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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL – UNIJUÍ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
MESTRADO E DOUTORADO EM DIREITOS HUMANOS

PAULA BAPTISTA OBERTO

A (IN)EFICÁCIA DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES NO BRASIL FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS

Ijuí (RS)
2021
PAULA BAPTISTA OBERTO

A (IN)EFICÁCIA DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES NO BRASIL FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito – Curso de Mestrado, com Área
de Concentração em Direitos Humanos,
Linha de Pesquisa I (Fundamentos e
Concretização dos Direitos Humanos) –
da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí),
como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Professora Dra. Joice Graciele Nielsson

Ijuí (RS)
2021
Catalogação na Publicação

O12i
Oberto, Paula Baptista.
A (In)eficácia do enfrentamento à violência sexual de crianças e
adolescentes no Brasil frente ao direito internacional dos direitos
humanos / Paula Baptista Oberto. – Ijuí, 2021.
106 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do


Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientadora: Jóice Graciele Nielsson”.

1. Violência sexual. 2. Criança. 3. Adolescente. 4. Proteção


integral. 5. Eficácia. I. Nielsson, Jóice Graciele. II. Título.

CDU: 342.7(81)

Eunice Passos Flores Schwaste


CRB10/2276
UNIJUI -Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – PPGD
Curso de Mestrado de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

A (IN)EFICÁCIA DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES NO BRASIL FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS

elaborada por

PAULA BAPTISTA OBERTO

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Profª. Drª. Joice Graciele Nielsson (UNIJUÍ): ________________________________

Prof. Dr. Tiago Anderson Brutti (UNICRUZ): _________________________________

Profª. Drª. Janaína Machado Sturza (UNIJUÍ): _______________________________

Ijuí (RS), 03 de agosto de 2021


AGRADECIMENTOS,

Não posso deixar de mencionar que o caminho percorrido por estes dois anos
no curso de Mestrado foi árduo e cheio de percalços, percalços estes em que, por
vezes, tive que passar por eventos alheios à minha vontade. Porém, hoje, aqui e agora
posso dizer que tudo foi muito gratificante, saboroso e que me sinto aliviada, de certa
forma, pois as tentativas de desistência por não conseguir atingir e executar da forma
que sempre fiz com minhas coisas foram tantas (na verdade, inúmeras). Nunca gostei
de fazer algo com a qual eu não tivesse uma grande entrega, contudo, dentro das
minhas possibilidades psicológicas e físicas no momento em questão.
Sempre queremos fazer mais, sempre queremos fazer o melhor, mas há
momentos em nossa vida que infelizmente precisamos ir como a onda anda. Tenho a
consciência de que não fiz por mal aquilo que não saiu por vezes bom; realmente era
o que eu podia entregar naquela hora.
O Mestrado me mostrou um outro lado no qual, por vezes, para mim passava
despercebido. Vivencie algo diferente e inovador para minha vida como pessoa e
como profissional; o lado acadêmico a nível filosófico nos traz muitos questionamentos
e nos desafia, levando a perceber e sempre ver o outro lado das coisas.
Primordialmente, agradeço a Deus, por ter me dado muita força, por me
iluminar e traçar os caminhos a serem seguidos, guiando-me sempre e me
demonstrando por intermédio de pessoas que nada nesta vida é impossível.
Aos meus pais, Paulo Sérgio e Ruth Sibele, por poderem estar aqui, hoje,
participando comigo deste alcance tão importante, uma vez que, pelos desígnios
ocorridos em nossas vidas, nesses dois anos tive medo de não os ter mais aqui na
terra. Por isso, a vida hoje me faz enxergar que só a presença deles neste momento
me basta. Agradeço também por terem me possibilitado esta titulação, este sonho.
Não somente com o investimento monetário, que é uma parte importante do processo,
mas com carinho, auxílio e dedicação. Com eles tudo posso, tudo consigo, tudo
alcanço. Por eles, a minha vida torna-se encantadora e fácil de viver.
A segunda pessoa a quem preciso e muito prestar minhas sinceras
homenagens, em virtude da imensa admiração que sinto, é a minha orientadora Joice
Nielsson. Além da grande ajuda que me forneceu e da participação ímpar nesta
dissertação, posso dizer que me salvou em momentos de angústia e dúvida, nos quais
me questionava quanto ao trabalho a ser desenvolvido e minha habilidade para fazê-
lo. Esteve ao meu lado “me empurrando” e me fazendo acreditar em mim mesma.
Esteve ali, quando mais precisei, pessoa totalmente humana e de muita empatia.
Finalmente, expresso que almejo ser metade da mulher que é, por ser tão significativa
e relevante no que proporciona com sua presença. O Mestrado foi, com toda a certeza,
um divisor de águas para mim.
Aos meus grandes amigos, pelo auxílio e disponibilidade imprescindíveis ao
bom andamento do estudo.
À minha turma toda de 2019, pelo companheirismo, apoio e por todos os
momentos felizes que passamos juntos, os quais me trouxeram muitas alegrias.
Aos professores que passaram ao longo desses dois anos e que não mediram
esforços, compreendendo, flexibilizando e auxiliando no momento de infortúnio que
passei com meus pais. Todos, mas todos, foram imprescindíveis para mim.
E a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram positivamente
para que esta árdua conclusão se tornasse realidade. Muito obrigada!
Foi tirada de mim.
Alguma coisa me foi tirada – Alexa.
Sohaila Abdulali (2019, p. 177).
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar inicialmente a constituição


histórica do patriarcado e a objetificação da criança e do adolescente, bem como
contextualizar o fenômeno da violência sexual na atualidade, apresentando este como
uma violação aos direitos humanos e um problema social preocupante no cenário a
nível mundial e também brasileiro. Em sua realização, inicialmente menciona-se,
juntamente com o amparo da Carta Magna de 1988, as legislações esparsas e toda a
evolução legislativa no Brasil posteriores à proteção integral desses sujeitos, em que
se ofertou uma série de direitos que impuseram obrigações a toda a sociedade e ao
poder público. Essas obrigações são referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Ademais, pesquisadores
de diferentes áreas vêm envidando esforços para tornar este fenômeno perceptível
teoricamente, decorrendo daí a emergência de estudos que apontam para a
necessidade de políticas públicas voltadas ao enfrentamento deste fenômeno. Em um
segundo momento, a pesquisa aborda a evolução no âmbito internacional dos direitos
humanos, mencionando-se os Órgãos do Sistema Interamericano, os Tratados,
Convenções e Declarações Internacionais, bem como exemplos de casos discutidos
na Corte quanto a abusos envolvendo menores. Por fim, analisa as políticas públicas
de enfrentamento a este crime no Brasil e conclui que, apesar dos avanços na doutrina
de proteção à criança e ao adolescente e esforços do governo em enfrentar este tipo
de violação, a situação se apresenta, ainda, como um grave problema social,
principalmente no Brasil. Mostra-se preeminente necessário que as medidas adotadas
passem por uma revisão, de modo a promover maior eficácia na proteção integral da
criança e do adolescente. Em termos metodológicos, a pesquisa é exploratória, com
técnica de pesquisa bibliográfica e documental, realizada a partir do método
hipotético-dedutivo.

Palavras-chave: violência sexual; criança; adolescente; proteção integral; eficácia.


ABSTRACT

The present work aims to initially demonstrate the historical constitution of patriarchy
and the objectification of children and adolescents, as well as contextualize the
phenomenon of sexual violence today, presenting it as a violation of human rights and
a worrying social problem in the scenario at the world and also Brazilian. In its
realization, it is initially mentioned, together with the support of the Magna Carta of
1988, the sparse legislations and all the legislative evolution in Brazil subsequent to
the full protection of these subjects, in which a series of rights were offered that
imposed obligations on the entire society and public authorities. These obligations refer
to life, health, food, education, sport, leisure, professional training, culture, dignity,
respect, freedom and family and community life. Furthermore, researchers from
different areas have been making efforts to make this phenomenon theoretically
perceptible, resulting in the emergence of studies that point to the need for public
policies aimed at confronting this phenomenon. In a second moment, the research
addresses the evolution in the international sphere of human rights, mentioning the
Organs of the Inter-American System, International Treaties, Conventions and
Declarations, as well as examples of cases discussed in the Court regarding abuses
involving minors. Finally, it analyzes public policies to combat this crime in Brazil and
concludes that, despite advances in the doctrine of child and adolescent protection and
the government's efforts to face this type of violation, the situation still presents itself
as a serious social problem, especially in Brazil. It is preeminently necessary that the
adopted measures undergo a review, in order to promote greater effectiveness in the
integral protection of children and adolescents. In methodological terms, the research
is exploratory, with bibliographic and documentary research technique, carried out
using the hypothetical-deductive method.

Keywords: sexual violence; kid; adolescent; full protection; efficiency.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:
PATRIARCADO E OBJETIFICAÇÃO .............................................................. 13
2.1 O patriarcado e a objetificação de crianças e adolescentes ao longo da
história ............................................................................................................. 13
2.2 Violência sexual na atualidade ...................................................................... 22
2.3 Sujeitos de Proteção Integral ........................................................................ 27
3 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ............................... 34
3.1 As Convenções, Declarações e Tratados Internacionais no âmbito de
proteção aos menores .................................................................................... 34
3.2 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a proteção à infância no
continente americano ..................................................................................... 41
3.3 O abuso de menores perante o Sistema Interamericano de Direitos
Humanos ......................................................................................................... 51
4 O BRASIL E AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES APÓS A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 .......................................................................................... 59
4.1 Evolução legislativa no Brasil ....................................................................... 60
4.2 Políticas públicas implementadas de enfrentamento à exploração sexual de
crianças e adolescentes no Brasil ................................................................ 77
4.3 A (in)eficácia das normas e políticas brasileiras quanto à erradicação desta
violência .......................................................................................................... 83
5 CONCLUSÃO ................................................................................................... 87
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 91
9

1 INTRODUÇÃO

Crianças e adolescentes sempre fizeram parte do contexto da sociedade no


Brasil e no mundo. O que as difere são as classificações e definições determinadas
por razões históricas, culturais, políticas e sociais, dada a conjuntura de determinados
momentos históricos.
Assim, o historiador francês Philippe Ariès (1978) traz como exemplo através
de seus estudos que, por volta do século XII especificadamente na Europa, mulheres
e crianças eram consideradas seres inferiores, sem necessidade de uma atenção
diferenciada; uma infância abreviada, a criança como objeto de controle dos adultos,
tão logo apresentasse independência física.
Este trabalho tem como tema a análise do fenômeno da violência sexual contra
crianças e adolescentes no Brasil e seu enfrentamento a partir do complexo jurídico
do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A partir deste referencial, são
analisadas as legislações pátrias e as políticas públicas implementadas no Brasil após
a Constituição Federal de 1988, confrontando-as com os dados da vitimização, a fim
de evidenciar se tais políticas são (in)efetivas para a erradicação desta prática.
Considerando que, atualmente, existe uma série de violações aos direitos
humanos de sujeitos historicamente vulneráveis, dentre os quais destacam-se
crianças e adolescentes, o presente trabalho questiona: de que modo a violência
sexual de crianças e adolescentes é enfrentada no plano do Direito Internacional dos
Direitos Humanos? Quais são as legislações e políticas públicas brasileiras de
enfrentamento a esta prática? As políticas brasileiras são efetivas para a erradicação
desta prática?
A questão central que nos remete é a condição estrutural da criança, um ser
indefeso e em desenvolvimento, submetida a condições degradantes no processo
evolutivo da sociedade. É preciso relacionar este fato a relações e posições desiguais
na complexa “inserção econômica, social e cultural” (FALEIROS; FALEIROS, 2001, p.
15), ao se referir à cultura do autoritarismo e à impunidade historicamente construídas.
A violência sexual está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e na
Constituição Federal, ofertando uma série de direitos que impõe obrigações a toda a
sociedade e ao poder público referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
10

Em contrapartida, quando se fala em tal fenômeno, há a identificação da


vítima e do agressor, assimilação, denúncia e possibilidade de punir, bem como suas
dificuldades e lacunas legislativas.
O avanço da proteção da criança pelo Direito Internacional dos Direitos
Humanos tem repercutido em legislações e políticas públicas nacionais, que têm
promovido uma maior forma de enfrentamento do tema. No entanto, tais políticas
ainda se mostram inefetivas, pois, muitas vezes, a permanência de estruturas
patriarcais e machistas impede uma maior efetividade de tais políticas, do que se
depreende que uma mudança cultural deve ser produzida, especialmente avançando
na forma de conscientização da sociedade (por meio de campanhas e trabalhos de
acesso através dos órgãos públicos correspondentes).
Neste contexto, importa analisar as políticas públicas de enfrentamento à
exploração sexual de crianças e adolescentes desenvolvidas no Brasil, após a
Constituição Federal de 1988, frente às normativas do Direito Internacional dos
Direitos Humanos e sua (in)efetividade. Isso, a fim de compreender o quadro atual de
violência sexual de crianças e adolescentes no país brasileiro, sua vinculação com a
evolução de uma cultura patriarcal e o avanço das legislações protetivas a crianças e
adolescentes no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, analisando as políticas públicas de
enfrentamento ao tema colocadas em prática no Brasil.
A pesquisa é do tipo exploratória e utiliza, no seu delineamento, dados
coletados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de
computadores. Para a realização do trabalho, incorporou-se como método de
pesquisa o método histórico, que objetiva “[...] investigar acontecimentos, processos
de instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje”, uma
vez que “as instituições alcançaram sua forma atual por meio de alterações de suas
partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular
de cada época” (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 91). Para a realização da pesquisa,
o método de abordagem é o hipotético-dedutivo.
Diante da percepção de que há muitas crianças e adolescentes sem o
conhecimento de tais situações e desprotegidos, surge o interesse na realização desta
pesquisa. Assim, pretende-se, através da voz científica da comunidade acadêmica,
contribuir para a afirmação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, haja
vista que esses “pequenos” seres por muitas vezes estão sendo vítimas de violências
11

que são veladas, desconhecidas ou que, ao serem percebidas, causam


constrangimentos a todos ao seu redor.
Segundo levantamentos recentes divulgados no site G1 (COELHO, 2018), a
maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes entre 2011 e
2017 ocorreram em casa, aumentando as notificações em 83% no Brasil, conforme
boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em 2018 (BRASIL, 2018d).
No período, foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037
(31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.
Das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, a maioria
ocorreu dentro de casa, cujos agressores são majoritariamente pessoas do convívio
das vítimas, geralmente familiares. O estudo também mostra que a maioria das
violências são praticadas mais de uma vez.

Para Itamar Gonçalves da ONG Childhood Brasil, que trabalha para promover
o empenho de governos e sociedade civil em combater a violência sexual
contra crianças e adolescentes, faltam no Brasil ações de prevenção que
trabalhem com temas como o conhecimento do corpo, questões culturais de
gênero e em especial as que dizem respeito aos padrões adotados de
feminilidade e masculinidade. (COELHO, 2018, s.p.).

Sua taxa de prevalência real é desconhecida, pois muitas crianças ocultam o


fato de terem sido abusadas e só podem falar sobre o assunto na vida adulta.
Portanto, os dados estatísticos não são absolutos. O abuso sexual é um fenômeno
oculto secretamente, "um muro de silêncio", no qual participam membros da família,
vizinhos e, às vezes, profissionais de saúde que tratam as vítimas. Além disso, países
com recursos socioeconômicos limitados podem não ser capazes de lidar com todos
os relatórios de suspeita de abuso sexual ou coletar dados relacionados a ele.
Tal assunto deve ser abordado e traz grande relevância em sua análise dentro
da Linha de Pesquisa Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos, no
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado e Doutorado em
Direitos Humanos – da Unijuí, uma vez que vem tomando uma proporção muito
grande em lares, escolas, comunidades e poder público, trazendo cada vez mais
preocupação aos casos que, por muitas vezes, acabam não sendo seguidos e
vislumbrados como deficientes na sociedade brasileira. Do mesmo modo, a pesquisa
encontra-se inserida no projeto de pesquisa da orientadora, Dra. Joice Graciele
12

Nielsson, cujo eixo de investigação versa sobre desigualdade de gênero, violências e


sua vinculação com os direitos humanos.
Após o nascimento de um filho, os pais passam a ter um novo olhar para a
infância e para a vida. Coisas banais, que antes passavam despercebidas, passam a
ter outros valores e dimensões, e sua maior preocupação passa a ser a felicidade e a
segurança do pequeno. É quando surge o constante temor em relação a acidentes,
bullying, abusos sexuais, perigos virtuais e diversas outras ameaças que possam
colocar em risco a vida e a saúde – física ou mental – da criança. Contudo, muito mais
do que uma preocupação, é um dever de todos, enquanto adultos e sociedade,
proteger e cuidar da infância. E quando falamos de infância, não falamos apenas de
filhos, sobrinhos e primos, mas de todas as crianças e adolescentes da sociedade.
Isso está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um conjunto de dispositivos
aprovado e promulgado em 1990, que traz regras, direitos e deveres a respeito da
infância e adolescência no país.
Deve-se resguardar adolescentes e crianças, uma vez que nessa faixa de
idade ambos estão em evolução de caráter, colocando as demais pessoas como
responsáveis para sua formação segura, porque são o futuro da nação.
13

2 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:


PATRIARCADO E OBJETIFICAÇÃO

Ao longo dos anos, denota-se um grande aumento quanto à violência sexual


contra vulneráveis, em específico a crianças e adolescentes. Desta forma, advém,
cada vez mais, motivação a estudar, entender e investigar os fundamentos que
levaram a esse fenômeno. O foco do estudo que se apresenta aqui é analisar o
patriarcado e a objetificação, quando voltados para o fenômeno da violência sexual
ocorrida contra crianças e adolescentes, com base em dados e conceitos atuais, à luz
daqueles como sujeitos de proteção integral. Neste sentido, o presente capítulo tem o
objetivo de demonstrar conceitos, legislações e responsáveis pela questão que norteia
seres em desenvolvimento físico, psicológico e social.

2.1 O patriarcado e a objetificação de crianças e adolescentes ao longo da


história

Crianças e adolescentes sempre fizeram parte do contexto da sociedade no


Brasil e no mundo. O que as(os) difere são as classificações e definições
determinadas por razões históricas, culturais, políticas e sociais (STEARNS, 2006),
dada à conjuntura de determinados momentos históricos. A compreensão destes
sujeitos como sujeitos de direitos nem sempre foi como se conhece hoje e variou
conforme a construção do conceito de infância. Conforme é mencionado por Nielsson
e Paplowski (2018, p. 3), “possuímos a constante tendência de naturalizar
comportamentos e condutas que foram socialmente construídas. Com relação à fase
da vida denominada de infância, não é diferente (assim como quanto à adolescência)”.
Segundo as autoras,

Em verdade, as diversas gerações da vida humana são produtos de


construções sociais. Do mesmo modo, a infância, como a conhecemos hoje,
passou por profundas modificações até seu atual estado de desenvolvimento.
A concepção de que essa fase da vida requer especial atenção, proteção e
afeto foi se aprimorando no decorrer dos séculos, entretanto é
consideravelmente recente (após o século XVIII até os dias atuais).
(NIELSSON; PAPLOWSKI, 2018, p. 3).

No mesmo sentido, o historiador francês Philippe Ariès (1978) em seus


estudos aponta que, por volta do século XII, mulheres e crianças eram consideradas
14

seres inferiores, sem necessidade de uma atenção diferenciada. Uma infância


abreviada, tendo a criança como objeto de controle dos adultos.
Considera-se a infância como um período de desenvolvimento que inicia no
nascimento, ou seja, do zero aos doze anos de idade incompletos. É a fase da vivência
e percepção do mundo, a partir do olhar, tocar, saborear, sentir e agir; tudo isso faz
parte do universo infantil. Sobre a infância,

Na idade Média, no início dos tempos modernos e por muito tempo ainda nas
classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que
eram capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas poucos anos –
depois de um desmame tardio – ou seja, aproximadamente aos 7 anos de
idade. A partir desse momento ingressavam imediatamente na grande
comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos
dos trabalhos e dos jogos de todos os dias. O movimento da vida coletiva
arrastava em uma mesma torrente as idades e as condições sociais, sem
deixar a ninguém o tempo da solidão e da intimidade (ARIÈS, 1978, p. 50).

Desse modo, percebe-se que não havia distinção entre o mundo adulto e o
infantil; as crianças viviam em meio ao universo adultocêntrico, falavam e se vestiam
como os adultos. Além disso, não havia restrição ao diálogo próximo das crianças,
inclusive participavam de jogos sexuais; eram preparadas e transformadas em
adultos, sem passar pelas etapas da juventude. Segundo Ariès (1978, p. 26), “[...] as
pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho. Se ela morresse,
como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar isolados, mas a regra geral era não
fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria.”
Na construção dos significados, importante apresentar que a palavra infância
vem do latim infantia. Para Frota (2007), o termo se atribui a pessoa que não é capaz
de falar, ou seja, uma incapacidade da primeira infância, até os sete anos de idade,
que representaria a idade da razão. Para além da idade cronológica, ao observar o
contexto social, a infância

tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse


significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus
sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado um sistema de
status e de papel (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p. 16).

Ademais, em se tratando de aspectos históricos, comumente se pode


considerar a existência de três fases distintas quanto à consideração e à proteção
jurídica da infância (NIELSSON; PAPLOWSKI, 2018). A primeira fase, que pode ser
15

identificada como infância negada, perdurou até meados do século XV fazendo-se


crer que a denominação de criança e de adolescente era a de pequenos adultos, e de
que, portanto, não mereciam nenhuma espécie de tratamento diferenciado.
Posteriormente, com o advento da Idade Moderna, tem-se o surgimento da
fase chamada infância industrializada (ou “criança filho-aluno”), em seu marco
temporal entre os séculos XVI e XVIII quando, com o advento da Revolução Industrial,
as crianças passaram a ser vistas como potenciais trabalhadores e fonte de renda,
inclusive pelos próprios pais. Vale destacar, como argumentam Nielsson e Paplowski
(2018, p. 30):

que o reconhecimento das fases da vida consistentes na infância e na


adolescência não se deram sob o ponto de vista do infante, mas dos adultos,
já que os pequenos seriam preparados para desenvolver as mesmas
atividades que os progenitores (e em prol desses).

