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Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

Coordenação do Curso de Direito

MAÍRA CRISTINA GONÇALVES

A INFLUÊNCIA DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO E O OFERECIMENTO DE


UMA POLÍTICA DE ASSESSORAMENTO ÀS GESTANTES NA ECONOMIA
ESTATAL – INVESTIMENTOS NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA DO
URUGUAI: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Brasília
2017
MAÍRA CRISTINA GONÇALVES

A INFLUÊNCIA DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO E O OFERECIMENTO DE


UMA POLÍTICA DE ASSESSORAMENTO ÀS GESTANTES NA ECONOMIA
ESTATAL – INVESTIMENTOS NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA DO
URUGUAI: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado à Coordenação de Direito do
Centro Universitário do Distrito Federal
- UDF, como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito.
Orientadora: Isabela Capone Krause.

Brasília
2017
MAÍRA CRISTINA GONÇALVES

A INFLUÊNCIA DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO E O OFERECIMENTO DE


UMA POLÍTICA DE ASSESSORAMENTO ÀS GESTANTES NA ECONOMIA
ESTATAL – INVESTIMENTOS NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA DO
URUGUAI: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado à Coordenação de Direito do
Centro Universitário do Distrito Federal
- UDF, como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito.
Orientadora: Isabela Capone Krause.

Banca Examinadora

_________________________________________
ISABELA CAPONE KRAUSE
Prof. Esp.
Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

__________________________________________
FERNANDA SAMPAIO
Prof. Esp.
Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

___________________________________________
MARÍLIA LUSTOSA
Prof. Esp.
Centro Universitário do Distrito Federal – UDF

NOTA: ______
Dedico este trabalho à minha mãe, Fátima, fonte de
amor e apoio imensurável.
Aos meus tios, Taina e Ferrúcio, sem os quais a
minha formação acadêmica e pessoal não seria
possível.
Aos meus primos/irmãos e ao meu cunhado, por
todo o apoio e compreensão. E, também, à minha
querida tia Maria Angélica, com a qual eu partilho
diariamente as minhas vivências.
Por fim, à minha "partner in crime and life", Janaina
Costa, pelo carinho, apoio e compreensão, que
acompanhou e vivenciou a minha jornada diária de
estudos durante o período de construção deste
trabalho, e me forneceu contribuições valiosas para
o desenvolvimento do mesmo. Este mérito também é
dela.
Meus agradecimentos a toda a minha família e
amigos por entenderem minha ausência durante a
graduação, e às professoras Cora Coralina e,
principalmente, Isabela Capone, minha orientadora,
por todo o apoio e orientação durante a realização
deste trabalho. Por fim, agradeço à dra. Raquel
Machado pela grande ajuda.
“Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares
o Direito em conflito com a justiça, luta pela justiça”.

Eduardo Juan Couture


RESUMO

O grande número de realizações de aborto clandestino e dos problemas que essa


prática traz para a vida das mulheres que se arriscam em realizar o procedimento, ainda
criminalizado, salvo em três hipóteses – gravidez que oferece risco à vida da gestante,
gravidez resultante de estupro e, por fim, gravidez de feto anencéfalo –, vem sendo
enfrentada há anos pelo Brasil, e demais países que ainda criminalizam o aborto. As
divergências quanto à legalização ou não de tal prática estão presentes, notadamente,
nas áreas religiosa, judicial, moral e social. Um novo modelo de tratamento voltado à
prática abortiva tem apurado dados prósperos ante uma possível resolução do problema
do aborto na saúde pública do Brasil, em virtude do grande número de internações
decorrentes do aborto clandestino, a saber: o modelo de assessoramento adotado pelo
Uruguai no ano de 2012.

Palavras-chave: Aborto provocado. Aborto como problema de saúde pública no Brasil.


Descriminalização do aborto. Modelo de assessoramento uruguaio.
ABSTRACT

The problem faced about the great number of abortion procedures and the
problems that this practice brings to the lives of women who risk performing it, even
though it is criminalized, except in three hypotheses – pregnancy that presents life
threatening to the pregnant woman, pregnancy due to rape and, finally, pregnancy of the
anencephalic fetus –, has been confronted for years by Brazil, and other countries that
still criminalize abortion. The divergences regarding the legalization or not of abortion
find obstacles in many areas: religious, judicial, moral, social, among others. However,
a new model of abortion treatment has shown evidences for a possible resolution to the
problem of abortion in public health in Brazil, in cause to the large number of
hospitalizations motivated by the clandestine abortion, namely: the advisory model
adopted by Uruguay in the year 2012

Keywords: Abortion provoked. Abortion as a public health problem in Brazil.


Decriminalization of abortion. Uruguayan advisory model.
SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

2 – ABORTO: FIGURA TÍPICA ................................................................................ 12

2.1 – PREVISÃO LEGAL .......................................................................................... 12

2.1.1 – Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento (art. 124
do CP)...................................................................................................................... 13

2.1.2 – Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art.


125 do CP)............................................................................................................... 13

2.1.3 – Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art.


126 do CP)............................................................................................................... 14

2.2 – HIPÓTESES PERMISSIVAS ............................................................................. 14

3 – A DESCRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL .......................................................... 16

3.1 – A DISCUSSÃO DA PRÁTICA ABORTIVA NA SUPREMA CORTE .......... 16

3.2 – CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO: PRÓ-VIDA ........................................... 19

4 – MÉTODOS ILEGAIS PARA O ABORTAMENTO NO BRASIL E SEUS


IMPACTOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ..................................................... 21

4.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................................... 21

4.2 – MÉTODOS UTILIZADOS PARA A PRÁTICA ABORTIVA ........................ 23

4.3 – COMPLICAÇÕES NA SAÚDE DAS MULHERES EM DECORRÊNCIA


DA PRÁTICA ABORTIVA ....................................................................................... 24

4.4 – ABORTAMENTO CLANDESTINO: COMPLICAÇÕES À SAÚDE DA


GESTANTE E IMPLICAÇÕES NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ..................... 25

5 – A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NO URUGUAI E SEUS


REFLEXOS NA SAÚDE PÚBLICA .......................................................................... 26

5.1 – PAÍSES DA AMÉRICA LATINA ONDE A PRÁTICA ABORTIVA FOI


DESCRIMINALIZADA ............................................................................................. 27
5.1.1 – Proposta da Lei n. 18.987, de 30 de outubro 2012 ...................................... 28

5.2 – ABORTOS PROVOCADOS E MORTALIDADE MATERNA ANTES E


APÓS O ADVENTO DA LEI N. 18.987/2012 .......................................................... 30

6 – UMA ANÁLISE COMPARATIVA ...................................................................... 31

7 – CONCLUSÃO......................................................................................................... 33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 35


10

1 – INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso apresenta como objeto de estudo a


