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Violência sexual, aborto e discriminação:


o direito e a exclusão da outra
no contexto do Estatuto do Nascituro

MARINA MENDONÇA VILAR TRINDADE


Pesquisadora do Programa de Iniciação Científica (ProIC/CNPq).
Bacharel em Direito (UnB).

JULIANO ZAIDEN BENVINDO


Doutor em Direito (Universidade Humboldt de Berlim/ALEMANHA e UnB).
Estágio pós-doutoral na Universidade de Bremen/ALEMANHA.
Professor da Faculdade de Direito (UnB).

Artigo recebido em 24/11/2013 e aprovado em 15/08/2014.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Uma concepção de vida 3 A violência da ideia de verdade sobre a vida
4 Obstáculos implícitos a um aborto por estupro 5 Relações sociais e estigmatização relaciona-
das ao aborto e à violência 6 A violência estatal 7 Conclusão 8 Referências.

RESUMO: Tão importante quanto compreender o sistema de direitos que uma socie-
dade adota é entender os processos implícitos que funcionam por trás desse sistema.
O artigo concentra-se em desmistificar esses processos ocultos com relação ao ins-
tituto do aborto por estupro, relacionando-o ao Projeto de Lei no 478/2007, mais
conhecido como Estatuto do Nascituro. O artigo procura destrinchar certos discursos
e preconceitos, em especial no âmbito legislativo, procurando suas razões veladas.
Quer-se entender os verdadeiros mecanismos sociais que se relacionam com o di-
reito ao aborto em casos de estupro e com a autonomia feminina em relação ao seu
corpo. O artigo também visa discutir não apenas o papel da violência, mas também
suas fontes. A violência não vem apenas do estuprador, mas de todo discurso social,
religioso e legislativo que permanece na premissa da exclusão da outra.

PALAVRAS-CHAVE: Aborto Estupro Violência Autonomia Preconceito

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 16 n. 110 Out. 2014/Jan. 2015 p. 777-798.


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Sexual violence, abortion and discrimination: Law and the exclusion of the other
within the context of the Bill of the Unborn Child

CONTENTS: 1 Introduction 2 A conception of life 3 The violence of the idea of truth of life
4 Implicit barriers to abortion after sexual assault 5 Social relationships and prejudice about
abortion and violence 6 The state violence 7 Conclusion 8 References

ABSTRACT: As important as understanding the system of rights in a society is to


comprehend the implicit processes beneath this system. This article aims to demys-
tify these concealed processes related to abortion after rape, using thereby the Bra-
zilian Bill of the Unborn Child (Bill no 478/2007) as an example. For this purpose, it
thoroughly analyzes certain discourses and prejudices, especially in the legal arena,
in order to unfold their veiled reasons. It targets at understanding the real social
mechanisms connected to the legal right to abortion in cases of rape as well as to
women’s autonomy over their body. This article also fosters the debate over not only
the role of violence itself, but also its sources, naturally not restricted to the rapist,
reaching instead many nuances of social, religious and legal discourses which are
based on the premise of excluding the Other.

KEYWORDS: Abortion Rape Violence Autonomy Prejudice.

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Violencia sexual, aborto y discriminación: el derecho y la exclusión del outro en el


contexto del Estatuto del Feto

CONTENIDO: 1 Introducción 2 La violencia de la verdad sobre la vida 3 Obstáculos implícitos al


aborto por violación 4 Relaciones sociales y estigmatización relacionada al aborto 5 La violencia
estatal 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: Comprender el sistema de derechos que una sociedad adopta es tan im-
portante como comprender los procesos implícitos que funcionan por detrás de ese
sistema. Este artículo se enfoca en desmitificar esos procesos ocultos, em relación
al instituto del aborto por violación, y asociándolo al Proyecto de Ley no 478/2007,
conocido como Estatuto del Feto. El artículo pretende analizar ciertos discursos
y prejuicios, en especial en el ámbito legislativo, buscando sus razones ocultas.
Se procura comprender los verdaderos mecanismos sociales relacionados al dere-
cho de aborto por violación y al derecho y autonomia de la mujer con respecto a su
propio cuerpo. El artículo también discute no solamente el papel de la violencia,
sino también sus fuentes. La violencia no viene solamente del violador, sino tam-
bién de todo el discurso social, religioso y legislativo que permanece en la premisa
de la exclusión del otro

PALABRAS CLAVE: Aborto Violación Violencia Autonomia Prejuicio.

