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Santos
2014
AGRADECIMENTOS
Assim foi meu caminho pela Universidade Federal de São Paulo, pelo curso de
Serviço Social e pelo universo do parto. Percorrer esses caminhos é ir de
encontro comigo mesma. É colocar óleo na engrenagem da vida para seguir
livre aquilo que vem do coração.
Eu, Mariliz Mazzoni Magaton Bento, bisneta de Joana, neta de Laura e filha de
Darci, sou grata por ter nascido mulher e ter o sangue de vocês em meu
sangue. Gratidão por todas as mulheres que vieram antes, depois e que ainda
estão por vir em nossa família!
Gratidão à minha família, pelo apoio e por permitir que eu fosse livre em
minhas escolhas e pelos caminhos que eu tenho a percorrer. Sou grata!
Sou grata ao Movimento Estudantil do Serviço Social, por aprender com vocês
(mesmo que na maioria das vezes de longe) como se faz a luta, como se
acorda todo dia com o sonho da construção de uma sociedade mais justa e
igualitária.
Gratidão à orientadora Profª. Dra. Maria Lucia Garcia Mira, sou grata pelo seu
papel e atenção na leitura e releitura do meu trabalho e por compreender meu
universo particular.
Cora Coralina
INTRODUÇÃO
1
mulheres, e também em relação ao tratamento do corpo da mulher, apenas
como objeto da ciência e da normativa do discurso da saúde.
2
Guilhem (2006), reflete no ambiente hospitalar uma reprodução das
desigualdades nas relações de poder presentes nos mais variados espaços
sociais.
3
CAPÍTULO I
4
7 dedo... a bardana desinflama
chora, pode chorar, é bom sinal
mais de mil já nasceu da minha mão
10 dedo, vai coroar, chama ele, chama...
sai liso que nem peixe na minha mão
vem plantar a placenta no quintal
5
promessa de que será um bom caçador. Passam-se ainda alguns
anos e vem à época da iniciação [...]. Isso significa que um pouco
mais tarde ele poderá ter uma mulher e deverá consequentemente
prover as necessidades do novo lar. Por isso, o seu primeiro cuidado,
logo que se integra na comunidade dos homens é fabricar para si um
arco; de agora em diante membro "produtor" do bando, ele caçará
com uma arma feita por suas próprias mãos e apenas a morte ou a
velhice o separarão de seu arco. Complementar e paralelo é o
destino da mulher. Menina de nove ou dez anos, recebe de sua mãe
uma miniatura de cesto, cuja confecção ela acompanha atentamente.
Ele nada transporta, sem dúvida; mas o gesto gratuito de sua marcha
— cabeça baixa e pescoço estendido nessa antecipação do seu
esforço futuro — a prepara para seu futuro próximo. Pois o
aparecimento, por volta dos 12 ou 13 anos, da primeira menstruação
e o ritual que sanciona a chegada da sua feminilidade fazem da
jovem virgem uma daré; uma mulher que será logo esposa de um
caçador. Primeira tarefa do seu novo estado e marca da sua condição
definitiva, ela fabrica então o seu próprio cesto. E cada um dos dois, o
jovem e a jovem, tanto senhores como prisioneiros, um do seu cesto,
o outro do seu arco, ascendem dessa forma à idade adulta. Enfim,
quando morre, um caçador, seu arco e suas flechas são ritualmente
queimados, como o é também o último cesto de uma mulher: pois
como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver sem elas.
(Clastres, 1978, p.74-75)
6
sociais que organizam e dão uma direção a esta mesma sociedade.
Deste modo o gênero não é “natural”, não é fixo, imutável ou
intransponível, ao contrário, varia de acordo com as necessidades
particulares de cada sociedade e de cada contexto histórico.
(VELOSO, 2003, p. 6)
1
Para Engels (2002, p. 62) a família monogâmica “baseia-se no predomínio do homem, cuja
finalidade expressa é procriar [...]. A monogamia não aparece na história, portanto,
absolutamente, como uma reconciliação entre o homem e a mulher, menos ainda, como a
forma mais elevada de matrimônio. Pelo contrário, ela surge sob a forma de escravidão de um
sexo pelo outro, como proclamação de um conflito entre os sexos, ignorado até então na pré-
história”.
