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LÚCIA SOUTO MATZENBACHER

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: UMA ANÁLISE JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DA


RESPONSABILIDADE CIVIL E DA AUTONOMIA DA MULHER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como


requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Direito pela Escola de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Eugênio Facchini Neto

Porto Alegre
2020
2

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: UMA ANÁLISE JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DA


RESPONSABILIDADE CIVIL E DA AUTONOMIA DA MULHER

Lúcia Souto Matzenbacher *

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a violência obstétrica do ponto de vista
jurídico, conceituando-a, identificando seus danos e avaliando a possibilidade da intervenção
do direito no que tange à responsabilidade civil. A violência obstétrica tem alcançado
visibilidade social, sobretudo devido à propagação de materiais online, os quais amplificaram
a abordagem do tema, tornando-o popular. Apesar de sua popularização, por se tratar de um
assunto relativamente recente, gera polêmicas; nesse sentido, verifica-se que o termo
“violência obstétrica” - e até mesmo sua existência – ainda não são totalmente aceitos pela
comunidade médica. No campo judiciário, o fenômeno começa a ser discutido, mas ainda
timidamente. O próprio termo “violência obstétrica” não é muito utilizado nas ementas de
acórdãos, embora alguns deles abordem temas que se enquadrariam no seu conceito. A
metodologia utilizada neste artigo foi a leitura de artigos científicos das áreas de medicina,
enfermagem, psicologia, antropologia e direito, boa parte encontrados nos sítios onlines da
Scielo e Academic Onefile, bem como pesquisa de acórdãos dos Tribunais do Rio Grande do
Sul e São Paulo. Importante frisar que este artigo não tem como propósito colocar a figura
médica como única responsável pela violência obstétrica sofrida por mulheres. Entende-se
que este fenômeno é complexo e formado por diversos fatores sistemáticos além da conduta
médica. Também cabe salientar que não se entende que a prática médica deva ser removida da
assistência ao parto, pois sua grande importância é reconhecida. Este trabalho aborda
situações de abuso de medicalização e processos mecânicos aplicados no parto, que utilizados
em excesso e rotineiramente, podem vir a trazer danos para as parturientes. O tema violência
obstétrica é altamente complexo e não será exaurido e devidamente apresentado em todas as
suas proporções em um simples artigo.

Palavras-chaves: Violência obstétrica. Direitos reprodutivos e sexuais das mulheres.


Dignidade da pessoa humana. Autonomia da mulher. Responsabilidade Civil.

Sumário: 1 Introdução - 2 Aspectos históricos: procedimento de mecanização do parto x


protagonismo da mulher - 3 Conceituação de violência obstétrica - 3.1 Caracterização e
tipificação da violência obstétrica no brasil - 4 Violação de direitos constitucionais - 4.1
Autonomia e consentimento informado - 5 Repercussão jurídica da violência obstétrica - 6
Considerações finais - Referências

1 Introdução

O termo “violência obstétrica” (doravante denominado pela sigla VO) é utilizado para
descrever diversas formas de violência praticadas pelos profissionais obstétricos antes,
durante e após o parto1. Alguns exemplos dessas formas de violência são maus tratos físicos,
psicológicos e verbais, bem como procedimentos utilizados de maneira indiscriminada (que

*
Graduanda em Direito pela faculdade Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-
mail: lucymatz@hotmail.com.
1
DINIZ, Simone et al. Violência Obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições,
tipologia, impactos sobre a saúde materna, e proposta para sua prevenção. Journal of Human Growth and
Development, [S. l.], v. 25, n. 3, p. 377-376, 2015. p. 2.
3

muitas vezes são danosos), como episiotomias 2 (incisão realizada no períneo para ampliar o
canal vaginal), restrição ao leito no pré-parto, lavagem intestinal (clister), retirada dos pelos
pubianos (tricotomia), utilização rotineira de ocitocina sintética, proibição de acompanhante e
até mesmo a cirurgia cesariana eletiva, quando realizada por omissão de informações médicas
e por conveniência do profissional3.
Não há legislação federal específica no Brasil que conceitue a VO, ao contrário de
países vizinhos como a Argentina e a Venezuela, que possuem legislação que a tipificam. A
Argentina, o primeiro país latino-americano a reconhecer legalmente a VO, possui a “Ley
25.929 de 2004”, também chamada de “Ley de Parto Humanizado”, que determina que a
mulher tenha direito a um parto que respeite seu tempo biológico e psicológico, evitando ao
máximo, assim, práticas invasivas4.
Posteriormente, a Venezuela, em 2007, sancionou a “Ley orgánica sobre el derecho de
las mujeres a una vida libre de violencia 5”. A referida norma tipifica a VO, caracterizando-a
como a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de
saúde, através de tratamentos desumanizados, abuso de medicação e patologização dos
processos naturais, causando a perda da autonomia e a capacidade de livre decisão sobre o
corpo e sexualidade 6.
O tema da VO tem ganhado campos de discussões e um dos aspectos que explica o
visível aumento de publicização dos casos de VO é a atuação dos movimentos feministas, os
quais reivindicam a humanização do parto e os direitos reprodutivos das mulheres 7. Apesar
disso, o tema ainda é pouco debatido entre a população em geral, especialmente âmbito
jurídico, que não adota um conceito claro e uníssono acerca do tema. No próprio judiciário,
ainda é raro encontrar decisões a respeito do tema e pesquisas de jurisprudência com a
expressão “violência obstétrica” tendem a retornar negativas.

2
“O uso rotineiro da episiotomia é desnecessário e deve ser evitado17 (A). Fica reservada para partos com alto
risco de laceração perineal grave, distocia significativa dos tecidos moles ou necessidade de encurtar o segundo
período devido uma situação fetal não tranquilizadora18 (D). Não é indicação de rotina nos partos
instrumentalizados ou na distocia de ombros, contudo, pode haver necessidade técnica de sua realização nessas
situações. 18 (C) Quando indicada, deve ser media-lateral. 19 (B)”. Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Recomendações Febrasgo parte II – Cuidados Gerais na Assistência
ao Parto (assistência ao nascimento baseado em evidências e no respeito). (RECOMENDAÇÕES FEBRASGO
parte II: cuidados gerais na assistência ao parto (assistência ao nascimento baseado em evidências e no
respeito). Febrasgo Notícias, São Paulo, 10 dez. 2018, Disponível em:
https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/717-recomendacoes-febrasgo-parte-ii-cuidados-gerais-na-
assistencia-ao-parto-assistencia-ao-nascimento-baseado-em-evidencias-e-no-respeito. Acesso em: 07 de junho
de 2020.).
3
TESSER, Charles et al. Violência Obstétrica e prevenção quaternária: o que é o que fazer. Revista Brasileira
de Medicina Família Comunidade, [S. l.], v. 10, n. 35, p. 1-12. Disponível em:
https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1013. Acesso em: 27 jun. 2020.
4
ARGENTINA. Ley Nº 25.929/2004. Ley Nacional de Parto Respetado. Buenos Aires: Poder Legislativo, 2004.
Disponível em:
https://www.siteal.iiep.unesco.org/sites/default/files/sit_accion_files/siteal_argentina_0842.pdf. Acesso em: 05
jun. 2020.
5
VENEZUELA. Ley nº 38.668 del 23 de abril de 2007. Ley Orgánica sobre el derecho de las mujeres a una
vida libre de violência. Caracas: La Asamblea Nacional. Disponível em:
https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/BDL/2008/6604.pdf. Acesso em: 05 jun. 2020.
6
SOUZA, Jéssica Pereira et al. Violência Obstétrica: ofensa à dignidade humana. Brazilian Journal of Surgery
and Clinical Research – BJSCR, [S. l.], v. 15, n. 1, p.103-108, jun./ago. 2016.
7
DINIZ, Simone. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciênc.
Saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, jul./set. 2005.
4

2 Aspectos históricos: procedimento de mecanização do parto x protagonismo da


mulher

O parto é um evento fisiológico que, desde os primórdios da humanidade, era


protagonizado por uma rede de apoio à parturiente, formada por outras mulheres 8.
Inicialmente, o parto era realizado por parteiras no domicílio das parturientes9. As parteiras
nem sempre tinham uma preparação formal para o desempenho de sua função e o
conhecimento, muitas vezes, era passado através de gerações de maneira empírica e
intuitiva10. Os personagens envolvidos nesta ocasião eram predominantemente femininos 11.
A assistência ao parto iniciou a sua modificação no século XVII, em países europeus,
passando de forma gradual por um processo de medicalização, que se consolidou de fato no
século XIX12. A criação das maternidades no Brasil data do início do século XX, época em
que as reformas sanitaristas estavam intensas e a medicalização do parto era vista como uma
tática de civilização 13. Dessa forma, o parto foi gradativamente deixando o cenário doméstico,
ganhando novos significados e passando a constituir um ato médico 14.
Aos poucos, conforme o parto foi deixando de ser realizado por parteiras 15, cumulado
com o avanço da medicina, este começou a ser assessorado principalmente por médicos16,

