa de legislar acerca do direito à vida e/ou aborto. “Na atual Legislatura, a
base aliada do governo está ainda mais ativa nesse sentido", fala feita no ano de 2022.
Os projetos de lei 478/2007 e 434/2021 discorrem acerca do Estatuto do Nascituro.
Segundo a PL 478/2007. em seu art. 2º, o nascituro é um ser humano concebido, mas ainda
não nascido, ou seja, o feto ainda na barrigada mãe.
A PL 478/2007, elaborada por Luiz Basuma e Miguel Martini, conta com 49 artigos.
O projeto conceitua o nascituro, qualificar toda sua capacidade jurídica, assim como
responsabiliza o Estado a assegurá-lo como prioridade, no que tange à vida, alimentação,
dignidade, saúde, respeito e liberdade, além da convivência familiar, colocando a salvo de
toda forma de negligência (PJ 478/2007, p.01-02).
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Segundo o artigo 13 do projeto 478/2007, o nascituro, mesmo sendo concebido por ato
de violência sexual, não poderá sofrer discriminação ou restrição de direitos, e ainda será
assegurado o direito à assistência pré-natal, ao acompanhamento psicológico para mãe, o
direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento e uma
a pensão alimentícia equivalente a 1 (um)salário-mínimo até que que complete 18 anos. No
projeto, é nítido o modo pelo qual a mulher é exposta a diferentes formas de violência, uma
vez que a obriga a ter um filho, como resultado de estupro, o que mais tarde foi se
denominado “Bolsa Estupro”.
O estupro é um crime, cuja penalidade deve ser maior, ou ao menos proporcional à
gravidade do delito. Sendo um crime, deve ser analisado através de diversas faces, não
ficando somente estrito ao sujeito que o pratica, pois a vítima foi abusada fisicamente, seus
traumas permanecem por longos anos. Neste viés, o projeto discutido ao tentar realizar um
acordo com a vítima pela continuação da sua gravidez, silencia a gravidade da lesão em troca
de um valor mínimo simbólico de um salário-mínimo.
A proposta do salário mínimo é um insulto à mulher, porque a constrange-la a seguir
com uma gravidez decorrente de violência, o projeto é desrespeitoso com a mulher, pois a
pressiona a uma maternidade, consequência de uma violência, coagindo-a pela continuação da
gravidez, invalidando o Código Penal nas situações em que o aborto é permitido, além de
anular lutas femininas em prol da liberdade da mulher sobre seu corpo.
Outro ponto importante, que deve ser levado em consideração é o modo como o
Estado beneficia o autor do crime ao assumir um pagamento de pensão à vítima. Ressalta-se
que uma mulher vítima de violência, e levando adiante esta gravidez, o dinheiro seria o menor
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de seus problemas. Adiante, sendo crime e não sendo penalizado conforme sua gravidade, as
infrações desta natureza poderiam até aumentar, pois o projeto se transformaria numa válvula
de escape para criminosos cometerem o delito, sem que sofresse a devida consequência de
forma punitiva incisiva e eficiente de seu ato violento e criminoso.
Neste viés, Castilhos (2017) aponta:
O Estatuto do Nascituro é um tema que merece ser abordado sob vários aspectos. É
um assunto multifacetado e que revela uma das mais profundas heranças misóginas
de nossa sociedade patriarcal, capitalista, judaico-cristã. Remete à tentativa milenar
de dominar, o corpo e a sexualidade das mulheres utilizando valores para o
disciplinamento da vida das pessoas que são impostos através da culpa e do pecado.