7
As riquezas, à medida que iam aumentando, davam, por um lado, ao
homem uma posição mais importante que a da mulher na família, e,
por outro lado, faziam com que nascesse nele a ideia de valer-se
dessa vantagem para modificar, em proveitos dos seus filhos, a
ordem da herança estabelecida. Mas isso não se poderia fazer
enquanto permanecesse vigente a filiação segundo o direito materno.
Esse direito teria que ser abolido, e foi-o (...) sendo substituído pela
filiação masculina e o direito hereditário paterno. (ENGELS, 2002, p.
58-59)
8
econômica e inclusive no âmbito do sistema político e das práticas sociais, de
impedimentos à participação política das mulheres e à obtenção de postos de
comando.
9
torna heterogêneo e diversificado em suas análises, seja no âmbito histórico,
cultural, social ou biológico.
2
Apesar da Inquisição não proceder no Brasil com a mesma força que na Europa, sua
passagem é de importante valor para compreender as raízes da negação do “saber médico
popular” dessas mulheres, e posteriormente a gênese da medicina obstétrica convencional
praticada por licenciados, homens. Ambas as áreas do conhecimento caminham associadas,
pois ao mesmo tempo em que se consolida o discurso médico acadêmico, se exclui e
deslegitima o saber popular das parteiras.
10
as atividades das parteiras durante a Colônia 3, assim como a perseguição que
as mesmas enfrentavam:
11
invasivos que afinava seu colo do útero para a retirada do bebê. A autora ainda
contribui ao esclarecer que “após décadas esse modelo de apagamento da
experiência do parto é abandonado, [diante do alto índice de mortalidade
materna], porém permanece o modelo de assistência com a mulher sendo
processada em várias estações de trabalho de parto (pré-parto, parto e pós-
parto) como uma linha de montagem”. (DINIZ, 2005 p.628. Grifo nosso).
4
“Nas mulheres, a medicalização do corpo feminino se dá sobre todos os seus ciclos vitais:
menstruação, gravidez, parto e menopausa - que passam a serem objetos de intervenção da
medicina, numa produção de ideias que vê o corpo feminino como medicamentosas sobre
estes eventos. Tem-se como herança ideológica desta moral repressora, que alija as mulheres
do conhecimento de seu próprio corpo, a vivência desses fenômenos do ciclo vital feminino por
parte de muitas como algo que é doentio, “sujo” ou temeroso.” (SIMÕES apud AGUIR, 2010,
p.41).
12
instalado em muitos países, mesmo sem que jamais tivesse havido qualquer
evidência científica consistente de que fosse mais seguro que o parto domiciliar
ou em casas de parto” (TEW, apud DINIZ, 2005 p. 628-629). Ainda hoje esse
modelo repercute nos centros de atenção ao parto normal.
13
os anos de 1998 e 1999 quando foram colocadas enfermeiras em todos os
plantões (BALOGH, 2014).
Michel Odent
14
gênero, da medicalização do corpo feminino, do uso excessivo de tecnologia.
Para Ianni (2009),
5
A questão social é indissociável da sociabilidade capitalista e
envolve uma arena de lutas políticas e culturais contra as
desigualdades socialmente produzidas. Suas expressões condensam
múltiplas desigualdades mediadas por disparidades nas relações de
gênero, características étnico-raciais, relações com o meio ambiente
e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da
sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo de uma
dimensão estrutural – enraizada na produção social contraposta à
apropriação privada do trabalho, a “questão social” atinge
visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela
cidadania. (IANNI, apud IAMAMOTO, 2009, p.16).
“- Na hora que você estava fazendo, você não tava gritando desse
jeito, né?” “- Não chora não, porque ano que vem você tá aqui de
novo.” “- Se você continuar com essa frescura, eu não vou te
atender”. ”“ - Na hora de fazer, você gostou, né?”“ - Cala a boca! Fica
quieta, senão vou te furar todinha.” (Parto do Princípio – Mulheres em
Rede pela Maternidade Ativa, 2012).