8
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014.
9
PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda. Gênero, história e medicalização do parto: a
exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4,
out./dez. 2018. p. 1040.
10
PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda. Gênero, história e medicalização do parto: a
exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4,
out./dez. 2018. p. 1040.
11
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014.
12
PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda. Gênero, história e medicalização do parto: a
exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4,
out./dez. 2018. p. 1040.
13
PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda. Gênero, história e medicalização do parto: a
exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4,
out./dez. 2018. p. 1040.
14
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014. p. 363.
15
“A resistência das mulheres em parir fora do ambiente doméstico foi cedendo lugar à confiança na figura do
médico-parteiro, construída pelo discurso médico, e no ambiente hospitalar, à medida que melhoravam a
segurança e a assepsia desse espaço. Essa mudança, contudo, não se deu de forma contínua nem sem conflitos:
entre médicos e parteiras, entre o conhecimento institucionalizado masculino e o saber tácito feminino, entre o
médico, homem, e a parturiente, mulher, configurando relações de desigualdade de gênero que estão na origem
do estabelecimento da medicina como saber validado política e socialmente.” (PALHARINI, Luciana
Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda. Gênero, história e medicalização do parto: a exposição “Mulheres e
práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, out./dez. 2018. p. 1040.).
16
“Com a institucionalização da medicina e a marginalização das práticas populares das parteiras, ocorreu um
deslocamento de gênero nesse campo: antes protagonizado em maior parte pelas mulheres, passa a ser de
domínio quase exclusivo dos homens, já que são eles e apenas eles que têm acesso à formação científica. Pode-
se aventar que a permissão da entrada das mulheres nos cursos de medicina, que no Brasil ocorre apenas a
partir de 1879, significou uma conquista política não apenas quanto aos direitos de igualdade no acesso ao
ensino superior pelas mulheres, mas no seu “retorno” ao ofício do cuidado com a saúde, que por longo tempo
lhes foi retirado. Nesse sentido, é possível estabelecer uma relação política entre médicas e parteiras na história
das práticas de atenção obstétrica, na medida em que o deslocamento de atores nesse campo se deu graças ao
investimento na marginalização das mulheres – seja pelo não acesso às faculdades de medicina, seja pela
desqualificação das práticas populares, no caso das parteiras. Essa marginalização operou uma lacuna na
presença feminina na atenção ao parto, que está na base da constituição de uma assistência médico-centrada e
tutelada por uma ciência masculina.” (PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda.
5

ocorrendo um deslocamento de gênero deste fenômeno, uma vez que normalmente os


médicos eram homens17. O parto, que antes era um momento fisiológico, feminino,
domiciliar, foi modificado para o ato médico, em que os riscos de patologias e complicações
são, na maioria das vezes, visto como regra em vez de algo excepcional18.
O ato de parir foi considerado, anteriormente, no século XX, um acontecimento
“fisiologicamente patogênico”, que implicava sempre danos, riscos e sofrimento 19. Em vista
disso, ao longo dos anos, o parto sofreu diversas mudanças como a narcose, emprego de
instrumentos mecânicos, intervenções bioquímicas e fisiológicas e, por fim, procedimentos
cirúrgicos de relativa complexidade e risco 20.
O modelo de parto predominante na atualidade é o tecnocrático – o termo
“tecnocrático” implica o uso de uma ideologia do progresso tecnológico 21–, o qual é
caracterizado pela primazia da tecnologia sobre as relações humanas 22, compreendendo o
corpo como uma máquina23. Segundo Davis-Floyd:
[…] as the factory production of goods became a central organizing metaphor for
social life, it also became the dominant metaphor for birth: the hospital became the
factory, the mother’s body became the machine, and the baby became the product of
an industrial manufacturing process. Obstetrics was thereby enjoined to develop
tools and technologies for the manipulation and improvement of the inherently
defective process of birth, and to make birth conform to the assembly-line model of
factory production.24.

Assim, com o modelo tecnocrático, acredita-se que a mulher é, na maioria das vezes,
eliminada como sujeito ativo do parto25. Dessa forma, o médico passa a ser o sujeito ativo do
parto e a ele cabe toda a autoridade acerca do processo de dar à luz 26.

Gênero, história e medicalização do parto: a exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, out./dez. 2018. p. 1040.).
17
PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda. Gênero, história e medicalização do parto: a
exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4,
out./dez. 2018. p. 1040.
18
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014. p. 363.
19
DINIZ, Simone. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciênc.
Saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, jul./set. 2005. p. 628.
20
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 10.
21
DAVIS-FLOYD, Robbie. The technocratic, humanistic, and holistic paradigms of childbirth. International
Journal of Gynecology & Obstetrics, [S. l.], v. 75, S5-S23, 2001. p. 6.
22
DINIZ, Simone. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciênc.
Saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, jul./set. 2005. p. 629.
23
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014. p. 363.
24
[...] à medida que a produção fabril de mercadorias se tornou uma metáfora central da organização da vida
social, ela também se tornou a metáfora dominante do nascimento: o hospital se tornou a fábrica, o corpo da
mãe se tornou a máquina e o bebê se tornou o produto de um processo de fabricação industrial. A obstetrícia
foi assim ordenada a desenvolver ferramentas e tecnologias para a manipulação e melhoria do processo
inerentemente defeituoso do nascimento, e a tornar o nascimento conforme o modelo da linha de montagem da
produção industrial. (DAVIS-FLOYD, Robbie. The technocratic, humanistic, and holistic paradigms of
childbirth. International Journal of Gynecology & Obstetrics, [S. l.], v. 75, S5-S23, 2001, tradução nossa, p.
6.).
25
Segundo a análise crítica do livro “Parto Natural: guia para futuros pais” escrito por Frederick W. Goodrich Jr.
e publicado em 1955 no Brasil - obra esta que tinha como objetivo instruir mulheres para o parto e pode ser
considerada também responsável pela introdução do modelo de parto que hoje conhecemos - é realizada a
seguinte observação: “[...] passa-se a ideia de que o trabalho de parto iniciará independentemente da vontade
da mulher. A própria palavra trabalho remete ao serviço a desempenhar por algo ou por alguém em uma
6

A antropóloga americana Robbie Davis-Floyd, especializada em antropologia do


parto, pondera em sua obra Birth as an American Rite of Passage, publicada em 1992, sobre a
irracionalidade das práticas de assistência ao parto, sobre a contradição do que prescreve a
ciência e sobre como as praticas se organizam, questionando a rotina padronizada da
assistência ao parto e refletindo acerca da simbologia por trás das condutas rotineiras como a
lavagem retal, a permanência no leito e a limitação de movimentos, a privação de comida e de
água, o uso de soro na veia, o uso de ocitocina para aumentar as contrações, o rígido controle
de tempos e movimentos, os usos da analgesia e anestesia, a ruptura das membranas, o
monitoramento fetal interno e externo, os toques vaginais, as orientações de quando fazer ou
não fazer força, a posição supina, e o procedimento de episiotomia, entre outros27. Para Davis-
Floyd, estes procedimentos são respostas rituais racionais de uma sociedade tecnocrática, que
teme os processos naturais28.
Como referido, o parto era uma vivência privada da mulher, que tinha seu tempo para
parir respeitado, assessorada por outras mulheres e em um ambiente doméstico 29. Assim, a
mulher era a protagonista de seu parto, pois cabia a ela todos os esforços para dar à luz 30.
Os procedimentos obstétricos contemporâneos têm trazido questionamentos quanto
aos efeitos da medicalização (e mecanização) excessiva na assistência ao parto, bem como a
utilização inadequada da tecnologia 31 num momento essencialmente fisiológico 32.

fábrica. Para entender esse processo, é necessário reconhecer que no desenvolvimento da medicina ocidental
revela-se a metáfora do corpo como uma máquina e do médico como mecânico: se o médico for o supervisor, a
mulher será a trabalhadora, cuja máquina, o útero, produz o produto, o recém-nascido (um bem social). Apesar
de abordar os aspectos emocionais, nota-se a relação clara de poder entre a mulher e o médico em um trabalho
fabril”. Igualmente, é abordado como a autonomia da mulher sobre o parto é retirada de suas mãos: “Deve-se
ressaltar como a autonomia da mulher é retirada diante do parto: cabe somente ao útero o trabalho, pois se trata
de uma ação muscular involuntária. Se a mulher não realizar efetivamente as instruções apreendidas,
provavelmente haverá o aparecimento da dor, substituída pela palavra incômodo. A mulher não podia ir ao
encontro do seu corpo ou de suas vontades, ela precisava seguir todos os cuidados prescritos a fim de garantir o
sucesso de um “parto natural” e sem dor, caso contrário, a culpa seria dela”. (AYRES, Lilian; HENRIQUES,
Bruno; AMORIM, Wellington. A representação cultural de um “parto natural”: o ordenamento do corpo
grávido em meados do século XX. Ciênc. saúde coletiva, [S. l.], v. 23, n. 11, p. 3526-3534, nov. 2018. p.
3529).
26
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014. p. 363.
27
DINIZ, Simone. Que valores escolhemos nesse ritual? Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 10, n. 2, jul./dez.
2002. p. 523-524. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000200023. Acesso em: 25 jun.
2020.
28
DINIZ, Simone. Que valores escolhemos nesse ritual? Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 10, n. 2, jul./dez.
2002. p. 523-524. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000200023. Acesso em: 25 jun.
2020.
29
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 10-19.
30
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 10-19.
31
Com o objetivo de estudar as práticas adotadas em partos, a Organização Mundial da Saúde criou a Biblioteca
de Saúde Reprodutiva em parceria com a Colaboração Cochrane. Diante desta pesquisa realizada, em 1996, foi
publicado um manual da OMS em que foram classificadas em quatro grupos as práticas realizadas em partos e
nascimentos. Conforme classificação: ”Grupo A, das práticas que são benéficas e merecem ser incentivadas;
Grupo B, com as práticas que são danosas ou inefetivas e merecem ser abandonadas; Grupo C, de práticas para
as quais ainda não há evidências suficientes e que necessitam mais pesquisas; e, finalmente, o Grupo D é de
práticas que até são benéficas, mas que frequentemente têm sido utilizadas de maneira inadequada”.
(RATTNER, Daphne. Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico. Interface
(Botucatu), Botucatu, v. 13, supl. 1, p. 595-602, 2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000500011&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: 27 jun. 2020.).
7

Diante do exposto, questiona-se se os procedimentos para aceleração do parto não


estão desrespeitando a fisiologia da mulher e a peculiaridade de cada organismo, bem como o
protagonismo da mulher nesse evento33. A partir dessa reflexão, põe-se em dúvida a
necessidade excessiva desses procedimentos34, que muitas vezes podem acarretar atos de
violência obstétrica35.

3 Conceituação de violência obstétrica

A violência é a conversão de uma diferença em desigualdade numa relação vertical de


poder, com o intuito de exploração, dominação e opressão de outro, que é apoderado como
objeto de ação e que tem sua autonomia, fala e subjetividade impedidas ou anuladas 36. O
conceito de violência obstétrica, como anteriormente mencionado, pode ser diretamente
ligado à história do parto37, entretanto, não há um consenso quanto sua definição.