Nesta perspectiva é necessário entender e interpretar o que se esconde atrás de um
discurso hipócrita, pretensamente ético e em defesa da vida. Esta pregação, falsa e
oportunista, resulta em pressões e ações concretas no interior do poder legislativo,
na intimidação do poder executivo e no questionamento quanto aos pequenos
avanços obtidos junto ao poder judiciário (CASTILHOS, 2017, p. 1)
Segundo a PNA (Pesquisa Nacional do Aborto) de 2021, uma em cada 7 mulheres, aos
40 anos, já interrompeu uma gravidez. Das que fizeram o procedimento em 2021, 43%
tiveram que ser hospitalizadas. Isto é, mesmo proibido pela lei, as mulheres optam pela
interrupção da gravidez, realizando procedimentos inseguros podendo ocasionar em morte,
adoecimento, sofrimento físico e psicológico.
Greice Menezes e Débora Diniz refletem sobre a questão:
Mas há desafios à pesquisa sobre aborto no Brasil. A ilegalidade faz com que as
mulheres temam falar de suas histórias. O estigma do crime contribui para uma
atenção de baixa qualidade as mulheres com abortamento e intimida profissionais de
saúde que atuam em serviços de aborto legal. Há um silêncio que emudece mulheres
e profissionais de saúde. A insegurança acompanha as pesquisadoras em todas as
etapas da pesquisa de campo - como proteger as mulheres, como garantir sigilo
sobre suas histórias, como protegê-las do risco de uma investigação policial são
dimensões novas e inquietantes para as equipes de pesquisa. Esse contexto de risco e
proibição vem exigindo saídas criativas e novas metodologias para a pesquisa sobre
o aborto. (MENEZES e DINIZ, 2012, p.1).
Saúde. Estes serviços estão distribuídos de forma desigual entre os estados, o que dificulta o
acesso para pessoas de baixa renda.
Sendo ilegal e considerado como crime com pena de reclusão, muitas mulheres que
não encaixam no que seria permitido para a interrupção da gravidez optam por clínicas
clandestinas ou realizam em sua própria residência. Segundo o Ministério da Saúde (2020), o
Brasil registra em média quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro em hospitais
por complicações do aborto.
Mesmo sendo um tabu, 73% das jovens entre 18 e 24 anos que engravidam
consideram interromper a gravidez, segundo dados do site Le Monde Diplomatique Brasil
(2019). É importante salientar que embora seja uma ocorrência frequente na vida de mulheres
de todas as camadas sociais, etnias e lugares diferentes, as consequências do aborto ocorrem
de maneira desigual.
Por exemplo, o aborto quando realizado em condições precárias, ocasiona grandes
consequências para a vida da mulher, podendo resultar em complicações como hemorragias,
infecções, em alguns casos, levam à morte. A criminalização do aborto afeta principalmente
as mulheres de baixa renda, por não possuírem condições sanitárias dignas para a realização
do procedimento. Logo, são obrigadas a recorrem a métodos inseguros, estando amedrontadas
com uma possível pena de prisão,
A proibição do aborto na vida de mulheres representa uma invasão no seu direito
reprodutivo, além da restrição na sua autonomia de liberdade de escolha, pois o impedimento
faz com que medidas extremas sejam tomadas.
A criminalização do aborto gera inúmeros impasses na saúde das gestantes. Isto
porque não impede a prática e ainda colabora com o fortalecimento da desigualdade social.
Infelizmente, enquanto algumas mulheres estão sujeitas a condições insalubres da
clandestinidade do aborto, as mulheres de classes mais altas estão menos propensas a estes
riscos, porque possuem muito mais chance de terem um atendimento adequado.
Impedi-la de realizar sua vontade, mesmo sendo amparada por lei, é submetê-la a
constrangimentos que ferem princípios humanos, contidos na Constituição Federal, tais como
sua autonomia, dignidade, liberdade e privacidade.