5
“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da
classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu
reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir
outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão” (CARVALHO e IAMAMOTO,
1983 p. 77).
6
Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação
hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e de opressão. Isto é, a
conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior.
Em segundo lugar, como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como uma
coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que, quando
a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência. (CHAUÍ, 1985, p.35)
15
Tratada como um objeto, a mulher que está parindo tem seu corpo e sua
saúde reprodutiva sujeita a intervenções e manipulações pelos profissionais de
saúde, muitas vezes sem o seu consentimento ou sem que seja informada
sobre os procedimentos que serão realizados (AGUIAR, 2004). Pode-se
perceber nestes exemplos o que Chauí (1985) denomina de transformação de
uma diferença - ser mulher, pobre e de baixa escolaridade – em uma
desigualdade que é imbuída de medidas de valor como superior e inferior, com
o objetivo de dominar, explorar e oprimir alguém que é tomado como objeto
das ações do outro e não como sujeito de seus próprios atos e decisões.
16
A Lei Nacional nº 26.485, de Proteção Integral para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra as Mulheres nos Âmbitos em que se Desenvolvem
suas Relações Interpessoais, vigente na Argentina desde 2009, conceitua
violência obstétrica como uma modalidade de violência contra a mulher e a
caracteriza como “aquela que exerce o profissional de saúde sobre o corpo e
os processos reprodutivo das mulheres. Expressa no trato desumanizado, no
7
abuso de medicalização e patologização dos processos naturais ”
(ARGENTINA, 2009, p. 4).
7
Texto original. Art.6. e) Violencia obstétrica: aquella que ejerce el personal de salud sobre el
cuerpo y los procesos reproductivos de las mujeres, expresada en un trato deshumanizado, un
abuso de medicalización y patologización de los procesos naturales. (ARGENTINA, 2004, p.4)
Disponível em:
<http://www.oas.org/dil/esp/Ley_de_Proteccion_Integral_de_Mujeres_Argentina.pdf >. Acesso
em: 13 nov. 2014.
8
Texto original Art.15. 13) Violencia obstétrica: Se entiende por violencia obstétrica la
apropiación del cuerpo y procesos reproductivos de las mujeres por personal de salud, que se
expresa en un trato deshumanizador, en un abuso de medicalización y patologización de los
procesos naturales, trayendo consigo pérdida de autonomía y capacidad de decidir libremente
sobre sus cuerpos y sexualidad, impactando negativamente en la calidad de vida de las
mujeres. (VENEZUELA, 2006, p. 30) Disponível em: <
http://venezuela.unfpa.org/doumentos/Ley_mujer.pdf >. Acesso em: 13 nov. 2014.
17
estudantes, que realizam exames invasivos e frequentes, para verificar o
andamento da dilatação (exame de toque), tornando o corpo da mulher um
objeto de estudo e intervenções.
18
identifique cada membro da equipe de saúde (pelo nome e papel de
cada um), informá-la sobre os diferentes procedimentos a que será
submetida, propiciar-lhe um ambiente acolhedor, limpo, confortável e
silencioso, esclarecer suas dúvidas, aliviar suas ansiedades são
atitudes relativamente simples e que requer em pouco mais que a
boa vontade do profissional. [A cartilha observa e recomenda que], a
atenção adequada à mulher no momento do parto representa um
passo indispensável para garantir que ela possa exercer a
maternidade com segurança e bem-estar. Este é um direito
fundamental de toda mulher. A equipe de saúde deve estar preparada
para acolher a grávida, seu companheiro e família, respeitando todos
os significados desse momento. Isso deve facilitar a criação de um
vínculo mais profundo com a gestante, transmitindo-lhe confiança e
tranquilidade. (BRASIL, 2001, p.38-39. Grifo nosso).
9
Chauí (2007) traz uma importante reflexão a cerca daquilo que não se nomeia. Para a autora,
o que não se nomeia torna-se inexistente frente aqueles que não vivenciam o ocorrido. Nomear
a violência que a mulher vivência durante o parto é uma forma de expressar, explicitar e propor
condutas para sua superação.