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1 Introdução

O tema que este artigo se propõe a examinar assusta. Aborto e estupro não são,
normalmente, palavras que geram uma relação tranquila entre emissor e re-
ceptor da fala. Elas chocam porque envolvem discussão sobre valores que reputa-
mos fundamentais, como a vida e a liberdade sexual, e, mais particularmente, por-
que elas representam o ápice da violência em relação a esses dois valores. Porém,
são palavras que precisam ser resgatadas não apenas no dizer, no falar, no escrever,
no dialogar com o Outro, ou seja, naquilo que se faz explícito; é preciso analisá-las
também no que lhes é oculto. Este artigo se interessa pelo não dito, pelo não explí-
cito, por tudo aquilo que se encontra à margem do discurso.
Para tanto, o artigo tem como objeto a análise do aborto sentimental, o aborto
em casos de estupro, como previsto no art. 128, II, do Código Penal. À primeira vista,
qualquer mulher que tenha sofrido uma violência pode facilmente se encaminhar
para o Serviço Único de Saúde – SUS para realizar o aborto legalmente admitido.
Porém, a realidade é outra. A repressão sexual feminina, a estigmatização do aborto,
as tentativas legislativas de mitigar ainda mais esse direito já tão restrito compõem
um quadro que dificilmente pode ser entendido a um mero primeiro olhar. O tema
é complexo, rodeado por preconceitos, tabus e ignorância, opiniões hereditárias e
religiosas que, muitas vezes, dificultam o estudo a respeito.
Propõe-se aqui analisar criticamente o direito feminino de abortar após a vivên-
cia de uma das violências mais extremas, a violência sexual. Mais particularmente,
propõe-se entender esse direito no contexto dos olhares que influenciam a decisão
da mulher - olhares religiosos, médicos, familiares, que nem sempre veem o aborto
de maneira simpática e que, muitas vezes, são incapazes de reconhecer a violência
que cometem ao culpabilizarem a vítima. Propõe-se também perceber e delinear os
contornos de um direito ainda não completamente reconhecido, o direito da mulher
de autonomia do próprio corpo e o direito de não ser excluída de decisões que a
envolvam de maneira direta.
Busca-se fazer uma análise quase arqueológica, delicada e que, aos poucos,
descobre aspectos relevantes da questão, camadas que se sobrepõem e se confun-
dem, aspectos que estão encobertos por um olhar viciado, pouco treinado, recostado
em premissas e convenções sociais. Nesse sentido, intenta-se perceber, de maneira
gradativa, as sutilezas do discurso social e, especialmente, do discurso legislativo,
que procura impor visões que muitas vezes não se encaixam na mentalidade dos
cidadãos a quem se destinam. Como exemplo atual e muito debatido do discurso

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legislativo, tomamos o Projeto de Lei no 478/2007, que dispõe sobre o Estatuto do


Nascituro1, analisando-o em seus aspectos mais controversos e procurando desven-
dar as nuances de um discurso focado em uma eticidade religiosa e tradicional que,
ontologicamente, exclui o Outro.
Para atingir esses intentos que se propõe, o artigo adotará o seguinte roteiro.
Primeiramente, ele examinará a impossibilidade de se adotar uma concepção de
vida em um ambiente democrático e plural, explicitando-se que a vida precisa ser
analisada em uma perspectiva mais ampla do que uma determinada concepção de
verdade. Em seguida, o artigo examinará a violência da concepção de verdade sobre
a vida em relação à mulher, que gera sua própria anulação. A discussão estende-se
para explicitar que o ato de abortar é muito mais complexo e repleto de obstáculos
do que normalmente se afirma, buscando indicar que a liberdade tem um sentido
muito mais profundo do que uma mera possibilidade de escolha. Essa discussão, por
sua vez, se conecta ao contexto em que a vítima de violência sexual e praticante do
aborto se encontra, demonstrando-se que há todo um ambiente em que sua posição
é constantemente marcada pela negação e por uma moralidade repressiva. Por fim,
o artigo conclui explicitando como o Estado pratica e reproduz a violência contra a
mulher nos seus mais distintos mecanismos institucionais, tal como se verifica no
Estatuto do Nascituro.