Nesse sentido, Lorena Ribeiro de Morais aponta que:
É essencial que a questão do aborto seja tratada como um direito fundamental, uma
questão de saúde, de cuidado com a mulher, de o respeito ao seu corpo. É preciso que o
abortamento deixe de ser tratado como uma questão que viola a moral, as crenças subjetivas e
passe a ser tratada com a seriedade e o respeito necessário (BRASIL, 2009, p. 14)
O aborto clandestino acontece quando mulheres com baixa aquisição financeira
enfrentam dificuldades para acessar de forma segura serviços de saúde reprodutiva de
qualidade, o que inclui o aborto. O combate ao aborto clandestino inclui acesso universal a
serviços de saúde que possa instruir a mulher ao seu direito reprodutivo, assim como a
educação sexual, e contracepção acessível, mesmo que não seja 100% seguro. Resolvendo
questões como estas, haverá um consequente melhora no que tange a autonomia das mulheres
sobre seu direito reprodutivo independente da sua renda ou origem social.
Neste viés da criminalização do aborto, a maternidade compulsória como imposição
social ou legal para mulheres, as mulheres ao escolherem ter filhos devem estar orientadas
livremente pela sua profunda vontade para que esteja garantido o direito de controle da sua
própria vida, afim de que evitem situações acerca de uma gravidez forçada.
Quem não quer ser mãe, deveria ter o direito de receber informações suficientes para
prevenir uma gravidez e interromper uma gravidez não desejada. Por outro lado, quem quer
ser mãe, tem direito a viver a maternidade de forma digna e contar com apoio social para
tanto.
Ademais, no Capítulo 3 será analisado o caso da atriz Klara Castanho, no qual pôde
ser observado o desrespeito ao direito de privacidade, e principalmente a escolha de ser mãe.
Serão aprofundadas discussões no que tange informações como os deveres dos profissionais
de saúde, cuidado e atenção de qualidade, também conceitos tais como sigilo e
confidencialidade na saúde publica.
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CAPÍTULO 3
3.1 Biografia de Klara Castanho e de que forma seu caso repercutiu no Brasil
No Instagram, Klara Castanho conta com cerca de 7,2 milhões de seguidores, e mostra
um pouco dos trabalhos que desempenha, sem ser cotidianamente ativa nesta rede. Porém,
mesmo com todo sucesso fruto do trabalho árduo, seu nome ganhou grande repercussão ao ter
sua vida completamente exposta ao virar assunto nacional pela divulgação não autorizada de
um fato de sua vida em 2022.
Em junho de 2022, a Youtuber Antônia Fontenelle, divulgou a história de Klara em
uma live do Instagram. Segue a notícia dada:
Observa-se que essa fala de Antônia Fontenelle foi carregada de acusações fortes e
injúrias, discurso preconceituoso e julgamentos. A situação que Klara se encontrava e o que
havia passado não eram de importância para a divulgadora da situação. Tudo o que foi
levantado, desde a maternidade compulsória até ao aborto se resumiu à uma irresponsável
exposição da atriz cujo único objetivo parece ter sido a sua crucificação pelas redes sociais.
A vítima foi assim exposta para milhões de pessoas.
A Youtuber utilizou palavras pesadas, doloridas, que invalidaram totalmente a dor que
Klara Castanho passava no momento, colocou-a ainda como um ser humano desprezível após
se manifestar num tom de criminalização da atriz por ter encaminhado a criança para adoção,
um ato legítimo e previsto em lei, e que não configura a hipótese penal de abandono de
incapaz.
Toda a repercussão do caso de Klara Castanho e a forma como ela se deu, mostra a
necessidade de problematizar os juízes da internet. O espaço se tornou um território sem lei,
em que as pessoas atrás de telas se sentem corajosas para dar suas opiniões carregadas de
preconceito, ódio e ignorância. Os indivíduos que recebemos ataques virtuais, por vezes,
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Este é o relato mais difícil da minha vida. Pensei que levaria essa dor e esse
peso somente comigo. Sempre mantive minha vida afetiva privada. (...) No
entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões
sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri. Fui estuprada.
Relembrar esse episódio me traz uma sensação de morte, porque algo morreu
em mim (...) estava completamente sozinha. Não, eu não fiz boletim de
ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. (...) As coisas que tive
forças para fazer foram: tomar pílula do dia seguinte e fazer alguns exames.