32
SANFELICE, Clara et al. Do parto institucionalizado ao parto domiciliar. Revista de Rede de Enfermagem
do Nordeste, [S. l.], mar./abr. v. 15, n. 2, p. 362-70, 2014.
33
RATTNER, Daphne. Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico. Interface
(Botucatu), Botucatu, v. 13, supl. 1, p. 595-602, 2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000500011&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: 27 jun. 2020.
34
AGUIAR, Janaína Marque de. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de
acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências)- Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-21062010-175305/publico/JanainaMAguiar.pdf. Acesso
em: 05 jun. 2020. p. 15-16.
35
No artigo A mulher no corpo: um re-encontro com Emily Martin: “Na concepção do corpo feminino a partir
do paradigma reprodutivo, o parto ocupa um espaço discursivo interessante, uma vez que é pensado
metaforicamente como um processo de trabalho. Martin explora a fundo essa analogia no oitavo capítulo,
defendendo um paralelo entre as intervenções médicas sobre o parto (com as diversas tecnologias obstétricas) e
os processos de controle do trabalho industrial. Neste sentido, as idéias de produtividade, meios de produção,
máquinas e falhas de produção são centrais para a autora discutir a questão do parto. Através dessa analogia,
Martin problematiza as relações de poder entre médicos e mulheres, principalmente no caso das cesarianas.
Algumas de suas entrevistadas caracterizaram essa experiência de forma extremamente negativa, utilizando
termos como violação à A mulher no corpo força, crucificação, estupro, evisceração. Ao apontar estas
narrativas, e enfatizar o quanto o corpo é objetificado pela prática médica obstétrica – empenhada no controle,
padronização e tecnologização da gestação, parto e amamentação – a autora leva ao limite a idéia da alienação
do corpo feminino e reivindica a restauração do contato das mulheres com seus próprios corpos. Para a autora,
a recusa à assistência médica no parto funcionaria como as greves dos trabalhadores, com a diferença de que as
mulheres, neste caso, detêm os meios de produção (o corpo feminino). Martin procura, com isso, uma
alternativa ao que ela caracteriza, ao longo do livro, como sendo a ideologia científica dominante na nossa
sociedade, e um dos caminhos sugeridos por ela é “a criação de um novo imaginário do parto” (capítulo 9),
bem como a opção por outras práticas, como os partos em casa ou em clínicas diferenciadas”. (Resenha do
livro: A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução, de Emily Martin. Publicado inicialmente em
1987, o livro da antropóloga estadunidense Emily Martin –A mulher no corpo: uma análise cultural da
reprodução – tornou-se, ao longo desses quase vinte anos, uma referência fundamental para se pensar as
articulações entre gênero e ciência. A partir de uma análise marxista e feminista dos aspectos culturais que
pautam as concepções científicas e das mulheres sobre a reprodução e o corpo feminino, Martin inaugurou
discussões importantes para a antropologia, o feminismo e os estudos de gênero, que repercutiram também no
campo da medicina). (MANICA, Daniela. A mulher no corpo: um re-encontro com Emily Martin. Cad. Pagu,
Campinas, n. 27, jul./dez. 2006.).
36
AGUIAR, Janaína Marque de. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de
acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências)- Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-21062010-175305/publico/JanainaMAguiar.pdf. Acesso
em: 05 jun. 2020. p. 15-16. p. 8.
37
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 44).
8

O Projeto de Lei nº 8.219 de 2017, em trâmite no Congresso Nacional, conceitua a


violência obstétrica em seu art. 2º como a imposição de intervenções danosas à integridade
física e psicológica das mulheres pelos profissionais de saúde 38. A redação do seu artigo 2º
dispõe:
Art. 2º. A violência obstétrica é a imposição de intervenções danosas à integridade
física e psicológica das mulheres nas instituições e por profissionais em que são
atendidas, bem como o desrespeito a sua autonomia39.

A violência obstétrica, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é


considerada um problema de saúde mundial. Em 2014, foi elaborada a cartilha de “Prevenção
e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde”,
tendo em vista o alto índice de VO em todo o mundo 40. No referido documento, são
identificados alguns abusos sofridos por mulheres durante o parto, entre os quais se pode
destacar:
[...] violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos
coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), falta de confidencialidade,
não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos,
recusa em administrar analgésicos, graves violações da privacidade, recusa de
internação nas instituições de saúde, cuidado negligente durante o parto levando a
complicações evitáveis e situações ameaçadoras da vida, e detenção de mulheres e
seus recém-nascidos nas instituições, após o parto, por incapacidade de pagamento41.

A OMS pondera que os abusos, maus-tratos, negligências e desrespeito durante o parto


representam violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres 42. Trata-se de grave
violação à autonomia das mulheres, de seus direitos reprodutivos e sexuais e de sua dignidade
humana43. No Brasil, conforme a pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em

38
BRASIL. Projeto de Lei nº 8.219 de 2017. Dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou
profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados, 2017. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4ADB73DA542F580124833C831
8C04384.proposicoesWebExterno2?codteor=1591466&filename=Avulso+-PL+8219/2017. Acesso em: 22 out.
2019.
39
BRASIL. Projeto de Lei nº 8.219 de 2017. Dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou
profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados, 2017. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4ADB73DA542F580124833C831
8C04384.proposicoesWebExterno2?codteor=1591466&filename=Avulso+-PL+8219/2017. Acesso em: 22 out.
2019.
40
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cartilha de Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e
maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Geneve: OMS, 2014. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134588/WHO_RHR_14.23_por.pdf?sequence=3. Acesso em:
24 de junho de 2020.
41
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cartilha de Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e
maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Geneve: OMS, 2014. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134588/WHO_RHR_14.23_por.pdf?sequence=3. Acesso em:
24 de junho de 2020.
42
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cartilha de Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e
maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Geneve: OMS, 2014. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134588/WHO_RHR_14.23_por.pdf?sequence=3. Acesso em:
24 de junho de 2020..
43
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cartilha de Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e
maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Geneve: OMS, 2014. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134588/WHO_RHR_14.23_por.pdf?sequence=3. Acesso em:
24 de junho de 2020.
9

colaboração com SESC, “Mulheres brasileiras e gênero no espaço público e privado”,


divulgada em 2010, uma em cada quatro mulheres durante o parto sofreu algum tipo de
violência obstétrica44.
No âmbito médico, a própria noção de violência obstétrica é controvertida, pois se
choca frontalmente com os postulados básicos da medicina e da bioética. A tendência mais
generalizada é a de negar a existência de tal prática.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)
manifestou-se em 2019 no seguinte sentido:

O uso da referida expressão tenta demonizar a figura do médico obstetra, como


único responsável pelas dificuldades do atendimento e por eventuais maus
resultados na assistência ao parto e nascimento, com o que não concordamos45.

Ademais, a FEBRASGO coloca que o uso da expressão “violência obstétrica”:

[...] envolve situações multifatoriais que passam por falta de vagas em maternidades,
dificuldade de acesso das gestantes às maternidades, mau atendimento do pessoal
administrativo, falta de ambiência adequada nas unidades hospitalares para
assistência ao trabalho de parto e parto e em situações que envolvem o atendimento
46
prestado pela equipe de saúde, aqui incluído, claro, a equipe médica assistente .

A violência obstétrica corresponde a uma forma de violência de gênero e da violência


institucional47. Esta última é formada por fatores complexos, como a própria precariedade do
sistema, que submete seus profissionais de saúde a condições desfavoráveis de trabalho e à
sobrecarga de demanda assistencial48. Conforme narra Aguiar:

[…] o desconhecimento e falta de respeito para com os direitos sexuais e


reprodutivos da mulher, além da tácita imposição de normas e valores morais
depreciativos por parte dos profissionais, também são apontados como importantes
fatores na formação da complexa trama de relações que envolvem os atos de
violência institucional contra gestantes, puérperas e mulheres em situação de
abortamento. Estes maus tratos vividos pelas pacientes, na maioria das vezes,

44
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Mulheres brasileiras e gênero no espaço público e privado. São Paulo:
SESC, 2010. Disponível em: https://apublica.org/wp-
content/uploads/2013/03/www.fpa_.org_.br_sites_default_files_pesquisaintegra.pdf. Acesso em: 05 jun. 2020.
45
A manifestação da FEBRASGO foi realizada em apoio ao despacho do Ministério da Saúde publicado em
maio sobre a abolição do termo “violência obstétrica”. (RECOMENDAÇÕES FEBRASGO parte II: cuidados
gerais na assistência ao parto (assistência ao nascimento baseado em evidências e no respeito). Febrasgo
Notícias, São Paulo, 10 dez. 2018, Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/717-
recomendacoes-febrasgo-parte-ii-cuidados-gerais-na-assistencia-ao-parto-assistencia-ao-nascimento-baseado-
em-evidencias-e-no-respeito. Acesso em: 07 de junho de 2020.).
46
Nota de apoio Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
(RECOMENDAÇÕES FEBRASGO parte II: cuidados gerais na assistência ao parto (assistência ao
nascimento baseado em evidências e no respeito). Febrasgo Notícias, São Paulo, 10 dez. 2018, Disponível em:
https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/717-recomendacoes-febrasgo-parte-ii-cuidados-gerais-na-
assistencia-ao-parto-assistencia-ao-nascimento-baseado-em-evidencias-e-no-respeito. Acesso em: 07 de junho
de 2020.).
47
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 43.
48
AGUIAR, Janaína Marque de. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de
acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências)- Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-21062010-175305/publico/JanainaMAguiar.pdf. Acesso
em: 05 jun. 2020. p. 06-07.
10

segundo alguns autores, encontram-se relacionados a práticas discriminatórias por


partes dos profissionais, quanto a gênero, entrelaçados com discriminação de classe
social e etnia, subjacentes à permanência de uma ideologia que naturaliza a condição
social de reprodutora da mulher como seu destino biológico, e marca uma
inferioridade física e moral da mulher que permite que seu corpo e sua sexualidade
sejam objetos de controle da sociedade através da prática médica49.

Diante disso, a violência institucional pode se caracterizar pela apropriação do corpo


feminino e dos processos reprodutivos da mulher pelos profissionais de saúde, por meio do
tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização de processos naturais,
acarretando a perda da autonomia da mulher e impedindo-a de decidir livremente sobre seu
corpo50.
É conceituado que a violência obstétrica, enquanto violência institucional, é fundida
com a representação de gênero, levando em conta as relações desiguais de poder que
envolvam médicos e pacientes, as gestantes e parturientes também são negligenciadas como
sujeitos de direitos, especialmente na condição sexual e reprodutiva, visto que existe uma
relação vertical em que a paciente é tratada como objeto da intervenção profissional51.