19
relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e
cultural. (CHAUÍ, 2007, p. 349)
20
Segundo Maia (apud DINIZ, 2009) no modelo tecnocrático de
assistência brasileiro, para as mulheres do setor público e do privado "só há
duas alternativas de parir: um parto vaginal traumático, pelo excesso de
intervenções desnecessárias, ou uma cesárea, sendo esta uma marca de
diferenciação social e de ‘modernidade’." Dessa forma, conforme observa
Deslandes (2004) a violência representa a antítese do diálogo, a negação do
‘outro’ em sua humanidade e que, portanto, resgatar a humanidade da
assistência ao parto, numa primeira aproximação, é ir contra essa violência,
que atinge expressivamente a população feminina.
CAPÍTULO II
21
Ser bem recebido nesse mundo
fortalece aquele que chega aqui pela primeira vez,
percebendo que não é de violência a primeira lembrança
de seu caminhar pelas entranhas da vida.
Nascer é uma aventura, uma viagem,
uma escolha de entrar no barco,
remar e sair para viver do lado de cá.
Há de ter fé para nascer.
CAPÍTULO II
22
São dados que se tornam alarmantes, ao notar que o nascimento deixou
de ser um ato íntimo, natural e espontâneo, e passou a ser um evento cirúrgico
– com hora marcada, de acordo com a disponibilidade e preferência da equipe
técnica. Os dados revelam que o Brasil atingiu nas últimas décadas níveis de
incidência, na taxa de cesáreas, extremamente elevados, superiores aos de
qualquer outro país.
Tal cenário nos remete a uma séria discussão, sobre o quanto o corpo
das mulheres está sendo tratado de acordo com a disponibilidade e exigências
da equipe técnica, e não mais a partir de suas vontades, direitos e reais
necessidades.
23
Plano individual determinando onde e por quem o parto será
realizado, feito em conjunto com a mulher durante a gestação, e
comunicado a seu marido/companheiro e, se aplicável, a sua família;
Respeito ao direito da mulher à privacidade no local do parto;
Respeitar a escolha da mulher quanto ao acompanhante
durante o trabalho de parto e parto;
Não utilizar métodos invasivos nem métodos farmacológicos
para alívio da dor durante o trabalho de parto e parto e sim métodos
como massagem e técnicas de relaxamento;
Liberdade de posição e movimento durante o trabalho do parto;
Estímulo a posições não supinas (deitadas) durante o trabalho
de parto e parto.
Realizar precocemente contato pele a pele, entre mãe e filho,
dando apoio ao início da amamentação na primeira hora do pós-
parto, conforme diretrizes da OMS sobre o aleitamento
materno (OMS, 1996, p.5).
24
Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis
são causadas por prematuridade;
Triplica o risco de mortalidade materna;
As mães também ficam sujeitas a complicações como: perda
de maior volume de sangue, infecções puerperais e acidentes
anestésicos. (MS, 2004)
25
hegemonias. Ou seja, em nossa visão, a discussão da humanização
não pode estar apartada da compreensão de um sistema social – o
capitalismo em sua etapa neoliberal – que crescentemente
‘desumaniza’ e mercantiliza os indivíduos, seus corpos e relações
sociais. (BARBOSA, 2006, p.325)
10
Cesáreas eletivas são aquelas agendadas com antecedência pelo médico e pela gestante,
sem a real indicação e necessidade. Frequentemente são agendadas de acordo com a
disponibilidade técnica ou como uma opção da gestante. Vale destacar, que a cesárea é uma
cirurgia complexa (que salva vidas de mães e bebê em risco) e que não deve ser utilizada
como uma opção ou por convenção da equipe técnica.
26
se processam coisas, gentes e ideias, sentimentos e atividades,
realizações e ilusões, modo de ser e estilo de vida. [...] E tudo isso faz
parte da mesma engrenagem, do mesmo jogo de forças sociais, da
mesma fábrica da sociedade, da mesma máquina do mundo.
(COWHEY; ARONSON apud IANNI, 2004, p.201).
11
O PAISM propõe a estratégia de incentivar a mulher ao autocuidado e ao controle da sua
saúde por meio de ações educativas. “O programa é uma forma de possibilitar que as mulheres
interfiram na relação assimétrica que mantinham com os serviços e profissionais da saúde”
(DIAS; DESLANDES, p.362).