(...), mas mesmo tentando levar uma vida normal, os danos da violência me
acompanharam. Deixei de dormir, deixei de confiar nas pessoas, deixei uma
sombra apoderar-se de mim. Uma tristeza infinita que eu nunca tinha sentido
antes. Somente a minha família sabia o que tinha acontecido (...). Meses
depois, eu comecei a passar mal. Fiz uma tomografia, no meio dela, o exame
foi interrompido às pressas. Fui informada que eu gerava um feto no meu
útero, sim, eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Meu
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mundo caiu. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também, eu não
tinha ganhado peso, nem barriga. (...) O médico não teve nenhuma empatia
por mim, eu não era uma mulher que estava grávida por vontade e desejo, eu
tinha sofrido uma violência. E mesmo assim esse profissional me obrigou a
ouvir o coração da criança, que disse que 50% do DNA eram meus, e que eu
seria obrigada a amá-lo. Essa foi mais uma da série de violência que
aconteceram comigo. (KASTANHO,2022).
No comunicado, consta ainda que, mesmo Klara Castanho sabendo da informação que
estaria grávida, e que faltava poucos dias para o parto, procurou uma advogada afim de que
tomasse uma atitude mais digna e humana naquele momento de extrema vulnerabilidade. Ela,
então, tomou a decisão de entregar a criança diretamente à adoção, passando por todos os
trâmites legais, para assegurar o sigilo das pessoas envolvidas no caso.
A entrega de um(a) filho(a) para adoção está prevista na Lei 13.509/2017 que garante
sigilo absoluto, desde o nascimento da criança entrega do bebê para a adoção.
Ainda anestesiada do parto, fui abordada por uma enfermeira que estava na sala da
cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: “imagina se tal colunista descobre essa
história”. Eu estava dentro deum hospital, um lugar que era supostamente para me
acolhere proteger. Quando Cheguei ao quarto já havia mensagens do colunista, com
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todas as informações. Ele só não sabia do estupro. Eu ainda estava sob o efeito da
anestesia. Eu não tive tempo de processar tudo àquilo que estava vivendo. Eu
conversei com ele, expliquei tudo que tinha acontecido. Ele prometeu não publicar.
Um outro colunista me procurou dias depois (...), mas apenas o fato de eles saberem,
mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de
extrema dor e vulnerabilidade, que tem obrigação legal de respeitar o sigilo da
entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim, e pela criança. (...) Como
mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem, e agora, sou reiteradamente
violentada por tantas outras pessoas que me julgam. (...) Entregar uma criança em
adoção não é crime, é um ato de supremo cuidado. (KASTANHO, 2022).
Ela finalizou seu comunicado pedindo a compreensão de todos e ajuda para manter a
privacidade que o momento exigia. Toda a exposição que sofreu contribuiu para mais uma
violação: a da sua intimidade exposta pelas redes sociais.
O art.5°, X, da Constituição brasileira prevê que são invioláveis os direitos à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. É assegurado ainda o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente da sua violação destes direitos (CF, art. 5°, X).
Mesmo com todos desafios enfrentados por Klara Castanho, atualmente tem na câmara
projetos de lei que pretendem tornar as leis antiaborto mais restritivas no Brasil, como
abordado no Capítulo 2 deste trabalho. Essas propostas visam aumentar as punições para
quem realiza o aborto, buscando mudanças nas leis para garantir os direitos do feto, e também
requerem boletins de ocorrência das vítimas de violência sexual. Além disso, esses projetos
visam criminalizar qualquer forma de propaganda ou distribuição de material sobre o aborto.
A publicização do caso de Klara Acastanho estimulou debates em relação ao tópico,
resultando na proposição de um único projeto de lei a favor da expansão dos direitos ao
aborto que foi submetido na Câmara, segundo o CFEMEA:
Este projeto de lei visa a tipificação de condutas que divulgam informações sobre
vítimas de violência sexual, no seu texto, na justificativa, é ainda citado a situação que Klara
Castanho foi submetida ao divulgar através de uma carta aberta no seu Instagram, contando
toda a situação que havia passado, após ser exposta de maneira sórdida e repugnante.