2 Uma concepção de vida


O Estatuto do Nascituro é um projeto de lei que objetiva proteger os direitos
do dito nascituro, tornando-o equiparável a uma pessoa já nascida e que já possui,
portanto, todos os seus direitos assegurados. Seu intuito é proteger os direitos do
nascituro desde a concepção2, propondo que a primeira célula zigótica já apresenta
todas as características humanas que o equiparam a um sujeito de direito e que já se
encontra em um estado de completude comparável ao de qualquer ser humano. Se-
gundo os parlamentares autores do projeto, a partir do milagroso encontro gamético

1 O
 projeto hoje encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC – da Câmara
dos Deputados para apreciação. Em 21/11/2014, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados apensou
ao Projeto de Lei no 478/2007 o Projeto de Lei no 8116/2014, que também trata da proteção ao nas-
cituro. Em sessão altamente polêmica, o projeto foi aprovado, em 5 de junho de 2013, pela Comissão
de Finanças e Tributação – CFT, também da Câmara dos Deputados.

2 S
 egundo o art. 2o do Projeto de Lei no 478/2007, “nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não
nascido”. Além disso, segundo o projeto, “o conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos
‘in vitro’ os produzidos através de clonagem ou por outro meio cientifica e eticamente aceito”.

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de duas células sexuais, apresentar-se-ia perfeito e acabado o projeto da dignidade


humana, que demandaria a mais alta e completa proteção possível, comparável, em
termos jurídicos e humanos, à proteção dada à sua mãe pelo ordenamento.
As consequências que decorrem do projeto são várias. O estatuto, em sua versão
original, não permitia nem mesmo o aborto por estupro ou risco de vida da mãe,
duas exceções que estão no Código Penal desde 1940, data do início de sua vigên-
cia. Esse diploma reconheceu que tais situações extremas colocavam a progenitora
em uma situação de pleno direito de interromper sua gestação. Um dos argumentos
normalmente associados a essas exceções, além da percepção da gravidade extrema,
é o de que a vida da mãe tem supremacia, em tais circunstâncias, sobre aquilo que
ela carrega em seu ventre. O estatuto, mesmo admitindo atualmente as exceções do
artigo 128 Código Penal Brasileiro, procura, de algum modo, anular essa hierarquia
entre vida uterina e vida extrauterina3. O projeto tenta apresentar a concepção não
apenas como início da vida biológica, mas também da vida jurídica, partindo do en-
tendimento que a personalidade jurídica surge repentina e automaticamente, pela
união de duas células sexuais, e não por meio de uma construção que passa pelo
nascimento. O projeto justifica esse movimento pelo argumento da incidência do
princípio da dignidade humana e essa compreensão de verdade sobre a origem da
vida. Contudo, como essa compreensão de verdade sobre a origem da vida não en-
contra nem mesmo hoje consenso na ciência médica e é uma questão filosófica das
mais intricadas, acaba por mitigar consideravelmente os direitos da mãe.
Entretanto, a questão central, diferentemente do que se alardeia, não é tentar
encontrar o momento da origem da vida, pois sobre isso não há perspectivas de se
chegar a um consenso. Nessa discussão, corre-se o risco de se pensar a origem da
vida com base em uma determinada concepção de bem que, possivelmente, entrará
em choques com outras várias e poderá resultar em uma decisão que atinge as pre-
missas do pluralismo democrático e das liberdades individuais.
Por isso, a discussão deve ser jurídica, sobre o momento a partir do qual essa vida
deve ser protegida e quão graves são os atentados contra ela. A pergunta é: até que
ponto a vida e a liberdade da mãe devem ser sacrificadas para proteger esse que, segun-
do o referido projeto de lei, não é mais apenas um projeto, uma expectativa de ser hu-
mano, mas um ser humano completo, digno de todas as garantias e proteções possíveis.
Além do mais, a vida deve ser examinada em suas diversas facetas. Outros as-
pectos, além do biológico, são, afinal, igualmente relevantes: o psicológico, o moral,