27
dadas como únicas e verdadeiras. Nesse sentido, as mulheres reivindicam a
construção de uma nova linguagem, que revele a marca específica do olhar e
da experiência cultural historicamente constituída por elas.
28
2.3 – Assistência ao Parto humanizado no Brasil
29
visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção
humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério (BRASIL, 2011).
12
Os quatro componentes no qual a Rede Cegonha se organiza são: I- Pré-Natal, II - Parto e
Nascimento, III - Puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança e IV - Sistema Logístico:
Transporte Sanitário e Regulação (BRASIL, 2011)
30
seria perder o controle do processo da parturição e modificar as
referências do papel do médico neste contexto da assistência (DIAS;
DOMINGUES, 2005, p. 700).
31
CAPÍTULO III
32
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Até
quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não
para.
Lenine
CAPÍTULO III
PARIR EM SANTOS
33
ao pouco tempo que está em desenvolvimento, ainda não há dados relevantes
sobre o programa e sobre o alcance das metas definidas.
Figura 2 - Ato contra o fechamento do Pronto Socorro Obstétrico Casa de Saúde, 2013 (Autor desconhecido).
34
dessa taxa, é preciso incentivar o acompanhamento ao pré-natal a fim de que o
parto cesáreo seja realizado sob condições cada vez mais precisas, assim
como incentivar a disseminação de informações a respeito das vantagens do
parto normal em comparação com o parto cesáreo e dos riscos da realização
do parto cesáreo na ausência de indicações precisas. Recomenda-se pactuar e
sensibilizar os prestadores sobre a importância do processo de qualificação da
assistência, de forma com que a mulher seja atendida com respeito às suas
singularidades e fortalecendo o exercício da sua autonomia (ANS; MS, 2004).
13
“Conforme entrevista com uma militante do grupo, o coletivo Partejar Santista é uma
organização sem fins lucrativos que atua na Baixada Santista com o intuito de discutir, propor e
acompanhar ações, dentro dos âmbitos político, social e ambiental, voltados à humanização
dos setores e personagens envolvidos no nascer de uma criança - da gestação ao puerpério da
mulher-mãe e o bem estar de sua família. Surgiu em abril de 2014 pelo anseio de um grupo de
mães, mulheres e cidadãos da baixada santista em ajudar a mudar o cenário local, que se
encontra num momento complicado, dos sistemas de atendimento ao parto e suporte à
gestante e sua família.(Joana, 31 anos)
35
As mulheres foram selecionadas observando-se o critério de terem sido
atendidas no município de Santos, nos últimos cinco anos, com faixa etária
entre 25 a 35 anos. Aquelas que aceitaram fazer parte do estudo assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme orientações éticas. Foi
mantida a privacidade das depoentes, respeitando seu anonimato e o sigilo das
informações em seus aspectos éticos. Assim, nos depoimentos utilizados
nesse trabalho, utilizamos nomes fictícios.
36
assistência humanizada à mulher” e a Política Nacional de Humanização do
Nascimento.
37
Eu não queria ser internada ainda, queria passar o TP em casa, mas
não discordei. O exame mostrava o bebê saudável e as contrações
bem fortes, porém, para mim, ainda eram suportáveis desde que eu
não precisasse ficar deitada. [...] A médica então resolveu romper
minha bolsa, com a desculpa de querer se certificar que não havia
mecônio no líquido amniótico. Eu achei aquilo estranho, mas não
tinha argumentos técnicos para discutir. [...] Fui levada pelos braços
para a sala de parto. Ninguém teve paciência de esperar eu estar
confortável, simplesmente me carregaram. Chegando à sala de parto,
diziam que eu tinha que ficar sentada e imóvel para a anestesia. A
médica falava “grosso” comigo porque eu não conseguia ficar imóvel.
Aplicada a anestesia, fiquei paralisada da cintura para baixo e
totalmente entregue às violências pelas quais passaria. (Frida, 32
anos).