Segundo Nielsson e Paplowski (2018, p. 30) prosseguem, isso significa que


“até a fase da infância industrializada não houve modificação na visão do filho como
propriedade dos pais e da sociedade (agora representada pelos educadores)”.
Giza-se que, ultrapassada a segunda fase, surge, então, a chamada infância
de direitos, em meados do século XIX, perdurando até o momento. Grandes
evoluções nas ciências modificaram diversas coisas quanto à estrutura e aplicações
aos infantoadolescentes, sendo de extrema importância destacar que, a partir da
utilização e concepção do termo “infância”, diversos direitos surgem, havendo
reconhecimento e proteção deste público (NIELSSON; PAPLOWSKI, 2018).
Pela nova ordem estabelecida, criança e adolescente são sujeitos de direitos,
e não simplesmente objetos de intervenção do mundo adulto, portadores não só de
uma proteção jurídica comum que é reconhecida para todas as pessoas, mas detêm,
ainda, uma “supraproteção ou proteção complementar de seus direitos” (BRUNÕL,
2001, p. 92). A proteção é dirigida ao conjunto de todas as crianças e adolescentes,
não cabendo exceção.
No Brasil, para referir sobre a condição da infância, é preciso considerar
inicialmente o período de descoberta em 1500 e o povoamento do Brasil, em 1530,
dada a chegada de embarcações portuguesas do século XVI, trazendo maior número
de homens, poucas mulheres e crianças (DEL PRIORE, 2010). Desse modo, relata a
autora que as crianças subiam a bordo na condição de pajens; além da viagem
16

dificultosa, devido às suas condições, sofriam abusos sexuais e eram violentadas por
homens, mesmo em companhia de seus pais. Elas eram postas para limpar
excrementos; quando as embarcações eram atacadas por piratas, serviam de
escudos. Crianças que conseguiam se salvar dos naufrágios eram entregues à própria
sorte. Fica claro, portanto, que as crianças nesse período, devido à sua fragilidade,
eram as primeiras vítimas. Esse processo histórico é pouco narrado, sendo necessário
provocar uma reflexão e permitir a compreensão deste processo na luta pelos direitos
humanos das crianças e adolescentes.
No período colonial, a escolarização chegou com atraso, conforme Del Priori
(2010, p. 7):

Desde o início da colonização, as escolas jesuítas eram poucas e, sobretudo,


para poucos. O ensino público só foi instalado, e mesmo assim de forma
precária, durante o governo do marquês de Pombal, na segunda metade do
século XVIII. No século XIX, a alternativa para os filhos dos pobres não seria
a educação, mas a sua transformação em cidadãos úteis e produtivos na
lavoura, enquanto os filhos de uma pequena elite eram ensinados por
professores particulares. No final do século XIX, o trabalho infantil continua
sendo visto pelas camadas subalternas como “a melhor escola”.

O trabalho era considerado como “uma distração para a criança” (DEL


PRIORI, 2010, p. 7), para que não haja tempo de “fazer o que não presta. A criança
deve trabalhar cedo”. Ressalta-se, nesta conjuntura, que o “sistema colonial implantou
estruturas e ideologias hegemônicas de dominação, exploração e os abusos aos
seres humanos”, consoante Leal (2014, p. 83), “tiveram cristalizados em seus corpos
a história da violência e da expropriação do sujeito”. Assim, “mulheres e crianças
tornaram-se objetos não só do trabalho doméstico, mas também da lavoura, e objetos
de prazer sexual. [...] a violência sexual é descrita por historiadores”, dando
legitimidade às conjunturas sociais e históricas.
A condição de desigualdade é datada no Brasil desde a colonização e, mesmo
com o avanço histórico na luta e toda a conquista de direitos em 1988, ainda se tem
um cenário degradante em relação à criança e ao adolescente, os quais, ao passar
de objeto em situação irregular para sujeito de proteção integral, ainda vivem
contextos de vulnerabilidade e risco social, de violação de seus direitos em detrimento
do trabalho infantil, trabalho escravo, maus-tratos, negligência, abandono, bullying,
violência sexual e outros (LEAL, 2014).
17

A questão central que nos remete é a condição estrutural da criança, um ser


indefeso e em desenvolvimento, submetida a condições degradantes no processo
evolutivo da sociedade. É preciso relacionar este fato a relações e posições desiguais
na complexa “inserção econômica, social e cultural” (FALEIROS; FALEIROS, 2001, p.
15), ao se referir à cultura do autoritarismo e à impunidade historicamente construídos.
Ao contextualizar a questão da violência nas relações de poder, Faleiros e
Faleiros (2001, p. 15) considera que o poder se estrutura “[...] historicamente pela
dominação do adulto, do macho, predominantemente da raça branca, que tornou
dominador no processo de institucionalização do poder e em sua socialização”. Tal
constatação está relacionada às práticas de abuso sexual cometido tanto no ambiente
intrafamiliar quanto no extrafamiliar e institucional.
Importante que o conceito de relações de poder seja apresentado, sendo,

[...] uma relação social onde se exercita a força, legitimada ou não, para se
manter ou também resistir à dominação em suas diferentes formas. Esse
exercício depende tanto do lugar onde é exercido como dos movimentos das
forças em presença, que reforçam ou desgastam as relações estruturadas/
estruturantes. A estrutura, assim deve ser vista não como um arcabouço es-
tático, mas como um conjunto de relações complexas e em movimento, de
acordo com as forças em presença (FALEIROS; FALEIROS, 2001, p. 16).

Giza-se que as relações de poder são formas cruéis de desigualdade, como


assinala Saffioti (1987, p. 6), que caracteriza o entendimento de categorias
fundamentais para a compreensão da relação do sistema patriarcal, sobre
“fenômenos cruéis”. Em sua análise, Saffioti (1987) explica que o patriarcado é “o mais
antigo sistema de dominação-exploração”, tendo “o homem estabelecido seu domínio
sobre a mulher há cerca de seis milênios”. Entendido como o sistema de relações
sociais que garante a subordinação do gênero feminino ao masculino, não se
constituiria, portanto, no único princípio estruturador da sociedade brasileira.
No tocante à violência de gênero, essa violência é fruto da organização social
edificada nas desigualdades e assimetrias de gênero e idade, que atinge, sobretudo,
mulheres, crianças e adolescentes (NIELSSON, 2020). A hierarquia entre homens e
mulheres, adultos e crianças, expressa-se na sociedade em geral, mas, sobretudo,
nas relações familiares, num enredo em que o homem domina a mulher, que, por sua
vez, domina a criança no dia a dia (SAFFIOTI, 1987). No mesmo sentido, Grossi e
Vincensi (2012, p. 137) inferem que ela é “paralela a outras formas de violência, entre
18

elas a violência intrafamiliar, que ocorre no contexto familiar e representa um problema


de grandes dimensões”.
Portanto, esta estrutura faz com que o homem possua na família um duplo
poder: sobre a criança e sobre a mulher; logo, além de ser homem (o que lhe confere
poder sobre a mulher) é também adulto, tornando-o ainda mais poderoso (VIEIRA,
2018). Assim, segundo Vieira (2018), as desigualdades presentes na violência sexual
contra crianças e adolescentes não se restringem apenas à geração (desenvolvimento
físico, psíquico e sexual), mas também de gênero, sendo alimentada pela cultura
machista e patriarcal que reforça estereótipos de inferioridade da mulher perante o
homem, que consequentemente agrava o fenômeno e contribui para que as crianças
do sexo feminino sejam as vítimas contumazes dos crimes sexuais.
Desse modo, nesta relação de poder, ao se estabelecer papéis sociais, para
Davis (2016, p. 45), “o lugar da mulher sempre tinha sido em casa, mas durante a era
pré-industrial a própria economia centrava-se na casa e nas terras cultiváveis ao seu
redor”. Na divisão de tarefas, os homens lidavam com o solo (com a ajuda constante
da esposa), às mulheres se atribuíam as tarefas domésticas, “fazendo tecidos, roupas,
velas, sabão”. Elas atendiam às necessidades de uso da família, como também a
tarefa de procriar e servir ao marido; na atribuição de mães, “eram definidas como
instrumentos passivos para a reposição da vida humana”. A vida e o trabalho no
século XVII.
Importante destacar que o poder envolve também o contexto familiar, em que
o uso e o abuso sexual também pertencem a este lugar. Pois, nas análises de Faleiros
e Faleiros (2001), a questão principal para se compreender a relação de poder, na
família, é partir da relação de gênero. Os reflexos que geram questionamentos são
vistos pelo chefe como desobediência, desordem, resultando em ameaça, castigo e,
principalmente, a culpabilização e a punição.
Portanto, a partir disso, Vieira (2018, p. 104) reafirma que a “produção e
reprodução da violência sexual está atrelada a padrões machistas, patriarcais e
sexistas de segregação e discriminação de mulheres e crianças”. Estes padrões
normativos ditam comportamentos e valores na sociedade, condicionando o
acometimento da violência de gênero e sexual nas relações interpessoais. O caldo
cultural machista da sociedade brasileira faz com que sejam valoradas posturas
conservadoras, que interajam e interpenetrem-se no cotidiano das relações, incidindo
para a reprodução da violência e construindo diferenciações assimétricas de gênero
19

e geração. O machismo no Brasil integra a própria organização social de gênero,


espraiando-se nas relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres, em
articulação com dimensões.
Neste sistema complexo no contexto das relações de poder patriarcal, para
Cisne e Santos (2018, p. 43) o “patriarcado é literalmente a autoridade do pai”.
Portanto, o que se vincula a este “modelo patriarcal do homem, é o da força, virilidade,
poder e dominação”. As relações sociais de poder estabelecidas pelo sistema
patriarcal a que se dá a centralidade aqui discutida requer atentar para o abuso sexual,
seja no ambiente familiar ou fora dele, porém estabelecido por relações de poder. Para
Faleiros e Faleiros (2001, p. 68):

Existem vários tipos de violência intrafamiliar, desde a eliminação das


pessoas até maus-tratos, ameaças, violência psicológica, violência sexual,
chantagens, negligência, humilhações, designações de pessoas como
doentes e incapazes. Nosso enfoque é violência sexual, do abuso sexual, do
incesto. O incesto, na perspectiva de análise aqui adotada, está articulado à
violência física, à transgressão social do tabu do incesto, à dominação do
mais forte sobre o mais fragilizado.

Em relação às formas de violência que se estabelecem nas relações sociais


de poder, Leal (2014, p. 77) afirma que “a violência no contexto intrafamiliar (abuso
sexual) não é uma questão nova, ela atravessa os tempos e se constitui em uma
relação historicamente construída a partir das relações de força e poder (gênero, etnia
e de classes sociais)”.
Do mesmo modo, Saffioti (1987, p. 18-19) destaca uma das consequências
causadas pelo abuso sexual incestuoso: “[...] deixa feridas na alma, que sangram, no
início sem cessar, e, posteriormente, sempre que uma situação ou um fato lembre o
abuso sofrido. A magnitude do trauma não guarda proporcionalidade com relação ao
abuso sofrido”. O fenômeno do abuso sexual atinge um número muito maior de
meninas (cerca de 90%) e 10% de meninos, conforme pesquisa realizada entre 1988
e 1992 por Saffioti (1992, p. 96): “pais vitimizam não apenas suas próprias filhas, como
também seus filhos. Num país tão machista quanto o Brasil, este é um segredo muito
bem guardado”.
O segredo envolve o núcleo familiar. Conforme Faleiros e Faleiros (2001, p.
71), “o autoritarismo e o machismo são os fundamentos dessa violência, mas há uma
relação de cumplicidade e silêncio entre a mãe, o pai/padrasto, os irmãos e enteados
e os vitimizados [...]”, que expressam dois eixos fundamentais desta relação, os quais
20

são o segredo familiar e o poder. Há uma “cultura do silêncio” destacado por Leal
(2014, p. 78), “uma estratégia utilizada para manter o clima de violência intra e
extrafamiliar, à qual é fortalecida pelas práticas coercitivas, por pressões psicológicas,
físicas, morais e religiosas”. Neste sentido, é importante destacar que o ambiente
familiar sempre foi um ambiente privado, não havendo lugar para a cidadania
(FALEIROS; FALEIROS, 2001).
Destarte, a violência sexual ocorre desde muito tempo, numa relação de
poder, ultrapassando os limites dos direitos humanos, legais, de poder e de regras
sociais e familiares. Nela, a criança e o adolescente passam por um processo de
desumanização, ou seja, tornam-se um objeto para satisfazer o desejo do outro.
Considerada um problema de saúde pública que ocasiona sérios prejuízos às vítimas,
a violência sexual envolve aspectos psicológicos e sociais. O problema é agravado
pelo medo e pela vergonha das vítimas que, indefesas, sofrem abusos e violências
por um longo tempo e, quando finalmente criam coragem de denunciar o abusador,
padecem pela pressão da família e de pessoas próximas, que, muitas vezes,
desacreditam em suas versões (FALEIROS; FALEIROS, 2001).
Para ter uma noção da realidade recente no Brasil, que dispõe do Sistema
Único de Saúde (SUS) na prevenção, enfrentamento e na atenção integral às pessoas
que vivenciaram a situação de violência, o Ministério da Saúde lançou, em 2010, o
programa de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e
suas Famílias em Situação de Violências, a fim de organizar a atenção a crianças e
adolescentes e suas famílias em situação de violência, orientando sobre suas
dimensões: acolhimento, atendimento, notificação e seguimento na rede de cuidado
e de proteção social (BRASIL, 2018d).
Assim, considerando o arcabouço político-jurídico de proteção integral, de
atenção e necessidades específicas, através dos dados de violência sexual contra
crianças e adolescentes no Brasil verifica-se que ainda são altos os índices de
vulnerabilidade e risco social (BRASIL, 2018d).
Dos dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, no Boletim Epidemiológico
realizado de 2011 a 2017, foram notificados 58.037 (31,5%) casos de violência sexual
contra crianças. Destaca-se que o maior número de notificação é do sexo feminino,
sendo 43.034 (74,2%). Destas, 51,9% correspondem à faixa etária entre 1 e 5 anos
de idade e 42,9% entre 6 e 9 anos; 46% identificam a raça/cor negra; 33,8% tiveram
caráter de repetição; a residência (71,2%) e a escola (3,7%) como locais de
21

ocorrência; e 61% foram notificados como estupro. Em 75,6% dos casos notificados,
a violência sexual foi perpetrada por um autor. Em 80,8%, o agressor era do sexo
masculino e 39,8% tinham vínculo familiar com a vítima (BRASIL, 2018d).
Em se tratando das notificações do sexo masculino, foram 14.996 (25,8%);
33,2% tiveram caráter de repetição; a residência (63,4%) e a escola (7,1%) como
locais de ocorrência; 64,6% dos casos foram notificados como estupro; em 72,2% dos
casos a violência sexual foi perpetrada por um autor. Em 83,7%, o agressor era do
sexo masculino e 35,4% tinham vínculo de amizade/conhecimento (BRASIL, 2018d).
Também, a representante atual do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MMFDH) divulgou dados do Disque 100 (Disque Direitos
Humanos), acerca das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes,
sendo 17.093 registros. Destes, 73,44% do sexo feminino e 18,60% vítimas do sexo
masculino. A divulgação ocorreu em 14 de junho de 2019, referente ao Balanço Anual
de 2018. E em 2019, nos primeiros quatro meses houve um total de 4.736 denúncias
de violência sexual (BRASIL, 2019b).
Os dados de ambas as fontes remetem à compreensão, conforme Cisne e
Santos (2018, p. 45), de que

as relações patriarcais, que dizem respeito às relações hierarquizantes de


opressão e exploração entre os sexos, as quais estão ainda fortemente
presentes na sociedade, daí a importância de considerarmos o patriarcado
quando refletimos criticamente sobre as relações de gênero.

No mesmo sentido, Moreira e Custódio (2019, p. 13) destacam que o perfil do


agressor tem a particularidade de apresentar algum laço afetivo com a vítima, pois
grande parte dos casos de violência sexual no ambiente familiar são praticados por
amigos ou conhecidos e também por pessoas que apresentam algum grau de
parentesco com a criança ou com o adolescente. Em muitos destes casos, a estrutura
patriarcal acaba por invisibilizar o abuso cometido por homens dentro do espaço
familiar, seja contra crianças e adolescentes, seja contra a mulher.
Desse modo, a violência sexual implica ter os direitos violados, seja no
ambiente familiar ou fora dele, o que impede o convívio familiar saudável. É direito
fundamental de crianças e adolescentes, garantido pela Constituição Federal de 1988
(artigo 227) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, em seu
artigo 19), ser criado e educado por sua família e, na falta desta, por família substituta.
22

As questões que implicam a construção social da criança não se dão somente


pelo contexto de garantia de direitos, mas em materializar e perceber como sujeito da
história. Ao associar o abuso sexual ao sistema patriarcal, é importante pontuar a
construção social e a origem do patriarcado, tendo aproximadamente 5.203 anos de
existência. Significa que, apesar do longo período, em algum momento poderá se
extinguir (SAFFIOTI, 1992).

2.2 Violência sexual na atualidade

A violência contra crianças e adolescentes tem raízes históricas, pois elas


eram vistas como adultos e a infância não existia. O trabalho não era considerado
como exploração, mas como uma atividade legítima na composição da renda familiar.
Do ponto de vista legal, eram julgadas por crimes como os adultos. O infanticídio não
era crime, e as crianças “ilegítimas” ou portadoras de deficiências eram jogadas em
precipícios ou abandonadas nas portas de casas, à mercê de serem atacadas por
animais ou colocadas na “Roda dos Expostos”, para o acolhimento de crianças
indesejadas e abandonadas pelos genitores, resultados de pobreza e preconceito
morais da época (FALEIROS; FALEIROS, 2007).
Somente em 1924 surgiu a primeira normativa internacional a garantir direitos
e uma proteção especial a crianças e adolescentes (a Declaração de Genebra). Essa
proteção é independentemente de qualquer consideração de raça, nacionalidade ou
crença, devendo ser colocada em condições de se desenvolver de maneira normal,
quer material, quer moral, quer espiritualmente (FALEIROS; FALEIROS, 2007).
Algumas décadas mais tarde, foram aprovadas a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) e a Declaração dos Direitos da Criança (1959), com o
reconhecimento deste público como sujeitos de direito que necessitam de proteção e
cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do
nascimento, em decorrência de sua imaturidade física e mental (FALEIROS;
FALEIROS, 2007).
Não obstante as várias conquistas, especialmente com o Estatuto da Criança
e do Adolescente no Brasil (1990b), crianças e adolescentes ainda são as maiores
vítimas de violência, seja intrafamiliar ou extrafamiliar (FALEIROS; FALEIROS, 2007).
A violência de qualquer tipo, contra crianças e adolescentes, é uma relação
de poder na qual estão presentes e se confrontam atores/forças com pesos/poderes
23

desiguais, de conhecimento, de força de autoridade, experiência, maturidade,


estratégias e recursos. A classificação mais usual das formas de violência são:
negligência, violência física, psicológica e sexual (FALEIROS; FALEIROS, 2007).
Trata-se de um fenômeno complexo que envolve causas sociais, culturais,
ambientais, econômicas e políticas, aliado à pouca visibilidade, à ilegalidade e à
impunidade. Atinge todas as classes sociais e está também ligada às relações
desiguais entre homens e mulheres, adultos e crianças, brancos e negros, ricos e
pobres (ISHIDA, 2009).
Entretanto, a violência apresenta-se com mais facilidade nas classes
economicamente mais desfavorecidas, devido às condições precárias de
sobrevivência, causadas pela má distribuição da renda, a aceleração do processo de
urbanização, a migração, a pobreza e a ineficácia das políticas sociais (ISHIDA, 2009).
Neste contexto estão inseridas as crianças e os adolescentes como vítimas
de uma estrutura econômico-social de desigualdades, além de serem consideradas
como objeto de dominação dos adultos, contaminados da ideia de fraqueza e
inferioridade (ISHIDA, 2009).
A violência está presente na vida de todas as pessoas, sejam como
agressores ou como vítimas, e reproduz-se nas estruturas e em diferentes espaços,
como na família, na escola, na comunidade, trabalho e instituições. É preciso
considerar, ainda, fatores como a dimensão territorial do Brasil e a densidade
demográfica, pois as situações de vulnerabilidade se apresentam de diversas
maneiras em cada região brasileira (CHILDHOOD BRASIL, 2021).
Conforme já indicado anteriormente, geralmente o núcleo familiar é o lugar de
referência para a segurança e proteção das crianças e dos adolescentes. No entanto,
há muitas situações de violência que deixam marcas e modificam a vida das crianças
e adolescentes (CHILDHOOD BRASIL, 2021).
De fato, a violência intrafamiliar é mais recorrente – em 2015, o Disque 100
registrou 40,06% das denúncias de violências contra crianças e adolescentes, cuja
relação com as vítimas eram suas mães, e outros 18,16% eram seus pais – e os
fatores que desencadeiam as agressões são negligência, decorrente da falta de
preparo para a maternidade ou paternidade, assim como a falta de cuidados básicos
com a criança, colocando-as em situação de risco e sujeitas a outras formas de
violência extrafamiliar. A violência física e os maus-tratos muitas vezes são utilizados
como medidas corretivas e educativas, por parte dos pais ou responsáveis. A violência
24

psicológica está relacionada a ameaças e rejeição dos adultos sobre a criança,


provocando o desenvolvimento de um comportamento destrutivo devido à
desvalorização que sofre. O ponto fundamental da violência está, muitas vezes, no
poder do mais forte contra o mais fraco: a criança (CHILDHOOD BRASIL, 2021).
A violência sexual de crianças e adolescentes provoca sérios danos físicos,
emocionais e sociais, e seu entendimento vem sendo construído ao longo dos anos,
com diversos atores da comunidade nacional e internacional de proteção, promoção
e defesa de direitos das crianças e dos adolescentes (CHILDHOOD BRASIL, 2021).
Assim sendo, a violência sexual se expressa de duas formas: abuso sexual e
exploração sexual. Ela é todo ato, de qualquer natureza, atentatório ao direito humano
ao desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, praticado por agente em
situação de poder e de desenvolvimento sexual desigual em relação à criança e ao(à)
adolescente vítimas (BRAUN, 2002).
Crianças e adolescentes sofrem essa violência por sedução, ameaça,
chantagem ou força. Pode ser sensorial (por meio de exibição de performance
sexualizada, de forma a constranger a vítima), por estimulação (carícias inapropriadas
nas partes íntimas, masturbação e contatos genitais incompletos) ou por realização
(tentativas de violação ou penetração oral, anal e genital) (ISHIDA, 2009).
Em síntese, a violência sexual é classificada da seguinte forma (BRAUN,
2002): abuso sexual – a utilização da sexualidade de uma criança ou adolescente para
a prática de qualquer ato de natureza sexual. O abuso sexual é geralmente praticado
por uma pessoa com quem a criança ou adolescente possui uma relação de confiança
e que participa do seu convívio. Essa violência pode se manifestar dentro do ambiente
doméstico (intrafamiliar) ou fora dele (extrafamiliar); exploração sexual – é a utilização
de crianças e adolescentes para fins sexuais, mediada por lucro, objetos de valor ou
outros elementos de troca.
A violência sexual contra crianças e adolescentes na atualidade assume duas
formas principais: abuso sexual intrafamiliar e exploração sexual comercial.
O abuso sexual intrafamiliar compreende as violências que ocorrem no âmbito
do afeto, ou seja, na família, no círculo de amizades, nas escolas, abrigos, igrejas,
nos espaços ou ambientes conhecidos como de proteção da criança. Ocorre em todas
as classes sociais, mas, muitas vezes, permanece invisível em função dos pactos de
silêncio. Tais pactos são arranjos familiares e de grupo que visam a acomodar papéis,
25

de forma que alguns se submetem a outros, numa hierarquia geralmente de poder, a


exemplo da autoridade de pais sobre os filhos.
As ações que configuram o abuso sexual intrafamiliar podem ser de duas
formas: a) com contato físico: carícias, passar a mão em zonas sexuais (seios,
nádegas ou genitálias), pornografia, o ato sexual em si (com penetração anal, vaginal
ou oral); b) sem contato físico: abuso sexual verbal (conversa sobre atividades sexuais
para despertar interesse ou chocar), exibicionismo (ficar exibindo suas partes sexuais
para uma menina ou menino), ou até mesmo quando uma pessoa fica observando a
criança ou adolescente em trajes mínimos ou sem roupas, que se chama voyeurismo
(BRAUN, 2002).
A exploração sexual comercial, por sua vez, compreende o abuso sexual por
adultos e a remuneração em espécie ao menino ou à menina, inclusive para uma
terceira pessoa ou várias. A criança é tratada como objeto sexual e uma mercadoria.
A exploração sexual comercial de uma criança constitui uma forma de coerção e
violência contra crianças, que pode implicar o trabalho forçado e formas
contemporâneas de escravidão.
As ações que configuram essa violência são: o corpo usado como mercadoria;
a existência de exploradores que agenciam o trabalho (cafetões, traficantes de
drogas, “padrinhos”, agentes de viagens, proprietários de hotéis e boates, dentre
outros); e cativeiro (BRAUN, 2002).
Deste modo, pode-se considerar que a violência sexual é uma das mais
graves violações aos direitos humanos de crianças e adolescentes. Essa forma de
violência é multideterminada e suas raízes são históricas, sociais e culturais,
baseadas sempre em uma relação desigual e de poder. As consequências dessa
violação de direito trazem marcas e prejuízos em diferentes contextos de suas vidas.
De acordo com Moreschi (2018, p. 40), a violência sexual de crianças e adolescentes

provoca sérios danos físicos, emocionais e sociais, e seu entendimento vem


sendo construído ao longo dos anos com diversos atores da comunidade
nacional e internacional de proteção, promoção e defesa de direitos das
crianças e dos adolescentes.