3 Vide art. 13 do Projeto de Lei no 478/2007.

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o cultural, o cognitivo, facetas de um ser vivo completo, que só são alcançadas no


contexto de uma vivência exaustiva, de uma construção social, de uma imersão
cultural. É preciso levar em conta uma ideia de construção das identidades humanas,
jurídicas, culturais e econômicas que perpassam todo um processo de individualização
característica, contrariando-se, assim, o pressuposto de que vida é uma coisa una, in-
divisível e, portanto, em nenhum aspecto diferenciável do conceito de vida biológica.
Esse pressuposto uníssono, indivisível, verdadeiro, por sua vez, associa-se ao ar-
gumento axiológico, abrangente, da dignidade humana. Aqui, a verdade biológica
se casa perfeitamente com a verdade axiológica: uma concepção biológica de vida
é, agora, encampada por uma concepção axiológica de dignidade humana. E essa
dimensão axiológica tem um trunfo: na medida em que ela é, de algum modo, ado-
tada também como argumento jurídico4, ela aparenta suprir a deficiência da verdade
biológica, trazendo para o direito o problema.
Todavia, em realidade, o que há, nos termos do debate que se trava em torno do
projeto de lei, é o uso estratégico dos dois argumentos - o biológico e o axiológico,
agora qualificado de jurídico. O primeiro, porque se assume como verdade uma con-
cepção de ciência, que não é, nem de longe, pacífica. O segundo, porque se pensa a
dignidade humana como um conceito necessariamente homologatório de uma de-
terminada concepção de bem. O uso estratégico, que ignora a própria complexidade
do debate e as nuances de uma visão mais contextual e completa da vida, acaba por
se afirmar como monólogo. Não há, afinal, segundo a vertente axiológica que acom-
panha o projeto, a possibilidade de se pensar a vida fora dessas verdades. Enfim, para
os defensores do projeto de lei em discussão, a vida não admite divergências. Por
conseguinte, a consolidação do pensamento dogmático e metafísico estabelece-se
no âmbito de uma sociedade que se quer fazer democrática e plural.

3 A violência da ideia de verdade sobre a vida


No estupro, a mulher é destituída da própria dignidade, objetificada, violada,
agredida, apenas para mencionar os danos imediatos. Nesses casos, em que a vio-
lência vivida é pura tortura, é uma segunda violência deixar que a gravidez prossiga
contra a vontade da mãe, apenas com base em um argumento de sacralidade da
vida. Aqui, é perceptível que uma violência tão intensa pode ser comparada à mor-
te, que também possui muitos sentidos além do meramente biológico. Porém, o pro-