Criminalização do Aborto no Brasil e suas consequências no âmbito da saúde pública e
da economia do Estado, trazendo dados oficiais para mostrar os impactos da prática
abortiva na economia do Brasil, e a possibilidade de se abraçar o modelo de
assessoramento implementado pelo Uruguai, que se mostra mais eficaz e justo.
A pesquisa utilizada foi bibliográfica, visto que a elaboração do presente artigo
científico deu-se a partir do estudo da doutrina, jurisprudência e legislação referente ao
tema, além de dados oficias dos órgãos voltados para a saúde pública. O trabalho está
estruturado em cinco capítulos: 1º) Aborto: figura típica; 2º) Descriminalização no
Brasil; 3º) Métodos ilegais para o abortamento no Brasil e seus impactos no Sistema
Único de Saúde; 4º) A descriminalização do aborto no Uruguai e seus reflexos na saúde
pública; e, por fim, 5º) Uma análise comparativa.
Em um primeiro momento, de forma breve, discorrer-se-á sobre a previsão legal
do Aborto no Código Penal Brasileiro e suas hipóteses permissivas, apresentando, de
forma isolada, as três possibilidades em que a prática abortiva é permitida na legislação
brasileira.
Após, trará a discussão acerca da prática abortiva no Brasil, que se divide entre
os denominados “pró-vida”, os quais usam como maior argumento o direito à vida do
nascituro, e aqueles que são a favor da descriminalização do aborto, que argumentam,
dentre outros aspectos, a respeito do direito de autonomia da mulher quanto ao seu
corpo e o seu direito à vida.
Nesse sentido, apresenta os argumentos trazidos pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, que se mostra favorável à descriminalização do
aborto, contra as ideias defendidas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo
Maia, trabalhando o desenvolvimento da argumentação de ambos os “grupos”, bem
como o foco da legislação brasileira quanto à criminalização da prática abortiva: a tutela
do maior bem jurídico, a vida.
Em seguida, será trabalhado o aborto na realidade brasileira, ou seja, a
quantidade de abortos ilegais registrados e as consequências da clandestinidade na vida
e na saúde das mulheres que recorrem a tal prática, demonstrando o porquê de o
11

abortamento ser um problema de saúde pública e como isso afeta a economia estatal,
uma vez que o tratamento pós-aborto requer investimento dos cofres públicos.
Serão apresentados, ainda, os resultados que o modelo de criminalização busca
atingir – ou seja, a proteção à vida – em comparação com a realidade vivida no Brasil,
demonstrando a ineficiência da norma neste aspecto e a necessidade de uma mudança
imediata, buscando um parâmetro com a normativa adotada em outros países da
América Latina, com maior enfoque na política do Uruguai.
Por fim, será trazido um comparativo em dados reais do Brasil x Uruguai para
uma análise dos diferentes modelos adotados no tratamento do aborto provocado e uma
demonstração da eficácia de ambos, a fim de atestar o êxito obtido pelo modelo de
assessoramento do Uruguai na defesa à vida do nascituro e proteção à vida e autonomia
da mulher, demonstrando, assim, que o referido modelo uruguaio pode trazer uma
solução eficaz para o problema enfrentado no Sistema Único de Saúde.
12

2 – ABORTO: FIGURA TÍPICA

2.1 – PREVISÃO LEGAL

O aborto, nos dias de hoje, é um dos temas mais contestados no ramo do Direito,
daí o porquê de os juristas debaterem tanto sobre uma possível descriminalização sem
nunca chegarem a um veredicto final.
Porém, nem sempre a prática do aborto foi vista como fato delituoso pela
sociedade, como acontece atualmente. Sua prática era bastante comum entre os povos
gregos e hebreus, sendo punida apenas em caso de ser realizada por terceiros. O feto era
visto como uma parte do organismo da mulher e não como um ser detentor de vida
autônoma1.
Fernando Capez discorre sobre a evolução histórica desse delito, entendendo que
apenas com o advento do cristianismo é que a prática abortiva veio a ser punida pela
sociedade. Confira-se:
Com o cristianismo que o aborto passou a ser efetivamente reprovado no
meio social, tendo os imperadores Adriano, Constantino e Teodósio
reformado o direito e assimilado o aborto criminoso ao homicídio. Na Idade
Média o teólogo Santo Agostinho, com base na doutrina de Aristóteles,
considerava que o aborto seria crime apenas quando o feto tivesse recebido
alma, o que se julgava ocorrer quarenta ou oitenta dias após a concepção,
segundo se tratasse de varão ou mulher. São Basílio, no entanto, não admitia
qualquer distinção considerando o aborto sempre criminoso. É certo que, em
se tratando de aborto, a Igreja sempre influenciou com os seus ensinamentos
na criminalização do mesmo, fato este que perdura até os dias atuais 2.

Com o advento, no ano de 1830, do Código Criminal do Império, a prática do


aborto apenas era criminalizada se realizada por terceiro, logo, não eram punidas as
gestantes que praticassem o próprio aborto. O autoaborto só veio a ser punido com o
surgimento do Código Penal de 1890, sendo, até hoje, no Código Penal vigente desde o
ano de 1940, punível a prática do autoaborto, aborto consentido e aborto provocado por
terceiros3.

1
MARCÃO, Renato Flávio. Reflexões sobre o crime de aborto. Disponível em:
<www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_criminal/doutrinas_autores/aborto.doc>. Acesso em:
21/09/2017;
2
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume II, parte especial: Dos crimes contra a pessoa a
dos crimes contra o respeito aos mortos (arts.121 a 212). 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 304;
3
BARBOSA, Ana Beatriz. Aborto: abordagem do tipo penal e suas espécies. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/42070/aborto-abordagem-do-tipo-penal-e-suas-especies>. Acesso em:
18/09/2017;
13

O atual Código Penal regulamentou a prática em seus artigos 124, 125, 126, 127
e 128, porém deixou a cargo da doutrina a sua conceituação.
Fernando Capez descreve que o aborto consiste na interrupção da gravidez com
a consequente expulsão do produto da concepção, ou a eliminação da vida intrauterina4.
No mesmo sentindo é o entendimento de Guilherme Nucci, que conceitua o
aborto como a cessação da gravidez, causando a morte do feto ou embrião5.
Ante os conceitos expostos, faz-se oportuno trazer os tipos penais dessa prática
constantes nos artigos acima mencionados.
O código penal aponta as seguintes modalidades de aborto: o aborto provocado
pela gestante ou consentido pela mesma (art. 124, CP), o aborto provocado por terceiro,
sem o consentimento da gestante (art. 125, CP) e o aborto cometido com o
consentimento da gestante (art. 126, CP), os quais serão destrinchados a seguir.

2.1.1 – Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento (art. 124 do CP)

O crime descrito no artigo 124 do Código Penal atual admite duas hipóteses: 1ª)
provocar aborto em si mesma; ou 2ª) consentir que outrem lho provoque.
O crime disposto no artigo supramencionado é um delito de mão própria, ou
seja, tem caráter personalíssimo. Logo, o sujeito ativo desse tipo penal é a gestante. A
participação de terceiro é admitida unicamente na forma secundária, consistindo em
induzimento, instigação ou auxílio6.

2.1.2 – Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125 do CP)

Essa modalidade se configura quando um terceiro, estando consciente da


gravidez, realiza o aborto sem o consentimento da gestante. Logo, o sujeito ativo, neste
caso, pode ser qualquer pessoa. Já o sujeito passivo é tanto o feto quanto a gestante,
tendo em vista que a agressão dá-se sem o seu consentimento7.

4
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume II, parte especial: Dos crimes contra a pessoa a
dos crimes contra o respeito aos mortos (arts.121 a 212). 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012;
5
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ª edição. São Paulo: RT, 2009, p. 614;
6
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, p. 615. Ibid, p. 614;
7
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, p. 615. Ibid, p. 614;
14

Dentre as três modalidades de aborto (art. 124 a 126 do CP), este tem a
penalidade mais grave, a saber: reclusão de 03 (três) a 10 (dez) anos.

2.1.3 – Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126 do CP)

O consentimento da gestante não exclui o delito, pelo contrário, o fato de haver


consentimento gera consequência tanto para a gestante, quanto para o terceiro, logo, o
sujeito pode ser qualquer pessoa8.
Assim, na intenção de aplicar uma punição mais severa ao terceiro que provoca
o aborto, o legislador criou este artigo a fim de aplicar a teoria dualista do concurso de
pessoas9.
Entretanto, faz-se necessário entender o significado de “consentimento” para que
reste configurado o tipo penal em questão.
O legislador exige, nesse tipo penal, que o consentimento seja válido, ou seja, a
gestante precisa, obrigatoriamente, ter capacidade para consentir tal ato. Traz em seu
parágrafo único a modalidade de consentimento inválido, que Nucci divide em duas
espécies: dissentimento real e dissentimento presumido.
O dissentimento presumido é aquele referente à vítima que é seja maior de 14
anos ou é alienada ou débil mental, logo, o seu consentimento não é valido10.
Já o dissentimento real ocorre quando o agente emprega violência, grave ameaça
ou fraude para extrair da vítima, à força, o seu consentimento. Desse modo, o aborto é
encaixado na figura do artigo 125 do Código Penal11.