3.1 Caracterização e tipificação da violência obstétrica no brasil

No ano de 2012, quando ainda não havia nenhuma legislação que tipificasse VO, foi
elaborado pela Rede Parto do Princípio 52 um dossiê sobre violência obstétrica denominado
“Parirás com dor” para ser apresentado na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI),
que tinha como finalidade a investigação de violência contra a mulher no Brasil. Este
documento, através de relatos de vítimas de violência durante a gestação, parto e pós-parto,
procurou caracterizar os atos considerados violência obstétrica.
Conforme consta no dossiê, a violência obstétrica compreende todos os atos praticados
contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva. Tais atos podem ser
praticados por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-
administrativos de instituições públicas e privadas 53.
Entre as classificações realizadas pela Rede Parto do Princípio, a violência obstétrica
pode ser sintetizada em violência física, psicológica, sexual e institucional. A violência física

49
AGUIAR, Janaína Marque de. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de
acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências)- Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-21062010-175305/publico/JanainaMAguiar.pdf. Acesso
em: 05 jun. 2020. p. 06-07.
50
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 43.
51
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 46.
52
“A Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa é composta por mais de 300 mulheres em
22 Estados brasileiros e que trabalham voluntariamente na divulgação de informações sobre gestação, parto e
nascimento baseadas em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde”.
(DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020.).
53
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado, 2012.
Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 57.
11

consiste nas ações que incidam sobre o corpo feminino, que interfiram no processo natural,
causando dor ou dano físico 54. Conforme exemplos:
[...]episiotomia sem necessidade clínica, manobra de Kristeller, cesáreas eletivas,
exames de toque sucessivos, dolorosos e realizados por diferentes pessoas, soro com
ocitocina, para acelerar o trabalho de parto, privação de alimentos e bebidas,
imobilização de braços e pernas (uso de algemas nos casos das presas parturientes),
restrição da posição para o parto, intervenções sem anestesia, descolamento de
membrana e/ou ruptura artificial da bolsa sem consentimento da mulher, “ponto do
marido” (sutura da episiotomia maior que a necessária para fechar o corte a fim de
estreitar a vagina e oferecer maior prazer sexual ao parceiro),uso de fórceps sem
indicação clínica, tricotomia (raspagem obrigatória dos pelos pubianos), enema
(lavagem intestinal), manobra de Valsalva (orientar a mulher a "trincar os dentes e
fazer força)55.

Enquadra-se como violência psicológica toda ação verbal ou comportamental que


cause na mulher sentimento de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade
emocional, medo, acuação, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de
integridade, dignidade e prestígio, tal violência pode ser manifestada através de ameaças,
mentiras, humilhações, omissão de informações e piadas 56.
A violência sexual inclui ações que violam a intimidade da mulher ou seu puder, que
afetam seu senso de integridade sexual e reprodutiva 57. Entre os exemplos citados por Silva e
Serra encontram-se: “[...] exames de toque sucessivos, dolorosos e realizados por diferentes
pessoas, episiotomia, ponto do marido, laqueaduras ou histerectomias sem aviso prévio, sem
esclarecimento e sem consentimento” 58.
O caráter institucional da violência obstétrica consiste nas ações ou formas de
organização que dificultem, retardem ou impeçam o acesso da mulher aos seus direitos
constituídos, podendo tais ações ocorrer em instituições públicas ou privadas 59. Seguem
exemplos citados pela Rede Parto do Princípio:

[...] impedimento do acesso aos serviços de atendimento à saúde, impedimento à


amamentação, omissão ou violação dos direitos da mulher durante seu período de
gestação, parto e puerpério, falta de fiscalização das agências reguladoras e demais
órgãos competentes, protocolos institucionais que impeçam ou contrariem as normas
vigentes60.

54
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 60.
55
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 48.
56
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado, 2012.
Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 60.
57
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 60.
58
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 49.
59
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 61.
60
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado, 2012.
Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020. p. 61..
12

Não há legislação federal brasileira específica que tipifica o que é violência obstétrica.
Todavia, alguns Estados do Brasil têm se preocupado com a conceituação de tal violência,
como o caso do Estado de Santa Catarina, o primeiro a legislar conceituando e tipificando a
VO, na Lei Estadual nº 17.097 de 2017. O art. 2º conceitua61:
Considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do
hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as
mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério.

A identificação de quais condutas enquadram-se como ofensas verbais ou físicas são


descritas no art. 3º da Lei Estadual nº 17.09762:
I – tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira,
zombeteira, ou de qualquer outra forma que a faça se sentir mal pelo tratamento
recebido; II – fazer graça ou recriminar a parturiente por qualquer comportamento
como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas; III – fazer graça ou recriminar a
mulher por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade,
pelos, estrias, evacuação e outros; IV – não ouvir as queixas e dúvidas da mulher
internada e em trabalho de parto; V – tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe
comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz; VI – fazer
a gestante ou parturiente acreditar que precisa de uma cesariana quando esta não se
faz necessária, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e
sem a devida explicação dos riscos que alcançam ela e o bebê; VII – recusar
atendimento de parto, haja vista este ser uma emergência médica; VIII – promover a
transferência da internação da gestante ou parturiente sem a análise e a confirmação
prévia de haver vaga e garantia de atendimento, bem como tempo suficiente para
que esta chegue ao local; IX – impedir que a mulher seja acompanhada por alguém
de sua preferência durante todo o trabalho de parto; X – impedir a mulher de se
comunicar com o “mundo exterior”, tirando-lhe a liberdade de telefonar, fazer uso
de aparelho celular, caminhar até a sala de espera, conversar com familiares e com
seu acompanhante; XI – submeter a mulher a procedimentos dolorosos,
desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos
pubianos, posição ginecológica com portas abertas, exame de toque por mais de um
profissional; XII – deixar de aplicar anestesia na parturiente quando esta assim o
requerer; XIII – proceder a episiotomia quando esta não é realmente imprescindível;
XIV – manter algemadas as detentas em trabalho de parto; XV – fazer qualquer
procedimento sem, previamente, pedir permissão ou explicar, com palavras simples,
a necessidade do que está sendo oferecido ou recomendado; XVI – após o trabalho
de parto, demorar injustificadamente para acomodar a mulher no quarto; XVII –
submeter a mulher e/ou bebê a procedimentos feitos exclusivamente para treinar
estudantes; XVIII – submeter o bebê saudável a aspiração de rotina, injeções ou
procedimentos na primeira hora de vida, sem que antes tenha sido colocado em
contato pele a pele com a mãe e de ter tido a chance de mamar; XIX – retirar da
mulher, depois do parto, o direito de ter o bebê ao seu lado no Alojamento Conjunto
e de amamentar em livre demanda, salvo se um deles, ou ambos necessitarem de
cuidados especiais; XX – não informar a mulher, com mais de 25 (vinte e cinco)
anos ou com mais de 2 (dois) filhos sobre seu direito à realização de ligadura nas
trompas gratuitamente nos hospitais públicos e conveniados ao Sistema Único de

61
SANTA CATARINA. Lei Estadual n. 17.097 de 2017. Dispõe sobre a implantação de medidas de
informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado de Santa Catarina.
Florianópolis: ALESC, 2017. Disponível em: http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2017/17097_2017_lei.html.
Acesso em: 22 out. 2019.
62
SANTA CATARINA. Lei Estadual n. 17.097 de 2017. Dispõe sobre a implantação de medidas de
informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado de Santa Catarina.
Florianópolis: ALESC, 2017. Disponível em: http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2017/17097_2017_lei.html.
Acesso em: 22 out. 2019.
13

Saúde (SUS); XXI – tratar o pai do bebê como visita e obstar seu livre acesso para
acompanhar a parturiente e o bebê a qualquer hora do dia.63

O Estado de Santa Catarina foi pioneiro na tentativa de elucidar esta questão no


âmbito do direito. De modo geral, o dispositivo catarinense é bastante preciso na identificação
das condutas de violência obstétrica. Ademais, o artigo 4º da referida lei visa à erradicação da
violência obstétrica com a elaboração de uma cartilha de informações às mulheres, prestando
esclarecimento sobre o que configura um atendimento digno e humanizado 64.
Seguindo a mesma linha, tem-se o Projeto de Lei nº 8.219 de 2017, mencionado
alhures, proposto pelo Deputado Francisco Floriano, que propõe a tipificação da violência
obstétrica65. A justificativa para a proposição da lei é o objetivo de impedir que a mulher em
trabalho de parto – ou logo após este – sofra qualquer tipo de constrangimento ou tratamento
vexatório por parte dos médicos e profissionais de saúde. Entre os abusos citados estão desde
pressão psicológica até a realização de procedimentos cirúrgicos desnecessários e sem
consentimento da mulher66.
Ainda sobre o Projeto de Lei nº 8. 219, verifica-se que seu art. 3º menciona que o
procedimento de episiotomia deve ser realizado somente quando houver sofrimento fetal,
considerando-o inadequado e violento. Conforme redação:
Art. 3º. O procedimento médico denominado episiotomia é inadequado e violento,
devendo ser praticado, exclusivamente, nos casos de sofrimento do bebê ou
complicação no parto que coloque em risco a vida e a saúde da mãe e do bebê,
devendo ser motivada no prontuário médico da mulher. Pena - detenção, de um ano
67
a dois anos, e multa.

A tipificação da violência obstétrica auxilia a visualizar suas características e os atos


que a compreendem. No entanto, a ausência do legislador no âmbito federal não afasta o
debate social em torno dos problemas da violência obstétrica, como também não impede a

63
SANTA CATARINA. Lei Estadual n. 17.097 de 2017. Dispõe sobre a implantação de medidas de informação
e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado de Santa Catarina. Florianópolis:
ALESC, 2017. Disponível em: http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2017/17097_2017_lei.html. Acesso em: 22 out.
2019.
64
SANTA CATARINA. Lei Estadual n. 17.097 de 2017. Dispõe sobre a implantação de medidas de informação
e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado de Santa Catarina. Florianópolis:
ALESC, 2017. Disponível em: http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2017/17097_2017_lei.html. Acesso em: 22 out.
2019.
65
BRASIL. Projeto de Lei nº 8.219 de 2017. Dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou
profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados, 2017. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4ADB73DA542F580124833C831
8C04384.proposicoesWebExterno2?codteor=1591466&filename=Avulso+-PL+8219/2017. Acesso em: 22 out.
2019.
66
BRASIL. Projeto de Lei nº 8.219 de 2017. Dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou
profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados, 2017. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4ADB73DA542F580124833C831
8C04384.proposicoesWebExterno2?codteor=1591466&filename=Avulso+-PL+8219/2017. Acesso em: 22 out.
2019.
67
BRASIL. Projeto de Lei nº 8.219 de 2017. Dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou
profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados, 2017. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4ADB73DA542F580124833C831
8C04384.proposicoesWebExterno2?codteor=1591466&filename=Avulso+-PL+8219/2017. Acesso em: 22 out.
2019.
14

atuação do Poder Judiciário, o que será analisado no tópico de número 5: Repercussão


Jurídica da Violência Obstétrica.