Vale reforçar, que a cesariana é uma cirurgia complexa que salva vidas
de mães e bebês. Entretanto, há no Brasil uma disseminação de que o parto
cesáreo é mais prático, rápido e menos doloroso. Além disso, o maior
pagamento dos honorários profissionais para a cesárea, a economia de tempo
e a realização clandestina da laqueadura tubária no momento do parto, institui
38
a chamada cultura pró-cesárea na população em geral e entre os médicos
(BRASIL, 2001).
Mesmo tendo feito toda a preparação para o parto normal, lendo tudo
a respeito (inclusive sobre todas as ‘desculpas’ usadas pelos médicos
para fazer a cesárea), neste momento eu tive muito medo. Eu não
havia ouvido o coração da minha filha, fiquei nervosa, querendo
apenas que tudo estivesse bem com ela. A situação é tão grave que,
mesmo quando você toma suas decisões, se empondera, quer fazer
o parto da sua maneira, você fica sem saber se a cesárea foi ou não
necessária. Como existem mil desculpas, e essa cultura estabelecida
de cesárea, até hoje eu não consigo saber, de verdade, se a minha
intercorrência justificaria uma cesárea. (Layla, 32 anos)
39
Vários depoimentos reforçaram que os procedimentos hospitalares de
rotina – muitos sem consentimento ou explicação - causaram desconforto nas
mulheres, constrangimento, perda de autonomia e capacidade de decisão
sobre seus corpos.
40
poderia ficar de pé para ajudar meu filho a nascer. Pedi que
chamassem meu marido, que ele me seguraria, mas ela riu e disse
que não podia. Ela pediu ao anestesista que empurrasse o fundo do
útero, e ele, que não sabia fazer a manobra maldita, me impedia de
respirar e de fazer força. Eu tentava avisar que não estava
funcionando, mas a médica apenas me mandava fazer força e parar
de falar. (Frida, 32 anos)
Fiz mais três forças e o bebê coroou. Nisso, a médica me avisou que
tinha cortado um “poquinho” o meu períneo, porque precisou. Nem
sequer me perguntou se podia. Mais umas forças e Rafa nasceu.
Meio apático, meio dormindo, até hoje não sei dizer. Mas desconfio
que pela manobra de fundo de útero que passei, somada à anestesia,
sua vitalidade ao nascer não tenha sido plena. O cordão foi cortado
imediatamente e ele foi levado para longe de mim, onde chorou pela
primeira vez, um chorinho desesperado de medo, tenho certeza. Meu
marido, que o acompanhou, diz que ele foi aspirado e que aquilo foi
uma violência enorme com um ser tão indefeso. [...] Enquanto isso,
eu passava pela sutura da episiotomia que, segundo a médica, tinha
sido pequena. Apenas 5 pontinhos, ela dizia. Para um bebê de 2,750
kg para quê “episio”? Podia ter deixado nascer e se tivesse
14
Convém ressaltar que essas intervenções não são recomendadas nem pelo Ministério da
Saúde e nem pela OMS. Sendo assim, são práticas altamente invasivas tanto para a mulher,
como para o bebê.
41
laceração, eu nem ia sentir, tava anestesiada mesmo. A enfermeira
veio me ajudar a tomar banho e acabei desmaiando no banheiro.
Queria acabar logo com aquilo, queria ficar limpa e sozinha com meu
filho, pegá-lo no colo. (Frida, 32 anos).
42
Trouxeram a bebê já vestida e enrolada na manta. Não sei dizer
quanto tempo depois. (Carolina, 34 anos)
15
A elaboração do Plano de Parto é uma das recomendações da OMS que visa dar autonomia
a mulher durante o trabalho de parto e parto. Esse documento é uma lista construída pela
mulher, em parceria com a equipe médica ou doulas, ainda no pré-natal. No plano de parto
inclui-se, por exemplo, o lugar onde a mulher quer ter o bebê, quem estará presente na hora do
parto, quais os procedimentos médicos que a mulher aceita e quais ela quer evitar para ela e
para o bebê, a posição em que deseja parir, se ela quer se alimentar durante o trabalho de
parto e como ela deseja que o ambiente seja preparado (pouca luz, silêncio, músicas, etc). O
documento deve ser assinado pelo técnico que irá assistir ao parto e pela gestante, que irá se
responsabilizar por qualquer dano negativo que suas decisões possam acarretar.