2.2 – HIPÓTESES PERMISSIVAS

A descriminalização do aborto é um tema que vem sendo bastante discutido no


Brasil, principalmente na esfera judicial. A mulher que pratica o aborto, ou consente que
outrem lho provoque, pode ser punida – com até três anos de prisão – segundo o Código

8
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, p. 616. Ibid, p. 614;
9
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, Idem;
10
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, Idem;
11
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, p. 617. Ibid, p. 614
15

Penal, havendo exceção em apenas três hipóteses: casos de gravidez que oferece risco à
vida da gestante, casos de estupro e, por fim, de feto anencéfalo.
O artigo 128 do Código Penal vigente dispõe sobre duas dessas hipóteses, sendo
elas: caso em que a gravidez oferece risco à vida da gestante (inciso I) e casos de
estupro (inciso II).
A situação descrita no inciso I do mencionado artigo é chamada pela doutrina de
aborto necessário, que é praticado pelo médico quando “não há outro meio de salvar a
vida da gestante”.
A segunda situação, descrita no inciso II, é denominada aborto humanitário ou
sentimental, ocorre nos casos em que a gravidez resulta de estupro. O legislador, neste
caso, busca proteger a dignidade da gestante que foi vítima de um crime hediondo e não
deseja manter o produto da concepção em seu ventre12.
A terceira, e última hipótese em que a prática é considerada lícita, não encontra
amparo no texto legal. Porém, o STF pronunciou-se acerca dessa questão, permitindo
que o aborto do feto anencéfalo seja realizado quando houver laudo médico atestando a
deformidade ou anomalia que atingiu o feto, segundo ADPF n. 54.
A questão foi ao plenário da Suprema Corte no dia 11 de abril de 2012, sendo
decidido por oito a dois votos.
O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, entendeu que o feto sem cérebro é
juridicamente morto. Logo, não goza de proteção jurídica, e principalmente de proteção
jurídico-penal. Veja:
O feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e
tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e,
acrescento, principalmente de proteção jurídico-penal (...)13. O anencéfalo
jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial,
mas de morte segura. O fato de respirar e ter batimento cardíaco não altera
essa conclusão, até porque, como acentuado pelo Dr. Thomaz Rafael Gollop,
a respiração e o batimento cardíaco não excluem o diagnóstico de morte
cerebral14.

Outro ponto de destaque pelo Ministro foi o aspecto psíquico da mulher que se
vê obrigada a levar adiante uma gestação em que o fim é certo: a morte do feto, antes ou
após o nascimento. Como se vê:

12
NUCCI, Guilherme de Souza. 2009, p. 614. Ibid;
13
BRASIL, STF. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 Distrito Federal. Inteiro
teor do acórdão, p. 55;
14
BRASIL, STF. Inteiro teor do acórdão, p. 46 e 47. Ibidem, p. 55;
16

Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de acompanhamento,


minuto a minuto, de avanços, com a predominância do amor, em que a
alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da
criança; na gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam
sentimentos mórbidos, de dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto,
de desespero, dada a certeza do óbito15.

O ministro ressaltou, ainda, que cabe unicamente à mulher ponderar os valores e


sentimentos, que são de ordem privada, na decisão pela interrupção ou não da gravidez
nesses casos. Ao Estado compete somente o dever de informar e prestar apoio médico e
psicológico a essas gestantes, antes ou após a sua decisão16.

3 – A DESCRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL

3.1 – A DISCUSSÃO DA PRÁTICA ABORTIVA NA SUPREMA CORTE

Após a promulgação da atual Carta Magna, em que houve o restabelecimento do


Estado democrático de direito, e o fortalecimento da sociedade civil organizada,
ampliou-se a discussão política sobre o aborto. Neste cenário, observa-se um aumento
nos debates e embates quanto à prática abortiva, o que, em consequência, contribui
amplamente para o crescente número de projetos de lei apresentados ao Poder
Legislativo17, como é o caso do Projeto de Lei n. 236, de 2012.
Tal projeto de lei foi denominado como Anteprojeto do futuro Código Penal, o
qual traz quatro formas de criminalização do aborto nos artigos 125 a 127, e sete formas
de exclusão do crime no artigo 12818.
O artigo 125 refere-se ao aborto provocado pela própria gestante ou com seu
consentimento, cominando pena de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos. Já o artigo 126
disciplina acerca do aborto consensual provocado por terceiro, cuja pena de reclusão é
de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos. E, por fim, o artigo 127 que descreve o aborto
provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante, com pena de reclusão de 04
(quatro) a 10 (dez) anos19.

15
BRASIL, STF. Inteiro teor do acórdão, p. 63. Ibidem, p. 55;
16
BRASIL, STF. Arguição. Inteiro teor do acórdão, p. 66. Ibidem, p. 55;
17
COSTA, João. Vida: o início de tudo. Brasília – DF: Senado Federal, 2013, p. 06 e 07;
18
COSTA, João. 2013. Ibid, p. 06;
19
COSTA, João. 2013, p. 08. Ibid, p. 06;
17

O artigo 128 do Anteprojeto do novo Código Penal, que se encarrega de afastar a


criminalização do aborto, traz em seu texto quatro incisos destrinchando as sete
hipóteses permissivas. Quais sejam: I) se houver risco à vida ou à saúde da gestante; II)
se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de
técnica de reprodução assistida; III) se comprovada a anencefalia ou quando o feto
padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em
ambos os casos atestado por dois médicos; e, por fim, IV) se por vontade da gestante,
até a décima segunda semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que
a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade20.
O objetivo do Projeto de Lei n. 236 é tornar legal a prática do aborto em
qualquer caso, até a 12ª semana de gestação21, se firmando nos argumentos de
“inviolabilidade” da vida futura, referindo-se à criança que nascerá com anomalia grave
ou incurável, “dignidade sexual” da mulher e, finalmente, a “vontade da gestante”,
desde esta tenha autorização de profissional da área – seja ele médico ou psicólogo –
que ateste suas condições psicológicas de arcar com a maternidade22.
Recente decisão do Supremo Tribunal Federal (HC 124.306/DF) pode ser o
primeiro passo para legitimar-se a descriminalização da prática abortiva. Em novembro
de 2016, a Suprema Corte se posicionou favorável à revogação de prisão de cinco
médicos, pacientes e funcionários de uma clínica clandestina em Duque de Caxias, no
Rio de Janeiro.
A ação penal (Processo n. 001449-75.2013.8.19.0021) chegou às mãos do
Ministro Marco Aurélio Mello no ano de 2014. Discutia-se se seria cabível ou não a
aplicação da prisão preventiva para os cinco acusados de praticar aborto ilegalmente,
que trabalhavam na clínica de Duque de Caxias. O ministro deferiu uma liminar
contrária à prisão preventiva com o argumento de inexistir risco à ordem pública ou à
investigação23.
O Ministro Luís Roberto Barroso pediu vistas ao caso, avançando na discussão
ao abordar o tema escondido por trás da demanda: o aborto é ou não um crime.