4 Violação de direitos constitucionais

Na posição de sujeito de direitos, as parturientes detêm uma série de direitos


constitucionais como a dignidade da pessoa humana 68, princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito Brasileiro; o princípio da igualdade69, que veda qualquer forma de
discriminação; o princípio da legalidade 70, garantindo autonomia à mulher; a proteção à
maternidade71 e o direito de estar livre de tratamento cruel, desumano ou degradante 72 73.
Contudo, diante da pesquisa da Fundação Abreu, citada anteriormente, uma em cada quatro
mulheres foi vítima de violência obstétrica, o que demonstra que, em alguns casos, estes
direitos estão sendo violados.
A OMS afirma que a violência obstétrica fere gravemente os direitos sexuais e
reprodutivos das mulheres, assim como sua dignidade humana 74. A dignidade da pessoa
humana traz a exigência de que todo ser humano seja reconhecido como pessoa. Nesse
sentido, dizer que uma conduta viola a dignidade da pessoa humana significa que a conduta
praticada não reconheceu o ser humano como pessoa75.
O princípio da dignidade da pessoa humana está disposto em nossa Constituição
Federal, demonstrando que o legislador constitucional preocupou-se em valorar a pessoa
humana, assegurando-lhe o mínimo de respeito76.

68
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a
dignidade da pessoa humana. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.).
69
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à
propriedade nos seguintes termos: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado Federal, 1988.).
70
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à
propriedade nos seguintes termos: [...] II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988.).
71
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, à assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988.).
72
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à
propriedade nos seguintes termos: [...] III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.).
73
VELOSO, Roberto Carvalho; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Reflexos da Responsabilidade Civil e
Penal nos Casos de Violência Obstétrica. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito, Minas Gerais, v. 2., n.1.,
p.18-37. jan./jun. 2016. p. 21.
74
Organização Mundial de Saúde (OMS). Cartilha de Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-
tratos durante o parto em instituições de saúde. 2014.
75
ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plínio. Dignidade da Pessoa Humana: Fundamentos e Critérios
Interpretativos. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 51.
76
MESSIAS, Ewerton Ricardo; CARMO, Valter Moura; ALMEIDA, Victoria Martins de. Feminicídio: Sob a
perspectiva da dignidade da pessoa humana. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 1, jun. 2020.
p. 07. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2020v28n160946.
Acesso em: 28 jun. 2020.
15

Os direitos reprodutivos e sexuais podem ter abordagens diferentes, dependendo da


visão teórico-política sob a qual são colocados em perspectiva. O feminismo é um movimento
social de grande relevância e que tem ajudado a construir a abordagem destes direitos. Desse
modo, levando-se em consideração as pautas feministas, tem-se que os direitos reprodutivos
correspondem ao respeito à igualdade e à liberdade na esfera reprodutiva, enquanto os direitos
sexuais referem-se à igualdade e à liberdade no exercício da sexualidade77.
A conceituação dos direitos reprodutivos e sexuais envolvem quatro princípios éticos:
a igualdade, a diversidade, a autonomia pessoal e a integridade corporal. Cada um desses
princípios podem ser violados por ações de invasão, abusos ou ações resultantes de omissão,
de negligência e de discriminação 78.
O princípio da autonomia pessoal pode ser considerado um dos fundamentos mais
importantes quando se trata de liberdade sexual e reprodutiva, eis que implica o respeito às
decisões reprodutivas das mulheres, bem como a sua noção de integridade corporal e ao
controle sobre o próprio corpo79.
A ONU definiu, em 1994, que os direitos reprodutivos são sustentados no
reconhecimento do direito básico de que todo casal e todo indivíduo têm de decidir, de
maneira livre e responsável, sobre ter e como ter filhos, bem como do direito de possuir o
mais alto padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui-se, por conseguinte, o direito de tomar
decisões sobre reprodução livre de discriminação, coerção ou violência 80.
A violação dos direitos reprodutivos das mulheres em situação de violência obstétrica
e institucional é colocada nas palavras de Aguiar:

(...) a permanência histórica de uma ideologia naturalizadora da inferioridade física e


moral da mulher, e de sua condição de reprodutora como determinante do seu papel
social, permitindo que seu corpo e sua sexualidade sejam objetos de domínio e
controle da ciência médica81.82.
Entre as condutas que podem exemplificar como ocorre a violação dos direitos
reprodutivos e sexuais encontra-se o procedimento de episiotomia 83, que consiste em um ato

77
SILVA, Juliana Guimarães e et al. Direitos Sexuais e Reprodutivos de mulheres em situação de violência
sexual: o que dizem gestores, profissionais e usuários dos serviços de referência. Saúde Soc., São Paulo,
abr./jun. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104-12902019180309. Acesso em: 25 jun.2020.
78
PROGIANTI, Jane Márcia; ARAÚJO, Luciane Marques de; MOUTA, Ricardo José Oliveira. Repercussões da
episiotomia sobre a sexualidade. Esc Anna Nery. Rev. Enferm., [S. l.], v. 12, n. 1, p. 45-49, mar. 2008. p. 45.
79
PROGIANTI, Jane Márcia; ARAÚJO, Luciane Marques de; MOUTA, Ricardo José Oliveira. Repercussões da
episiotomia sobre a sexualidade. Esc Anna Nery. Rev. Enferm., [S. l.], v. 12, n. 1, p. 45-49, mar. 2008. p. 45.
80
MATTAR, Laura Davis; DINIZ, Simone Grilo. Hierarquias reprodutivas: maternidade e desigualdades no
exercício de direitos humanos pelas mulheres. Comunicação Saúde Educação. [S. l.], v. 16., n. 40. p. 107-
119, jan./mar. 2012. p. 110/111.
81
AGUIAR, Janaína Marque de. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de
acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências)- Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-21062010-175305/publico/JanainaMAguiar.pdf. Acesso
em: 05 jun. 2020. p. 19-20.
82
“[...]apontam a censura que alguns profissionais de saúde fazem sobre o exercício da sexualidade de suas
pacientes, sendo frequentes em algumas maternidades públicas as agressões verbais que culpabilizam o prazer
que a parturiente pode ter sentido no ato sexual que originou a gravidez [...]”. (AGUIAR, Janaína Marque de.
Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão
de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências)- Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-21062010-175305/publico/JanainaMAguiar.pdf. Acesso
em: 05 jun. 2020. p. 20.).
83
“ [...] trata-se de uma conduta frequentemente utilizada de maneira inadequada. De um lado, seus defensores
costumam sublinhar a ação protetora desta intervenção, alegando razões tais como: a prevenção de lacerações
no períneo; melhor cicatrização; redução da duração do segundo estágio do parto; ampliação do canal vaginal
16

cirúrgico cujo objetivo é ampliar o canal vaginal; para isso, é realizado um corte no períneo
utilizando uma tesoura ou bisturi84 85. Segundo a Rede de Parto do Princípio: “No Brasil, a
episiotomia é a única cirurgia realizado sem o consentimento da paciente [...] a prática de
episiotomia no país contraria os preceitos da Medicina Baseada em Evidências” 86.87.
Considerando que o procedimento é realizado por um médico, a parturiente que nesse
momento encontra-se na posição de paciente 88, deveria ser esclarecida deste procedimento,
conhecendo os seus custos e consequências 89.90.
Diante disso, a ocorrência de episiotomia sem o consentimento da parturiente pode ser
considerada uma violação de sua integridade física, levando-se em conta os danos que o
procedimento causa em seu corpo, bem como uma violação de seus direitos sexuais e
reprodutivos, dado que uma das possíveis consequências da episiotomia é a dificuldade de ter

nos casos em que há necessidade de manipulação, para facilitar o nascimento, e facilidade na extração assistida
por vácuo ou na utilização de fórceps. Por outro lado, os opositores de seu uso apontam que as lacerações
podem ocorrer mesmo com a realização da episiotomia. Referem que a dor e o desconforto resultante desta
conduta trazem consequências negativas maiores que as associadas às lacerações, maior perda sanguínea, dor,
edema e disfunção sexual”. (LIMA, Marcia Guerino de et al. A episiotomia e o retorno à vida sexual pós-parto.
Revista Uningá Review., [S. l.], v. 16, n. 2, p. 33-37, out./dez. 2013.).
84
LIMA, Marcia Guerino de et al. A episiotomia e o retorno à vida sexual pós-parto. Revista Uningá Review.,
[S. l.], v. 16, n. 2, p. 33-37, out./dez. 2013.
85
“A episiotomia é uma incisão cirúrgica realizada no períneo da mulher no momento da expulsão – segundo
período do parto. Tem o objetivo de impedir ou diminuir o trauma dos tecidos do canal do parto, favorecer a
libertação do concepto e evitar lesões desnecessárias do polo cefálico submetido à pressão sofrida de encontro
ao períneo. A episiotomia pode ser feita com tesoura ou bisturi, possui modalidades diferentes: perineotomia,
médio-lateral e lateral. A sua sutura é feita com fio cirúrgico absorvível pelo organismo e é chamada
episiorrafia.” (LIMA, Marcia Guerino de et al. A episiotomia e o retorno à vida sexual pós-parto. Revista
Uningá Review., [S. l.], v. 16, n. 2, p. 33-37, out./dez. 2013.).
86
[...] a episiotomia de rotina tem sido considerada por vários autores como uma forma de mutilação genital, e
mesmo como violência de gênero cometida pelas instituições e profissionais. Alguns já propõem uma mudança
de nomenclatura, chamando a episiotomia desnecessária de rotina como "lesão genital iatrogênica no parto",
"agravo sexual iatrogênico" ou de "ferimento sexual iatrogênico no parto". O abuso de episiotomias tem sido
considerado uma questão exemplar de desrespeito aos direitos humanos na área de saúde. (DOSSIÊ DE
VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado, 2012. Disponível
em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 05
jun. 2020.).
87
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf.
Acesso em: 05 jun. 2020.
88
“Atualmente a episiotomia é apontada como fator de aumento de risco de traumas, infecções, hematomas, dor
e também considerada um dos únicos procedimentos e realizado sem qualquer consentimento da paciente.”
(LIMA, Marcia Guerino de et al. A episiotomia e o retorno à vida sexual pós-parto. Revista Uningá Review.,
[S. l.], v. 16, n. 2, p. 33-37, out./dez. 2013.).
89
“ [...] atualmente, tem-se que o médico somente afasta sua responsabilidade pelos efeitos danosos decorrentes
de uma intervenção médica, mesmo na ausência de qualquer falha técnica sua, se tiver previamente esclarecido
seu paciente sobre todas as circunstâncias envolvendo o procedimento, particularmente os riscos existentes,
bem como as alternativas existentes, seus custos, os efeitos de cada uma, além de outros elementos, de forma a
obter o consentimento devidamente informado e esclarecido do paciente”. (FACCHINI NETO, Eugênio. O
maior consenso possível: o consentimento informado sob o prisma do direito comparado. RJLB, [S. l.], ano 2,
n. 1, p. 953-1024, 2016.).
90
Cabe salientar que a episiotomia é um procedimento rotineiro contraindicado pela Organização Mundial da
Saúde, sendo considerado de uso restrito, apenas em casos específicos, contudo, segundo a Pesquisa Nascer no
Brasil, ocorre episiotomia em 53,5% dos partos normais. (DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com
Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado, 2012. p. 80. Disponível em:
https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 05 jun.
2020.).
17

relações sexuais, prejudicando-lhe o exercício de sua sexualidade 91. Nesse sentido


manifestam-se Progianti et al.:
Muitos médicos e enfermeiras obstétricas afirmam que a episiotomia é a única
operação feita sobre o corpo de uma mulher saudável sem o seu consentimento. Por
esta razão, é um procedimento que viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher
e desrespeita os princípios éticos profissionais92.