Em síntese, a violência sexual contra crianças e adolescentes abrange todos


os espectros, que vão desde as relações abusivas sem trocas comerciais às
explicitamente monetárias; emerge do cenário socioeconômico de contradições de
26

classes sociais e político (violência estrutural), apoiados em valores sociais que


reforçam a prática discriminatória, tais como o preconceito relacionado ao gênero
(patriarcalismo), à geração (adultocentrismo) e à raça/etnia (apartheid social), em
detrimento de práticas sociais voltados à garantia e à defesa dos direitos dessa
população. As práticas discriminatórias geram barreiras físicas, culturais, sociais e
morais que resultam na exclusão em massa de grande parte da população (BRAUN,
2002).
Importante entender, segundo Luz, Paiva e Roseno (2012, p. 9) que

a violência sexual como todo ato, de qualquer natureza, atentatório ao direito


humano ao desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, praticado
por agente em situação de poder e de desenvolvimento sexual desigual em
relação à crianças/adolescentes vitimizados. Esta abordagem nos permite
entender que a violência sexual é uma violação aos direitos humanos de
crianças/adolescentes; que crianças e adolescentes têm direito ao
desenvolvimento harmonioso de sua sexualidade; que a violência sexual
pode ser realizada por atos complexos e de distintas expressões (físicas e ou
psicológicas); e que a violência sexual é praticada por alguém numa situação
de poder e desenvolvimento sexual desigual em relação à
criança/adolescente, valendo-se (autor) desta relação desigual para a
realização da violência, razão pela qual a violência sexual contra crianças e
adolescentes deve ser considerada como conduta ilegal, cujo autores diretos
e indiretos devem ser responsabilizados.

Deste modo, a histórica invisibilidade sobre violência sexual de crianças e


adolescentes encontra-se intrinsecamente interligada a fatores culturais que se
estabeleceram ao longo do desenvolvimento da sociedade brasileira e da organização
da família, densamente influenciada pelo modelo patriarcal e pela concepção
machista, em que mulheres e crianças passam a ser consideradas como propriedades
do homem – provedor da família (BRAUN, 2002).
A baixa autoestima aliada aos sentimentos de rejeição e discriminação –
resultante da exclusão social, que está altamente presente na vida das crianças e
adolescentes, em função da sua inserção social e vivência constante com a violência
social e interpessoal desde pequenas – ao serem acumuladas e introjetadas em suas
identidades, vulnerabilizam-nas emocionalmente, facilitando seu envolvimento com
rede de exploração sexual, que, em médio prazo, dificultam a elaboração de projeto
de vida não estigmatizante (LIBÓRIO; SOUSA, 2004). Acrescente-se a isto outras
causas, como baixa escolaridade, uso de drogas, alcoolismo e famílias
desestruturadas emocionalmente. Muitas vezes, o medo, a vergonha e a falta de
conhecimento para comunicar e acessar as instituições responsáveis pela atenção a
27

essa questão são apontados como os principais fatores que incidem para a
continuidade das violências (LIBÓRIO; SOUSA, 2004).
Dentre as várias formas de manifestação da violência, a sexual é uma das
mais graves, pois provoca danos físicos, emocionais e sexuais (LIBÓRIO; SOUSA,
2004). Enfrentar essa violência requer fortes mudanças culturais e a real combinação
de políticas públicas construídas com a sociedade, o poder público e todas as esferas
da Federação (MACHADO, 2003).
Para tanto, é preciso considerar a sexualidade como uma dimensão a ser
protegida para o desenvolvimento infantil, longe da opressão e da violência. É
perceber a criança e o adolescente em toda a sua dimensão humana (MACHADO,
2003).
No contexto dos direitos sexuais, todas as pessoas têm seus direitos
assegurados. Isso significa que as pessoas podem decidir e/ou discernir como e
quando iniciar e vivenciar a vida sexual. No caso das crianças e dos adolescentes,
que estão ainda em processo de formação, também devem ter seus direitos sexuais
assegurados – entre eles, o de não serem abusadas ou exploradas sexualmente por
adultos (MACHADO, 2003).

2.3 Sujeitos de Proteção Integral

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de nº 8.069, de 13 de julho de


1990, tem sua estrutura dividida em Parte Geral (em que se tem: disposições
preliminares, direitos fundamentais e prevenção) e Parte Especial (atendimento,
proteção, ato infracional, pais ou responsável, conselho tutelar, acesso à justiça e
infrações administrativas). Ademais, o artigo 1º do Estatuto traz que: “Esta Lei dispõe
sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” (BRASIL, 1990b, s.p.).
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a separação entre criança
e adolescente se funda tão somente no aspecto ligado à idade, não se levando em
consideração o aspecto psicológico e social. Dessa forma, ficou definido como criança
a pessoa que tem até doze anos incompletos, e o adolescente o que se encontra na
faixa etária dos doze aos dezoito anos de idade (BRASIL, 2019b). Excepcionalmente,
o Estatuto aplica-se às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
28

Ao se referir ao “estado” de criança e adolescente, a Lei nº 8.069/1990 quis


caracterizar aqueles seres humanos em peculiares condições de desenvolvimento,
devendo ser, em todas as hipóteses, respeitados (BRASIL, 2019c).
Assim, a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, devendo lhes ser asseguradas todas oportunidades e
facilidades para o desenvolvimento. Paula (2002, p. 31) complementa ser da própria
essência do Direito da Criança e do Adolescente a presença da proteção integral:

[...] me parece que a locução proteção integral seja auto-explicativa [...]


Proteção Integral exprime finalidades básicas relacionadas às garantias do
desenvolvimento saudável e da integridade, materializadas em normas
subordinantes que propiciam a apropriação e manutenção dos bens da vida
necessários para atingir destes objetivos.

A Doutrina da Proteção Integral veio contrapor à Doutrina da Situação


Irregular, então vigente e instituída pelo Código de Menores de 1979, em que “[...] a
criança era vista como problema social, um risco à estabilidade, às vezes até uma
ameaça à ordem social [...] a infância era um mero objeto de intervenção do Estado
regulador da propriedade [...]” (CUSTÓDIO; VERONESE, 2009, p. 68). Assim, a
Doutrina da Situação Irregular não atingia a totalidade de crianças e adolescentes,
mas somente destinava-se àqueles que representavam um obstáculo à ordem,
considerados como tais os abandonados, expostos, transviados, delinquentes,
infratores, vadios, pobres, que recebiam todos do Estado a mesma resposta
assistencialista, repressiva e institucionalizante (CUSTÓDIO; VERONESE, 2009).
Pela nova ordem estabelecida, criança e adolescente são sujeitos de direitos, e não
simplesmente objetos de intervenção do mundo adulto.
Ademais, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se que:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos
de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente
este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (BRASIL,
1990b, s.p.).

O artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece a proteção


complementar instaurada pela nova Doutrina, ao afirmar que à criança e ao
adolescente são garantidos todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, bem como são sujeitos à proteção integral, in verbis:
29

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes


à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL,
1990b, s.p.).

Fica evidenciado o princípio da igualdade de todas as crianças e


adolescentes, estes compreendidos como todos os seres humanos que contam entre
zero e 18 anos, ou seja, não há categorias distintas de crianças e adolescentes,
apesar de estarem em situações sociais, econômicas e culturais diferenciadas
(MACHADO, 2003).
Machado (2003) lembra que o sistema especial de proteção tem por base a
vulnerabilidade peculiar de crianças e adolescentes, que, por sua vez, influencia na
aparente quebra do princípio da igualdade, isto porque,

a) distingue crianças e adolescentes de outros grupos de seres humanos


simplesmente diversos da noção do homo médio; b) autoriza e opera a
aparente quebra do princípio da igualdade – porque são portadores de uma
desigualdade inerente, intrínseca, o ordenamento confere-lhes tratamento
mais abrangente como forma de equilibrar a desigualdade de fato e atingir a
igualdade jurídica material e não meramente formal. (MACHADO, 2003, p.
123).

Assim, com base na supremacia que o valor da dignidade da pessoa humana


recebeu na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi inaugurado
um sistema especial de proteção à infância, expressamente referido no parágrafo 3º
do artigo 227, também no artigo 228, no artigo 226 (caput e parágrafos 3º, 4º, 5º e 8º),
no artigo 229, primeira parte, no artigo 208 (parágrafo terceiro) e no artigo 7º (incisos
XXX e XXXIII), todos da Constituição Federal.
Extrai-se do artigo 227 da Constituição Federal e do artigo 4º do Estatuto da
Criança e do Adolescente que o dever de assegurar este sistema especial de proteção
cabe à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao poder público, que o farão
com absoluta prioridade.
A proteção integral é defendida pela ONU (Organização das Nações Unidas)
com base na Declaração Universal dos Direitos da Criança, havendo um reflexo direto
do que está na Carta Magna brasileira de 1988 em seus artigos 227 e 228. Veja-se:
30

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010). [...].
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial. (BRASIL, 2016a, s.p.).

De acordo com a proteção integral prevista no Estatuto da Criança e do


Adolescente, as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos e são também
pessoas em desenvolvimento, por isso são necessárias medidas políticas e normas
de proteção especial (LIBERATI, 2003).
Liberati (2003) entende prioridade absoluta como estar a criança e o
adolescente em primeiro lugar na escala de preocupações dos governantes, cujas
necessidades devem ser primordialmente atendidas. Exemplifica:

Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto


não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e
emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deverão
asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc,
porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes
que as obras de concreto, que ficam para demonstrar o poder do governante.
(LIBERATI, 2003, p. 47).

A Lei ordinária de nº 8.069/90, no parágrafo único do artigo 4º, detalhou a


garantia da prioridade absoluta como sendo: a) primazia de receber proteção e
socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços
públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das
políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990b).
Outra base que sustenta a nova doutrina é a compreensão de que crianças e
adolescentes estão em peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento,
que se encontram em situação especial e de maior vulnerabilidade, que ainda não
desenvolveram completamente sua personalidade, o que enseja um regime especial
de salvaguarda para construir suas potencialidades humanas em plenitude
(MACHADO, 2003).
Neste sentido, Machado (2003) afirma que o direito peculiar de crianças e
adolescentes desenvolverem sua personalidade humana adulta integra os direitos da
31

personalidade, e é relevante tal noção por estar ligada estruturalmente à distinção que
os direitos das crianças e adolescentes recebem do texto constitucional:

[...] sustento, pode-se afirmar, ao menos sob uma ótica principiológica ou


conceitual, que a possibilidade de formar a personalidade humana adulta –
que é exatamente o que estão “fazendo” crianças e adolescentes pelo
simples fato de crescerem até a condição adulta – há de ser reconhecida
como direito fundamental do ser humano, porque sem ela nem poderiam ser
os demais direitos da personalidade adulta, ou a própria personalidade
adulta. (MACHADO, 2003, p. 110).

Entretanto, frisa a autora, que a personalidade infantojuvenil não é valorizada


somente como meio de o ser humano atingir a personalidade adulta, isto seria um
equívoco, uma vez que a vida humana tem dignidade em si mesma, em todos os
momentos da vida, seja no mais frágil (como no momento em que o recém-nascido
respira), seja no momento de ápice do potencial de criação intelectual de um ser
humano. Assim, o que gera e justifica a positivação da proteção especial a crianças e
adolescentes não é meramente a sua condição de seres diversos dos adultos, mas
soma-se a isto a maior vulnerabilidade destes em relação aos seres humanos adultos,
bem como a força potencial que a infância e a juventude representam à sociedade
(MACHADO, 2003). Ocorre que a efetivação dos direitos fundamentais de cidadania
pressupõe a criação de um Sistema de Garantia de Direitos, que atue na perspectiva
da promoção, da defesa e do controle. Este direito deve ser produzido na sociedade,
onde se experimenta um intenso processo de correlações de forças, considerando a
histórica postura de negligência e arbitrariedade com crianças e adolescentes no
Brasil (MACHADO, 2003).
A Doutrina da Proteção Integral instaurou um sistema especial de proteção,
delineando direitos nos artigos 227 e 228 da Constituição brasileira, tornando crianças
e adolescentes sujeitos dos direitos fundamentais atribuídos a todos os cidadãos e
ainda titulares de direitos especiais, com base na sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento (MACHADO, 2003).
Machado (2003) afirma que os direitos elencados no caput dos artigos 227 e
228 da Constituição Federal de 1988 também são direitos fundamentais da pessoa
humana, pois o direito à vida, à liberdade, à igualdade mencionados no caput do artigo
5º do mesmo texto referem-se à mesma vida, liberdade, igualdade descritas no artigo
227, parágrafo 3º, e no artigo 228. Ou seja, trata-se de direitos da mesma natureza,
sendo todos direitos fundamentais.
32

Porém, os direitos fundamentais de que trata o artigo 227 são direitos


fundamentais de uma pessoa humana de condições especiais, qual seja: pessoa
humana em fase de desenvolvimento. Neste sentido, Bobbio (2002, p. 35) aponta
como sendo singular a proteção destinada a crianças e adolescentes e diz que
“criança, por causa de sua imaturidade física e intelectual, necessita de uma proteção
particular e de cuidados especiais”, deixando-se, assim, claro que “os direitos da
criança são considerados como um ius singulare com relação a um ius commune; o
destaque que se dá a essa especificidade do genérico, no qual se realiza o respeito à
máxima suum cuique tribuere”.
Os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são especiais e, de
acordo com Machado (2003), eles podem ser diferenciados do direito dos adultos por
dois aspectos: um quantitativo, pois crianças e adolescentes são beneficiários de mais
direitos do que os adultos, e outro aspecto qualitativo ou estrutural, por estarem os
titulares de tais direitos em peculiar condição de desenvolvimento.
Conforme os artigos 5º e 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente,
vislumbra-se que:

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de


negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.
Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que
ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais
e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas
em desenvolvimento. (BRASIL, 1990b, s.p.).

Considerando que negligência é descuido, incúria, desleixo, estes agentes


sociais são negligenciados de várias formas, que passam pela família, pelas relações
de trabalho, por vários níveis da vida em sociedade e, no limite, pelo Estado. Qualquer
tipo de ação que não atenda às suas necessidades básicas de alimentação, moradia,
educação, saúde, lazer constitui descuido, incúria e desleixo e é, portanto,
considerada negligência (MACHADO, 2003).
A criança e o adolescente sofrem discriminação, ou seja, sofrem por atos de
diferenciação que os estigmatizam. Ao contrário do que se propala, que socialmente
estariam guindados à categoria de cidadãos, na prática, não são nada mais que
cidadãos de segunda classe. Essa situação se agrava se pertencerem às camadas
33

mais pauperizadas da população – o que significa a grande maioria – e, mais ainda,


se forem negros (MACHADO, 2003).
A exploração na família e no trabalho que as crianças e adolescentes sofrem
está ligada à intenção de deles tirar proveito. A vitimização está demonstrada em
pesquisas que se fazem no meio acadêmico, que tenham como objeto as relações
familiares, relações de trabalho, criança e adolescente em estado de carência,
abandono ou, ainda, aquelas que estudam maus-tratos e violência (MACHADO,
2003).
O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, é igualmente
fruto deste recurso. Inspirado no mencionado artigo 5º da Lei de Introdução, prega
que a interpretação do Estatuto leve em conta os fins sociais a que ela se dirige e as
exigências do bem comum. Não existe norma que não contenha uma finalidade social
imediata. Entende-se por fim social o objetivo de uma sociedade, a somatória de atos
que constituíram a razão de sua composição, abrangendo, assim, seus anseios, o
equilíbrio de interesses, dentre outros. Ademais, entende-se por elementos do bem
comum a liberdade, a paz, a justiça, a segurança, a utilidade social e a solidariedade.
Contudo, além dos fins sociais e das exigências do bem comum, o artigo 6º preconiza
que, na interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, também sejam
considerados a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento e os direitos e deveres individuais e coletivos (MACHADO, 2003).
34

3 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO DIREITO


INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Para que fosse alcançada a efetividade da Doutrina da Proteção Integral e do


próprio Direito da Criança e do Adolescente, houve um longo processo histórico, com
vários documentos internacionais que trataram da matéria. Pode-se afirmar, então,
que existe um sistema internacional dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
Esses documentos internacionais que fazem menção à tutela desses interesses
revelam a preocupação da comunidade internacional e a evolução existente sobre a
matéria. Desta forma, em se tratando do direito internacional de proteção aos direitos
humanos, a existência de uma definição acerca do conceito de criança, infância e,
portanto, sua figuração na condição de sujeito de direitos humanos são recentes.
Representam inovação no cenário normativo, pois nenhuma norma nacional ou
internacional anterior buscou definir criança e quais seriam seus direitos. Assim,
especificamente nesse âmbito, pode-se encontrar referência e uma preocupação
constante com a abordagem do enfrentamento à exploração sexual de crianças. Esta
atuação está descrita tanto nos Tratados de Proteção, quando na atuação, e na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH quanto na Corte
Interamericana de Direitos Humanos – CorIDH.

3.1 Convenções, Declarações e Tratados Internacionais no âmbito de proteção


aos menores

No âmbito do arcabouço internacional de proteção aos direitos humanos, a


existência de uma definição acerca do conceito de criança, infância e, portanto, sua
figuração na condição de sujeito de direitos humanos são recentes. Representam
inovação no cenário normativo, pois nenhuma norma nacional ou internacional
anterior buscou definir criança e quais seriam seus direitos. Embora tanto a
Declaração de Genebra, de 1924, quanto a Declaração de Direitos da Criança, de
1959, tenham tentado oferecer algumas proteções específicas que deveriam ser
reconhecidas a crianças, essas, segundo Bobbio (2002), falharam, seja porque não
apresentaram uma definição clara do seu objeto (isto é, do que seriam os direitos da
criança), seja por lhes faltarem coercitividade pela natureza jurídica de declarações, e
não de tratados, que não exigia a obrigatoriedade do seu cumprimento.
35

De acordo com Mariano (2010), foi apenas a Convenção sobre Direitos da


Criança, de 1989, que corrigiu as lacunas existentes até então e, finalmente, acabou
por definir o conceito de infância, delimitou seu âmbito de atuação. Deste modo,
acabou por alçá-las à condição de sujeitos de direitos, assegurando-lhes direitos
políticos e de proteção.
Acerca da evolução da proteção internacional aos direitos humanos das
crianças, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, diversos foram os
marcos normativos relevantes nesta trajetória. Um importante marco foi, como citado
anteriormente, a Declaração de Genebra. Em 1924, a extinta Liga das Nações adotou
a Declaração dos Direitos da Criança formulada no ano anterior pelo Conselho da
União Internacional de Proteção à Infância (Save the Children International Union) –
organização de caráter não governamental –, para criar o primeiro instrumento
normativo de âmbito internacional a tratar direta e especificamente de questões
relacionadas a crianças e adolescentes, conhecido como “Declaração de Genebra”.
Entretanto, cumpre esclarecer que um ano antes, em 1923, a Liga das Nações
criou o “Comitê de Proteção da Infância”, motivo pelo qual os Estados deixaram de
ser considerados como os únicos soberanos em matérias relacionadas aos direitos
das crianças. Pois bem, ainda que como primeiro registro internacional acerca do
tema, a Declaração de Genebra já continha determinação no sentido de proteção a
toda e qualquer criança, sem qualquer tipo de discriminação, prevendo, ainda, que
todas elas devem ser auxiliadas e colocadas em plenas condições de possuir um
regular desenvolvimento. Além disso, entre outros pontos, estipula que os órfãos e
abandonados devem ser recolhidos, a fim de que, como toda criança, possam ser
alimentados, auxiliados, tratados e reeducados.
Por sua vez, em 1927 foi criado o Instituto Interamericano da Criança, durante
o IV Congresso Pan Americano da Criança e posteriormente vinculado à Organização
dos Estados Americanos em 1949. Foi fundado por dez países, entre eles o Brasil,
Estados Unidos, Cuba, Argentina e Uruguai. Possui como principal objetivo o zelo
pelos direitos das crianças, mas também presta assessoramento legislativo e político-
social aos Estados-Membros.
Já o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) foi criado em 1946, após
o término da Segunda Guerra Mundial e consequente devastação em escala global,
por decisão unânime da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Justamente em razão do período de sua criação, os primeiros programas do Unicef
36

foram direcionados à prestação de assistência em caráter emergencial a crianças no


período pós-guerra na Europa, no Oriente Médio e na China. A princípio, o Unicef foi
constituído tão somente para auxiliar na reconstrução dos países europeus e, quando
isso ocorreu, alguns entenderam que a missão estava completa. Entretanto, nações
menos favorecidas se manifestaram pela sua manutenção, alegando que as Nações
Unidas não poderiam ignorar as crianças ameaçadas pela fome, pelas doenças e pela
miséria em outros países.
Nesse sentido, em 1953 o Unicef tornou-se órgão de caráter permanente na
ONU e teve sua “competência” ampliada para atender as crianças ao redor do globo
terrestre. Não obstante o fato da competência do Unicef ter sido ampliada tão somente
em 1953, seu primeiro escritório em solo brasileiro foi instalado em 1950, na cidade
de João Pessoa/PB, sendo o primeiro acordo assinado com o governo brasileiro
destinado à proteção da saúde da criança e da gestante nos estados do Ceará,
Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.
Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, apenas
dois anos após a criação do Unicef. A Assembleia Geral da ONU aprovou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, representando significativo avanço nos
direitos e liberdades individuais do ser humano, bem como no reconhecimento do
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Apesar do instrumento não
tratar de forma exclusiva e expressa sobre os direitos da criança e do adolescente,
mas tão somente de forma implícita, prevê em seu artigo II que:

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades


estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 4).