20
COSTA, João. 2013, p. 32. Ibid, p. 06;
21
COSTA, João. 2013, p. 12. Ibid, p. 06;
22
COSTA, João. 2013, p. 37 e 38. Ibid, p. 06
23
DINIZ, Debora. Decisão do STF encara a realidade sobre o aborto. Disponível em: <http://
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/decisao-do-stf-encara-a-realidade-sobre-o-aborto>. Acesso
em: 30/09/2017;
18

Em uma digressão inovadora e corajosa, o ministro explicou que, conforme a


Constituição Federal, o aborto não pode ser considerado crime, pois viola direitos
fundamentais da mulher, devendo tal prática ser descriminalizada quando realizada nas
doze primeiras semanas de gestação24.
Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu teses como
“inconstitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gestação efetivada
no primeiro trimestre”, “violação a direitos fundamentais das mulheres” – como a
autonomia, integridade física e psíquica, direitos sexuais e reprodutivos da mulher,
igualdade de gênero –, “discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres
pobres”, “violação ao princípio da proporcionalidade”, discorrendo, assim, abertamente
sobre a necessidade de se debater acerca da inconstitucionalidade dos artigos 124 a 126
do Código Penal25.
Segundo o ministro Barroso:
Tal como a Suprema Corte dos EUA declarou no caso Roe v. Wade, o
interesse do Estado na proteção da vida pré-natal não supera o direito
fundamental da mulher realizar um aborto. No mesmo sentido, a decisão da
Corte Suprema de Justiça do Canadá, que declarou a inconstitucionalidade de
artigo do Código Penal que criminalizava o aborto no país, por violação à
proporcionalidade. De acordo com a Corte canadense, ao impedir que a
mulher tome a decisão de interromper a gravidez em todas as suas etapas, o
Legislativo teria falhado em estabelecer um standard capaz de equilibrar, de
forma justa, os interesses do feto e os direitos da mulher. Anote-se, por
derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do
mundo trata a interrupção da gestação durante a fase inicial da gestação como
crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França,
Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália26.

Afirma, ainda, em seu voto:


Para que não se confira uma proteção insuficiente nem aos direitos das
mulheres, nem à vida do nascituro, é possível reconhecer a
constitucionalidade da tipificação penal da cessação da gravidez que ocorre
quando o feto já esteja mais desenvolvido. De acordo com o regime adotado
em diversos países (como Alemanha, Bélgica, França, Uruguai e Cidade do
México), a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada,
pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. Durante esse período, o
córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e
racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de
vida fora do útero materno. Por tudo isso, é preciso conferir interpretação
conforme a Constituição ao arts. 124 e 126 do Código Penal, para excluir do
seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no
primeiro trimestre27.

24
BRASIL, STF. Habeas Corpus 124.306. Inteiro teor do voto do Ministro BARROSO, Luís Roberto;
25
BRASIL, STF. Inteiro teor do voto. Ibid;
26
BRASIL, STF. Inteiro teor do voto. Ibid, p. 16;
27
BRASIL, STF. Inteiro teor do voto, p. 17. Ibid, p. 16;
19

Desse modo, vê-se que o ministro Barroso, contando com o apoio de mais dois
ministros presentes na discussão do caso, Rosa Weber e Edson Fachin, seguiu a linha de
raciocínio de que a criminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação viola
os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, bem como seu direito à autonomia de fazer
suas escolhas e à integridade física e psíquica.
A ministra Rosa Weber, partindo da mesma premissa do ministro Luís Roberto
Barroso, manifestou-se favorável à descriminalização do aborto para qualquer caso nos
três primeiros meses de gestação, assim como o ministro Edson Fachin, que se mostrou
igualmente favorável28.
Todavia, o posicionamento apresentado pelo ministro Barroso encontra óbice
nos intitulados “pró-vida”, ou seja, aqueles que se mostram favoráveis à criminalização
do aborto, que será discutido no próximo tópico.

3.2 – CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO: PRÓ-VIDA

O termo “pró-vida” é uma autointitulação do grupo que se opõe à ideia de que a


mulher pode dispor do próprio corpo da maneira que melhor entender, sendo um direito
seu a opção pela realização ou não do aborto, independente da situação. Isso porque, um
dos principais argumentos defendidos por eles é o de que a vida já começa na
concepção e, por isso, o feto é protegido legalmente, sendo inviolável o seu direito à
vida, descrito no artigo 5º da Constituição Federal29.
Ardaillon discorre acerca da subversão extrema ao tema do aborto ao afirmar
que as mulheres, desde sempre, tiveram seu corpo controlado devido ao fato de ser o
“lócus da reprodução” e, talvez por essa razão, é que o direito de abortar – algo que

28
REDAÇÃO. O STF descriminalizou o aborto? Entenda. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-stf-descriminalizou-o-aborto-entenda>. Acesso em:
10/09/2017;
29
MONNERAT, Alessandra. Debate sobre aborto chega ao STF e mobiliza opiniões pró e contra
descriminalização. Disponível em: < http://www.generonumero.media/debate-sobre-aborto-mobiliza-
opinioes-pro-e-contra/>. Acesso em: 25/08/2017;
20

deveria ser considerado uma autonomia das mulheres sobre o seu processo de
reprodução – seja um assunto visto com tanta aversão pela sociedade30.
Maria José da Silva, coordenadora estadual no Rio de Janeiro do Movimento da
Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, reforça a ideia defendida pelos Pró-vida ao
afirmar que “a vida é a nossa primeira garantia, é um direito universal. Se você deixa de
defender esse direito, você pode matar e está tudo certo. Não concordamos que o aborto
seja uma escolha da mulher sobre o seu próprio corpo”31.
Explica, ainda, que “o bebê não é parte do corpo da mulher, a vida humana que
está sendo gestada é uma segunda vida. O bebê não vai fazer mal nenhum para essa
mulher”32.
Nesse mesmo sentido, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos
Deputados, criou uma comissão especial com o intuito de incluir na Constituição uma
regra clara sobre o aborto. Tal medida é uma resposta direta à decisão da Suprema Corte
acerca do Habeas Corpus n. 124. 306, que abre precedente quanto à descriminalização
do aborto nas três primeiras semanas de gestação33.
A PEC 58/2011, apensada à PEC 181/2015, tem como finalidade alterar o inciso
XVIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988 para dispor sobre a licença-
maternidade em caso de parto prematuro34.
O Deputado Diego Garcia (PHS-PR), entretanto, deixou claro que o propósito
real da implementação da mencionada PEC é anular a decisão do STF no HC 124.306.
O deputado afirma, ainda, que:
O STF rasgou a Constituição e tomou para si uma tarefa que é dos
congressistas, sem consultar ninguém. O objetivo com a comissão é mesmo
reverter essa decisão absurda do STF. E temos votos para derrubar no
plenário, onde contamos com a presença de 300 deputados pró-vida35.

30
ARDAILLON, Danielle. Cidadania de corpo inteiro: discursos sobre o aborto em número e
gênero. 1997. Tese (Doutoramento em Sociologia) Departamento de Sociologia, FELCH/USP,
Universidade de São Paulo, São Paulo 1997, p. 204;
31
MONNERAT, Alessandra. Debate sobre aborto chega ao STF e mobiliza opiniões pró e contra
descriminalização. Disponível em: < http://www.generonumero.media/debate-sobre-aborto-mobiliza-
opinioes-pro-e-contra/>. Acesso em: 25/08/2017;
32
______. Disponível em: < http://www.generonumero.media/debate-sobre-aborto-mobiliza-opinioes-
pro-e-contra/>. Acesso em: 25/08/2017;
33
SILQUEIRA, Carol. Depois de decisão do STF sobre aborto, Maia cria comissão para discutir
tema. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/520372-DEPOIS-
DE-DECISAO-DO-STF-SOBRE-ABORTO-MAIA-CRIA-COMISSAO-PARA-DISCUTIRTEMA.html>
Acesso em: 02/10/2017;
34
BRASIL, Câmara dos Deputados e do Senado Federal. PEC 181/2015. Inteiro teor;
35
ÉBOLI, Evandro e FERNANDES, Letícia. Maia cria comissão para reverter decisão do STF pró-
21

Ocorre que a não violação ao direito de vida do feto entra em colisão com os
direitos sexuais e reprodutivos da mulher, bem como sua integridade física e psíquica e
seu direito a autonomia, não podendo esta ser obrigada a dar continuidade a uma
gravidez indesejada. Este é o argumento defendido por aqueles que são favoráveis à
descriminalização da prática abortiva.
Assim, observa-se claramente que a grande questão acerca da legalização do
aborto é que ao cessar a criminalização da prática, cessaria, consequentemente, o
controle do Estado quanto ao corpo, à sexualidade e à reprodução da mulher.