A manobra de Kristeller compreende o ato de empurrar a barriga da gestante com as


duas mãos em direção à pelve. Trata-se de procedimento abolido pelo Ministério da Saúde e
pela Organização Mundial da Saúde, devido à comprovação de graves complicações tanto
para a parturiente quanto para o bebê, pois podem ocorrer consequências como deslocamento
de placenta e até mesmo laceração do períneo93. Ademais, a referida manobra, além de ser
condenada por sua ineficácia, é extremamente dolorosa para a parturiente, dado que o
procedimento é considerado danoso à saúde, podendo causar à parturiente sequelas
permanentes94.
Este procedimento corresponde à violação da integridade física 95 da mulher96,
trazendo-lhe danos físicos e psicológicos (a manobra de Kristeller é geralmente realizada
quando a gestante encontra-se em posição supina; não raras vezes, essa posição é imposta,
sem a parturiente ter o direito de ficar na posição que considera mais confortável para parir) 97.
Embora a Organização Mundial da Saúde recomende que a mulher possa escolher
entre as diversas posições durante ao parto, desde que não haja impedimento clínico, a
restrição à escolha da posição ocorre em diversos hospitais, que normalmente obrigam as
mulheres a ficarem em posição supina ou de litotomia, posições que podem ser consideradas

91
PROGIANTI, Jane Márcia; ARAÚJO, Luciane Marques de; MOUTA, Ricardo José Oliveira. Repercussões da
episiotomia sobre a sexualidade. Esc Anna Nery. Rev. Enferm., [S. l.], v. 12, n. 1, p. 45-49, mar. 2008. p. 48.
92
PROGIANTI, Jane Márcia; ARAÚJO, Luciane Marques de; MOUTA, Ricardo José Oliveira. Repercussões da
episiotomia sobre a sexualidade. Esc Anna Nery. Rev. Enferm., [S. l.], v. 12, n. 1, p. 45-49, mar. 2008. p. 46.
93
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado, 2012.
p. 103. Disponível em:
https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 05 jun.
2020.
94
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. p. 105. Disponível em:
https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 05 jun.
2020.
95
A integridade física em caráter de atributo da personalidade que apresenta o interesse da pessoa em manter as
condições biofísicas necessária de sua manutenção a qualidade de vida. (MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa.
Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-book. Disponível em: http://primo-
pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269. Acesso em: 16 jun. 2016. p.186.
96
SAUAIA, Artenira da Silva e Silva; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Uma dor além do parto: violência
obstétrica em foco. Revista de Direitos Humanos e Efetividade, [S. l.], Brasília, DF, v. 2, n. 1, p.128-147,
jan./jun. 2016. p. 135.
97
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. p. 104-105. Disponível em:
https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 05 jun.
2020.
18

extremamente desconfortáveis para a parturiente 98. Trata-se de mais uma clara violação ao
direito de liberdade da gestante99.

4.1 Autonomia e consentimento informado

Os avanços técnicos da medicina acompanham os avanços das reflexões teóricas,


trazendo uma nova visão do paciente como sujeito de direito, afastando a ideia do paciente
como objeto de atenção médica100. À vista disso, a bioética 101 traz o princípio da autonomia,
que regula os pedidos éticos expressos pelo paciente, que, diante de sua dignidade de sujeito,
possui o direito de decidir de maneira autônoma se deve aceitar ou não o que se pretende fazer
nele, tanto da perspectiva de diagnóstico como terapêutico 102. Conforme Dantas, Almeida
Filho e Melgaré:
O princípio da autonomia requer que o médico respeite a vontade do paciente ou do
seu representante, assim como seus valores morais e crenças. Reconhece o domínio
do paciente sobre a vida e o respeito à sua intimidade103.

Cabe ao paciente o exercício de sua autonomia, participando das decisões que lhe
digam respeito e dando a palavra final sobre os limites da atuação médica 104. O Código de
Ética de Medicina aborda em seu capítulo IV sobre Direitos Humanos, no art. 22105, a
necessidade do consentimento do paciente após esclarecimento sobre procedimento a ser
realizado, bem como o direito do paciente de decidir livremente sobre o seu bem-estar,
garantido no art. 24106.
O médico apenas afasta a sua responsabilidade pelos danos decorrentes de uma
intervenção médica se o paciente tiver sido previamente esclarecido sobre as possíveis
consequências que envolvem o procedimento médico realizado, como seus riscos, alternativas

98
DOSSIÊ DE VIOLÊNCIA Obstétrica “Parirás com Dor”. Rede Parto do Princípio, Brasília, DF: Senado,
2012. p. 104-105. Disponível em:
https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em: 05 jun.
2020.
99
SAUAIA, Artenira da Silva e Silva; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Uma dor além do parto: violência
obstétrica em foco. Revista de Direitos Humanos e Efetividade, [S. l.], Brasília, DF, v. 2, n. 1, p.128-147,
jan./jun. 2016. p. 135.
100
FACCHINI NETO, Eugênio. O maior consenso possível: o consentimento informado sob o prisma do direito
comparado. RJLB, [S. l.], ano 2, n. 1, p. 953-1024, 2016. p. 955.
101
A bioética compreende o estudo sistemático da conduta humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados
da saúde, conforme esta conduta é analisada da perspectiva dos valores e princípios morais com o objetivo de
entender de forma eficaz o atendimento com relação aos problemas da vida, saúde e morte do ser humano.
(SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 50).
102
DANTAS, Ivo; ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plínio. Dignidade da Pessoa Humana:
Fundamentos e Critérios Interpretativos. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 308.
103
DANTAS, Ivo; ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plínio. Dignidade da Pessoa Humana:
Fundamentos e Critérios Interpretativos. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 308.
104
DANTAS, Ivo; ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plínio. Dignidade da Pessoa Humana:
Fundamentos e Critérios Interpretativos. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 956.
105
BRASIL. Código de Ética de Medicina. Capitulo IV. É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter
consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser
realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
106
Capítulo IV. É vedado ao médico: Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
livremente sobre sua pessoa ou bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. (CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA. Código de ética médica: resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009.
Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina, 2010.).
19

existentes, custos e efeitos107. O consentimento informado equivale à decisão voluntária


realizada por pessoa autônoma e capaz, após um processo informativo e deliberativo, com o
objetivo à aceitação de tratamento médico específico, estando o paciente ciente de sua
natureza, riscos e consequências108.
Sob essa perspectiva, todo e qualquer procedimento deve ser informado e explicado à
parturiente, para assim se poder falar em consentimento 109. Nesta senda, o direito à
informação encontra-se vinculado ao princípio da autonomia, na medida em que apenas com a
informação precisa quanto aos procedimentos que virão a ser realizados é que o paciente tem
capacidade de realizar escolhas autônomas 110.
Importante destacar que o consentimento informado está muito além de um
documento escrito, eis que deve ser visto como uma forma de respeitar a autonomia do
paciente, compondo uma forma de aprimoramento da prática da medicina, melhorando a
relação médico-paciente e utilizando o diálogo como base. Dessa forma, tal documento
escrito não deve ser utilizado como possível defesa, mas sim de modo a estabelecer uma
relação em que o médico compartilhe seus conhecimentos técnicos, garantindo que o paciente
possa tomar decisões a partir de seus próprios valores111. No caso das ações caracterizadas
como violência obstétrica, encontram-se a violação do princípio da autonomia e a ausência de
consentimento informado dos procedimentos realizados em seus corpos 112.

5 Repercussão jurídica da violência obstétrica

Em que pese não haja uma legislação federal tipificando a violência obstétrica, como
mencionado anteriormente, isso não impede que a prática desta conduta seja reprovada pelo
Direito. Nesse sentido, a reparação da violação sofrida pelas mulheres em situação de parto e
pós-parto pode ser postulada mediante ações civis através da responsabilidade civil, além da
responsabilização penal dos envolvidos.
O direito penal segue o princípio da ultima ratio, ou princípio da intervenção mínima,
o que significa que a lei penal deve ser utilizada como último recurso, quando não houver a
possibilidade de proteção ao bem jurídico tutelado utilizando de outras sanções e formas de
controle social113.
A violência obstétrica sofrida, em alguns casos, pode se enquadrar no tipo penal de
lesão corporal, previsto no Código Penal. Entretanto, considerando-se o princípio da
intervenção mínima do Direito Penal, e levando-se em conta que os danos sofridos são de

107
FACCHINI NETO, Eugênio. O maior consenso possível: o consentimento informado sob o prisma do direito
comparado. RJLB, [S. l.], ano 2, n. 1, p. 953-1024, 2016. p. 955.
108
FACCHINI NETO, Eugênio. O maior consenso possível: o consentimento informado sob o prisma do direito
comparado. RJLB, [S. l.], ano 2, n. 1, p. 953-1024, 2016. p. 956.
109
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 52.
110
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017. p. 52.
111
FACCHINI NETO, Eugênio; EICK, Luciana. Responsabilidade Civil do Médico pela falha no dever de
informação, à luz do princípio da boa-fé objetiva. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 42. n. 138, jun. 2015.
p. 62-63.
112
SILVA, Delmo Mattos da; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência Obstétrica: uma análise sob o
prisma da autonomia, beneficência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitos e Garantias
Fundamentais, Maranhão. v. 3. n., 2. p .42-65, jul./dez. 2017.
113
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Saraiva: São Paulo, 2012. p.
19-20.
20

caráter privado, sendo os sujeitos lesados a mulher e/ou o bebê, não será analisada a violência
obstétrica do ponto de vista jurídico-penal. Sobre o tema, Rizzardo observa:
[...]entende-se que a responsabilidade civil decorre da falta de cumprimento das leis
civis e dos contratos, enquanto a penal advém da infração de leis penais, que
cominam a incidência de sanções e restrições de direitos e da liberdade, como o
encarceramento, a proibição de certas atividades, o pagamento de cifras de dinheiro,
a prestação de serviços, e a limitação no exercício de categorias determinadas de
direitos. No âmbito geral, acontece um desrespeito da norma jurídica, dela
desviando-se a conduta humana. Como existem normas civis e normas penais,
restam, na violação, lesadas a ordem privada ou a ordem pública, acarretando,
respectivamente, a responsabilidade civil ou penal. Para Afrânio Lyra, “a
responsabilidade penal é perante a sociedade. A responsabilidade civil, conquanto
fundada também no interesse social, é perante o lesado” 114.