Por sua vez, em seu artigo XXV, item 2, dispõe que: “A maternidade e a
infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas
dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social” (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 13). Entretanto, e por óbvio, como esta Declaração
enuncia direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais a todos os seres
humanos, as crianças e os adolescentes também estão incluídos.
Já a Declaração dos Direitos da Criança – proclamada em 20 de novembro
de 1959 e preconizada por meio de dez princípios, listados a seguir – possui como
37

fundamentação os direitos básicos de toda criança, entre eles: liberdade, estudo,


alimentação, educação e convívio social (UNICEF, 1959):
Princípio I – Direito à igualdade, sem distinção de raça, religião ou
nacionalidade. A criança desfrutará de todos os direitos enunciados na Declaração.
Estes direitos serão outorgados a todas as crianças, sem qualquer exceção, distinção
ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou
de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento
ou outra condição, seja inerente à própria criança ou à sua família.
Princípio II – Direito à especial proteção para o seu desenvolvimento físico,
mental e social. A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e
serviços, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa
desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e
normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com
este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da
criança.
Princípio III – Direito a um nome e a uma nacionalidade. A criança tem direito,
desde o seu nascimento, a um nome e a uma nacionalidade.
Princípio IV – Direito à alimentação, moradia e assistência médica adequadas
para a criança e a mãe. A criança deve gozar dos benefícios da previdência social.
Terá direito a crescer e desenvolver-se em boa saúde; para essa finalidade deverão
ser proporcionados, tanto a ela, quanto à sua mãe, cuidados especiais, incluindo-se a
alimentação pré e pós-natal. A criança terá direito a desfrutar de alimentação,
moradia, lazer e serviços médicos adequados.
Princípio V – Direito à educação e a cuidados especiais para a criança física
ou mentalmente deficiente. A criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que
sofre de algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os
cuidados especiais que requeira o seu caso particular.
Princípio VI – Direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da
sociedade. A criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento
pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com
o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um
ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais,
não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe. A sociedade e as
autoridades públicas terão a obrigação de cuidar especialmente do menor
38

abandonado ou daqueles que careçam de meios adequados de subsistência. Convém


que se concedam subsídios governamentais, ou de outra espécie, para a manutenção
dos filhos de famílias numerosas.
Princípio VII – Direito à educação gratuita e ao lazer infantil. A criança tem
direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas
etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral
e lhe permita – em condições de igualdade de oportunidades – desenvolver suas
aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral.
Chegando a ser um membro útil à sociedade. O interesse superior da criança deverá
ser o interesse diretor daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e
orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais. A
criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar
dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para
promover o exercício deste direito.
Princípio VIII – Direito a ser socorrida em primeiro lugar, em caso de
catástrofes. A criança deve – em todas as circunstâncias – figurar entre os primeiros
a receber proteção e auxílio.
Princípio IX – Direito a ser protegida contra o abandono e a exploração no
trabalho. A criança deve ser protegida contra toda forma de abandono, crueldade e
exploração. Não será objeto de nenhum tipo de tráfico. Não se deverá permitir que a
criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada; em caso algum será permitido
que a criança se dedique, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que
possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico,
mental ou moral.
Princípio X – Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade,
compreensão, amizade e justiça entre os povos. A criança deve ser protegida contra
as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa, ou de qualquer
outra índole. Deve ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância,
amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de
que deve consagrar suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.
Ainda que indubitavelmente importantes os princípios estipulados pela
referida Declaração, esta não possui qualquer caráter obrigacional jurídico, não
sendo, portanto, de cumprimento obrigatório para os Estados-Membros. A Declaração
39

dos Direitos da Criança ainda sofreu acréscimos oriundos das Regras de Beijing
(1985), das Regras de Tóquio (1990) e, enfim, das Diretrizes de Riad (1990).
Já a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela
Assembleia Geral da ONU em novembro de 1989, tornou-se o instrumento legal em
âmbito internacional mais representativo dos direitos e conquistas instituídos em favor
da infância e da adolescência. A proposta original para que a ONU adotasse um
instrumento em favor dos direitos da criança foi formalmente apresentada pelo
governo polonês em 1978, com o objetivo de que a Convenção fosse adotada já em
1979, o Ano Internacional da Criança.
Em razão do intento de obter celeridade na “tramitação” do documento
apresentado, a fim de que pudesse ser adotado já no ano festivo supramencionado,
este se aproximava em muito da Declaração dos Direitos da Criança de 1959.
Entretanto, quando a proposta de Convenção foi apresentada a outros países pelo
secretário-geral da ONU com o objetivo de obter sugestões e observações, muitos
asseveraram que o texto era em grande parte omisso, eis que não se referia a uma
série de direitos das crianças.
Após longos dez anos de intenso trabalho e modificações, a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança foi finalmente adotada em 20 de novembro
de 1989, exatamente 30 anos depois da promulgação da Declaração dos Direitos da
Criança. O exato decurso de 30 anos entre a Declaração e a Convenção (não por
acaso), a data do dia 20 de novembro foi decretada pela ONU como Dia Universal da
Criança. Por fim, a Convenção foi aberta à assinatura e ratificação em 26 de janeiro
de 1990 na cidade de Nova Iorque (EUA). O Brasil assim o fez por meio do Decreto
n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Composta por 54 artigos e extenso preâmbulo,
é executada e cumprida inteiramente em solo brasileiro.
De acordo com Santos (2004), a Convenção declara que a família é um grupo
fundamental perante a sociedade e que se revela um ambiente natural para
crescimento e bem-estar, principalmente das crianças. Ela deve receber proteção e
assistência suficientes a fim de se posicionar com suas responsabilidades perante a
comunidade. A referida Convenção enxerga a família como um pilar, na qual irá
conduzir a educação da criança “em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”
(BRASIL, 1990a, s.p.).
Sobre a Convenção, O’Donnell (2021, p. 2) disserta que a relação triangular
Estado-criança-família possui um espaço de muita relevância no referido instrumento:
40

O sexto parágrafo preambular cita, em forma sintética, o mais belo e significativo dos
Princípios consagrados pela Declaração de 1959, reconhecendo que “a criança, para
o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio
da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”. O quinto, fazendo
eco da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre
os Direitos Civis e Políticos, sublinha a importância da família “como grupo
fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de
todos os seus membros, e em particular das crianças”, e a consequente necessidade
de prestar à família “a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir
plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade” (O’DONNELL, 2021, p.
2).
No âmbito do Sistema Interamericano, merece destaque a Convenção
Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da
Costa Rica, consistente em um tratado internacional celebrado entre os Países-
Membros da Organização dos Estados Americanos. Foi subscrita ao longo da
realização da Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos em
1969. Além de outros assuntos de notória importância abrangidos pela referida
Convenção, seu artigo 1º assevera que:

1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os


direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício
a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma
por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de
qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica,
nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta
Convenção, pessoa é todo ser humano. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1969, s.p.).

O artigo 19 da mesma Convenção informa que “toda criança tem direito às


medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família,
da sociedade e do Estado” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969,
s.p.).
Após toda esta caminhada, de acordo com Paixão e Deslandes (2010),
apenas nas últimas três décadas o debate sobre a violência sexual contra crianças e
adolescentes adquiriu maior visibilidade por parte de órgãos governamentais,
entidades civis e organizações não governamentais no País e no mundo.
41

Segundo as autoras, depois de toda a evolução normativa citada quanto à


proteção da infância no âmbito dos direitos humanos, políticas de enfrentamento e
prevenção à violência sexual ganharam maior destaque em 1996, quando se toma
como pauta o combate à exploração sexual comercial. Ocorreu, neste ano, o I
Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em
Estocolmo, do qual o Brasil foi signatário. Como resultado deste primeiro encontro são
elaboradas, no âmbito mundial, diretrizes, programas de ação e de cooperação
nacionais e internacionais, com o objetivo de erradicar este tipo de violência (PAIXÃO;
DESLANDES, 2010). Após, ocorreram consultas regionais destinadas às
representações governamentais e civis de vários países, que resultam num maior
conhecimento das dinâmicas sociais, econômicas e culturais da exploração sexual e
de suas formas de enfrentamento, além de incitarem à mobilização dos governos
nacionais para a adoção de políticas sobre o tema.
Em 2001, no II Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes, realizado em Yokohama, do qual o Brasil também foi signatário, são
ratificados tais avanços e reafirmado o compromisso global de proteção das crianças
contra o abuso e exploração sexual (VERDÉLIO, 2017). Já em 2008, segundo Paixão
e Deslandes (2010), teve lugar o 3° Congresso, no Rio de Janeiro. Nesse encontro foi
apresentada a Declaração e Pacto do Rio de Janeiro, que estabelece um acordo de
ações integradas e sistêmicas para combater a violência sexual imposta ao público
infantojuvenil em todo o mundo.
Cabe aqui corroborar a importância destes eventos, que exercem uma força
propulsora nas ações dos países signatários para o combate e a prevenção da
violência sexual infantojuvenil.

3.2 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a proteção à infância no


continente americano

Especificamente no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos,


pode-se encontrar referência e uma preocupação constante com a abordagem do
enfrentamento à exploração sexual de crianças. Esta atuação está descrita nos
Tratados de Proteção, descritos no tópico anterior, na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos – CIDH e na Corte Interamericana de Direitos Humanos – CorIDH.
42

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão central da


Organização dos Estados Americanos, com a principal incumbência de promover a
observância e defesa dos direitos humanos. A Comissão é órgão autônomo, uma vez
que seus membros exercem suas funções com independência e imparcialidade, não
representando o Estado de origem (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2009).
A Comissão rege-se por regulamento próprio. Em 1º de agosto de 2013,
entraram em vigor as alterações mais recentes no regulamento da Comissão. Essa
reforma foi aprovada por meio da Resolução 1/2013. A referida reforma, de acordo
com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2013a, s.p.), “aborda
diferentes aspectos relacionados com medidas cautelares e solicitações de medidas
provisórias à Corte Interamericana, o sistema de petições e casos, o monitoramento
da situação de países, a promoção e a universalidade”.
Relativamente à Convenção Americana, compete à Comissão Interamericana
examinar comunicações, encaminhadas por pessoas, grupos de pessoas ou
entidades não governamentais que contenham alegações de violações de direitos
humanos por um Estado-parte (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS,
1969). De fato, como Piovesan (2007, p. 93) afirma, “o Estado, ao se tornar parte da
Convenção, aceita automática e obrigatoriamente a competência da Comissão para
examinar essas comunicações, não sendo necessário elaborar qualquer declaração
expressa e específica para tal fim”.
Ao contrário da Convenção Europeia, na Convenção Americana o
procedimento individual é de adesão obrigatória e o interestatal é facultativo. Ademais,
na Convenção Americana, qualquer pessoa, não só a vítima, pode peticionar à
Comissão, alegando violação de direitos humanos de outra pessoa.
De acordo com o Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (2009), artigo 1.3, esta se compõe de sete membros, eleitos a título pessoal
pela Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), que deverão ser
pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos
humanos. Os membros da Comissão são eleitos por quatro anos, podendo haver
apenas uma reeleição e sendo vedado o exercício de atividades que possam
comprometer sua independência e imparcialidade, bem como a dignidade ou o
prestígio de seu cargo perante a Comissão (artigo 2.1).
43

A fim de desenvolver suas atribuições, a Comissão poderá elaborar estudos


e ofertar capacitações técnicas aos Estados, além de criar relatorias especiais,
dirigidas pelos Comissionados, cujos relatórios serão apresentados à Assembleia
Geral da OEA. Outrossim, poderá fazer visitas de campo, a convite do Estado
interessado (artigo 39).
Relativamente à Convenção Americana de Direitos Humanos, estabeleceu-se
um sistema bifásico, inspirado na Convenção Europeia de Direitos Humanos. Nesse
sistema, há, portanto, uma etapa obrigatória perante a Comissão Interamericana. A
vítima ou seu representante legal só possuem o direito de petição à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, que analisa tanto os requisitos de
admissibilidade da demanda quanto seu mérito. Os legitimados para propor a ação de
responsabilidade perante a Corte Interamericana são somente a Comissão
Interamericana e os Estados contratantes.
Recebida a petição, a Comissão pode arquivar o caso se considerá-lo
inadmissível ou infundado (decisão da qual não cabe recurso), ou, então, decidir dar
início à ação de responsabilidade internacional do Estado perante a Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Nesse sentido, a Comissão tem papel
promocional e fiscalizador, semelhante ao Ministério Público brasileiro.
O procedimento relativo às demandas individuais tem início através de uma
petição escrita, de autoria da própria vítima ou de terceiros, inclusive organizações
não governamentais. Nessa representação, o autor da petição deve apontar os fatos
nos quais consiste a violação alegada, o nome da vítima e de qualquer autoridade que
tenha tido ciência daqueles.
Além das demandas individuais, a Comissão pode receber petições
interestatais, nas quais um Estado alegue que outro Estado-parte tenha incorrido em
violação de direitos humanos estabelecidos na Convenção, de acordo com o artigo 45
da Convenção.
Como apontam Cecilia Medina Quiroga e Claudio Nash Rojas (2007), para
que a Comissão possa conhecer desses casos, o Estado deve fazer declaração
expressa de que aceita a competência, que pode ser por tempo definido, indefinido
ou para determinados casos.
Inicialmente, as petições são analisadas na Comissão por ordem de chegada.
Contudo, a reforma de 2013, dando nova redação ao artigo 29.2, previu situações nas
quais a Comissão poderá antecipar essa análise em razão de que o decorrer do tempo
44

privaria a petição de sua utilidade, como nos casos de vítima idosa, criança, privada
de liberdade ou quando a suposta vítima seja objeto de aplicação de pena de morte,
entre outros.
A Convenção Americana, no artigo 46.1, alíneas “a” a “d”, descreve as
condições de admissibilidade da petição, quais sejam: o esgotamento dos recursos
locais, ausência do decurso do prazo de seis meses para a representação, ausência
de litispendência internacional e ausência de coisa julgada internacional (artigo 47, d).
Ademais, no artigo 46.2, alíneas “a” a “c”, a Convenção estabelece casos de dispensa
do requisito de prévio esgotamento dos recursos internos, consistentes em: não existir
o devido processo legal para a proteção do direito violado na legislação interna do
Estado; não se houver permitido à vítima o acesso aos recursos da jurisdição interna,
ou houver sido ela impedida de esgotá-los; e se houver demora injustificada na
decisão acerca dos mencionados recursos (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1969). Outrossim, no entender de Ramos (2013), a jurisprudência da
Corte consagrou mais três situações de dispensa do referido requisito: o recurso for
inidôneo; o recurso não for útil ou ausência de defensores; ou existentes obstáculos
de acesso à justiça.
É oportuno destacar, como Victor Abramovich (2011) o fez, que o requisito do
esgotamento prévio dos recursos internos é considerado um elemento chave para
compreender a dinâmica de funcionamento do Sistema Interamericano. Pois o
sistema,

Al obligar a presentar y agotar el sistema de acciones y recursos organizado


por el sistema judicial del Estado nacional, brinda a cada Estado la posibilidad
de solucionar el conflicto y remediar las violaciones antes de que el asunto
sea examinado en la esfera internacional. El alcance otorgado a esta regla
en la jurisprudencia de los órganos del SIDH define en última instancia los
grados de intervención que está dispuesto a ejercer en distintas situaciones,
según la mayor o menor idoneidad y eficacia del sistema judicial nacional.
(ABRAMOVICH, 2011, p. 224).

Assim, o referido requisito de admissibilidade exerce a função de redutor das


tensões entre autonomia e proteção internacional ao fixar de forma séria seu campo
de intervenção em função de um rol subsidiário aos mecanismos de proteção
domésticos.
Posteriormente à fase da admissibilidade da petição perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, entra-se na fase de conciliação. A Convenção
Americana exige que a Comissão tente estabelecer uma solução amistosa entre as
45

partes (artigo 48, “f”). Contudo, tal acordo deve ser fiscalizado pela Comissão, em
razão da natureza dos direitos envolvidos e do desequilíbrio de poder entre as partes
(consoante o Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em
seu artigo 40).
Não obstante as óbvias vantagens da conciliação, como a agilidade do
procedimento e a flexibilidade de diálogo, a Corte vem delineando parâmetros
essenciais de interpretação às regras que autorizam a solução amistosa e que
colocam limites à atuação da Comissão, até mesmo da própria Corte na promoção da
conciliação. De acordo com Maria Carolina Estepa (2011, p. 348), a Corte tem
entendido que

no en toda clase de violaciones la solución amistosa es aceptable – o


deseable – para garantizar la debida observancia de los principios y derechos
del sistema interamericano; ha precisado la Corte que, en casos de
desaparición forzada, detención ilegal o prolongada sin ser presentado ante
un juez, privación ilegal de la vida, tortura, tratos crueles, inhumanos y
degradantes, o ejecuciones sumarias, es muy difícil llegar a un arreglo
amistoso dado el impacto de las conductas, no solo sobre las víctimas que
las sufren, sino sobre la conciencia misma de la sociedad.

Superada a fase da solução amistosa, a Comissão edita o Primeiro Informe,


previsto no artigo 50 da Convenção Americana, no qual expressa seu convencimento
acerca da existência ou não de violação aos direitos consagrados na Convenção
Americana de Direitos Humanos. Caso seja constata a violação, o Primeiro Informe é
remetido aos Estados envolvidos e não se permite publicá-lo (artigo 50.2). Ao Estado
violador é dado o prazo de três meses (artigo 30), prorrogáveis, para que cumpra as
recomendações constantes desse informe não consideradas vinculantes. Esgotado
esse prazo e não atendidas as deliberações, a Comissão deve automaticamente
propor a ação contra o Estado frente à Corte, salvo se o Estado não tiver reconhecido
a jurisdição da Corte ou houver decisão em sentido contrário emanada pela maioria
absoluta dos comissários.
Caso não haja a proposição de ação contra o Estado perante a Corte, a
Comissão edita o Segundo Informe. Da mesma forma que o primeiro, esse informe
contém recomendações ao Estado violador e estabelece um prazo para que sejam
atendidas. Porém, o Segundo Informe é público. Além disso, no entender de Ramos
(2013, p. 218),
46

pelo princípio da boa-fé, os Estados, segundo a Corte, devem cumprir com


as condutas determinadas por esse Segundo Informe, já que os mesmos, ao
aderir à Convenção, aceitaram a competência da própria Comissão em
processar petições individuais.

Por fim, compete à Comissão solicitar que um Estado adote medidas


cautelares, nos casos previstos no Regulamento da Comissão (artigo 25), com o
escopo de evitar possíveis danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto de um
processo sobre o qual haja uma petição ou um caso pendente. A reforma de 2013
introduziu inovações no procedimento das medidas cautelares, alterando a redação
do artigo 25. Entre outras mudanças, a nova redação conceituou e esclareceu os
termos “gravidade da situação”, “urgência da situação” e “dano irreparável”,
estabelecendo parâmetros mais claros para a concessão das medidas e gerando,
consequentemente, maior segurança jurídica.
Ademais, a Comissão deverá pedir informações ao Estado antes de conceder
as medidas, salvo se a iminência de dano potencial justifique a adoção imediata (artigo
25.5). A qualquer momento o Estado poderá apresentar um pedido devidamente
fundamentado, requerendo a revogação dos efeitos do pedido de medidas cautelares,
o qual, contudo, não suspenderá os efeitos das medidas já outorgadas (artigo 25.9).
Quanto aos mecanismos de acompanhamento das medidas cautelares, o artigo 25.10
passou a estabelecer que estes poderão incluir “cronogramas de implementação,
audiências, reuniões de trabalho e visitas de acompanhamento e revisão”
(COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2013b, p. 3).
Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição
judicial autônoma, criada pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Ao
contrário da Corte Europeia, a Corte Interamericana não é um tribunal permanente,
uma vez que seu funcionamento ocorre em sessões ordinárias e extraordinárias.
Atualmente, a Corte exerce sua jurisdição sobre 550 milhões de pessoas, cidadãos
dos 21 Estados que aceitaram expressamente sua jurisdição, entre os 24 países que
ratificaram a Convenção Americana.
De acordo com a Convenção Americana, artigo 52, a Corte é composta por
sete juízes, escolhidos pelos Estados-parte da Convenção, em sessão da Assembleia
Geral da OEA. Os juízes são eleitos para um mandato de seis anos, e só poderão ser
reeleitos uma única vez (artigo 54.1). De acordo com o artigo 56 da Convenção
Americana, o quórum para deliberação da Corte é de cinco juízes. Para as demandas
47

originadas de petições interestatais, os Estados-partes poderão indicar um “juiz ad


hoc” na hipótese de não ter nenhum de sua nacionalidade em exercício na Corte
(artigo 53.2) (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969).
Recentemente, a Corte instituiu diversas mudanças no tocante ao papel da
vítima na ação. O Regulamento da Corte passou a permitir, em 2001, que a vítima e
seus representantes participassem de todas as fases do processo judicial, com direito
de se manifestar em igualdade de condições com a Comissão Interamericana e o
Estado-réu. Em 2009, passou-se a iniciar a ação com o envio do Primeiro Informe à
Corte, não mais sendo necessária que a Comissão elaborasse uma petição inicial
própria. Dessa forma, o processo tem-se focado na vítima, com a Comissão
exercendo a função de fiscal da lei. Contudo, os fatos expostos pela Comissão no
informe delimitam os limites subjetivos e objetivos da lide.
O procedimento perante a Corte, então, tem início mediante a apresentação
do Primeiro Informe. Em seguida, a vítima é notificada para apresentar sua petição
inicial no prazo de dois meses. A petição deverá conter: exposição dos fatos (limitada
pelo estabelecido na apresentação da lide pela Comissão), as provas com as quais
pretende provar o alegado juntamente com os fatos e fundamentos jurídicos
correspondentes, a individualização dos declarantes e o objeto de suas declarações,
bem como a indicação dos peritos.
Em seguida, o Estado-réu é notificado para apresentar sua contestação ao
caso apresentado pela Comissão e à petição inicial no prazo, também, de dois meses,
indicando desde já as provas, os peritos, além dos fundamentos jurídicos pertinentes.
O Estado poderá, ademais, reconhecer sua responsabilidade internacional, o que
autorizará a Corte a sentenciar desde logo.
Caso decida contestar, o Estado poderá expor na própria contestação as
exceções preliminares, as quais consistem em toda a matéria que impeça a Corte de
examinar o mérito da demanda. A apresentação das exceções preliminares não
suspende o processo nem qualquer prazo. A vítima ou seus representantes e a
Comissão terão o prazo de trinta dias para apresentar suas declarações a respeito
das exceções preliminares. Poderá ser convocada uma audiência para
esclarecimento das exceções pela Corte, se assim ela julgar necessário. Ao final, a
Corte poderá sentenciar a respeito das exceções ou postergar seu julgamento para o
fim do processo, juntamente com a sentença de mérito.
48

Após a fase postulatória, tem início a fase probatória. Aberta a audiência, a


Comissão expõe os fundamentos da demanda à Corte. Depois, passa-se ao
interrogatório dos declarantes (vítimas, testemunhas e peritos) anteriormente
apontados. A testemunha prestará compromisso de dizer a verdade, assim como os
peritos. As partes também poderão utilizar-se do “affidavit”, um agente dotado de fé
pública, que prestará suas informações por escrito à Corte.
Após a coleta das provas orais, a Corte dará a palavra à vítima ou aos seus
representantes e ao Estado-réu, para que apresentem suas alegações orais.
Posteriormente, conceder-se-á às partes a possibilidade de exporem uma réplica e
uma tréplica. Finalizadas as alegações, a Comissão irá apresentar suas observações
finais.
A Corte tem poder, ainda, de determinar “ex officio” a produção das provas
que julgar necessárias e úteis ao esclarecimento dos fatos (Regulamento da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, artigo 45.1). As provas produzidas no
procedimento perante a Comissão poderão ser incorporadas no processo frente à
Corte se houverem sido produzidas com observância ao princípio do contraditório,
salvo se a Corte considerá-las indispensável repeti-las (artigo 44.2) (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2009). Cabe ressaltar que o regime
probatório, no processo internacional dos direitos humanos, apresenta diversas
singularidades que o diferem dos sistemas probatórios locais em razão do próprio
objeto e finalidade desse ramo. Assim, o ônus da prova é atribuído ao autor
(Comissão), mas, como bem recorda Alberto Bovino (2005, p. 69),

[...] esse ônus é atenuado por duas vias distintas. Em primeiro lugar, às vezes
o demandante é eximido do ônus probatório se os meios de prova forem
inacessíveis para ele, por estarem em poder ou à disposição do Estado.
Nesses casos, ele é dispensado de provar um ou mais fatos ou
circunstâncias. Em segundo lugar, se o Estado não contestar os fatos que
são objeto da demanda, estes serão considerados certos, mediante a
aplicação de uma suposição regulamentar

Por fim, a fase probatória finaliza-se com a oportunidade da vítima ou seus


representantes e do Estado-réu apresentarem alegações finais escritas. Da mesma
forma, a Comissão terá a faculdade de apresentar suas observações finais.
A Corte também poderá utilizar-se do amicus curiae. De acordo com o artigo
2.3 do Regulamento da Corte, o amicus curiae consiste em uma
49

pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que apresenta à Corte


fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou
formula considerações jurídicas sobre a matéria do processo, por meio de um
documento ou de uma alegação em audiência. (CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2009, p. 1).