4 – MÉTODOS ILEGAIS PARA O ABORTAMENTO NO BRASIL E SEUS


IMPACTOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

4.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Apesar da criminalização, segundo pesquisa lançada pelo Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que mais de 8,7 milhões de brasileiras com
idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um aborto na vida, sendo que 1,1 milhão
destes abortos foram provocados 36.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que são realizados 55 mil
abortos inseguros por dia no mundo todo, e que 95% deles ocorrem em países que ainda
se encontram em desenvolvimento, acarretando na morte de mais de 200 mulheres
diariamente. Assim, segundo a OMS, morrem por ano pelo menos 70 mil mulheres em
todo o mundo em razão de abortos inseguros, o que contribui de forma drástica para o
aumento de mortes maternas nos países em desenvolvimento37.

aborto. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/maia-cria-comissao-para-reverter-decisao-do-


stf-pro-aborto-20564549>. Acesso em: 10/10/2017;
36
MENEZES G, Aquino E. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da
saúde coletiva. Cad Saude Publica, Rio de Janeiro, vol.25, suppl.2, pp.s193-s204. ISSN 1678-4464, abr.
2009. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X200900140000>. Acesso em: 19 ago 2017;
37
COOK, Rebecca J., DICKENS, Bernard M., FATHALIA, Mahmoud F. Saúde reprodutiva e direitos
humanos: integrando medicina, ética e direito. Rio de Janeiro: CEPIA, 2004, p. 18 e 27;
22

Só no ano de 2015, 181 mil mulheres, em média, foram atendidas por


complicações devido ao aborto realizado em clínicas clandestinas, e 59 morreram. Já em
referência às interrupções legais, foram registrados 1.600 casos38.
Greice Menezes e Estela M. L. Aquino, em artigo intitulado “Pesquisa Sobre o
Aborto no Brasil: Avanços e Desafios Para o Campo da Saúde Coletiva”, relatam que
os índices de morte por aborto são maiores em mulheres jovens e desfavorecidas
socialmente, que residem em áreas periféricas das cidades, e especificam que as
mulheres negras apresentam três vezes mais risco de morte por essa causa do que as
brancas39.
Isso porque as taxas de aborto são bem maiores entre mulheres com baixa
escolaridade, sendo que 23% das mulheres com até o quarto ano do ensino fundamental
(ou nível equivalente) já abortaram, à medida que apenas 12% daquelas com o ensino
médio concluído recorreram a essa prática40.
Pesquisa realizada pela Revista Época, no ano de 2007, mostra os impactos do
aborto clandestino no Brasil. Revela que são realizados cerca de um milhão de abortos
por ano no país, sendo feitas 220 mil curetagens, o que gera um gasto de R$ 35 milhões
no tratamento das mulheres em decorrências de complicações41.
Assim, nota-se que a segurança na interrupção da gravidez tem ligação direta
com a criminalização da prática abortiva, já que a maioria dos abortos ilegais é realizada
em condições precárias e de risco, ao passo que os abortos legais são feitos com
segurança, e os riscos de complicação para a saúde da mulher ou eventuais mortes são
mínimos.

38
AGÊNCIA PÚBLICA. Clandestinas: Retratos do Brasil de 1 milhão de abortos clandestinos por
ano. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-09-20/clandestinas-retratos-do-brasil-
de-1-milhao-de-abortos-clandestinos-por-ano.html>. Acesso em: 17/08/2017;
39
MENEZES G, Aquino E. op. cit.;
40
DINIZ D., Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc.
saúde coletiva [online]. Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Brasília, vol.15, suppl.1,
pp.959-966. ISSN 1413-8123, mai 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-
81232010000700002>. Acesso em: 24/08/2017;
41
SEGATO, C., Aborto – Sim ou não?: O ministro da Saúde colocou a discussão em pauta. Chegou
a hora de a sociedade brasileira enfrentar um de seus maiores tabus. [Editorial]. Época, edição nº
465, p. 04, abr. 2007;
23

4.2 – MÉTODOS UTILIZADOS PARA A PRÁTICA ABORTIVA

O debate acerca do aborto no Brasil tem sido dificultado, principalmente, pela


moralidade religiosa e patriarcal que se utiliza da culpa e do castigo para exercer o
controle social, fazendo com que as mulheres busquem métodos variados para
interromper uma gravidez indesejada na clandestinidade.
Os métodos comumente utilizados para a interrupção da gravidez são: aspiração,
curetagem, medicamentos e parto parcial.
A aspiração pode ser realizada até a 12ª semana de gestação e consiste, em geral,
em um procedimento no qual o médico introduz um tubo oco no útero da paciente que,
a partir de uma forte sucção, desprende o embrião e a placenta. Esse é o procedimento
mais comum nos países desenvolvidos, onde 95% dos abortos são realizados desta
maneira. Também é o mais comum no Brasil no caso de abortos legais42.
A curetagem, assim como a aspiração, pode ser realizada até a 12ª semana de
gestação. Neste método de interrupção o colo do útero é dilatado para, então, ser feita a
raspagem do revestimento uterino, da placenta e das membranas que envolvem o feto. O
procedimento é feito com uma cureta, daí vem o nome “curetagem”, que é um
instrumento de aço semelhante a uma colher. Após a raspagem, o feto é desmembrado e
extraído com pinças cirúrgicas43.
Já o procedimento de interrupção da gravidez com medicação pode ser feito até
a 20ª semana de gestação. A mulher, utilizando-se do medicamento Misoprosol
(princípio ativo do Cytotec), coloca um comprimido na vagina de seis em seis horas,
que provoca contrações e faz com que o útero expulse o feto. Geralmente é necessário
realizar a curetagem após este procedimento44.
E, por fim, o chamado parto parcial, permitido em alguns Estados americanos
até a 24ª semana de gestação. As pernas do feto são puxadas para fora do corpo da
mulher, até que todo o seu tronco seja retirado como se, de fato, o bebê fosse nascer,
porém a cabeça permanece dentro do útero, e a massa cerebral do feto é sugada por

42
SEGATO, C., Ibid, p. 05, abr, 2007;
43
SEGATO, C., op. cit.;
44
SEGATO, C., op. cit.;
24

meio de um tubo introduzido em sua nuca45. Este procedimento é considerado o mais


cruel.
A busca das mulheres pela interrupção da gravidez, fazendo uso de métodos
ilegais, acaba tendo como consequência para as mesmas a automutilação, lesões graves
e até óbitos. O que será especificado no tópico seguinte.