Diante da aplicação subsidiária do Direito Penal, mas sem afastar sua incidência,
quando necessária, o presente trabalho analisará preferencialmente a responsabilidade civil
em casos de violência obstétrica.
Aquele que sofrer um dano qualquer, seja físico ou moral, ocorrido em desacordo com
os ditames de seus direitos, está amparado pela responsabilidade civil a buscar o
ressarcimento pelo dano sofrido 115. Desse modo, os danos ocasionados às mulheres vítimas de
violência obstétrica, entre eles o sofrimento físico, desrespeito, maus tratos, discriminação e o
uso indiscriminado de intervenções desnecessárias por parte dos médicos, geram um direito
de reparação.
No caso dos médicos, a sua responsabilização só ocorrerá se houver culpa, nos termos
do art. 951 do CC116 e art. 14§ 4º, do CDC117 (quando se tratar de relação de consumo, com
médico particular). A origem da responsabilidade médico-hospitalar deriva de um dano 118 ao
paciente, de qualquer tipo ou espécie, como lesão ao direito à vida, à integridade física, à
saúde, lesão de um direito legítimo, danos patrimoniais ou danos morais 119.
Segundo a visão civilista francesa a respeito da responsabilidade civil médica, tem-se
que, agindo o médico com culpa, podendo esta ser de qualquer modalidade, de natureza
profissional ou não 120, contanto que provada, deverá o profissional da saúde reparar o dano

114
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 47.
115
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
116
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949, 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no
exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Planalto, 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 28 jun. 2020.)
117
Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes sobre sua fruição e riscos. (...) § 4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante verificação de culpa. (BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a
proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Planalto, 1990.).
118
“Para que o dano seja um fenômeno juridicamente qualificado, deve decorrer da inobservância de uma norma.
[...] é indispensável que a imprudência, imperícia ou negligência tenham causado dano a outrem”. KFOURI
NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 99.
119
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001.
p. 99.
120
Existe erro profissional quando a conduta médica é correta, porém a técnica empregada é incorreta. Encontra-
se imperícia quando a técnica está correta, mas a conduta médica é incorreta. A culpa médica pressupõe a falta
de diligência ou de prudência em que relação ao que se espera de um bom profissional. (MIRAGEM, Bruno
Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-book. Disponível em:
http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269. Acesso em: 16 jun.
2016. p. 604.).
21

que eventualmente tenha provocado121. Entretanto, há a ressalva de que apenas a culpa médica
não é suficiente para ensejar o reparo, devendo-se provar igualmente o nexo causal, que,
assim, liga o dano à conduta do agente122.
A responsabilidade civil divide-se em subjetiva123 e objetiva124. A primeira é a
responsabilidade baseada na ideia de culpa, enquanto a segunda baseia-se na teoria do risco 125
126.

O art. 186 do Código Civil dispõe que: todo aquele que causar dano a outrem é
obrigado a repará-lo. Com o seguinte informativo: “aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Dessa forma, tem-se que os pressupostos da
responsabilidade civil são: conduta ilícita 127, culpa, dano e nexo causalidade.
A conduta é o primeiro pressuposto analisado na responsabilidade civil, no caso da
responsabilidade subjetiva, uma vez que a análise da conduta é excluída no caso da
responsabilidade objetiva, pode ser positiva ou negativa, ação ou omissão, assim é definida no
art. 186 do CC. Dessa forma, a conduta será investigada sobre a presença de voluntariedade,
negligência ou imprudência128.

121
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001.
p. 69.
122
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001.
p. 71.
123
A responsabilidade subjetiva possui hipóteses em que a imputação de sanção ao agente decorre da
identificação em sua conduta de causa que de resultado antijurídico de culpa ou dolo. Assim, se expressa em
culpa em sentido amplo, tanto quanto deparado com situação no qual o dano decorre de negligência ou
imprudência do agente quanto nas situações em que seja identificado o dolo. A culpa em sentido estrito quando
se fizer presente a negligência e a imprudência, porém sem o dolo. (MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa.
Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-book. Disponível em: http://primo-
pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269. Acesso em: 16 jun. 2016. p. 101.).
124
“[...] responsabilidade objetiva, em que não se exige a demonstração da culpa para imputação do dever de
indenizar, uma vez que a causalidade se atribui, em termos abstratos, a determinada atividade, cujo
responsável, por sua posição, será chamado a responder pelos danos que porventura dela decorrerem”.
(MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 39.)
125
A responsabilidade objetiva não exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano, ou
seja, a culpa é presumida por lei ou simplesmente é dispensada sua comprovação. A teoria do risco define o
risco como a eventualidade de um acontecimento futuro, incerto e de prazo indeterminado, que não depende
das partes e pode causar um dano. No caso de responsabilidade objetiva, pela teoria do risco, havendo dano e
nexo causal, o autor somente é eximido da obrigação de indenizar mediante prova de culpa exclusiva da
vítima, caso fortuito ou força maior. (KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 56-58.).
126
“A teoria do risco, nesse sentido, surge para resolver questões que a teoria da culpa, em face da complexidade
da vida moderna, não tem o condão de fazer, seja pela dificuldade ou mesmo pela inconveniência do dever de
reparação da vítima de um dano, aspecto objetivo coloca- do em relevo pela responsabilidade civil em direito
privado, seja orientado pelo mesmo princípio subjetivo (a reclamar a investigação de elementos psicológicos
do agente) que se estabelece como regra na responsabilidade penal,por exemplo”. (MIRAGEM, Bruno Nubens
Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-book. Disponível em:
http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269. Acesso em: 16 jun.
2016. p. 85.).
127
A característica da conduta que se considera da responsabilidade civil é a sua antijuricidade, que pode
decorrer do fato de ser ela a causa de um dano quanto igualmente à violação de preceitos específicos.
(MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 130.).
128
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 117.
22

A culpa é exigida para haver o dever de indenizar, sendo a motivação interna do


sujeito no momento em que a conduta que resultou em um dano foi realizada. Dessa maneira,
a culpa pode ser dividida em lato sensu, que abrange o dolo, compreendendo a imprudência e
a negligência, e a culpa stricto sensu, em que não há vontade de causar o dano, caracterizando
a noção jurídica de infração de um dever jurídico, o dever que o agente tinha de agir com
prudência ou diligência129.
O dano tem sentido de perda, a lesão a um patrimônio contido amplamente como
complexo de bens e direitos de titularidade de um indivíduo, em outras palavras, pode ser a
lesão a interesse protegido pelo direito. Assim, dano é a consequência da violação de um
direito. A referência a uma indenização e ao dever de indenizar é devida quando há um dano
injusto, e essa indenização é medida pela extensão desse dano 130.
Importante salientar que os danos podem ser analisados sob diversos critérios,
originando diferentes espécies, sendo a principal classificação em danos patrimoniais e
extrapatrimoniais. O primeiro é passível de análise econômica, representa um prejuízo
econômico, o segundo, a priori, não cabe avaliação do viés econômico, por tratar-se de dano
que decorre da violação da personalidade, naturalmente não reparáveis. Entretanto, a
Constituição Federal estabelece a possibilidade de reparação por danos à personalidade,
através do dano moral131.
O nexo de causalidade é o fato que contribuiu para provocar o dano, ou que tenha
agravado seus efeitos. Assim, o nexo causal versa sobre o vinculo lógico entre a conduta
antijurídica/ilícita do agente que a praticou e o dano sofrido pela pessoa132.
Destarte, os pressupostos da responsabilidade civil são demonstrados na seguinte
ementa:
Ação de indenização por danos materiais e morais – Responsabilidade solidária dos
requeridos – Hospital e Administradora de Plano de Saúde – Conduta culposa do
médico anestesista caracterizada – Realização de manobra com empurrão da
barriga da parturiente sem orientação ou solicitação do médico obstetra –
Manobra desnecessária – Consequências para a parturiente representada por
lesões que extrapolam aquelas aceitáveis e previstas para o parto natural –
Procedimentos de reparação – Sofrimento que extrapola o mero dissabor –
Danos morais caracterizados – Fixação do valor de indenização em atendimento
aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Danos materiais – Não
caracterização – Inexistência de sequelas incapacitantes – Não demonstração de
impossibilidade de exercício de atividade laboral por período superior àquele que
seria dispensado aos cuidados com o filho recém-nascido – Acolhimento parcial do
pedido inicial – Partilha dos ônus de sucumbência – Recurso parcialmente provido.
(Grifo nosso). 133

129
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 259.
130
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 604. p. 155-156.
131
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 604. p. 167.
132
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-
book. Disponível em: http://primo-pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269.
Acesso em: 16 jun. 2016. p. 604. p. 219.
133
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça (Terceira Câmara de Direito Privado). Apelação Cível 0008640-
08.2013.8.26.0011. Rel. Des. Marcia Dalla Déa Barone. São Paulo, 28 set. 2016.
23