Na jurisdição contenciosa, o amicus curiae poderá enviar petição escrita a


qualquer momento processual, até o prazo máximo de quinze dias após a realização
da audiência pública. Ou, em não se realizando audiência pública, o prazo de quinze
dias conta-se a partir da notificação para a apresentação de alegações finais (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2009).
O artigo 63.2 da Convenção estabelece que a Corte poderá tomar as medidas
provisórias que considerar adequadas em caso de extrema gravidade e urgência e
quando houver risco de danos irreparáveis às pessoas. Se o caso ainda não tiver sido
submetido ao conhecimento da Corte, ela somente poderá determinar tais medidas
por solicitação da Comissão (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS,
1969).
No Regulamento da Comissão, a antiga redação do artigo 76 dizia que:

Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se tornar necessário


para evitar dano pessoal irreparável, num assunto ainda não submetido à
consideração da Corte, a Comissão poderá solicitar àquela que adote as
medidas provisórias que julgar pertinentes. (COMISSÃO INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2013b, p. 18).

Porém, a nova redação estabelece que

A Comissão poderá solicitar medidas provisórias à Corte em situações de


extrema gravidade e urgência, quando isso for necessário para evitar dano
pessoal irreparável. Ao tomar essa decisão, a Comissão considerará a
posição dos beneficiários ou de seus representantes. (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2013b, p. 18).

Portanto, a nova redação permite que a Comissão solicite medidas provisórias


à Corte tanto em casos ainda não submetidos a ela quanto em casos já em tramitação
perante a Corte. Outrossim, entre as alterações, no artigo 76.2 foram estabelecidos
critérios segundo os quais a Comissão guiar-se-á ao solicitar medidas provisórias à
Corte (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2009).
Em relação ao Brasil, foram emitidas três medidas provisórias a pedido da
Comissão: Caso da Penitenciária de Urso Branco; Caso das Crianças e Adolescentes
50

privados de liberdade no “Complexo do Tatuapé” da FEBEM; e Caso das pessoas


privadas de liberdade na Penitenciária “Dr. Sebastião Martins Silveira”, em
Araraquara, São Paulo (RAMOS, 2013).
A Corte Interamericana pode deliberar pela improcedência ou procedência,
total ou parcial, dos pedidos contidos na ação de responsabilização internacional do
Estado por violação de direitos humanos. Enquanto nas sentenças da Corte Europeia
determina-se que se volte ao “status quo ante” ao da violação e, em não sendo isso
possível, que seja fixada uma satisfação equitativa pecuniária, nas sentenças da Corte
Interamericana há o dever de o Estado cumprir integralmente suas disposições, as
quais consistem, com base nos artigos 52 e 63 da Convenção, em toda conduta que
garanta ao prejudicado o gozo de seu direito violado, bem como na reparação pelos
prejuízos sofridos (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969).
Além da jurisdição contenciosa, que depende de aceitação expressa do
Estado, a Corte também exerce jurisdição consultiva, que pode ser solicitada pela
Comissão ou por qualquer Estado-parte da Convenção. A jurisdição consultiva é o
mecanismo por meio do qual a Corte interpreta as normas jurídicas internacionais,
definindo seu conteúdo e seu alcance, de maneira abstrata.
Atualmente, é possível dizer que a jurisdição contenciosa na Corte
Interamericana de Direitos Humanos vem se desenvolvendo e se expandindo. Neste
sentido, alguns afirmam que, olhando para a jurisprudência da Corte, sobressaem-se
três períodos distintos no seu desenvolvimento:

La primera, marcada por la instalación de la legitimidad del sistema


interamericano y por su conocimiento de casos de violaciones graves y
sistemáticas en contextos de regímenes autoritarios, cuyo primer exponente
es el célebre fallo Velásquez Rodríguez contra Honduras. En la segunda
etapa el sistema intenta robustecer a las democracias reinstaladas en la
región y, por eso mismo, se aprecia una actitud de colaboración con los
Estados, además del monitoreo y sanción de crímenes graves contra los
derechos humanos. Y la tercera abre nuevos espacios de interacción entre el
sistema interamericano y los Estados – en especial, a mi juicio, por el mayor
uso del proceso de solución amistosa – junto con una decisiva acción de
organismos de la sociedad civil destinada a reconstruir y agrupar los
desarrollos normativos em diversos Estados para “mostrar” posibles líneas de
acción al sistema. (SINGH, 2011, p. 258-259).

O primeiro momento engloba desde a entrada em vigência da Convenção


Americana (1978) até aproximadamente 1990. Esse período insere-se no contexto de
afirmação do Sistema Interamericano, dentro de um território latino-americano
51

impregnado por regimes autoritários e, por isso, de casos relativos a violações graves
e sistemáticas de direitos humanos.
O segundo momento, que vai de 1990 a 1995, é marcado por uma
preocupação maior em relação à preservação dos novos regimes democráticos em
vigor e começa a delinear-se a nova postura adotada pela Comissão no terceiro
período, mais conciliatória no que concerne aos casos contenciosos, especialmente
utilizando-se do mecanismo de solução amistosa. Os países que anteriormente
negavam as violações sistemáticas de direitos humanos em seus territórios, com a
chegada dos regimes democráticos, passam a reconhecê-las.
No terceiro momento, de 1996 a 2001, sob o prisma processual, iniciou-se a
discussão da reforma do Sistema Interamericano, pois, em razão do desaparecimento
dos regimes ditatoriais, o sistema poderia centrar-se na promoção dos direitos
humanos, em detrimento da função de proteção até então predominante. Dessa
forma, em 2001, foram reformados os regulamentos de funcionamento da Comissão
e da Corte. Já sob o prisma substantivo, a partir desse momento assumiram especial
relevância os casos ligados a grupos sociais específicos, como o direito dos povos
indígenas e dos homossexuais.

3.3 O abuso de menores perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos

No âmbito do Sistema Interamericano, muitos casos abordaram várias


espécies de violações a direitos humanos de crianças e adolescentes. Pode-se
destacar, dentre outros, os casos Villagrán Morales e outros vs. Guatemala, também
conhecido como “Meninos de Rua contra Guatemala”, que se refere ao sequestro, à
tortura e ao assassinato de jovens que viviam nas ruas, sendo que dois deles eram
menores de idade, em 1999. Neste caso, a discussão central referia-se à omissão por
parte dos mecanismos do Estado para enfrentar judicialmente essas violações e
condenar os responsáveis. A responsabilidade do Estado foi reconhecida pela Corte
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2001).
O caso das Crianças Yean e Bosico vs. República Dominicana versa sobre a
não realização do registro das crianças Yean e Bosico, de ascendência haitiana. Na
sentença, a Corte entendeu que foram violados os direitos à nacionalidade, como
direito fundamental da pessoa, e o direito à conexão de um indivíduo a um Estado,
porque as crianças e suas respectivas mães nasceram em território dominicano.
52

Os casos Comunidade indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai e Comunidade


indígena Xámok Kásek vs. Paraguai tratam da violação, por parte do respectivo
Estado, de direitos humanos de crianças indígenas. No último caso, a sentença, de
24 de agosto de 2010, reafirmou que a

[...] prevalência do interesse superior da criança deve ser entendida como a


necessidade de satisfação de todos os direitos das crianças, que obriga o
Estado e irradia efeitos na interpretação de todos os demais direitos da
Convenção quando o caso se refira a menores de idade (CRUZ, 2018, p. 74).

Destacou-se, especificamente, que a falta de acesso à água potável e à


alimentação adequada afetou o desenvolvimento e o crescimento das crianças e
ocasionou altos índices de desnutrição entre elas. Reportou-se a ocorrência de onze
mortes de crianças, dentre as treze ocorridas na comunidade, todas por causas que
poderiam ter sido prevenidas com atendimento médico ou assistência adequada por
parte do Estado (CRUZ, 2018).
O caso Atala Riffo e crianças vs. Chile refere-se à violação de direitos
humanos pelo Poder Judiciário chileno, que alterou sistema de guarda de crianças em
favor do pai quando a mãe iniciou união estável homoafetiva. Em sua análise, a Corte
vislumbrou que uma possível discriminação social, motivada pelas condições do pai
ou da mãe, não é argumento adequado a proteger o interesse superior das crianças;
que não havia dano concreto e específico às crianças pela convivência da mãe com
uma companheira; e que não é possível interpretar o direito à família como o direito a
uma família tradicional (CRUZ, 2018).
O caso Fornerón e filha vs. Argentina conta a história de uma
infantoadolescente entregue pela mãe, ao nascer, a um casal para adoção. Logo após
o nascimento da criança, o pai biológico adotou as medidas cabíveis para o
reconhecimento da paternidade e a implementação de regime de visitas, o que não
ocorreu, apesar de múltiplos pedidos feitos ao longo de mais de dez anos. Ao julgar o
caso, a Corte reconheceu que o direito à proteção à família, reconhecido no artigo 17
da Convenção Americana, inclui favorecer o desenvolvimento e o fortalecimento do
núcleo familiar de origem, do qual a criança só pode ser retirada de forma excepcional
e temporária, devidamente justificada no interesse superior da criança.
Para além destes casos, merecem destaque aqueles que abordam
especificamente o abuso sexual de criança, demonstrando o total descaso com que
53

esta forma de violência foi, durante muito tempo, tratada dentro da estrutura social
patriarcal.
O caso María Dolores Rivas Quintanilla vs. El Salvador – Informe 694,
referente ao caso 10.772 de 1994 – relata a violência sexual sofrida por Maria Dolores
Rivas Quintanilla, de sete anos de idade. O ato foi cometido por soldado ligado ao
Batalhão de Infantaria de Reação Imediata Atonal, do Estado de El Salvador. De
acordo com a petição inicial, os atos ocorreram em 14.05.1990, quando a criança
estava em sua casa, sem a presença dos pais.
Segundo a petição recebida pela Comissão (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1994b, s.p.), em “14 de maio de 1990, um soldado
estuprou María Dolores Rivas Quintanilla, de sete anos, e deixou no local do evento
seu lenço com o nome de sua Unidade Militar, Batalhão de Infantaria de Reação
Rápida Atonal”. O estupro “foi cometido quando a jovem estava em sua casa no
povoado de Gualchua, no cantão de Moropala, departamento de San Miguel, El
Salvador”. Segundo a petição, a mãe da criança afirmou que saiu de casa na
madrugada do dia 14 de maio, deixando suas duas filhas (de sete e cinco anos)
brincando no pátio. Um soldado se aproximou, pediu água às meninas e as
acompanhou quando elas entraram em casa. Lá ele atacou a menina. Ao ver o que
estava acontecendo, a irmã mais nova da vítima, Evelin Yamlit Rivas Quintanilla, de
cinco anos, saiu correndo de casa para contar a um vizinho, que não fez nada.
Quando a mãe das meninas voltou para casa e soube o que havia acontecido,
ela falou com um grupo de soldados que estava a uma quadra de sua casa e pediu
ao tenente que convocasse todos os soldados, a fim de que sua filha pudesse
identificar seu agressor. A menina, que não parava de chorar, não conseguia
identificar nenhum dos homens. A senhora Quintanilla denunciou o crime ao
comandante do cantão responsável por essa empresa, Boanerges N., que se
manifestou disposto a prender o responsável e dar-lhe dinheiro para os medicamentos
que se faziam necessários (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994a).
Com base em uma descrição do agressor que a jovem deu à sua mãe, esta
apresentou a denúncia correspondente ao Comandante e, no dia seguinte, ao Juízo
de Primeira Instância de Usulután. Lá, o juiz se recusou a aceitar o caso, dizendo a
ela; “Essas coisas acontecem, e não apenas aqui, mas em outros lugares também”
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994b, s.p.)
54

Nesse mesmo dia, quinze de maio, o Comandante voltou à casa da senhora


Quintanilla e disse a ela que o homem que havia estuprado sua filha era um
guerrilheiro. A menina sangrou por quatro dias. Apenas no dia 21 de junho é que ela
foi levada a um ginecologista, em San Salvador. O médico descobriu que a criança
tinha “um hímen quebrado e cheio de cicatrizes e uma abertura vaginal dilatada; o
diagnóstico foi de que ela havia sido violada sexualmente” (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1994b, s.p.).
Em 16 de janeiro de 1991, a Comissão deu início ao trâmite do presente caso
e solicitou ao Governo de El Salvador que fornecesse a informação pertinente sobre
os fatos denunciados na comunicação, bem como qualquer outra informação do
histórico do caso e que possibilitasse à Comissão determinar se foram esgotados os
recursos da jurisdição interna. A Comissão deu ao Governo 90 dias para responder
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994b).
Apesar da gravidade dos fatos denunciados, o Governo de El Salvador não
respondeu. Mediante nota de 28 de janeiro de 1992, a Comissão reiterou sua
solicitação anterior ao Governo de El Salvador para que fornecesse informação,
advertindo-o da possível aplicação do artigo 42 do Regulamento se nenhuma resposta
fosse enviada dentro de 30 dias.
Em 18 de agosto de 1992, a Comissão reiterou seu pedido ao Governo de El
Salvador para que fornecesse informação sobre o presente caso, advertindo
novamente sobre a possível aplicação do artigo 42 de seu Regulamento. Embora a
Comissão tenha enviado ao Governo uma lista detalhada dos processos em curso
que exigiam uma resposta urgente por parte deste último – sendo um dos casos o
referido, até ao momento não foi recebida qualquer comunicação desse Governo.
Em 5 de outubro de 1993, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
reunida em sua 84ª Reunião Ordinária, considerou este caso e emitiu o Relatório nº
18/93, em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos resolveu enviar o Relatório,


em caráter confidencial, ao Governo de El Salvador, concedendo-lhe um
prazo de três meses para implementar as recomendações nele contidas. O
Governo de El Salvador não respondeu à solicitação da Comissão em sua
nota de 18 de outubro de 1993. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1994a, s.p., traduziu-se).
55

Ao final do todo trâmite, a CIDH, tendo em vista a ausência de respostas por


parte do Estado, mesmo após três anos da ocorrência de graves violações a direitos
humanos da menina María Dolores, considerou que havia tolerância estatal para com
esta situação, declarando:

Esta actitud de pasividad e indiferencia del Gobierno, en un caso que revela


una crueldad y falta de respeto a los más elementales principios de la
dignidad humana, indica un comportamiento de tolerancia y encubrimiento de
hechos criminales tan graves como el denunciado, por parte tanto de las
autoridades militares como de las judiciales, según consta en la denuncia, así
como de la propia rama ejecutiva del poder público, a través de la cual se
transmitió el caso al Gobierno de El Salvador. (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1994a, s.p.).

Também se determinou que, não sendo o caso passível de solução amistosa


entre as partes – em razão da ausência de respostas por parte do Estado e não
solicitação deste procedimento pela vítima –, a Comissão aplicaria o artigo 50.1 da
Convenção Americana de Direitos Humanos, posicionando-se acerca dos fatos e
determinando medidas a serem adotadas pelo Estado.
Ainda, conforme destaca Gonçalves (2011), a Comissão Interamericana
declarou o Estado de El Salvador responsável pelos fatos denunciados, mediante
violação dos seguintes direitos previstos na Convenção Americana de Direitos
Humanos: preservação da integridade física, moral e psicológica das pessoas;
proteção da honra e da dignidade; direitos de crianças; proteção judicial em conexão
com a obrigação de respeitar direitos (artigos 5.1, 11, 19, 25, em conexão com o 1.1,
respectivamente).
Na oportunidade, recomendou ao Estado que: (i) realizasse uma exaustiva,
rápida e imparcial investigação sobre os fatos denunciados, para que se
identificassem os responsáveis pela violência sofrida por María Dolores, bem como
aqueles que acobertaram tais ações, submetendo-os às sanções penais cabíveis;
(ii) promovesse a reparação dos danos causados à vítima, inclusive mediante o
pagamento de justa indenização; (iii) adotasse as medidas necessárias para evitar
que fatos similares ocorressem – mediante o respeito às normas internacionais de
direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 19, Protocolo
de São Salvador, artigo 16, e Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança, artigos 19.1, 37 e 39) e a adoção de legislação específica para a punição
exemplar de violações como as denunciadas, sendo explicitado o agravamento da
56

pena em caso de ser a vítima menor de idade. Por fim, a Comissão convidou o Estado
a aceitar a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994b).
O caso Flor de Ma. Hernández Rivas vs. El Salvador, segundo o informe 7/94,
refere-se à detenção e prisão arbitrárias, tortura e violência sexual sofridas por Flor
de Ma. Hernández, adolescente de 14 anos de idade. Consta de denúncia recebida
pela Comissão em 25 de junho de 1991 que, em 30 de março de 1990, por volta das
16h, a jovem foi capturada violentamente por efetivos da Guarda Nacional, sob a
acusação de ter participado da ofensiva da FMLN em novembro de 1989. Não
obstante as manifestações de Flor alegando sua inocência e da ausência de ordem
judicial escrita determinando sua prisão, os agentes militares a levaram ao Quartel
Central da Guarda Nacional, onde lhe vendaram os olhos, torturaram-lhe e
posteriormente a violentaram sexualmente – três homens a estupraram em outra
unidade da Guarda Nacional. Posteriormente, libertaram-na, não, porém, sem
ameaçá-la gravemente, caso fosse capturada novamente. No dia em que foi presa,
sua mãe foi à Guarda Nacional tentar obter informações sobre sua filha. Inicialmente,
negaram-lhe que ela estivesse detida, mas, em seguida, disseram-lhe que ela estava
sendo investigada (GONÇALVES, 2011).
De acordo com o relato de Gonçalves (2011), a tramitação do caso iniciou em
dois de julho de 1991, quando a Comissão solicitou ao Estado a prestação de
informações sobre o ocorrido, em até 90 dias. Em 28 de janeiro de 1992, tendo se
esgotado tal prazo sem resposta do Estado, a Comissão reiterou o pedido ao Estado,
concedendo-lhe mais 30 dias. Em 20 de agosto de 1992, o Governo encaminhou
comunicação à Comissão alegando que a jovem teria sido detida sob a suspeita de
terrorismo, negando, no entanto, que os seus direitos tenham sido violados durante a
investigação. Considerando a sucinta resposta oferecida pelo Estado, em 27 de
agosto de 1992, a Comissão solicitou detalhes sobre a detenção de Flor,
especialmente considerando-se o fato de ser menor de idade. Em 22 de setembro de
1992, o Estado ofereceu resposta à Comissão, indicando que todas as informações
já haviam sido prestadas. Em cinco de outubro de 1993, a Comissão elaborou um
informe ao governo de El Salvador, com recomendações específicas sobre este caso,
a serem cumpridas em um prazo de 30 dias. Até 18 de outubro de 1993, não houve
respostas por parte do Estado.
57

Considerando o lapso temporal de mais de três anos desde a ocorrência dos


fatos, sem uma resposta efetiva por parte do Estado, e a impossibilidade de solução
amistosa, a Comissão manifestou-se, tendo como referência a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em particular os artigos 37 e 40.
Determinou ser o Estado responsável pelos fatos denunciados, em ofensa à
Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 5º: garantia de integridade
pessoal; artigo 7º: direito à liberdade pessoal; artigo 8º: garantias judiciais; artigo 19:
direitos das crianças; e artigo 25: proteção judicial; todos em conexão com o artigo 1.1
– obrigação de respeitar direitos). Com isso, formulou também recomendações a
serem cumpridas pelo governo, quais sejam: (i) realização de exaustiva, rápida e
imparcial investigação sobre os fatos denunciados, a fim de que fossem identificados
os responsáveis, bem como sua consequente punição; (ii) reparação das
consequências resultantes da violação de direitos, inclusive com o pagamento de
indenização à vítima; (iii) adoção de medidas para evitar que fatos similares ocorram,
com a adoção de legislação específica, que preveja punição adequada com agravante
em caso de vítima menor de idade. Por fim, a Comissão convidou o Estado a aceitar
a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(GONÇALVES, 2011).
Da análise dos casos, pode-se evidenciar, de acordo com Gonçalves (2011,
p. 159), o estupro por parte de três agentes militares e, apesar de algumas diferenças,
nas duas situações mostrou-se patente a indiferença das autoridades com a grave
situação de violação a direitos humanos, “bem como a conivência estatal para com
estes casos, o que se refletiu na negligência nas investigações conduzidas e nas
dificuldades enfrentadas pelas vítimas ao buscar acessar os serviços de justiça”.
De acordo com Gonçalves (2011, p. 146), esta conivência estatal é visível no
caso de María Dolores, quando o juiz diz à mãe de uma das vítimas, que estava em
busca de reparação: “esas cosas pasaban, y no sólo allí, sino también en otros
lugares”. Ou seja, além de a violência ter sido perpetrada por agentes estatais, o
próprio juiz responsável pela análise do caso, que deveria garantir o devido processo
legal, o respeito e a consideração pela denúncia recebida, demonstrou pouca
disposição em investigar a situação e buscar a responsabilização dos agressores,
como se o ocorrido não fosse grave. Ainda, admitiu que o caso da vítima não era algo
isolado, mas bem ao contrário: inseria-se em um padrão sistemático de violações a
direitos humanos. O que se pode concluir é que casos como este parecem ser
58

particularmente comuns, sem que as autoridades estejam empreendendo esforços


para reverter essa situação.
59

4 O BRASIL E AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL


CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988

No Brasil, o período que antecedeu à Constituição Federal de 1988 (CF/88)


foi determinante para a mudança de paradigmas na área da garantia de direitos de
crianças e adolescentes. O texto constitucional trouxe os princípios da proteção
integral dos direitos da criança e do adolescente, com absoluta prioridade. Nele, o
tema da violência sexual tem especial relevância. Merece destaque o parágrafo 4º do
artigo 227 pela importância atribuída ao enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescentes, explicitamente tratado. Era claramente uma resposta ao
clamor de vários movimentos sociais que solicitavam uma ação formal do Estado
brasileiro à violência sexual contra crianças e adolescentes, que se configurava como
uma violência velada, pouco discutida e pouco assumida pelas políticas públicas.
A Constituição Federal de 1988 foi um marco, na medida em que provocou
uma substancial mudança no campo dos direitos humanos de crianças e
adolescentes. A visão da “criança-objeto” e da “criança menor” (ou seja, a visão
higienista e correcional) é substituída pela visão da criança como sujeito de direitos.
O mais importante nesse movimento, inaugurado pela Criança Constituinte e que
culminou com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990,
é a afirmação da universalidade dos direitos da criança. Não se trata mais de
categorizar a infância como “irregular”, mas de pensar em toda a diversidade desse
público no Brasil.
O Brasil foi o primeiro país a promulgar um marco legal (Estatuto da Criança
e do Adolescente) em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança
(1989). Estima-se que o referido Estatuto tenha inspirado mais de quinze reformas
legislativas, em especial na América Latina. A partir do Estatuto da Criança e do
Adolescente, foi implementado um sistema de justiça e de segurança específico para
crianças e adolescentes, com a criação de Juizados da Infância e Juventude, bem
como Núcleos Especializados no Ministério Público e Defensoria, além de delegacias
especializadas, tanto para atendimento de crianças e adolescentes vítimas quanto
autores da violência. As delegacias especializadas foram determinantes no processo
de visibilidade da violência sexual contra crianças e adolescentes.
60

Nesse sentido, do ponto de vista teórico-conceitual, a política pública em geral


e a política social em particular são campos multidisciplinares, e seu foco está nas
explicações sobre a natureza da política pública e seus processos. Desta forma, uma
teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias construídas no
campo da Sociologia, da Ciência Política e da Economia. Tendo em vista que as
políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, elas precisam também
explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade. Por essa
razão, muitos pesquisadores e de tantas disciplinas – Economia, Ciência Política,
Sociologia, Antropologia, Geografia, Planejamento, Gestão e Ciências Sociais
Aplicadas – partilham um interesse comum na área e têm contribuído para avanços
teóricos e empíricos.
Acerca do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, esta lacuna
entre legislação, políticas públicas existentes e o crescimento dos casos tem se
acentuado, como é possível identificar a partir das manifestações feitas pelos órgãos
oficiais acerca do período de pandemia de Covid-19 e do consequente isolamento
social, que afetou o mundo todo em maior ou menor medida. Crianças e adolescentes,
principalmente negras(os), têm ficado cada vez mais em situação de vulnerabilidade,
e casos de abuso e exploração sexual têm aumentado no país.
Giza-se que o presente capítulo tem o objetivo de demonstrar a evolução
legislativa no âmbito brasileiro, bem como suas políticas públicas de enfrentamento e
sua (in)eficácia.