4.3 – COMPLICAÇÕES NA SAÚDE DAS MULHERES EM DECORRÊNCIA DA


PRÁTICA ABORTIVA

De acordo com o Dossiê Aborto – Mortes Preveníveis e evitáveis da Rede


Feminista de Saúde, entre os anos de 1999 e 2002, houve um registro de 6.031 mortes
maternas no Brasil, sendo que 8,5% delas, o equivalente a 538 mortes, eram
relacionadas a complicações por abortos praticados na clandestinidade46.
O aborto provocado é uma das principais causas de internação hospitalar
feminina e a terceira causa de morte materna no Brasil. Portanto, torna-se clara
afirmação de que a prática abortiva é um problema de saúde pública, tendo em vista que
o risco de morte e lesões permanentes em consequência do aborto ilegal não depende,
isoladamente, da clandestinidade, mas também do poder aquisitivo da mulher.
As complicações resultantes do aborto são das mais diversas ordens, como:
hemorragia, infecção, perfuração uterina, laceração cervical, esterilidade, depressão e, a
mais grave de todas, morte materna47.
O DATASUS/MS estima que, no Brasil, o aborto provocado constitui a quinta
causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que 9,0% delas resultam
em morte materna e 25% acabam ficando estéreis por causa tubária48. Assim, observa-se
que as condições precárias em que os abortos provocados geralmente são realizados,

45
SEGATO, C., op. cit.;
46
REDE FEMINISTA DE SAÚDE. Dossiê aborto: mortes previsíveis e evitáveis. Belo Horizonte,
Rede Feminista de Saúde, 2005;
47
BURROUGHS A., Uma introdução à enfermagem materna. Traduzido por Thorell AMV. 6ª ed.
Porto Alegre: Artes Médicas; 1995. p.339-41; 376-9;
48
BRASIL. Ministério da Saúde. DATASUS/SE/MS. Saúde da mulher [texto na Internet]. Brasília:
Ministério da Saúde; 1993; [citado 1999 Nov 13]. Disponível em: <http://www.saude.gov.br>. Acesso em
14/10/2017;
25

além de causar prejuízo à saúde das mulheres, gera para o Estado uma despesa de R$ 35
milhões49.
Desse modo, vê-se que o problema do aborto está diretamente ligado à inércia
do Estado, que se nega a exercer sua responsabilidade objetiva de proteção, colocando
mulheres – em sua grande maioria, de baixa renda – em situações de iminente risco de
vida.

4.4 – ABORTAMENTO CLANDESTINO: COMPLICAÇÕES À SAÚDE DA


GESTANTE E IMPLICAÇÕES NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Devido a preconceitos, pressões morais, religiosas e jurídicas, a discussão sobre


o aborto sempre foi, e permanece sendo, um assunto tratado privativamente. Sua prática
quase sempre decorre da clandestinidade, logo, torna-se impossível obter estatísticas
precisas acerca da quantidade de abortos clandestinos e inseguros praticados no Brasil.
Entretanto, os pesquisadores da área têm baseado suas pesquisas na quantidade
de internações feitas no SUS em decorrência de complicações pós-abortamento,
alcançando números altíssimos de práticas clandestinas, ainda que, é claro, a quantidade
real seja muito além da estimada50.
Segundo estudos do Instituto Guttmacher, organização de pesquisa de abortos
dos EUA, os procedimentos de abortos realizados em condições clandestinas causam 70
mil mortes por ano, e obrigam cinco milhões de mulheres a se submeterem a tratamento
devido a sequelas da prática abortiva. Ainda segundo esse estudo, outras três milhões
sequer chegam a ser tratadas por essas complicações. Ademais, a organização calculou
que na América Latina o tratamento de complicações após a prática de abortos
clandestinos custa U$ 130, em média51.
Segundo Greice Menezes e Estela M. L. Aquino, o aborto configura-se um
problema de saúde pública no Brasil, tendo em vista que desde 2013 os hospitais
públicos têm atendido quase cem vezes mais mulheres para a realização de curetagem

49
SEGATO, C., Ibid, p. 04, abr. 2007;
50
THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE. Aborto clandestino: una realidad latinoamericana.
New York and Washington: The Alan Guttmacher Institute, 1994;
51
THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE. 1994. Ibid, p. 32;
26

pós-abortamento incompleto do que para procedimentos dentro dos parâmetros legais,


segundo dados da OMS52.
Ao realizarem abortos por métodos clandestinos, as mulheres acabam contraindo
inúmeras doenças infecciosas e, como em sua grande maioria essas mulheres são de
baixa renda, elas recorrem ao SUS para se tratarem, o qual se utiliza de recursos
públicos para a sua manutenção.
O DATASUS registrou, entre janeiro de 2000 e outubro de 2005, um total de
1.047.013 internações oriundas de complicação pós-abortamento em todo o Brasil, o
que atingiu um gasto de R$ 128.248.266,05 aos cofres públicos. Somente até outubro de
2005 as internações chegaram a um quantitativo de 117.013, demandando um gasto de
R$ 17.323.295,5853.
Muitas dessas mulheres sofrem hemorragias graves e chegam até a perder o
útero, precisam ser internadas na UTI e acabam morrendo. Por essa razão, o aborto é
considerado a terceira causa de mortalidade materna no Brasil, perdendo apenas para
casos de eclâmpsia (hipertensão durante a gravidez) e hemorragias voluntárias. Só no
ano de 2006, o Ministério da Saúde calculou um gasto de R$ 35 milhões com a
internação dessas mulheres. Especialistas estimam que o custo aos cofres públicos para
atendimentos no caso do aborto ser legalizado seria bem menor do que o atendimento a
mulheres em risco de morte54.
Desse modo, o aborto provocado, tanto no Brasil como em todos os países
latino-americanos onde a prática ainda é criminalizada, constitui-se em um problema de
saúde pública, devido a sua alta incidência.

5 – A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NO URUGUAI E SEUS


REFLEXOS NA SAÚDE PÚBLICA

A ênfase nos métodos adotados pelo Uruguai faz-se mais oportuna em razão de
este país, até o ano de 2012, quando a prática abortiva foi descriminalizada com o
advento da Lei n. 18.987, de 30 de outubro de 2012, ser o que possuía legislação mais
semelhante à brasileira na questão do aborto, sendo bastante restritivo quanto à prática.

52
Menezes G, Aquino E. op. cit.;
53
Fonte: Sistema de Internações Hospitalares / Ministério da Saúde / DATASUS;
54
SEGATO, C., Ibid, p. 02, abr, 2007;
27

Portanto, a comparação de resultados alcançados entre Brasil e Uruguai possui melhor


qualidade.
Entretanto, antes de se adentrar ao tema, oportuno se faz elencar os países latino-
americanos que atualmente legalizam o aborto, quais sejam: Cuba, Porto Rico, Guiana e
Uruguai.

5.1 – PAÍSES DA AMÉRICA LATINA ONDE A PRÁTICA ABORTIVA FOI


DESCRIMINALIZADA

Cuba foi o pioneiro dentre os países latino-americanos a legalizar o aborto, tendo


este fato ocorrido no ano de 1965. O aborto é permitido até a décima semana de
gestação e não há necessidade de se apresentar motivos para tal escolha, podendo o
procedimento ser realizado gratuitamente por meio de solicitação da gestante no serviço
de saúde público cubano55.
Porto Rico, seguindo a normativa dos EUA, legalizou a prática poucos anos
após, em 1973, com a permissão de que o aborto fosse realizado até a décima segunda
semana de gravidez, proibindo apenas que o procedimento seja feito em hospitais
públicos, logo, apenas clínicas privadas oferecem o serviço56.
Alguns anos após, a Guiana permitiu a interrupção voluntária da gravidez
também até a 12ª semana de gestação, com o advento do The Official Gasette 14th
October, 1995: Legal Supplement – B, no ano de 1995. Decorridas as doze primeiras
semanas de gravidez, a mulher pode ter acesso ao procedimento abortivo apenas nos
casos em que a gestação representa risco para sua saúde ou vida57.
O Uruguai foi o último país a legalizar o aborto em todo o seu território, com o
advento da Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, lei n. 18.987/12, a qual permite