No texto original do projeto consta ainda:
adotadas pela vítima de crime contra a dignidade sexual, sem seu consentimento,
especialmente a prática do aborto legal, previsto no artigo128, II, deste Código, ou a
entrega do filho para adoção, previsto no artigo 19-A, da Lei n°8.069/1990
(BRASIL, 1990)
Desta forma, houve violação do sigilo profissional e danos morais relativos ao direito
à intimidade de Klara Castanho expostos. A mesma não teve sua dignidade respeitada, muito
menos seus direitos. Nenhum profissional de saúde pode difundir ou divulgar informação sem
o consentimento do paciente. Também é direito receber um tratamento de saúde adequado e
qualificado. É possível fazer registro da ocorrência na Delegacia de polícia mais próxima,
uma denúncia no Conselho Profissional, que poderá impor medidas disciplinares a quem
cometeu a violência obstétrica e buscar reparação por danos morais e materiais.
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3.3 Análise do voto da Ministra Rosa Weber e sua importância para legislações
eficientes que respeitem o direito de escolha da mulher
Rosa Maria Pires Weber, Ministra do Supremo Tribunal Federal, nasceu em Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, em 02 de outubro de 1948. Filha do médico José Júlio Martins
Weber e da pecuarista Zilah Bastos Pires, possui publicações importantes e de grande impacto
em livros e revistas jurídicas. No que tange à sua carreira na Magistratura, foi Juíza do
Trabalho substituta (1976 a 1981); Juíza do Trabalho Presidente da Junta de Conciliação e
Julgamento (1981 a 1991); Juíza do TRT da 4° Região Desembargadora do Trabalho (1991 a
2006); além da sua atuação na Jurisdição como Juíza integrante, presidente e outras atividades
administrativas (WEBER, 2022).
Rosa Weber, em dia 22 de setembro de 2023, a então presidente do STF votou a favor
da ADPF N° 442, proposta pelo PSOL, com apoio do Instituto de Bioética, que pede a
descriminação do aborto até a 12° semana da gestação.
Com seu voto de 129 páginas, a ministra considera que os artigos 124 e 126 do
Código Penal não estão de acordo com a atual Constituição Federa. Na sua avaliação
é desproporcional atribuir pena de detenção de um a quatro anos para a gestante,
caso provoque o aborto por conta própria ou autorize alguém a fazê-lo, e também
para a pessoa que ajudar ou realizar o procedimento. A ministra ressalta que o
debate jurídico sobre o aborto é “sensível e de extrema delicadeza”, pois suscita
“convicções de ordem moral, ética, religiosa e jurídica”. Rosa Weber considera que
a criminalização do aborto voluntário, com sansão penal a mulher e o profissional da
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medicina, “versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito
á saúde e os direitos das mulheres” (BRASIL, 2023).
Com uma linguagem acessível, Rosa Weber evidenciou como um assunto íntimo para
as mulheres se torna um tema debatido e sujeito a criminalização. O direito à vida deve
considerar, principalmente, a vida da mulher, pois ela desempenha um papel crucial no
desenvolvimento do feto. A ideia de obrigar uma mulher a ter um filho, independentemente
de suas condições físicas, psicológicas, sociais e financeiras, equivale a negligenciar a vida
tanto dela quanto da criança.
Ela discutiu ainda sobre a competência do STF para analisar o tema, cabendo ao À
Corte verificar se as regras e princípios fundamentais garantem o direito da minoria, que
posteriormente vai denominar como democracia. “Na democracia, os direitos das minorias
são resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a elas (minorias) possa ser causado
pela vontade da maioria” (BRASIL, 2023, p.3).
Rosa Weber é uma ministra com 75 anos, que acompanhou o surgimento e
desenvolvimento do Código Penal. Seu voto foi uma espécie de diálogo argumentativo
construído a partir de decisões anteriores. A ministra ainda lembrou a todos do no plenário
que a corte não é lugar de decidir sobre crenças religiosas, e principalmente, impor esta, pois
o Brasil é um Estado laico.