4.1 A Evolução legislativa no Brasil

No Brasil, o ano de 1990 é marco histórico no reconhecimento dos direitos


das crianças e dos adolescentes, diante da criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, através da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Anteriormente a esse
período, segundo estudos de Lorenzi (2007, p. 3), “não se tem registro, até o início do
Século XX, do desenvolvimento de políticas sociais desenhadas pelo Estado
brasileiro”. Sabe-se que até 1900, final do Império e começo da República, o amparo
à criança e ao adolescente abandonados foi executado pelo sistema da Roda das
Santas Casas, modelo importado da Europa (LORENZI, 2007).
Assim é descrito esse sistema e a sua posterior supressão:
61

A Roda constituía-se de um cilindro oco de madeira que girava em torno do


próprio eixo com uma abertura em uma das faces, alocada em um tipo de
janela onde eram colocados os bebês. A estrutura física da Roda privilegiava
o anonimato das mães, que não podiam, pelos padrões da época, assumir
publicamente a condição de mães solteiras. Mais tarde em 1927 o Código de
Menores proibiu o sistema das Rodas, de modo a que os bebês fossem
entregues diretamente a pessoas destas entidades, mesmo que o anonimato
dos pais fosse garantido. O registro da criança era uma outra obrigatoriedade
deste novo procedimento. (LORENZI, 2007, p. 3).

A situação anterior da infância e da adolescência no Brasil modificou-se após


a promulgação da Lei nº 8.069/90, em 13 de julho de 1990, cujos princípios a ela
incorporados, com caráter inovador, perpassam a mudança cultural em seus quase
30 anos de existência (LORENZI, 2007). O novo documento:

altera significativamente as possibilidades de uma intervenção arbitrária do


Estado na vida de crianças e jovens. Como exemplo disto, pode-se citar a
restrição que o ECA impõe à medida de internação, aplicando-a como último
recurso, restrito aos casos de cometimento de ato infracional, sendo o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o conjunto de normas do
ordenamento jurídico brasileiro que tem como objetivo a proteção integral da
criança e do adolescente, aplicando medidas e expedindo encaminhamentos
para o juiz. É o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e
adolescentes. (LORENZI, 2007, p. 4).

Surgido no ordenamento jurídico brasileiro como forma de regulamentação do


artigo 227 da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente
é composto por 267 artigos e está dividido em dois livros, sendo que o Livro I – Parte
Geral (artigo 1º ao artigo 85) trata da proteção dos direitos fundamentais e
prevenções, ao passo que o Livro II – Parte Especial (artigo 86 ao artigo 267) dispõe
sobre os órgãos, procedimentos protetivos, política de atendimento e diversas
medidas (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2017). O Estatuto da Criança e do Adolescente
é reconhecido internacionalmente como “um dos mais avançados Diplomas Legais
dedicados à garantia dos direitos da população infantojuvenil”, segundo Murillo José
Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2017, p. 1).
As partes, títulos, capítulos e respectivos artigos do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que dispõem especificamente a respeito da violência sexual contra
infantoadolescentes, direta ou diretamente implicados, constam do Anexo I. Para
intervir na realidade sofrida pela exclusão na infância e na juventude, o Estatuto
apresenta duas propostas fundamentais, segundo Digiácomo e Digiácomo (2017, p.
IV):
62

A) Garantir que as crianças e adolescentes brasileiros, até então


reconhecidos como meros objetos de intervenção da família e do Estado,
passem a ser tratados como sujeitos de direitos; B) o desenvolvimento de
uma nova política de atendimento à infância e juventude, informada pelos
princípios constitucionais da descentralização político-administrativa (com a
consequente municipalização das ações) e da participação da sociedade civil.

Em nota à sétima edição do Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e


Interpretado, Digiácomo e Digiácomo (2017, p. I) ressaltam que suas atualizações
vêm cumprir, cada vez mais e melhor,

a promessa de “proteção integral” a todas as crianças e adolescentes


brasileiras contida já em seu art. 1º, para o que também conta com a
colaboração de outros Diplomas Legais recentemente editados, que
reclamam interpretação e aplicação conjunta, com ênfase para a Lei nº
13.257/2016, que instituiu o “Marco Legal da Primeira Infância” e a Lei nº
13.431/2017, que prevê a instituição do “Sistema de Garantia de Direitos da
criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência”.

Em contínua evolução, o Estatuto passou por modificações ao longo desses


anos, havendo realizado muitas conquistas, ao passo que outras nem saíram do
papel, ainda. Há elogios e há críticas ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Houve
incorporação do Estatuto no cotidiano das políticas sociais e das educacionais
(DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2017).
Ana Luísa Vieira e Francisca Rodrigues de Oliveira Pini (2015) citam a Lei nº
13.010/2014, sancionada em 26 de junho de 2014, também conhecida como Lei
Menino Bernardo ou Lei da Palmada, que altera o Estatuto para estabelecer o direito
da criança e do adolescente em serem educados e cuidados sem o uso de castigos
físicos ou de tratamento cruel ou degradante. Essa lei equipara o direito da criança e
do adolescente à integridade física e psicológica ao direito dos demais cidadãos
brasileiros.
Quanto à defesa contra a violência sexual infantojuvenil, vários são os
avanços, entre os quais: a criação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes – PNEVSCA (2013); o Congresso Mundial de
Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; Pacto Nacional
de Enfrentamento de Violações de Direitos Humanos – PNEVDH; Agenda e Aplicativo
de Convergência Proteja Brasil; estudos sobre o turismo e a exploração sexual de
crianças e adolescentes; criação do Mapa da Violência contra crianças e adolescentes
no Brasil; Guia para a Localização dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual
63

Infantojuvenil ao Longo das Rodovias Federais Brasileiras; Programa Na Mão Certa;


Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; Comissão Intersetorial de
Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; Matriz Intersetorial
de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; Programa de
Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças
e Adolescentes no Território Brasileiro; Programa Sentinela de Política de Assistência
Social, incorporado ao Serviço de Enfrentamento da Violência, Abuso e Exploração
Sexual contra Criança e Adolescente, entre muitos outros.
Tendo por base os estudos de Norberto Bobbio (1995, p. 31) em Teoria do
Ordenamento Jurídico, tem-se ordenamento jurídico como todo sistema normativo, o
qual é definido como um conjunto de normas, sendo que “pressupõe uma única
condição: que na constituição de um ordenamento concorram mais normas (pelo
menos duas), e que não haja ordenamento composto de uma norma só”. Sendo
muitas as normas existentes sobre a questão em evidência, admite-se a complexidade
neste estudo, pois

a dificuldade de rastrear todas as normas que constituem um ordenamento


dependem do fato de geralmente essas normas não derivarem de uma única
fonte. Podemos definir os ordenamentos em simples e complexos, conforme
as normas que o compõem derivem de uma só fonte ou de mais de uma. Os
ordenamentos jurídicos, que constituem a nossa experiência de historiadores
e de juristas, são complexos. (BOBBIO, 1995, p. 37).

Por sua natureza complexa e visando à unidade do estudo, há que instituir


primeiramente a admissão de uma hierarquia normativa escalonada, com a
Constituição Federal de 1988 como a norma fundamental do poder constituinte, dada
à legislação infraconstitucional, incluindo aí o Código Penal, a tutela dos direitos
fundamentais nela insculpidos.
Por outro lado, são consideradas também todas as normas supralegais, que
são os tratados internacionais expostos no capítulo anterior e que não fazem parte
das Emendas Constitucionais de 1988. E, obviamente, o próprio Estatuto da Criança
e do Adolescente como legislação infraconstitucional, mas advindo da Constituição
Federal de 1988 e dos tratados internacionais. Para Bobbio (1995, p. 49), o núcleo
dessa construção escalonada admite que

as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas


superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores.
64

Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-
se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma
superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma
suprema é a norma fundamental. Cada ordenamento tem uma norma
fundamental, que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas
espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser
chamado de ‘ordenamento’.

Assim, considera-se legislação infraconstitucional as normas jurídicas


próprias que regulamentam e estruturam o ordenamento jurídico brasileiro (BASTOS,
2019), composta por leis ordinárias, leis complementares, leis delegadas, medidas
provisórias, decretos legislativos e resoluções, segundo o artigo 59 da Constituição
Federal de 1988, bem como os regulamentos administrativos do Poder Executivo (por
sua vez, composto de decretos, resoluções e portarias, entre outros instrumentos).
Realizar revisão bibliográfica do ordenamento jurídico brasileiro contra a
violência sexual infantojuvenil, em sequência cronológica de surgimento a partir de
1990, exigiu labor que encarasse a natureza multidimensional de articulação e
integração das instâncias públicas governamentais que constituem o Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) no Brasil.
Multidimensional, porque dialoga com esferas não governamentais da sociedade civil
“na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de
promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do
adolescente [...]” (BRASIL, 2006, p. 1), segundo o artigo 1º da Resolução 113, de 19
de abril de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda).
Nesse sentido, delimitou-se esta revisão ao ordenamento jurídico contra a
violência sexual infantojuvenil advindo de vários setores governamentais federais:
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH); Ministério da Justiça
e Cidadania (MJ); Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS); Ministério
de Educação e Cultura (MEC); Ministério da Saúde (MS). Isso com relativa
incompletude, diante da extensão a todos os Ministérios que constituem o Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, por se entender que estão
articulados nas diversas esferas da Federação, para a operacionalização “[...] de
políticas públicas, especialmente nas áreas de saúde, educação, assistência social,
trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e
promoção da igualdade e valorização da diversidade”, consoante o artigo 1º, parágrafo
1º, da Resolução nº 113/2006, do Conanda (BRASIL, 2006, p. 1).
65

Por outro lado, especificamente, são considerados aqui dois conceitos de


violência. Primeiro, de acordo com Minayo (2006 apud MINISTÉRIO DOS DIREITOS
HUMANOS, 2018, p. 11),

a violência consiste no uso da força, do poder e de privilégios para dominar,


submeter e provocar danos a outros: indivíduos, grupos e coletividades. A
cultura e as formas de solução de conflitos das sociedades determinam quais
são mais violentas ou menos.

O segundo conceito, por sua vez, é de:

uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si


próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que
resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (KRUG et al, 2002
apud MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 11).

E se tem como violência sexual contra criança e adolescente (VSCA),


consoante o Boletim Epidemiológico nº 27, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2018d,
p. 3):

os casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual, que


podem se manifestar das seguintes maneiras: abuso incestuoso; sexo
forçado no casamento; jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas;
pedofilia; voyeurismo; manuseio, penetração oral, anal ou genital, com pênis
ou objetos, de forma forçada. Inclui, também, exposição coercitiva
constrangedora a atos libidinosos, exibicionismo, masturbação, linguagem
erótica, interações sexuais de qualquer tipo e material pornográfico. Ademais,
se consideram os atos que, mediante coerção, chantagem, suborno ou
aliciamento, impeçam o uso de qualquer método contraceptivo ou force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto, à prostituição; ou que limitem ou anulem
em qualquer pessoa a autonomia e o exercício de seus direitos sexuais e
direitos reprodutivos.

Tendo-se o ano de 1990 por início desta revisão e considerando os


antecedentes histórico-jurídicos dos direitos da criança e do adolescente no Brasil e
da criação do Estatuto (tratados anteriormente), tem-se dois marcos fundamentais
para o desdobramento de ações de prevenção e defesa contra a violência sexual
praticada em face da criança e do adolescente, consolidados na própria Lei nº
8.069/1990, no seu Livro II (Parte Especial). O primeiro está no Título V, Capítulo I –
Disposições Gerais, artigo 131, que trata sobre a criação do Conselho Tutelar: “órgão
permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (BRASIL, 1990b, s.p.).
66

O segundo marco fundamental acha-se no Título VI, Capítulo II – Da Justiça


da Infância e da Juventude, em seu artigo 145, com disposições gerais que autorizam
os estados e o Distrito Federal a criar varas especializadas e exclusivas da infância e
da juventude, “cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por
número de habitantes, dotá-las de infraestrutura e dispor sobre o atendimento,
inclusive em plantões” (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2017, p. 269). Dentro do SGDCA,
o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e da Juventude (com seus juizados e
delegacias) têm atribuições específicas e complementares na proteção e defesa dos
direitos das crianças e adolescentes, sendo que o primeiro tem atuação qualificada e
a segunda oferece acesso à justiça e segurança pública.
Imediatamente após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei
nº 8.072, de 25 de julho de 1990, dispôs sobre os crimes hediondos, nos termos do
artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1990b), incluindo estupro de
vulnerável e favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de
criança ou adolescente ou de vulnerável (itens VI e VIII, respectivamente), em
consonância com o Código Penal Brasileiro.
Ainda em 1990, foi promulgada no Brasil a Convenção sobre os Direitos da
Criança, pelo Decreto n° 99.710, de 21 de novembro de 1990. Contudo, foi em 20 de
novembro de 1989 que a Assembleia Geral da ONU a adotou, entrando em vigor no
dia dois de setembro de 1990, sendo o instrumento de direitos humanos mais aceito
na história universal, segundo o Unicef. Em seu artigo 19, item 1, lê-se que:

Art. 19.1 Os Estados Partes devem adotar todas as medidas legislativas,


administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança
contra todas as formas de violência física ou mental, ofensas ou abusos,
negligência ou tratamento displicente, maus-tratos ou exploração, inclusive
abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do tutor
legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. (BRASIL, 1990a, s.p.).

Em 1991, através da Lei n° 8.242, de 12 de dezembro de 1991, foi criado o


Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente que, segundo Moreschi
(2016, p. 137) é

órgão paritário, composto de representantes do poder executivo e das


entidades da sociedade civil organizada, além de assegurar a participação
dos responsáveis pelas políticas sociais nas áreas de ação social, justiça,
educação, saúde, economia, trabalho e previdência social.
67

O Conanda é órgão colegiado do Ministério da Justiça, integrado por


representantes do Poder Executivo e de entidades não governamentais, com
atribuições relevantes, a exemplo de: fiscalizar os direitos da infância e da
adolescência; definir diretrizes para criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares
estaduais, distrital e municipais; convocar a cada triênio a Conferência Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA); gerir os recursos do Fundo Nacional
para a Criança e o Adolescente (FNCA); e, ainda, criou o SGDCA e o Plano Nacional
de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (PNEVSCA)
(criados em anos posteriores, conforme abaixo). O Conanda foi previsto pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente como o principal órgão do sistema de garantia de
direitos.

Por meio da gestão compartilhada, governo e sociedade civil definem, no


âmbito do Conselho, as diretrizes para a Política Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes. […] também
fiscaliza as ações executadas pelo poder público no que diz respeito ao
atendimento da população infantojuvenil. (MINISTÉRIO DA MULHER, DA
FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, s.p.).

Em 1994, o Decreto n° 1.196 dispôs sobre a gestão e administração do FNCA,


além de outras providências à implantação e à implementação da Política Nacional de
Atendimento aos Direitos da Criança e do Adolescente, nos termos do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
No âmbito da Educação, em 1996 foi criada a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro, também conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996). Essa Lei incumbiu a União de elaborar o Plano Nacional de
Educação, consolidado em 2001. São de 1996 os Parâmetros Curriculares Nacionais
da Educação, referências para os Ensinos Fundamental e Médio, de todo o país, cujo
objetivo é assegurar “[...] a todas as crianças e jovens brasileiros, mesmo em locais
com condições socioeconômicas desfavoráveis, o direito de usufruir do conjunto de
conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania”
(PARÂMETROS, 2021, s.p.), não sendo obrigatórios, mas adaptáveis à realidade
local.
Assim, estabelecem para os sistemas de ensino uma base nacional comum
nos currículos e servem de eixo norteador na revisão ou elaboração da proposta
curricular das escolas, sendo que, para o Ensino Fundamental, apresentam o tema
68

transversal “Orientação Sexual” – uma conquista da sociedade e dos movimentos


sociais – sob a justificativa de que:

o trabalho de Orientação Sexual na escola é entendido como problematizar,


levantar questionamentos e ampliar o leque de conhecimentos e de opções
para que o aluno, ele próprio, escolha seu caminho. A Orientação Sexual não-
direita aqui proposta será circunscrita ao âmbito pedagógico e coletivo, não
tendo, portanto, caráter de aconselhamento individual de tipo
psicoterapêutico. Isso quer dizer que as diferentes temáticas da sexualidade
devem ser trabalhadas dentro do limite da ação pedagógica, sem serem
invasivas da intimidade e do comportamento de cada aluno. (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 1997, p. 83).

Em 17 de maio de 2000, foi sancionada pelo governo federal a Lei nº 9.970,


que “institui o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes” (BRASIL, 2000b, s.p.). No mesmo
ano, foi criada a Campanha Nacional de Combate à Exploração Sexual Infantojuvenil,
pela Presidência da República em parceria com o Unicef, a Polícia Federal e o Centro
de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) da Bahia.
O Conanda aprovou no ano 2000 o Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (PNEVSCA). O Plano é referência
para organizações não governamentais, sobretudo no âmbito da mobilização social e
do monitoramento de políticas públicas. Atualmente, o PNEVSCA é coordenado pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Também em 2000, o Governo Federal sancionou, em 23 de junho, a Lei nº
9.975, para acrescentar artigo à Lei nº 8.069/90. O artigo 244-A, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, foi incluído pela referida lei, a fim de prever pena de
reclusão de quatro a dez anos a quem “submeter criança ou adolescente, como tais
definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual” (BRASIL,
2000c, s.p.).
O Plano Nacional de Educação foi aprovado em 9 de janeiro de 2001, pela Lei
nº 10.172, que sugere a reforma curricular expressa nos PCN, incluindo, no Ensino
Fundamental, “além do currículo composto pelas disciplinas tradicionais, propõem a
inserção de temas transversais como ética, meio ambiente, pluralidade cultural,
trabalho e consumo, entre outros” (BRASIL, 2001, s.p.).
No dia oito de março de 2004, o Decreto nº 5.007 “promulga o Protocolo
Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças,
69

à prostituição infantil e à pornografia infantil” (BRASIL, 2004, s.p.). Esse protocolo foi
adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 25 de maio de 2000.
Ainda em 2004, o MEC, através da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), lançou o Projeto Escola que Protege,
que oferta a formação continuada a profissionais, cujo objetivo é

capacitar profissionais de educação, membros dos conselhos de educação,


conselhos escolares, além de profissionais da saúde, assistência social,
conselheiros tutelares, agentes de segurança e justiça, entre outros
profissionais ligados à Rede de Proteção e Garantia de Direitos de Crianças
e Adolescentes para promoção e a defesa dos direitos dessa população e o
enfrentamento e prevenção das violências no contexto escolar. (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 2018, s.p.).

O Conanda, através da Resolução 113, de 19 de abril de 2006, “dispõe sobre


os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente” (BRASIL, 2006, p. 1), dando a configuração do
referido Sistema e rezando no artigo 2º que

compete ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente


promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos,
econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade, em
favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos
e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações a quaisquer
de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e
violações. (BRASIL, 2006, p. 2).

Em 2006, foi grande a conquista brasileira ao instituir o Plano Nacional de


Educação em Direitos Humanos (PNEDH), baseado nos princípios da democracia, da
cidadania e da justiça social, nos moldes do Plano Mundial de Educação em Direitos
Humanos (PMEDH). No Brasil, seu processo de elaboração começou em 2003, sendo
divulgado e debatido entre 2004 e 2005, e sua versão definitiva (em 2006) foi feita em
parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH/PR), do MEC e do MJ, segundo dados do MDH. Entre seus objetivos
balizadores, encontra-se o de “fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades
fundamentais” (BRASIL, 2018a, p. 10), premissa básica para o trato contra a violência
sexual infantojuvenil. No caderno elaborado pelo Comitê Nacional de Direitos
Humanos/MDH (2018), lê-se que:
70

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em


2003, está apoiado em documentos internacionais e nacionais, demarcando
a inserção do Estado brasileiro na história da afirmação dos direitos humanos
e na Década da Educação em Direitos Humanos, prevista no Programa
Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação.
(BRASIL, 2018a, p. 10).