No caso em tela não se utiliza a nomenclatura “violência obstétrica” para referir a


violência sofrida pela parturiente, entretanto, a manobra de Kristeller, como mencionado,
pode ser enquadrada como uma conduta de violência obstétrica. A questão apreciada no
acórdão foi a responsabilidade civil do médico anestesista que, através de conduta culposa,
ocasionou dano físico à parturiente, originando o dever de indenizar. Cumpre salientar que, no
julgado em questão, não houve reclamação da autora em relação à conduta do médico
obstétrico, mas sim do médico anestesista, que, sem autorização do médico obstetra, realizou
a manobra de Kristeller.
As mulheres vítimas de violência obstétrica podem buscar a reparação de seus danos
através da responsabilidade civil, podendo ser estes danos de caráter moral, físicos ou
psicológicos. O que se tem observado nas pesquisas realizadas em sítios eletrônicos de
Tribunais do Rio Grande do Sul, São Paulo é que dificilmente as ementas das ações judicias
referem a nomenclatura violência obstétrica, inclusive, em alguns julgados a reparação civil é
vista do viés do erro médico, conforme exemplifica a seguinte ementa do TJRS:

Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS.
ERRO MÉDICO. DIAGNÓSTICO. FALHA. EPISIOTOMIA. FÍSTULA
RETO-VAGINAL. COMPLICAÇÕES. NECESSIDADE DE
PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. DEVER DE INDENIZAR EVIDENCIADO.
CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA
DO HOSPITAL. QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS E ESTÉTICOS.
JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Preliminar de
cerceamento de defesa rejeitada. Afigura-se prescindível a realização de nova perícia
médica quando a prova já realizada é suficientemente esclarecedora. O mero
descontentamento da parte com o resultado da perícia não autoriza a realização de
novo exame. 2. O hospital demandado, na qualidade de prestador de serviços,
mesmo que a médica não tenha relação de vínculo empregatício, é parte legítima e
responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores. Contudo, a
responsabilidade do médico, profissional liberal, é apurada mediante a
verificação da culpa, nas modalidades de negligência, imperícia e imprudência,
na esteira do art. 14, §4º, do CDC, cabendo ao autor comprovar os requisitos da
responsabilidade civil, que são o ato ilícito culposo, o dano e o nexo causal entre
o ato e o dano causado. 3. Caso em que a prova documental coligida ao caderno
processual, corroborada pela conclusão pericial e demais elementos,
demonstram a presença do nexo causal entre a falha no atendimento pós-parto
da autora e ocorrência de fístula reto-vaginal decorrente do resultado da
episiotomia, não identificada no momento inicial. 4. Situação que agravou o quadro
infeccioso da autora, necessitando nova internação e realização de procedimento
cirúrgico posterior. 5. Dano moral caracterizado. Agir negligente da ré que
ultrapassa o mero dissabor. Quantum indenizatório fixado em observância às
peculiaridades do caso e com o fim de assegurar o caráter repressivo e pedagógico
da indenização, sem constituir-se elevado bastante para o enriquecimento indevido
da parte autora. 6. Valor dos danos morais e estéticos mantido, especialmente
considerando o risco à saúde da autora, decorrente do erro do diagnóstico e ausência
de tratamento eficaz. Danos estéticos evidenciados pela presença de cicatriz e
arbitrados em conjunto com os danos morais. 8. Juros de mora que incidem desde a
citação, uma vez que se trata de relação contratual a entretida pelas partes.
Inteligência do art. 405 do CCB. 9. Honorários advocatícios fixados com base no
art. 85, § 2°, do CPC, vez que se trata de ação de cunho condenatório, e
considerando o longo tempo de tramitação (demanda ajuizada em 2014) e a intensa
produção de provas, demandando considerável labor do profissional. Pedido de
redução rejeitado. Majoração decorrente da sucumbência recursal (art. 85, § 11).
Grifo nosso).134

134
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça (Quinta Câmara Cível). Preliminares desacolhidas e apelos
desprovidos. Apelação Cível, nº 70083768465. Rel. Des. Isabel Dias Almeida, Porto Alegre, 27 maio 2020.
24

A violência obstétrica pode ser enquadrada como erro médico, em alguns casos, visto
que há procedimentos que podem ser adequados na reponsabilidade civil por negligência,
imprudência e imperícia, como foi apresentado nos julgados deste tópico. Entretanto, como
observado neste artigo, a violência obstétrica é simultaneamente uma violência de gênero e
violência institucional, o que no caso, na aplicação do direito mediante a responsabilidade
civil médica pode dificultar a análise da situação de maneira adequada, diante da necessidade
de material probatório que apure a ocorrência de culpa e nexo causal 135.
A problemática de analisar a violência obstétrica somente do panorama da
responsabilidade médica prejudica o real entendimento deste problema, deixando de analisar
em parte dos danos que a compreendem136.
A verificação da culpa médica é tão delicada quanto à observação da ocorrência de
violência obstétrica, uma vez que este primeiro é um caso de difícil solução por envolver
questões relativas à ciência médica, em que o judiciário, como leigo nesta parte, deve se
apoiar na experiência de experts da área 137. Enquanto que a violência obstétrica quando
observado sob o viés da violência de gênero e institucional, pode-se tornar difícil pela
complexidade de seu material probatório para o judiciário 138.
Em que pese haja dificuldade comprobatória da violência obstétrica, o seguinte
julgado abordou-a nos parâmetros da responsabilidade civil, afastando a incidência da
responsabilidade médica. No caso em análise, a gestante ingressou no hospital139 com fortes
dores e sangramento, e houve descaso no atendimento diante da colocação de pulseira de
baixo risco na autora, não levando em conta a gravidade de seu caso. A autora foi sujeita a
situação vexatória ao esperar na sala por atendimento médico, enquanto sangrava
ostensivamente, acabando por sofrer aborto. No caso em tela, o hospital foi responsabilizado
civilmente pela situação de desconforto, dor, humilhação e constrangimento sofrido pela
autora. Já a responsabilidade médica não foi considerada diante da ausência de nexo de
causalidade com a demora de atendimento e o aborto. Conforme segue ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ATENDIMENTO EM PRONTO SOCORRO.


AUTORA GESTANTE DE RISCO COM DOR E SANGRAMENTO. DEMORA
NO ATENDIMENTO. PACIENTE COM SANGRAMENTO VISÍVEL, DEIXADA
NA RECEPÇÃO DO HOSPITAL. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. DANO

135
LEITE, Júlia Campos. A desconstrução da violência obstétrica enquanto erro médico e seu enquadramento
como violência institucional e de gênero. SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11.;
WOMEN’S WORLDS CONGRESS,13., 2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos [...]. Florianópolis, 2017. p.
5-6.
136
LEITE, Júlia Campos. A desconstrução da violência obstétrica enquanto erro médico e seu enquadramento
como violência institucional e de gênero. SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11.;
WOMEN’S WORLDS CONGRESS,13., 2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos [...]. Florianópolis, 2017. p.
5-6..
137
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001.
p. 71.
138
LEITE, Júlia Campos. A desconstrução da violência obstétrica enquanto erro médico e seu enquadramento
como violência institucional e de gênero. SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11.;
WOMEN’S WORLDS CONGRESS,13., 2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos [...]. Florianópolis, 2017. p.
5-6.
139
Levando em conta que as instituições hospitalares também podem praticar violência obstétrica, é importante
conceituar que sua responsabilidade civil é objetiva, incluindo nesse tipo de responsabilidade os fornecedores
de serviços de saúde, na medida em que oferecerem um serviço defeituoso. Dessa maneira, o serviço prestado
pelo hospital deverá ser considerado como um todo, diante do atendimento ou não das expectativas do
consumidor-paciente, diante dos riscos envolvendo a atividade exercida. (MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa.
Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. E-book. Disponível em: http://primo-
pmtna01.hosted.exlibrisgroup.com/PUC01:PUC01:sfx3710000001052269. Acesso em: 16 jun. 2016. p. 604. p.
616.).
25

MORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO PROVIDO.


Responsabilidade civil. Atendimento em pronto socorro. Autora gestante de
risco com dor e sangramento. Demora injustificada no atendimento. Paciente
com sangramento visível deixada na recepção do hospital. Violência obstétrica.
Dano moral caracterizado. Indenização devida. Fixação do valor da reparação
à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Sentença
reformada. Recurso provido. (Grifo nosso). 140

Dessa forma, conforme os acórdãos demonstrados, a responsabilidade civil pode ser


um caminho jurídico para a reprovação da violência obstétrica, embora a inexistência de
legislação federal específica. Entretanto, é de extrema importância que o direito possa
equipar-se para melhorar defender os direitos das mulheres vítimas dessa violência.

6 Considerações finais

Este artigo teve como objetivo a análise da violência obstétrica sob a perspectiva da
responsabilidade civil e autonomia da mulher. Inicialmente, foram analisados os aspectos
históricos, identificando como o processo de mudança do local do parto resultou na
transformação deste fenômeno, que, atualmente, compreende um ato médico, com
procedimentos complexos e mecanizados.
Posteriormente, foi realizada a conceituação de violência obstétrica, que, no âmbito da
medicina é rejeitada, inclusive pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Neste
tópico, foi analisado como a violência obstétrica pode corresponder uma violência
institucional, entrelaçada com a violência de gênero. Além disso, relacionaram-se as
características que configuram a violência obstétrica, entre elas a violência física, psíquica,
moral e sexual, bem como os atos praticados por equipes médicas que podem ser enquadrados
como violência obstétrica.
Ainda, foram brevemente apontados alguns direitos constitucionais que podem ser
violados quando mulheres são vítimas de violência obstétrica, com atenção para a violação do
princípio da dignidade humana, direitos sexuais, reprodutivos e liberdade. Conjuntamente, foi
realizada uma explanação acerca do consentimento informado e da autonomia da mulher
como paciente.
Por fim, buscou-se demonstrar a repercussão da violência obstétrica no Poder
Judiciário, sob o enfoque da responsabilidade civil.
Este trabalho teve como objetivo fomentar a discussão da problemática da violência
obstétrica, dada a visibilidade social que o tema tem alcançado ultimamente. Verificou-se que,
embora a violência obstétrica esteja sendo debatida em diferentes áreas, e sendo, inclusive,
objeto de algumas iniciativas legislativas, sua abordagem no Poder Judiciário ainda é bastante
limitada, o que pôde ser observado pela ausência de acórdãos que contivessem a expressão
“violência obstétrica” em suas ementas. Conclui-se, portanto, que a violência obstétrica ainda
possui grande espaço para discussão no âmbito judicial; um artigo, contudo, mostra-se
insuficiente para exaurir toda a extensão e complexidade do tema.

Referências

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hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em
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140
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça (Primeira Vara Cível). Apelação Cível 1010333-50.2013.8.26.0127. Rel.
Des. J. B. Paula Lima; São Paulo, 08 maio 2020.
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