Dentre vários momentos marcantes do seu voto, destaca-se:
Esta passagem expõe a necessidade de se garantir uma cidadania igualitária, pois por
muito tempo, as mulheres foram silenciadas, e hoje, precisam ser ouvidas. É importante
salientar que a relatora não ignorou as indagações masculinas, mas as enfrentou
argumentando de maneira forte e realista.
Outro ponto importante do seu voto é a colocação que não se trata de questões morais
ou religiosas referentes ao aborto, pois ao relacionar ambos é dificultada uma conversação
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democrática. Assim, o Estado deveria adotar uma postura imparcial quantas questões
relacionadas à moralidade e ética pessoal.
Isso não quer dizer que questões de ética e moralidade sobre o aborto sejam
irrelevantes do ponto de vista jurídico ou para a formação social de determinada
comunidade política (...). Cada pessoa tem sua esfera privada moral e ética de como
ser comportamento e agir em sociedade, a partir de convicções e crenças. Contudo, a
esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera da moral pública, e
principalmente com o espaço de atuação do Estado de direito, na restrição de
direitos fundamentais (BRASIL, 2022).
Importante frisar que ela não desmerece questões éticas e de moralidade, no entanto
entende que a esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera de moral publica,
pois se assim acontecer haverá restrição de direitos por conta da superficialidade criadas nas
discussões. No que se relaciona ao começo da vida, (um dos pontos mais importantes de
quem é contra o aborto), a relatora evidencia que não há um consenso sobre o início da vida
humana, e mostra que os direitos fundamentais garantidos pela Constituição se referem aos
“nascidos no Brasil”, por isso, os direitos só decorrem após o nascimento, e não desde a
concepção, como defende o Estatuto do Nascituro.1
Ademais, quanto aos direitos das mulheres, a Ministra diz que a Constituição de 1988
garantiu as mesmas a condição de cidadania, com igualdade de condições e respeito, mas que
nunca tem fim a discriminação motivada pelo gênero.
1
Projeto de Lei 478/2007 e Projeto de Lei 434/2021que objetivam conferir personalidade jurídica integral ao feto
desde a concepção, transformando o aborto em crime hediondo – inclusive em casos de estupro, anencefalia fetal
e risco à vida da pessoa gestante, atuais permissivos legais no Brasil.
45
desenvolvendo o conceito de justiça social reprodutiva, sendo que o aborto deve ser
enfrentado por este viés.
Este conceito resume toda a necessidade de busca pela igualdade por questões
relacionadas à saúde e planejamento familiar. Isto é, a garantia de que todas as pessoas
tenham acesso á serviços de qualidade podendo exercer seus direitos reprodutivos sem
discriminação ou coerção seja pelo acesso a meios contraceptivos, ou à escolha sobre o
número e espaçamento de filhos, além do acesso a informações precisas incluindo educação
sexual sobre doenças sexualmente transmissíveis.
Esta parte do voto transmite conforto a todas às mulheres, que durante suas vidas se
sentiram lesadas, oprimidas e que trazem isto em sua saúde física e mental, desde os danos
físicos, às doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, depressão, ansiedade,
dentre outros. É o momento que após muito ouvir e aprender a relatora toca as raízes de
desigualdade brasileira, atravessando o projeto de vida de mulheres, atingindo ao que tange a
sua dignidade e seus direitos sociais reprodutivos, afim de que seja solucionado aluta pela
descriminalização do aborto:
inseguros do que aqueles utilizados por mulheres com maior acesso à informação e poder
econômico, resultando em uma grave afronta ao princípio da não discriminação.