55
HEREDER, Liliet. Cuba: cuando el aborto es una alternativa al método anticonceptivo. BBC
Mundo, Cuba. Disponível em:
<http://www.bbc.com/mundo/noticias/2011/03/110119_cuba_aborto_salud_lh.shtml>. Acesso em:
04/11/2017;
56
THE LEGAL RIGHT TO ABORTION IN PUERTO RICO. El Derecho Legal al Aborto en Puerto
Rico. Disponível em:
<https://www.reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/documents/pub_fac_abortion_pr_sp_2
.pdf >. Acesso em: 04/11/2017;
57
THE OFFICIAL GASETTE 14TH OCTOBER, 1995: LEGAL SUP´PLEMENT – B. The Mecial
Termination of Pregnancy Act, 1995 (Act No. 7 of 1995). Disponível em: <http://srhr.org/abortion-
policies/documents/countries/02-Guyana-Rules-on-abortion-Act-Gazette-1995.pdf>. Acesso em:
04/11/2017;
28

que as mulheres que desejam realizar a prática, até no máximo 12 semanas de gestação,
se encaminhem para uma consulta médica em umas das instituições do Sistema
Nacional Integrado de Saúde a fim de informar tal decisão a um profissional da área58.
Entretanto, estes quatro países são a exceção. Estima-se que são realizados cerca
de quatro milhões de abortos anualmente no território da América Latina, sendo que a
maior parte deles é realizada de forma clandestina e insegura, o que consiste em altos
números de morbidade e mortalidade materna, já que na maioria dos países a prática
abortiva ainda é considerada crime em quase todas as circunstâncias59.
De outro lado, observa-se que em países onde a prática é legalizada o índice de
doenças contraídas é praticamente inexistente, o que, consequentemente, diminui a
entrada desse tipo de paciente em hospitais públicos. Como, por exemplo, no Uruguai,
que, segundo dados divulgados pela Saúde Pública, são realizados em média quatro mil
abortos por ano. Diminuindo de forma considerável os dados coletados antes da
aprovação da lei, que seria de uma média de trinta e três mil abortos ao ano60.

5.1.1 – Proposta da Lei n. 18.987, de 30 de outubro 2012

O governo uruguaio, após observar o considerável número de abortos


clandestinos provocados, ainda que proibidos por lei, e as consequências para as
mulheres que se arriscavam em realizá-los, decidiu descriminalizar a prática adotando
um novo modelo: o assessoramento à mulher que pretende realizar o aborto61.
Tal modelo consiste em oferecer assistência médica e psicológica às mulheres
que optam pelo aborto. O procedimento passou a ser descriminalizado para as mulheres
nascidas no Uruguai ou residentes no país há um ano, pelo menos, desde que realizem o
aborto até a décima segunda semana de gestação, segundo consta na Lei n. 18.987/2012.

58
URUGUAI. Lei nº 18.987, de 30 de outubro de 2012. Ley sobre Interrupcion Voluntaria del
Emabarazo. Ley del Aborto. Disponível em: <https://www.impo.com.uy/bases/leyes/18987-2012>.
Acesso em: 04/11/2017;
59
THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE. Aborto clandestino: una realidad latinoamericana.
New York and Washington: The Alan Guttmacher Institute, 1994, p. 24;
60
URUGUAI. Ministerio de La Salud Publica. Interrupción voluntaria de embarazo. 2015. Disponível
em: <http://www.msp.gub.uy/noticia/interrupci%C3%B3n-voluntaria-de-embarazo>. Acesso em:
02/11/2017;
61
URUGUAI. Ministerio de la Salud Publica. Premio de la OPS-OMS por “Iniciativas Sanitarias”.
2012. Disponível em: <http://www.msp.gub.uy/publicaci%C3%B3n/premio-de-la-ops-oms-por-
iniciativas-sanitarias>. Acesso em: 04/11/2017;
29

O artigo 3º da Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (lei 18.987/12) prevê


que a mulher que cumpra os requisitos acima descritos deverá se encaminhar para uma
consulta médica em uma das instituições do Sistema Nacional de Saúde para que, assim,
informe seu desejo ante um médico62.
No mesmo dia, ou no dia seguinte, o médico encaminhará a gestante para uma
nova consulta com uma equipe profissional, que consistirá em um médico ginecologista,
um profissional da área da saúde psíquica e um profissional da área social, no mínimo63.
Essa equipe multidisciplinar informará à paciente sobre as características e os
riscos do procedimento abortivo, bem como apontará as alternativas do procedimento,
como a existência de programas de apoio social e econômico, e a possibilidade de
colocar a criança para a adoção64.
Após essa consulta, é concedido à gestante um “período de reflexão” de, no
mínimo, cinco dias. Transcorrido esse prazo, caso a vontade de interromper com a
gravidez persista, o médico ginecologista prosseguirá de imediato com o aborto, da
forma menos danosa e com menos risco para a paciente65.

62
Lei nº 18.987:
(...)
Artículo 3º. (Requisitos). - Dentro del plazo estabelecido em el artículo anterior de la presente ley, la
mujer deberá acudir a consulta médica ante una institución del Sistema Nacional Integrado de Salud, a
efectos de poner em conocimiento del médico las circunstancias derivadas de las condiciones en que ha
sobrevenido la concepción, situaciones de penuria económica, sociales o familiares o etarias que a
sucriterio le impiden continuar com el embarazo en curso.
El médico dispondrá para el mismo día o para el imediato siguiente, la consulta con un equipo
interdisciplinario (...), de los cuales uno deberá ser médico ginecólogo, otro deberá tenere specialización
em el área de la salud psíquica y el restante en el área social.
El equipo interdisciplinario, actuando conjuntamente, deberá informar a la mujer de lo establecido en esta
ley, de las características de la interrupción del embarazo y de los riesgos inherentes a esta práctica. Asi
mismo, informará sobre las alternativas al aborto provocado incluyendo los programas disponibles de
apoyo social y económico, así como respecto a la posibilidad de dar su hijo en adopción.
En particular, el equipo interdisciplinario deberá constituirse en un ámbito de apoyo psicológico y social a
la mujer, para contribuir a superar las causas que puedan inducirla a la interrupción del embarazo y
garantizar que disponga de la información para la toma de una decisión consciente y responsable.
A partir de la reunión con el equipo interdisciplinario, lamujerdispondrá de un período de reflexión
mínimo de cinco días, transcurrido el cual, si la mujer ratificara su voluntad de interrumpir su embarazo
ante el médico ginecólogo tratante, se coordinará de inmediato el procedimiento, que en atención a la
evidencia científica disponible, se oriente a la disminución de riesgos y daños. La ratificación de la
solicitante será expresada por consentimiento informado(...), e incorporada a su historia clínica.
Cualquiera fuera la decisión que la mujer adopte, el equipo interdisciplinario y el médico ginecólogo
dejarán constancia de todo lo actuado en la historia clínica de la paciente.
63
Artigo 3º, Lei n. 18.987/2012;
64
Artigo 3º, Lei n. 18.987/2012;
65
Artigo 3º, Lei n. 18.987/2012;
30

Desse modo, o Uruguai logrou não apenas o respeito ao direito de autonomia de


vontade das mulheres, como também a proteção à vida e à saúde, tanto da mulher como
do nascituro, tendo em vista que o número de abortos após o advento da referida lei
diminuiu drasticamente, como será mostrado a seguir.