A Lei nº 11.525, de 25 de setembro de 2007, “acrescenta § 5º ao art. 32 da


Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir conteúdo que trate dos direitos
das crianças e dos adolescentes no currículo do ensino fundamental”, tendo como
diretriz a Lei nº 8.069/90 e “observada a produção e distribuição de material didático
adequado” (BRASIL, 2007b, s.p.).
Ainda nesse ano, o Decreto nº 11.370, de 11 de outubro de 2007, instituiu a
Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, que já estava em funcionamento desde 2000, ainda ligado ao MJ, e,
posteriormente, passou à SDH/PR (BRASIL, 2007a).
A Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008, alterou o Estatuto da Criança e
do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de
pornografia infantil, bem como para criminalizar a aquisição e a posse de tal material
e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet (BRASIL, 2008).
Em 2009, a Lei nº 12.015 tornou mais rígidas as sanções aplicadas aos atores
de crimes sexuais contra vulneráveis, cuja ação penal pública passou a ser
incondicionada. Essa lei alterou o Código Penal em seu Título VI, bem como o artigo
1º da Lei nº 8.072/1990. Ainda, revogou a Lei nº 2.252/1954, que tratava de corrupção
de menores.
Em sua parte especial, o Código Penal contém, no Título VI, os crimes contra
a dignidade sexual. No Capítulo I – Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, em que
estabelece as penas correspondentes para o estupro (artigo 213), a violação sexual
mediante fraude (artigo 215) e o assédio sexual (artigo 216-A). No Capítulo II – Dos
Crimes Sexuais Contra Vulnerável (artigo 218). No Capítulo V – Do Lenocínio e do
Tráfico de Pessoa para Fim de Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual
(artigos 228 e 229), prevê o crime de rufianismo (artigo 230), tráfico internacional de
pessoa para fim de exploração sexual (artigo 231), de tráfico interno de pessoa para
fim de exploração sexual (artigo 231-A). A Lei de nº 12.015 deu redação ao crime de
estupro de vulnerável (artigos 217-A, 218-A, 218-B do Código Penal) e acrescentou à
71

Lei nº 8.069/1990 maiores penas para o previsto no artigo 244-B, sobre corrupção de
menores (BRASIL, 1940, 2009a).
Ainda em 2009, a Lei nº 12.038 alterou o artigo 250 do Estatuto da Criança e
do Adolescente, para determinar o fechamento definitivo de hotel, pensão, motel ou
congênere que reiteradamente hospede crianças e adolescentes desacompanhados
dos pais ou responsáveis, ou sem autorização (BRASIL, 2009b).
Ademais, em 2012 houve a criação da Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012,
alterando o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, com a
finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra
crianças e adolescentes. Em seu artigo 111, que trata da prescrição do crime,
acrescenta o inciso V, no qual se lê que “nos crimes contra a dignidade sexual de
crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data
em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido
proposta a ação penal” (BRASIL, 2012a, s.p.).
Ainda em 2012, o Ministério da Educação, pela Resolução nº 1, de 30 de maio
de 2012, estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos,
dispondo, em seu artigo 12, que

as Instituições de Educação Superior estimularão ações de extensão voltadas


para a promoção de Direitos Humanos, em diálogo com os segmentos sociais
em situação de exclusão social e violação de direitos, assim como com os
movimentos sociais e a gestão pública. (BRASIL, 2012b, p. 3).

Em se tratando de 2013, duas importantes normas surgiram, quais sejam: o


Decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013, que estabeleceu “[...] diretrizes para o
atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública
e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde” (BRASIL, 2013a, s.p.); e a Lei
nº 12.845, de 1º de agosto de 2013, que dispôs “[...] sobre o atendimento obrigatório
e integral de pessoas em situação de violência sexual”, cobrando dos hospitais, sendo
obrigatório àqueles integrantes da rede do SUS, “atendimento emergencial, integral e
multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos
decorrentes de violência sexual” (BRASIL, 2013b, s.p.).
Muitas aprovações normativas aconteceram no ano de 2014, conforme se
observa. Uma delas foi a Resolução nº 162, de 28 de janeiro de 2014, do Conanda,
que aprovou o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças
72

e Adolescentes (PNEVSCA) e visa a estabelecer a Política Nacional de Atendimento


aos Direitos da Criança e do Adolescente (PNADCA) (BRASIL, 2014a).
O Ministério da Saúde, através da Portaria nº 485, de 1º de abril de 2014,
redefiniu o funcionamento do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de
Violência Sexual no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2014e).
Em 21 de maio de 2014, através da Lei nº 12.978, a Presidência da República,
alterou o nome jurídico do artigo 218-B do Código Penal e acrescentou inciso ao artigo
1º da Lei nº 8.072/1990, para classificar como hediondo o crime de favorecimento da
prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de
vulnerável (BRASIL, 2014b).
A Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014, alterou o Estatuto da Criança e do
Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem
educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel e
degradante, bem como alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Essa é
conhecida como Lei da Educação sem Violência (BRASIL, 2014c).
Pela Portaria nº 618, de 18 de julho de 2014, o Ministério da Saúde, através
da Secretaria de Atenção à Saúde, alterou “[...] a tabela de serviços especializados
do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – SCNES, para o
serviço 165 Atenção Integral à Saúde de Pessoas em Situação de Violência Sexual”
(BRASIL, 2014g, s.p.), bem como dispôs sobre regras para seu cadastramento.
O Ministério da Saúde, pela Portaria nº 2.415, de 7 de novembro de 2014,
incluiu “[...] o procedimento Atendimento Multiprofissional para Atenção Integral às
Pessoas em Situação de Violência Sexual e todos os seus atributos na Tabela de
Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do SUS”
(BRASIL, 2014f, s.p.).
A Lei nº 13.046, de 1º de dezembro de 2014, alterou o Estatuto da Criança e
do Adolescente e deu outras providências, para obrigar entidades a terem, em seus
quadros, pessoal capacitado para reconhecer e reportar maus-tratos de crianças e
adolescentes (BRASIL, 2014d).
A Portaria nº 749, de 19 de dezembro de 2014, instituiu Grupo de Trabalho,
no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, “para
elaboração de proposta de política pública fundamentada no Programa Vira Vida do
Conselho Nacional do Serviço Social de Indústria” (BRASIL, 2014h, s.p.), que atende
73

adolescentes e jovens, entre 16 e 21 anos, em situação de violência sexual e que


compreende

um processo socioeducativo que inclui educação básica para elevação da


escolaridade, atendimento psicossocial, acompanhamento pedagógico,
formação profissionalizante, noções de autogestão e empreendedorismo,
além de encaminhamento para o mercado de trabalho. (SERVIÇO SOCIAL
DA INDÚSTRIA, 2021, s.p.).

A Presidência da República, em 9 de março de 2015, pela Lei nº 13.104,


alterou o artigo 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, bem como modificou o artigo 1º da Lei nº
8.072/1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos (BRASIL, 2015a).
No mesmo ano, a Portaria Interministerial nº 288 estabeleceu

[...] orientações para organização e integração do atendimento às vítimas de


violência sexual pelos profissionais de segurança pública e pelos
profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto à
humanização do atendimento e ao registro de informações e coleta de
vestígios. (BRASIL, 2015d, s.p.).

Ainda em 2015, a Lei nº 13.106, de 17 de março, alterou o Estatuto da Criança


e do Adolescente, “para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar
bebida alcóolica a criança ou a adolescente”, bem como revogou “o inciso I do art. 63
do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 – Lei das Contravenções Penais”
(BRASIL, 2015b, s.p.).
Por sua vez, a Portaria nº 1.662, de 2 de outubro de 2015:

Define critérios para habilitação para realização de Coleta de Vestígios de


Violência Sexual no Sistema Único de Saúde (SUS), inclui habilitação no
Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (SCNES) e cria
procedimento específico na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e
Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) do SUS. (BRASIL, 2015c,
s.p.).

Em 10 de maio de 2016, a Lei nº 13.285 acrescentou o artigo 394-A ao


Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para
dispor sobre a prioridade de julgamento dos processos concernentes a crimes
hediondos (BRASIL, 2016b).
A Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, dispôs sobre prevenção e repressão
ao tráfico interno e internacional de pessoas sobre medidas de atenção às vítimas.
74

Também alterou a Lei nº 6.815/1980, o Código de Processo Penal e o Código Penal.


Ainda, revogou dispositivos do Código Penal. Pelo artigo 13, foi acrescido ao Código
Penal o artigo 149-A, sobre tráfico de pessoas. Dentre as finalidades, tem-se no item
V a exploração sexual (BRASIL, 2016c).
A Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, ou Lei da Escuta, estabeleceu o sistema
de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência,
além de promover alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Em seu artigo
4º, inciso III, reza que se entende por violência sexual “qualquer conduta que
constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou
qualquer outro ato libidinoso” (BRASIL, 2017b, s.p.), inclusive a exposição do corpo
em foto ou vídeo, seja por meio eletrônico ou não, que compreenda: abuso sexual;
exploração sexual e tráfico de pessoas.
A Lei nº 13.440, de 8 de maio de 2017, alterou o artigo 244-A do Estatuto da
Criança e do Adolescente, estipulando pena obrigatória de perda de bens e valores
em razão da prática de crimes tipificados no aludido dispositivo legal (BRASIL, 2017c).
Através do Decreto Legislativo nº 85, de 9 de junho de 2017, o Congresso
Nacional aprovou o texto do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da
Criança Relativos a um Procedimento de Comunicações, celebrado em Nova York,
em 19 de dezembro de 2011 (BRASIL, 2017a).
A Portaria de Consolidação nº 2, Anexo X, de 28 de setembro de 2017,
instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo por eixo estratégico a atenção
integral à criança em situação de violência, prevenção de acidentes e promoção da
cultura da paz (BRASIL, 2017d).
Em 2018, o Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018, consolidou:

atos normativos editados pelo Poder Executivo federal, que dispõem sobre a
temática do lactente, da criança e do adolescente e do aprendiz, e sobre o
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Fundo
Nacional para a Criança e o Adolescente e os programas federais da criança
e do adolescente, e dá outras providências. (BRASIL, 2018b, s.p.).

Através dessa consolidação de atos normativos, restou instituído, através do


artigo 34 (Capítulo III, Seção I – Do Compromisso pela Redução da Violência contra
Crianças e Adolescentes), o Comitê Gestor de Políticas de Enfrentamento à Violência
contra Crianças e Adolescentes, com representantes dos Ministérios dos Direitos
75

Humanos, da Justiça, da Educação e Cultura, do Trabalho, do Desenvolvimento


Social, da Saúde, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, do Esporte, das
Cidades, bem como representantes das Secretarias de Promoção da Igualdade
Social, de Políticas para Mulheres e da Juventude.
O Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018, ou Lei da Escuta,
regulamentou a Lei nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos
da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, bem como
estabeleceu garantias e procedimentos para a escuta e a tomada de depoimento de
crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência durante inquéritos e
processos judiciais (BRASIL, 2018c).
A Portaria Interministerial nº 182, de 13 de dezembro de 2018, instituiu o
Código de Conduta destinado à proteção e ao enfrentamento da violência sexual
contra crianças e adolescentes, pelo Ministério do Turismo e pelo Ministério dos
Direitos Humanos (BRASIL, 2018e).
Em 2019, tem-se o Decreto nº 10.003, de 4 de setembro de 2019, que alterou
o Decreto nº 9.579/2018, para dispor sobre o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, ainda sem revogação expressa (BRASIL, 2019a). O
Conanda, integrante da estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos, passa a ter seus conselheiros escolhidos por processo seletivo e não mais
por eleição; e fica reduzida a participação da sociedade civil de catorze para nove
conselheiros, ficando o governo federal com maioria absoluta no colegiado (13
membros).
Observando o surgimento das normas contra a violência sexual infantojuvenil
no Brasil, através do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, vê-se que,
nesses mais de trinta anos desde a sua criação, o ordenamento jurídico específico
encontra-se em constante reformulação, em que pesem todos os avanços garantidos
até o momento. Isso se justifica, segundo Digiácomo e Digiácomo (2017, p. 2), pelo
fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente ser uma lei em contínua evolução,

que vem sendo constantemente atualizada para cumprir, cada vez mais e
melhor, a promessa de “proteção integral” a todas as crianças e adolescentes
brasileiras contidas já em seu art. 1º, para o que também conta com a
colaboração de outros Diplomas Legais recentemente editados, que
reclamam interpretação e aplicação conjunta, com ênfase para a Lei nº
13.257/2016, que instituiu o “Marco Legal da Primeira Infância”, e a Lei nº
13.431/2017, que prevê a instituição do “Sistema de Garantia de Direitos da
criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência”.
76

Por outro lado, o ordenamento jurídico em destaque, pela sua característica


multissetorial, está passível de problemas de conexão, embora o mérito não esteja
em questão, neste estudo. São muitas as normas, começando pela constitucional,
tendo-se a supraconstitucional (Convenções Internacionais, por exemplo) e a
infraconstitucional (em destaque, o Estatuto da Criança e do Adolescente). A assertiva
afirma-se em Bobbio (1995, p. 34), quando adverte que “se um ordenamento jurídico
é composto de mais de uma norma, disso advém que os principais problemas conexos
com a existência de um ordenamento são os que nascem das relações das diversas
normas entre si”.
Neste caso, a compatibilidade está amarrada em uma ordem hierárquica que
parte da Constituição Federal de 1988 para o Estatuto da Criança e do Adolescente,
e, deste, para o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, que
gera o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, por exemplo. Segundo documento técnico elaborado por Márcia
Teresinha Moreschi (2016, p. 39) sobre o fenômeno da violência contra crianças e
adolescentes, em especial a violência sexual, o Plano Nacional é

importante referente para a análise de todo esse movimento de


institucionalização da agenda de enfrentamento, tornando-se agenda oficial
do poder público (coordenado pela SDH) e dos diversos foros da sociedade
civil organizada (sob a gestão do CNEVSCA).

Por outro lado, com validade até 2020, o Plano Decenal traz “um plano setorial
de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, nas mesmas
bases legais e diretrizes do Plano Decenal” (BRASIL, 2013c, p. 13), e é através do
plano setorial que se pode observar e compreender a unidade de conteúdo e forma
do ordenamento jurídico em evidência.
Como forma de encerrar a evolução, demonstra-se de total importância a
criação do Maio Laranja, mediante projeto de lei aprovado em 2020, a ser realizado a
cada ano, em todo o território nacional, no mês de maio, quando serão efetivadas
ações relacionadas ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Foi
escolhido o dia 18 de maio para lembrar o dia em que desapareceu a menina Aracelli
Cabrera Sanches com oito anos e meio na cidade de Vitória, Espírito Santo, em 1973.
O “caso Aracelli”, como ficou conhecido, apresenta, na avaliação dos signatários,
77

todos os elementos de um crime sexual hediondo, constituindo um caso exemplar,


conforme se lê na justificativa do projeto de autoria da deputada Tereza Norma. O dia
18 de maio já é marcado, conforme a Lei nº 9.970/00, como o Dia Nacional de
Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, desde o ano
2000 (COELHO, 2018).
O enlace que dá unidade e forma ao sistema do ordenamento jurídico contra
a violência sexual infantojuvenil está firmemente amarrado nas leis e nas ações.
Portanto, os eixos e diretrizes possibilitam desdobrar as ações de enfrentamento de
tal violência, tendo por base legal o ordenamento jurídico específico, vasto e dinâmico.

4.2 Políticas públicas implementadas de enfrentamento à exploração sexual de


crianças e adolescentes no Brasil

Como visto, no Brasil, a temática do abuso sexual de crianças e adolescentes


adquire maior expressão política na década de 1990, com a instituição do Estatuto da
Criança e do Adolescente. De acordo com Paixão e Deslandes (2010), retratando uma
maior maturidade e engajamento por parte da sociedade brasileira, ampliam-se as
atuações de Organizações Não Governamentais (ONGs), criam-se Fóruns,
Conselhos e inicia-se a consolidação dos movimentos sociais e políticos para a
garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Respondendo pela integração dos atores sociais e governamentais a favor da
efetivação do Estatuto, entra em funcionamento o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Conanda), com a responsabilidade de implementar
Conselhos em estados e municípios. Estabelecem-se Conselhos de Direito e
Tutelares. Os primeiros, órgãos deliberativos e paritários, responsáveis pela definição
da política de atendimento e controle do orçamento da criança, em integração com
todas as políticas, e os Conselhos Tutelares com o papel de zelar para que as medidas
de proteção, apoio e orientação às crianças e aos adolescentes sejam cumpridas
(PAIXÃO; DESLANDES, 2010).
Souza (2006) ressalta que a política pública, enquanto área de conhecimento
e disciplina acadêmica, nasceu nos Estados Unidos da América (EUA), rompendo ou
pulando as etapas seguidas pela tradição europeia de estudos e pesquisas nessa
área, que se concentravam, então, mais na análise sobre o Estado e suas instituições
do que na produção dos governos. Assim, na Europa, a área de política pública vai
78

surgir como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre


o papel do Estado e de uma das mais importantes instituições estatais – o governo,
produtor, por excelência, de políticas públicas. Nos EUA, ao contrário, a área surge
no mundo acadêmico sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel
do Estado, passando direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos governos.
Souza (2006) sublinha que os estudos indicam que a área de políticas
públicas contou com quatro grandes criadores ou “pais” fundadores: H. Laswell, H.
Simon, C. Lindblom e D. Easton. Estes pesquisadores introduziram a expressão policy
analysis (análise de política pública), na década de 1930, como forma de conciliar
conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica dos governos e também
como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e
governo.
O conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers)
foi introduzido por Simon, com o argumento de que essa limitação poderá ser
minimizada ou maximizada pelo conhecimento racional. Segundo o pesquisador, a
racionalidade dos decisores públicos é sempre limitada por problemas com a
informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, autointeresse
dos decisores, entre outros. Por outro lado, a racionalidade pode ser maximizada até
um ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que
enquadre o comportamento dos atores e modele esse comportamento na direção de
resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de interesses
próprios (SOUZA, 2006).
Segundo Souza (2006), o pesquisador Lindblom questionou a ênfase no
racionalismo e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de
políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes
fases do processo decisório, o que não teria necessariamente um fim ou um princípio.
Por essa razão, as políticas públicas precisariam incorporar outros elementos, além
das questões de racionalidade, tais como o papel das eleições, das burocracias, dos
partidos e dos grupos de interesse.
Ampliando a definição de política, Souza (2006) destaca a contribuição do
pesquisador Easton, ao definir a política pública como um sistema, isto é, como uma
relação entre formulação, resultados e o ambiente. Para esse pesquisador, as
políticas públicas recebem inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse,
que influenciam seus resultados e efeitos.
79

Em síntese, não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja
política pública. Os pesquisadores a definem como um campo dentro do estudo da
política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas, como um conjunto
de ações do governo que irão produzir efeitos. Outros destacam a política pública
como a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de
delegação e que influenciam a vida dos cidadãos; ou “o que o governo escolhe fazer
ou não fazer”; ou decisões e análises sobre política pública implicam responder às
seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz (SOUZA, 2006).
Outros pesquisadores enfatizam o papel da política pública na solução de
problemas, mas sofrem críticas por superestimar aspectos racionais e procedimentais
das políticas públicas. Nessa perspectiva, argumentam que essas teorias ignoram a
essência da política pública, isto é, o embate em torno de ideias e interesses. Pode-
se também acrescentar que, por concentrarem o foco no papel dos governos, essas
definições deixam de lado o seu aspecto conflituoso e os limites que cercam as
decisões dos governos. Portanto, deixam também de fora possibilidades de
cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos
sociais (SOUZA, 2006).
Enfim, Souza (2006) destaca que todas as definições orientam para o locus
onde os embates em torno de interesses e ideias se desenvolvem, ou seja, os
governos. Apesar das diferentes abordagens, as definições de políticas públicas
assumem, em geral, uma visão holística do tema, uma perspectiva de que o todo é
mais importante do que a soma das partes, isto é, os indivíduos, as instituições,
interações, ideologia e interesses contam muito, mesmo que existam diferenças sobre
a importância relativa destes fatores.
Nesse sentido, do ponto de vista teórico-conceitual, a política pública em geral
e a política social em particular são campos multidisciplinares, e seu foco está nas
explicações sobre a natureza da política pública e seus processos. Desta forma, uma
teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias construídas no
campo da Sociologia, da Ciência Política e da Economia. Tendo em vista que as
políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, as mesmas precisam
também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade. Por
essa razão, muitos pesquisadores e de tantas disciplinas – Economia, Ciência
Política, Sociologia, Antropologia, Geografia, Planejamento, Gestão e Ciências
80

Sociais Aplicadas – partilham um interesse comum na área e têm contribuído para


avanços teóricos e empíricos.
Do ponto de vista das políticas públicas de combate à violência sexual contra
crianças e adolescentes, é importante salientar que estas foram sendo
implementadas, ainda que de modo lento, a partir da década de 1990, conforme o
avanço da abordagem legislativa sobre o tema, descrito no tópico anterior. Neste
processo, é visível que a pressão da sociedade, através de Fóruns, ONGs e
Conselhos (sobre o Poder Legislativo e o Poder Executivo), os meios de comunicação
e as Agências Internacionais para a inclusão da violência sexual contra crianças e
adolescentes na agenda das políticas públicas brasileiras é então reforçada.
A partir de 1993, instituem-se no Brasil alguns marcos históricos do
enfrentamento do abuso sexual contra as crianças e adolescentes. Em junho desse
mesmo ano, é elaborado o relatório da primeira Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI), a fim de investigar as redes de exploração sexual de crianças e
adolescentes, trazendo à tona inúmeros casos de violação dos direitos infantojuvenis
e evidenciando a falta de políticas sociais básicas e de atendimento às vítimas
(COMITÊ NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2008).
De acordo com Paixão e Deslandes (2010), com o apoio do Fundo das
Nações Unidas para Infância (Unicef), na década de 1990 e início dos anos 2000,
foram criados em várias cidades do país Centros de Defesa da Criança e do
Adolescente (Cedeca), com a finalidade de desenvolver mecanismos de proteção,
prevenção e atendimento às crianças, adolescentes e seus familiares em situação de
violência sexual.
Visando a criar propostas para o Congresso Mundial Contra a Exploração
Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes em Estocolmo, em 1996, é realizado
em Brasília o “Encontro das Américas”, fomentado pelo Cecria (Centro de Referência,
Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes) e outros parceiros. Ganham força
as frentes, campanhas e redes, e no ano de 1997 é realizada a II Conferência Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o lema “criança e adolescente,
prioridade absoluta” (CENTRO DE REFERÊNCIA, ESTUDOS E AÇÕES SOBRE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 1997). Sua proposta era
81

promover uma ampla mobilização social nas esferas municipal, estadual e


nacional para avaliar a situação de implementação dos direitos da população
infantojuvenil como prioridade absoluta, em especial no que se refere aos
eixos temáticos do Conanda - trabalho infantojuvenil, violência e exploração
sexual contra crianças e adolescentes, ato infracional, Conselho Tutelar,
orçamento público e fundos, bem como propor diretrizes para sua efetivação
(PAIXÃO; DESLANDES, 2010, s.p.).