Segundo o site JOTA o projeto de descriminalização do aborto é de fundamental
importância para a Ministra Rosa Weber, uma vez que a “tutela da vida humana intrauterina é
construída, do ponto de vista normativo, com a participação da mulher e não sem ela,
tampouco contra sua autonomia no processo reprodutivo e de planejamento familiar” (JOTA,
2023). A Ministra avalia que a solução para a redução das taxas de aborto está “na observação
das causas relacionadas ao problema da gravidez indesejada e na opção pela interrupção
voluntária como forma de solução, que necessariamente são várias e estão interligadas, por se
tratar de autêntico problema estrutural na área da saúde sexual e reprodutiva” (JOTA,2023).
Foi um importante passo na luta e na construção de direitos legalizados que tem a vida
das mulheres como princípio norteador. O aborto como abordado durante todo trabalho é uma
realidade no Brasil, deve assim ser tratado coma questão de saúde pública e que privilegie a
participação soberana da mulher sobre a vida dela.
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CONCLUSÃO
Mesmo tomando a melhor decisão que cabia à Klara Castanho na época, esta foi
violentada de várias formas; primeiro com o estupro, depois com a descoberta da gestação já
no final, e posteriormente com a exposição da sua vida para o mundo sem sua permissão. O
caso dela é o início de um leque de discussões onde é de fundamental a importância
problematizar as diversas realidades que diferentes mulheres se encontram.
Muitas mulheres que optam pelo aborto ele sendo permitido ou não já são mães ou
serão depois em algum momento da vida. Um filho transforma a realidade da vida das pessoas
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envolvidas, ao passo que na maioria das vezes a obrigação sobrecarrega mulheres enquanto o
abandono paterno é naturalizado socialmente.
Para viver bem na sociedade é preciso olhar para o outro, enxergar seus motivos, suas
necessidades, sua realidade e as implicações que cada escolha interfere nela. Para Arendt “o
termo “público” significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e
diferente do lugar que privadamente possuímos nele “(ARENDT, 2007, p.64). É necessário
que discussões sobre o aborto e providências legais e efetivas sejam tomadas sobre ele na
esfera pública, pois é uma realidade que impacta a vida de milhares de mulheres.
Assim, foi possível observar através desta análise, a tentativa de domínio e controle da
mente e dos corpos femininos, onde existe um roteiro de vida elaborado por outros para que
as mulheres sigam. Decisões sérias que impactam suas vidas significativamente devem ser
tomadas pelas mesmas. Não cabe a homens ou outras pessoas decidirem sobre sua história.
Cada pessoa sabe seus limites e o que uma gravidez, por exemplo, pode trazer pra vida.
Outro ponto importante é a luta pela justiça reproduzida, essa discussão precisa ser
tratada fora dos muros acadêmicos e do congresso. Mais pessoas precisam ter acesso ao
debate e as informações. É de fundamental importância que se quebre o tabu sobre o aborto
que o deixa num lugar distante, inacessível e pecaminoso. É urgente que seja tratado como
real, próximo e de saúde pública. Ser a favor ou contra cai num lugar de superficialidade e
não resolução do problema. É preciso então uma educação pra justiça reprodutiva e além
projetos e leis eficientes que protejam as mulheres.
A dificuldade de diálogo e elaborações de políticas públicas efetivas que olhem e
tentem verdadeiramente resolver o problema do abortamento no Brasil faz com que muitas
mulheres sejam violentadas tanto no que tange sua autonomia e seus corpos. A decisão de
seguir ou não com uma gestação cabe somente e exclusivamente à mulher. Apenas ela tem o
poder de decisão, não compete à deliberação de demais.
Infelizmente temos uma legislação hoje que criminaliza e pune mulheres que abortam.
Os poucos casos que são permitidos ainda esbarram em muitos obstáculos tais como possíveis
julgamentos de profissionais de saúde, vazamento de informação, pressão social, violência
obstétrica e falta de hospitais legalizados acessíveis em todas cidades e estado.
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MORAIS, Lorena Ribeiro de. A legislação sobre o aborto e seu impacto na saúde da mulher,
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Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/131831 . Acesso em 20 set. 2023.
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