43
submetidas; e de ter os seus direitos de cidadania respeitados (DIAS;
DOMINGUES, 2005).
Minha segunda filha nasceu num parto natural domiciliar, por opção e
também por falta de opção (local com atendimento adequado). Foi
muito rápido (menos de duas horas). Ela nasceu comigo em pé, no
chuveiro. [...] Foi perfeito, e daí tirei qualquer dúvida sobre alguma
possível incapacidade que eu pudesse ter tido para expulsar o bebê
no primeiro parto. A natureza é perfeita, só é preciso que a deixem
agir. (Carolina, 34 anos).
44
Dessa forma, observa-se que o grande desafio que se coloca para todos
os profissionais que prestam a assistência ao parto, é o de minimizar o
sofrimento das parturientes, tornando a vivência do trabalho de parto e parto
em experiências de crescimento e realização para a mulher e sua família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
45
submetidas a procedimentos que violam seus direitos humanos no âmbito da
saúde. Assim, esse estudo demarca e assume a posição de que a assistência
ao parto tem a necessidade de ser escrita pela voz das mulheres e pela
constante atualização de uma medicina baseada em evidências, não se
limitando apenas a aplicação de regras e procedimentos padrões. Afinal, o
corpo da mulher não é um objeto que permanece estático e igual em todos os
casos. O parto e os corpos carregam em si universos diferentes que devem
ser compreendidos de forma individual– sejam esses universos espirituais,
culturais ou socialmente diferentes.
46
Como consequência da opressão, desigualdade e da excessiva
medicalização do corpo feminino, nota-se que as mulheres que participaram
dessa pesquisa podem não ter exercido sua autonomia frente às decisões
referentes ao tipo de parto e procedimentos a que estavam sendo submetidas.
Muitas foram submetidas a procedimentos dolorosos e na maioria das vezes
não informadas sobre o que estava sendo realizado. O parto, que deveria ser
algo íntimo e altamente pessoal, acarretou em momentos de estranhamento e
desrespeito a direitos. Afinal, durante o trabalho de parto, não se teme apenas
a dor, mas o modo como as mulheres serão assistidas na dor (HOTIMSKY,
2002).
47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
48
_____. Ministério da Saúde. Programa de Humanização no Pré-natal e
Nascimento. Brasília, Ministério da Saúde, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Ética e Violência. Teoria & Debate. São Paulo, Fundação
Perseu Abramo, 1998.
49
DIAS, Marcos; DOMINGUES, Rosa. Desafios na implantação de uma
política de humanização da assistência hospitalar ao parto, Ciência e
Saúde Coletiva, 2005 vol. 10 n.3, p. 699-705.
.
DINIZ, Simone. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos
sentidos de um movimento, Ciência e Saúde Coletiva, 2005 vol. 10 n.3, p.
627-637.
50
HOTIMSKY, Sonia; RATTNER, Daphne; VENANCIO, Sonia . et al. O parto
como eu vejo...ou como eu o desejo? Expectativas de gestantes, usuárias
do SUS, acerca do parto e da assistência obstétrica. Cad. Saúde Pública,
Rio de Janeiro, set-out, 2002, p.1003-1311
51
SCOTT, Jonh. Gênero: Uma categoria útil para análise histórica. Revista
Educação & Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, jul./dez./ 1995.
UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Guia dos Direitos da
Gestante e do Bebê. São Paulo: Globo, 2011.
52
APÊNDICES
Nome:
Idade:
Tipo de parto:
Local do parto:
53
8. Como foi antes, durante e o que ficou registrado para você sobre o seu
parto?
9. Considerações adicionais
Consentimento Pós–Informação
54
Eu,___________________________________________________________,
fui informada (o) sobre o que o pesquisadora quer fazer e porque precisa da
minha colaboração, e entendi a explicação. Assim, concordo em participar do
projeto, sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser.
Este documento é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e
pelo pesquisador, ficando uma via com cada um de nós.
______________________ __________________________
Assinatura do participante Assinatura da pesquisadora
55