5.2 – ABORTOS PROVOCADOS E MORTALIDADE MATERNA ANTES E APÓS


O ADVENTO DA LEI N. 18.987/2012

Os números alcançados pelo Uruguai após a descriminalização do aborto


demonstram o sucesso obtido com o modelo de assessoramento à gestante. Os dados
apresentados em 2012 apontam que, após a primeira consulta com a equipe
multidisciplinar, 22% das mulheres atendidas optaram por continuar com a gravidez66.
Ademais, no ano de 2003, quando foi realizada a última pesquisa acerca do
número de abortos provocados no Uruguai antes da descriminalização, por Rafael
Sanseviero67, constatou-se que foram realizados mais de 33 mil abortos68. Já a taxa de
mortalidade à época equivalia a 48%, ou seja, um em cada dois casos de óbitos
maternos registrados no Uruguai, decorria do aborto inseguro69.
Entretanto, após a descriminalização, o Uruguai conseguiu zerar o número de
óbitos maternos por aborto logo no primeiro ano de implemento da Lei de Interrupção
Voluntária da Gravidez, conforme dados do Ministério da Saúde Pública70.
Constatou-se, ainda, que a mortalidade infantil diminuiu de 12,2, no ano de
2004, para 8,8 em 2013, para cada mil nascidos vivos71.

66
URUGUAI. Ministerio de la Salud Publica. Premio de la OPS-OMS por “Iniciativas Sanitarias”.
2012. Disponível em: <http://www.msp.gub.uy/publicaci%C3%B3n/premio-de-la-ops-oms-por-
iniciativas-sanitarias>. Acesso em: 04/11/2017;
67
SANSEVIERO, R., S. Rostagnol, M. Guchín y A. Migliónico (2003). Condena, tolerancia y
negación: El aborto en Uruguay. Montevideo: Centro Internacional de Investigación e Información para
la Paz;
68
GÓMEZ, Alejandra López et al. La realidad social y sanitária del aborto voluntario em La
clandestinidad y la respuesta institucional del sector salud em Uruguay. In: JOHNSON, Niki et al.
(Des)penalización del aborto em Uruguay - prácticas, actores y discursos: Abordaje
interdisciplinario sobre una realidade compleja. Montevidéu: Universidad de La Republica, 2011. p.
92-93. Disponível em: <http://www.universidad.edu.uy/pmb/opac_css/doc_numphp?explnum_id=701>.
Acesso em: 20/10/2017;
69
URUGUAI. Ministerio de la Salud Publica. Premio de la OPS-OMS por “Iniciativas Sanitarias”.
2012. Disponível em: <http://www.msp.gub.uy/publicaci%C3%B3n/premio-de-la-ops-oms-por-
iniciativas-sanitarias>. Acesso em: 04/11/2017;
70
URUGUAI. Ministerio de la Salud Publica. Políticas de defensa y promoción de los derechos
sexuales y reproductivos de toda la población 2010-2015. 2015, p. 4 e 12. Disponível em:
<http://www.msp.gub.uy/sites/default/files/archivos_adjuntos/Politicas%20SSyR%20librillo%20complet
o%20PDF.pdf>. Acesso em: 08/10/2017;
31

Assim, com a taxa de mortalidade materna zerada e a política de total auxílio do


Estado às gestantes que demonstram interesse em realizar o aborto, é de fácil conclusão
que os gastos dos cofres públicos no tratamento das mulheres que buscavam auxílio da
rede de saúde pública para o tratamento, por eventuais complicações pós-abortamento
ilegal, diminuíram consideravelmente.

6 – UMA ANÁLISE COMPARATIVA

A partir da pesquisa realizada pelo Instituto Guttmacher (The Alan Guttmacher


Institute), em que foram apresentados dados acerca de gastos dos cofres públicos para o
tratamento pós-abortamento clandestino na América Latina (U$ 130, em média, por
paciente)72, e com os dados trazidos pelo Ministério da Saúde Pública do Uruguai,
mostrando a grande diminuição da taxa de abortos e a inexistência de óbitos maternos já
no primeiro ano de implemento da Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, é clara a
conclusão que o gasto dos cofres públicos nesse tipo de tratamento diminuiu
consideravelmente.
O quadro comparativo abaixo ilustrado trará dados reais de internações de
mulheres em decorrência de abortos feitos na clandestinidade e o gasto do Estado no seu
tratamento, comparando com o número de abortos e internações realizados no Uruguai
antes e após o advento da Lei n. 18.987/12, a fim de demonstrar que a legalização do
aborto e o oferecimento de uma política de assessoramento às gestantes, como fez o
Uruguai, são mais econômicos para a saúde pública do que o tratamento de
complicações decorrentes de abortos realizados na clandestinidade.

Internações Decorrentes da Prática Abortiva e o Impacto Causado na


Saúde Pública:

71
URUGUAI. Ibid, p. 4;
72
THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE. Aborto clandestino: una realidad latinoamericana.
New York and Washington: The Alan Guttmacher Institute, 1994; p. 32;
32

Brasil (2005) Uruguai (2003)

Internações 117.013 33.00073


Gastos do Estado R$17.323.295,58 *
Mortes maternas 538 15.840
Brasil (2015) Uruguai (2013-2014)

Internações 181.000 Zero


Gastos do Estado R$35.000.000 *
Mortes maternas 59 Zero

*Em que pese não haver registros oficiais dos gastos do Estado no tratamento de
mulheres que praticavam e praticam o aborto antes e após a legalização, já que o
objetivo do Uruguai com o modelo de assessoramento (lei n. 18.987/12) era a proteção
à vida, ou seja, a redução de mortalidade materna e realização de abortos, é óbvio notar
que a inexistência de internações por abortos provocados – como felizmente o Uruguai
logrou com o advento da Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez – diminui
consideravelmente os gastos do Estado e faz com que o aborto deixe de ser um
problema de saúde pública.

73
Dados de internações embasados na quantidade de abortos clandestinos provocados;
33

7 – CONCLUSÃO

O Direito Penal é uma instância de tutela dos bens jurídicos e, como tal, deve
abranger os bens de maior importância para que a proteção a eles seja efetiva. Porém no
momento em que determinada norma deixa de alcançar o resultado desejado na prática
– como é o caso do Brasil na questão da criminalização do aborto –, depara-se com uma
situação equivalente à omissão estatal, uma vez que não há proteção ao bem jurídico em
foco, qual seja, a vida.
Basta observar os dados de números de abortos praticados de forma ilegal e o
número de óbitos de mulheres em decorrência de procedimentos abortivos, para se
visualizar que o aborto no Brasil é um problema grave de saúde pública.
O que se tem na prática é a vida de gestantes sendo colocada em risco por
adquirirem graves doenças infecciosas, e até irem a óbito, ao buscarem pelo aborto na
clandestinidade.
Ademais, importa ressaltar que o risco oriundo dessa ilegalidade, em sua grande
maioria, é vivido por mulheres pobres e sem condições de buscar recursos médicos
seguros para o abortamento, uma vez que aquelas mulheres que têm condições
financeiras realizam o procedimento em clínicas privadas.
O problema da criminalização do aborto no Brasil torna-se ainda mais visível
quando colocado em comparação ao modelo de assessoramento adotado pelo Uruguai.
A consulta de assessoramento, além de oferecer um auxílio integral às mulheres
que desejam abortar, serve de “filtro” para aquelas mulheres que optam pela interrupção
da gravidez unicamente por medo do que poderão enfrentar se forem adiante com uma
gravidez não planejada, dando apoio para que tal decisão seja feita de forma consciente.
Os números alcançados pelo Uruguai após o primeiro ano de implemento da Lei
n. 18.987/12, deixam claro que há soluções melhores para a resolução da referida
problemática, que não a criminalização o aborto.
Com o modelo de assessoramento uruguaio, foi possível observar uma eficiência
consideravelmente maior na tutela do direito à vida e à saúde das gestantes do que com
o modelo de criminalização anteriormente adotado pelo país.
Dessa forma, nota-se que o Brasil demandaria de verbas muito menos onerosas
ao legalizar a prática abortiva e, consequentemente, financiar as despesas de uma equipe
34

de profissionais aptos a assessorarem as mulheres que desejam realizar abortos do que


hoje necessita para custear, pelo SUS, o tratamento pós-abortamento.
35

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