No mesmo ano, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à


Infância e Adolescência (Abrapia), em parceria com o Ministério da Justiça, o Unicef
e a Embratur, implanta a Recria (Rede de Informações sobre Violência Sexual Contra
Crianças e Adolescentes), visando a fornecer suporte para os bancos de dados
existentes ou a serem desenvolvidos regionalmente, no intuito de atender à demanda
por informações sistematizadas nessa matéria e subsidiar as políticas públicas, a
pesquisa e a capacitação. Além disso, a Abrapia cria o Disque-Denúncia, com o
objetivo de acolher denúncias de qualquer modalidade de violência contra crianças e
adolescentes, crimes de tráfico de pessoas e desaparecimento de crianças. Em 2003,
este serviço passou a ser coordenado e executado pela Secretaria Especial dos
Direitos Humanos (SEDH), em parceria com a Petrobrás e o Cecria. Desde 2006, com
o nome “Disque 100”, ele recebe, analisa e encaminha as denúncias aos órgãos de
defesa e responsabilização, conforme competência e atribuições específicas, em um
prazo de 24 horas, preservando o sigilo da identidade do denunciante (PAIXÃO;
DESLANDES, 2010).
Em um período assinalado por grandes articulações e mobilizações da
sociedade, dos três poderes e de organizações internacionais, visando a alcançar
maior eficiência, efetividade e eficácia dos programas sociais de enfrentamento da
violência sexual, procurando que se complementassem e potencializassem, foi
elaborado em junho de 2000, na cidade de Natal, o Plano Nacional de Enfrentamento
da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Participaram de sua elaboração
representantes do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público,
órgãos do Poder Executivo federal, estadual e municipal, bem como organizações não
governamentais nacionais e internacionais (PAIXÃO; DESLANDES, 2010).
Nesse sentido, segundo Vieira (2018), a prevenção é um importante fator para
coibir o acometimento da vitimização sexual de crianças e adolescentes, atuando, de
acordo com Wolfe (1998), por meio de três níveis. Primeiro, a Prevenção Primária: é
realizada quando a violência sexual ainda não aconteceu, ou seja, é o nível de
prevenção que visa a proteger a criança e o adolescente, reduzindo os fatores de
82

riscos e fortalecendo a família na sua função protetiva. Segundo Vieira (2018), a


prevenção primária é a medida mais efetiva e eficaz para enfrentar a violência sexual,
contudo, torna-se imprescindível, além da sensibilização dos adultos, a sua
instrumentalização para que possam identificá-la e preveni-la.
O segundo nível diz respeito à Prevenção Secundária: atua quando a
violência já aconteceu e tem a intencionalidade de reduzir a reincidência e as
situações de risco, impedindo que a criança e o adolescente sofram revitimizações.
Nesse nível de prevenção, estão presentes as ações de capacitação de profissionais,
dos serviços e políticas sociais que compõem a rede de proteção (VIEIRA, 2018).
O último nível de prevenção, proposto por Wolfe (1998), é a Prevenção
Terciária: compreende o acompanhamento integral da criança/adolescente e do autor
da violência por meio da oferta de serviços de caráter social, psicológico, médico e
jurídico, visando, assim, a agir para a amenização dos traumas e sequelas que são
em longo prazo. A prevenção, portanto, rompe com a lógica do atendimento nos
efeitos da violência, evitando-se, assim, a vitimização sexual. Nesse sentido, a
prevenção atua como uma possibilidade para a construção de “uma nova cultura”.
Diante disso, outras sugestões são elencadas para a construção de uma
cultura não violadora dos direitos das crianças e adolescentes. Segundo Vieira (2018,
p. 109), implica: romper com o padrão normativo de inferioridade e subalternidade da
criança perante o adulto; sensibilizar e mobilizar a sociedade e o Estado para o
reconhecimento e proteção dos direitos humanos das crianças e adolescentes, dentre
eles os direitos sexuais; incitar a ruptura com a cultura retributiva/punitiva da
sociedade e do Estado; romper com a inviolabilidade e o ideário da “sagrada família”,
mas entendendo essa instituição como contraditória e permeada por conflitos; ampliar
a rede de serviços psicossociais aos/às autores/as de violência sexual; fortalecer e
qualificar a atuação dos meios midiáticos, para que possam atuar como mecanismos
multiplicadores de informações e protagonistas em ações educativas. Portanto, para
a autora, é imprescindível que o processo de elaboração das ações de enfrentamento
à violência sexual considere as particularidades desse fenômeno e seus impactos na
vida das famílias.
Por isso, “assevera-se que o enfoque dessa política deve ser a proteção e
promoção dos direitos da criança e do adolescente sob a perspectiva da integralidade
das ações” (VIEIRA, 2018, p. 109). A articulação entre as políticas sociais e os demais
serviços do Sistema de Garantia de Direitos tem como escopo tornar as ações mais
83

eficazes, sendo, na atualidade, o caminho que mais apresenta efetividade social para
a construção de uma política integral.

4.3 A (in)eficácia das normas e políticas brasileiras quanto à erradicação desta


violência

Todos os documentos, referenciais e dispositivos supracitados se constituem


em diretrizes metodológicas, teóricas e práticas, que representam avanços
significativos na formulação de políticas públicas para o enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes.
Apesar de todo o avanço, infelizmente, ainda hoje muitas crianças e
adolescentes continuam sendo vítimas das diferentes formas de violações de direitos,
em especial da violência sexual. O expressivo cenário de violências contra o público
infantojuvenil demonstra a existência de uma grande lacuna entre os dispositivos
legais e a efetivação dos seus direitos.
Demonstram, sobretudo, a pouca ressonância na transformação das
mentalidades e concepções com as quais se operam os instrumentos e se
operacionalizam as políticas públicas. O investimento na mudança de mentalidade
parece ser um indicador importante de ação.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2020),
atualmente, a população mais jovem da região atinge seu maior número na história
do continente. Neste sentido, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)
calcula que cerca de 237 milhões de jovens entre 10 e 24 anos vivem no continente
americano, cifra que compreende um quarto da população regional. Apesar disso, a
Comissão observa que situações estruturais de desigualdade continuam afetando de
maneira diferenciada esta população. Isto faz com que crianças e adolescentes
encontrem barreiras no acesso e gozo pleno dos seus direitos e à participação ativa
e acessível nos assuntos que lhes afetam diretamente.
A própria Comissão Interamericana (2020) toma nota dos recentes esforços
empreendidos pelos Estados para que esta população possa exercer seus direitos,
tais como o fortalecimento institucional em matéria de proteção integral da infância e
adolescência. Em especial, a Comissão reconhece a aprovação da nomeação de
autoridades da Defensoria das Crianças e Adolescentes na Argentina no início de
2020, as eleições de Conselhos Tutelares no Brasil em 2019, a instalação do Sistema
84

Integral de Garantia de Direitos da Infância e Adolescência em Honduras e a criação


do Conselho Nacional da Infância e Adolescência no Panamá. Do mesmo modo, a
Comissão saúda as reformas legislativas na região que buscam mitigar a violência e
os maus-tratos contra as crianças, tais como a reforma do artigo 44 da Lei Geral dos
Direitos das Crianças e Adolescentes do México, que proíbe o uso de castigos
corporais como método corretivo ou disciplinar. No Chile, destaca-se a Lei nº 21.160,
que declara a imprescritibilidade dos crimes sexuais cometidos contra crianças e
adolescentes e a aprovação do projeto de lei que cria o Serviço Nacional de Proteção
à Criança e ao Adolescente.

No entanto, apesar dos avanços na matéria, a Comissão Interamericana


adverte que, em conformidade com dados do Unicef, a região conta com 72
milhões de crianças e adolescentes na América Latina e no Caribe que vivem
em pobreza multidimensional, ao carecerem de acesso a cuidados médicos,
educação, nutrição adequada e moradia digna. Persistem também os altos
índices de violência que colocam as Américas como a região com a maior
taxa de homicídios de adolescentes e jovens. Assim, em conformidade com
informação da OPS, mais de 45.000 jovens de 15 a 24 anos morrem por
homicídio a cada ano no continente, sendo que 60 a 70% destas mortes
envolvem armas de fogo. Do mesmo modo, as consequências da iniquidade
e da desigualdade são refletidas no exercício de outros direitos como o
acesso à educação, alimentação e saúde. (COMISSÃO INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2020, s.p.).

Acerca do abuso e da exploração sexual infantoadolescente, esta lacuna


entre legislação, políticas públicas existentes e o crescimento dos casos tem se
acentuado, como é possível identificar a partir das manifestações feitas pelos órgãos
oficiais, principalmente no período de pandemia de Covid-19 e do consequente
isolamento social, que afetou o mundo todo em maior ou menor medida. Crianças e
adolescentes, principalmente negros, têm ficado cada vez mais em situação de
vulnerabilidade, e casos de abuso e exploração sexual têm aumentado no país.
Segundo dados coletados e disponibilizados pelo Instituto Liberta (SANTOS,
2021), com informações de entidades da sociedade civil e governamentais, mostra-se
que o país é o segundo colocado no ranking mundial de exploração sexual de crianças
e adolescentes: o cálculo é que há, por ano, 500 mil vítimas desse crime. Entre as
vítimas, 75% são meninas e dessas, 55,8% têm entre 12 e 14 anos; 13,6% têm de 8
a 11 anos. A maioria das jovens são meninas negras. Os casos de abuso sexual
infantil também têm apresentado tendência de aumento no Brasil durante a pandemia
do novo coronavírus.
85

Segundo dados do Disque 100, houve um crescimento no número de


denúncias no primeiro semestre de 2021, em relação ao primeiro semestre
de 2020. Foram 5.106 violações registradas de janeiro a maio deste ano,
contra 3.342 no primeiro semestre do ano passado. A violência também tem
cor e gênero. Do total de denúncias realizadas nos últimos meses, 83,87%
foram contra meninas e 57,73% contra crianças e adolescentes negros.
(SANTOS, 2021, s.p.).

É neste sentido que se deve considerar a interseccionalidade de diversos


fatores – tais como gênero, etnia ou deficiência –, os quais colocam diversos grupos
desta população em uma situação especial de risco, conforme destaca a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (2020). Neste sentido, a violência de gênero e a
discriminação prejudicam significativamente as meninas e adolescentes, impedindo
seu desenvolvimento pleno.
Além disso, a Comissão também adverte que a discriminação estrutural contra
a infância e a adolescência das comunidades indígenas limita o acesso e o
reconhecimento dos seus direitos. Igualmente, a exclusão social continua afetando
crianças e adolescentes com deficiência, o que impede que possam exercer seus
direitos em igualdade de condições àqueles que não são deficientes. Ainda, crianças
e adolescentes migrantes, especialmente os não acompanhados, se deparam com
uma maior vulnerabilidade que põe em grave risco suas vidas e integridade.
Igualmente, a Comissão manifesta sua especial preocupação pelos adolescentes que
se encontram privados de liberdade, frente à persistência de condições de detenção
contrárias à dignidade humana e ao princípio do interesse superior da infância.
Conforme Moreira e Magalhães (2020) ressaltam, em tempos de pandemia,
todos estes aspectos que envolvem a situação de violação tende a ser agravada. Isto,
muito em razão da mudança comportamental das pessoas que compartilham o
mesmo domicílio com crianças e adolescentes, as quais se tornam os principais alvos
dessas transformações de conduta e, consequentemente, acabam ficando cada vez
mais expostas a situações de violência no ambiente familiar.
A violência sexual intrafamiliar ocorre em um ambiente restrito, aliada ao
contexto de isolamento social, o que, segundo Moreira e Magalhães (2020), torna a
identificação e a notificação cada vez mais complexas. Ocorre que, conforme o Unicef
(2020) destaca, neste contexto, o contato fora das relações familiares é inibido em
razão das restrições impostas pela Covid-19, o que dificulta a constatação da violação
de direitos sofrida por crianças e adolescentes.
86

Evidencia-se, ainda, o perigo da subnotificação, potencializado justamente na


ocultação de práticas que são prejudiciais para a infância e a adolescência, porque a
violência sexual no ambiente das relações familiares é camuflada por trás do cenário
pandêmico da atualidade, implicando a identificação da violência e,
consequentemente, a efetivação de políticas públicas (UNICEF, 2020).
Deste modo, cabe destacar que as consequências da subnotificação, que
oculta os casos de violações de direitos, são diversas e graves, como Moreira e
Magalhães (2020) apontam. Resulta em inúmeras consequências para as pessoas
que se encontram em condição peculiar de desenvolvimento. Os danos sociais, físicos
e psíquicos gerados pela violência intrafamiliar são uma realidade no cotidiano da
criança e do adolescente, impactando em danos que podem perdurar no decorrer da
vida se não forem minimizados em curto período de tempo (MOREIRA; REIS, 2016).

É nessa perspectiva que surge a necessidade de adoção de medidas


capazes de promover ações estratégicas propostas a partir da articulação
entre políticas públicas com potencial de viabilizar o alcance aos meios de
denúncia, os quais possuem o acesso dificultado em virtude dos obstáculos
impostos pelas normas de isolamento social (MOREIRA; MAGALHÃES,
2020, p. 273).

Neste sentido, é possível destacar que as consequências da pandemia de


Covid-19 têm impacto crucial no enfrentamento da violência sexual intrafamiliar. Por
isso, é fundamental, consoante Ramírez e Macfarland (2020) destacam, que crianças
e adolescentes sejam incluídas(os) no orçamento governamental no período pós-
pandêmico, para que sejam destinados investimentos capazes de capacitar
profissionais para a identificação e recebimento de comunicações de violação de
direitos, nos espaços de saúde, nas escolas, bem como nos mais diversos setores
públicos. É inexorável que o combate a essa problemática será possível por meio da
articulação intersetorial de políticas públicas (MOREIRA; MAGALHÃES, 2020).
O enfrentamento da violência sexual não é uma tarefa simples. Perpassa pela
compreensão das violências e suas características, pela reformulação das políticas
públicas e dos serviços, levando em consideração o superior interesse da criança e
do adolescente e, principalmente, pela ressignificação das práticas cotidianas e
profissionais, a fim de garantir um atendimento humanizado e qualificado na esteira
da proteção integral e dos direitos humanos.
87

5 CONCLUSÃO

Por muito tempo, os direitos da criança e do adolescente eram algo


inimaginável. Não só no Brasil, como em todo o mundo, a evolução jurídica desses
direitos teve que percorrer um longo caminho até ganhar lugar na sociedade atual.
Observando o longo caminho percorrido até que se alcançasse a Doutrina da
Proteção Integral, percebe-se que as mudanças ocorridas foram fruto de muita luta e
persistência. O Estatuto da Criança e do Adolescente, quando surgiu, tinha por
objetivo prover uma reestruturação no cenário político e institucional.
De fato, sua efetivação foi algo extremamente importante e apontou para
transformações profundas no campo das concepções, da linguagem e da própria
produção da realidade social. O reconhecimento da condição de sujeitos de direitos
sobre crianças e adolescentes apontou para possibilidades interessantes no sentido
da realização de antigos desejos. As mudanças ocorridas até então são
extremamente significativas e foi devido a elas que a criança e o adolescente deixaram
de ser vistos como meros sujeitos passivos e passaram a integrar, de fato, uma
sociedade que agora garantia-lhes proteção.
Apesar de toda a mudança ocorrida tanto no cenário nacional quanto no
internacional, de todas as proteções legais conquistadas e o amparo constitucional a
esses direitos, o que se visualiza é que crianças e adolescentes ainda são vítimas de
violências e maus-tratos que, muitas vezes, não são notificados.
Levando-se em consideração que crianças e adolescentes não dispõem de
plena maturidade física e psíquica, é fundamental que seja dada proteção legal
integral, de modo que seus direitos sejam resguardados. No que diz respeito ao
tratamento dispensado às crianças e aos adolescentes, é primordial que sejam
adotadas desde já medidas eficazes que possam ser atualizadas constantemente,
visando a promover maior eficácia na garantia da proteção integral.
A violência sexual não é uma experiência da qual a criança ou adolescente se
esquece ou assunto que se deve evitar. Ao contrário, a violência sexual pode acarretar
graves prejuízos ao saudável desenvolvimento psicossocial e físico de uma criança
ou adolescente, tais como: pensamentos suicidas, exacerbação da sexualidade,
isolamento social, regressão no desenvolvimento escolar, drogadição e/ou
dependência do álcool, desenvolvimento de condutas antissociais, distúrbios do sono,
88

aversão ao próprio corpo ou a pessoas do sexo do agressor, sintomas somáticos,


gravidez precoce e indesejada e doenças sexualmente transmissíveis.
O agressor sexual pode ser qualquer pessoa que se aproxima da criança,
ganhando sua confiança e afeto para, então, praticar atos sexualmente abusivos.
Essa é a estratégia utilizada pela maioria dos agressores sexuais, podendo, inclusive,
ter a confiança dos adultos responsáveis pela criança ou adolescente.
Sobre a situação atual, no estado do Rio Grande do Sul, pode-se evidenciar
que, nos últimos cinco anos, somente a Polícia Civil gaúcha registrou mais de 10,3 mil
casos de estupro e outros tipos de violência no estado. Dados como este tem gerado
medidas, como a campanha para incentivar denúncias, que tem orientado
professores, famílias e escolas, com o objetivo de combater o abuso sexual de
crianças e adolescentes, promovida pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Cada
vez mais mostra-se necessário descortinar este tema, isto é, tirá-lo do manto da
invisibilidade sob o qual, muitas vezes, fica envolto, o que demanda, por sua vez, uma
atuação conjunta e coletiva de vários atores sociais, como o Poder Legislativo, Poder
Judiciário, Poder Executivo, isso de todos os entes federados e atores da sociedade
civil.
Ademais, segundo os órgãos do sistema de justiça, o Disque 100, serviço
nacional vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, recebeu mais de 77 mil
relatos, sendo a violência sexual um dos mais frequentes (15.707 casos). Além de os
abusadores serem pessoas próximas do convívio das vítimas, apenas em 30% dos
casos há evidências físicas. No Rio Grande do Sul, nos últimos cinco anos, somente
a Polícia Civil registrou mais de 10,3 mil casos de estupro e outros tipos de violência
sexual. No entanto, a maioria dos casos nem chega a ser registrado (G1 RS, 2017).
Trata-se de uma das formas de violação de direitos humanos mais cruéis, uma
vez que, em sua maioria, é um crime silencioso, praticado sob a conivência de
estruturas patriarcais que, por vezes, até toleram o machismo e o sexismo. Trata-se
de um crime que, além do cunho sexual, expressa um crime de poder, praticado entre
quatro paredes nos ambientes familiares, em espaços de convivência da criança, e
onde ela, em tese, deveria se sentir segura e protegida.
Para seu enfrentamento, faz-se necessário, portanto, políticas públicas que
consigam, de fato, abordar esta situação em sua integralidade e enfrentar o sistema
que a legitima. Veja-se a campanha no estado do Rio Grande do Sul, que incentiva
denúncias de abuso sexual de crianças e adolescentes, cujo objetivo é conscientizar
89

famílias e professores de escolas. Além disso, atualmente são encontradas obras


extremamente didáticas, como a de Abdulali (2019), que elenca em sua produção
bibliográfica fatos ocorridos na prática, bem como possíveis soluções,
encaminhamentos, anúncios e comunicações aos envolvidos em casos de violência e
estupro de crianças e adolescentes, colocando tal enquadramento como algo possível
quando seguido a rigor, o que a legislação assegura.
Por sua vez, a nível nacional, o “Disque 100”, criado pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, recebe, encaminha e monitora esse
tipo de denúncia. Só em 2016, o serviço recebeu mais de 77 mil relatos de violação
dos direitos infantojuvenis. O abuso e a exploração sexual estão entre as denúncias
mais frequentes.
Os objetivos de tais ações são fazer com que as instituições escolares,
instituições públicas e privadas, especialmente aquelas que estejam mais vinculadas
às crianças e aos adolescentes, saibam identificar os casos suspeitos de abuso e
exploração sexual de crianças e adolescentes e orientar no encaminhamento das
notificações às autoridades competentes. Para tanto, é necessário que, além de
legislações punitivas, a proteção dos direitos humanos preveja formas de que este
tema possa ser abordado nas escolas, nos espaços de convivência, saindo da
marginalidade para ocupar o centro das preocupações e ações em prol do fim da
violência.
Do ponto de vista da conclusão deste trabalho, a hipótese inicial a partir da
qual ele foi construído versava que o avanço da proteção da criança, pelo Direito
Internacional dos Direitos Humanos, tem repercutido em legislações e políticas
públicas nacionais, as quais têm promovido uma maior forma de enfrentamento do
tema. Diante dela, pode-se concluir que a hipótese foi refutada, na medida em que a
pesquisa demostrou que tais políticas ainda se mostram inefetivas, pois muitas vezes
a permanência de estruturas patriarcais e machistas impedem uma maior efetividade
de tais políticas, do que se depreende que uma mudança cultural deve ser produzida,
especialmente avançado na forma de conscientização da sociedade, por meio de
campanhas e trabalhos de acesso por órgãos públicos correspondentes.
A violência sexual não é um assunto que diz respeito apenas à vítima.
Proteger a criança e o adolescente de toda forma de violência é uma responsabilidade
do Estado, da família e de toda a sociedade (ABDULALI, 2019).
90

Quando houver conhecimento de fato ou suspeita de casos de violência


sexual contra criança e adolescente, é importante acionar uma das instituições
competentes e que atuam especificamente nestes casos concretos de investigação,
diagnóstico, enfrentamento e atendimento à vítima e suas famílias como: Conselhos
Tutelares, Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Promotoria de
Justiça de Defesa da Infância e da Juventude (PJDIJ), 1ª Vara da Infância e da
Juventude (1ª VIJ), Disque 100 ou 156 (ABDULALI, 2019).
Assim, pode-se concluir que, observando que a mudança de paradigma na
sociedade ocorre cada vez mais em um menor espaço de tempo, há uma urgente
necessidade de revisar as medidas adotadas e torná-las mais eficazes, fazendo-as
capazes de garantir proteção às crianças e aos adolescentes dentro da sociedade civil
e do núcleo familiar.
91

REFERÊNCIAS

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92

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Adolescente e os programas federais da criança e do adolescente, e dá outras
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Acesso em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 11.525, de 25 de setembro de 2007. Acrescenta § 5o ao art. 32 da


Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir conteúdo que trate dos
direitos das crianças e dos adolescentes no currículo do ensino fundamental.
Brasília, DF: Presidência da República. 2007b. Disponível em:
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em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 11.829, de 25 de novembro de 2008. Altera a Lei no 8.069, de 13


de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate
à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a
aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na
internet. Brasília, DF: Presidência da República. 2008. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11829.htm. Acesso
em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte


Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e o
art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes
hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e revoga a
Lei nº 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Brasília,
DF: Presidência da República. 2009a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em:
1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 12.038, de 1º de outubro de 2009. Altera o art. 250 da Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para determinar o
fechamento definitivo de hotel, pensão, motel ou congênere que reiteradamente
hospede crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis, ou
sem autorização. Brasília, DF: Presidência da República. 2009b. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12038.htm. Acesso
em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 12.650, de 17 de maio de 2012. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7


de dezembro de 1940 – Código Penal, com a finalidade de modificar as regras
relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes. Brasília,
DF: Presidência da República. 2012a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12650.htm. Acesso
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obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Brasília, DF:
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BRASIL. Lei n° 12.978, de 21 de maio de 2014. Altera o nome jurídico do art. 218-B
do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e acrescenta
inciso ao art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 [...]. Brasília, DF:
Presidência da República. 2014b. Disponível em:
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em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de


julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da
criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos
físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Brasília, DF: Presidência da República. 2014c. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13010.htm. Acesso
em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 13.046, de 01 de dezembro de 2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de


julho de 1990, que “dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências”, para obrigar entidades a terem, em seus quadros, pessoal capacitado
para reconhecer e reportar maus-tratos de crianças e adolescentes. Brasília, DF:
Presidência da República. 2014d. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13046.htm. Acesso
em: 1 maio 2021.

BRASIL. Lei n° 13.104, de 09 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº


2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como
circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25
de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília, DF:
Presidência da República. 2015a. Disponível em:
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BRASIL. Lei n° 13.106, de 17 de março de 2015. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de


julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para tornar crime vender,
fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente; e
revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 – Lei
das Contravenções Penais. Brasília, DF: Presidência da República. 2015b.
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repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção
às vítimas; altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-Lei nº 3.689,
de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848,
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