4 Vide art. 1o, III, da Constituição Federal.

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jeto de lei vai além no exercício dessa violência. Ele prevê a criação de um suposto
direito de paternidade do criminoso, no caso de a gravidez ter sido resultado de um
estupro, além de conferir uma pensão pelo Estado, em caso de não identificação ou
insolvência do pai5. O Estado tenta, nesse caso, praticamente dar um incentivo à
mãe que tenha tido a opção de continuar com a gravidez, fortalecendo um discurso
que desencoraja e culpabiliza a vítima.
O projeto de lei confunde não apenas o conceito de vida, mas também o de pa-
ternidade, pecando em relação aos conceitos envolvidos. Ele leva em consideração
tão somente o aspecto biológico de pai, de doador da célula gamética que posterior-
mente formará o zigoto. Não são levadas em consideração as condições específicas
dessa concepção. A condição de pai é praticamente reduzida a uma qualidade bio-
lógica, esvaziada dos diversos outros aspectos que dão significado a essa condição.
Ademais, é ignorada a violência cabal sofrida pela mulher. Os esforços do Esta-
do para denominar a doação de célula gamética como uma relação de paternidade
são, no mínimo, inconvenientes para a mãe, que terá que se relacionar, pelo resto
da vida, com seu agressor, agora no papel de pai. O sentido da paternidade não foi
devidamente refletido, pois os parlamentares acreditam que é melhor para a criança
ter um pai que chegou a essa condição por meio de uma violência abusiva do que
não possuir pai algum.
O estupro é muito mais uma experiência abusiva, traumática, do que um ato
que possa ser explicado por meio de conceitos objetivos. Hannah Arendt (2009, p.
22-23) tipifica a violência como a dominação de um indivíduo causando a anulação
de um outro, gerando diversos efeitos. A anulação do indivíduo não é apenas mo-
mentânea e restrita ao momento da violência em si, mas se prolonga no tempo, re-
percutindo na essência da vítima. As consequências da violência sexual, a vergonha,
a estigmatização e o silêncio da vítima, em grande parte, decorrem dessa anulação
interna e transformam o abuso em uma violência continuada, que gera efeitos para
além do lugar e momento da consumação do ato violento.
Existe jogo duplo de dominação e anulação, uma relação complexa entre ofen-

5 O art. 13 do Projeto de Lei no 478/2007 tem a seguinte redação:


“O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição
de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes:
I – direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante;
II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos;
III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.
Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere
o inciso II deste artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado.”

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sor e vítima que só pode ser completamente entendida através de uma imersão no
próprio contexto e, pois, não pode ser objetificada, sob pena de não ser compreendi-
da. Segundo Arendt (2009, p. 57-59), a efetividade, o poder da violência deriva, em
grande parte, do silêncio a seu redor, da não conscientização da própria violência.
Enquanto as vítimas de estupro se mantiverem caladas, enquanto tais vítimas forem
culpabilizadas pela situação, enquanto houver o desfoque do ato cometido ou a
tentativa de acobertar e esquecer o que ocorreu, e enquanto a violência for naturali-
zada e considerada corriqueira, ela não pode ser compreendida em seus verdadeiros
contornos, e sua destrutividade pode agir de maneira mais eficiente e aterradora.

4 Obstáculos implícitos a um aborto por estupro


Ainda que se possa acreditar que qualquer mulher que tenha sofrido um estu-
pro poderia abortar sem maiores pesares, a análise da situação pode não ser tão
simples. Abortar consiste em transformar seu corpo em um túmulo, significa ir con-
tra o próprio instinto da vida. Significa mutilar, por intermédio de uma intervenção
cirúrgica ou medicamentosa, um corpo que já foi duramente mutilado por uma vio-
lência de proporções incalculáveis. Implica, muitas vezes, ir contra crenças próprias
(religiosas ou não) e requer também a admissão de uma violência que, em nossa
sociedade, é amplamente estigmatizada, devido a uma pesada carga moral rela-
cionada aos delitos sexuais. Abortar significa se expor a familiares e conhecidos e,
necessariamente, sofrer julgamentos éticos, morais e religiosos. Traduz-se na expo-
sição a uma junta de médicos não necessariamente simpáticos ao aborto, muitas
vezes com conflitos religiosos e morais próprios, com pouca sensibilidade ao estado
psicológico de uma mulher sexualmente abusada. Demanda lidar com a culpa e com
a estigmatização de um ato amplamente condenado. Representa, por fim, a assun-
ção do papel de vítima, mas também a assunção, de certo modo, do papel de ofensor,
perante uma sociedade que condena amplamente o aborto, como se depreende de
iniciativas como o Estatuto do Nascituro. No momento da violência, existe uma rup-
tura do controle, e uma maneira de retomar o controle perdido é pela prática de uma
violência distinta, porém igualmente lesiva para a mulher, que é o aborto. Pensar no
aborto como uma solução fácil e indolor, a resposta mágica para uma situação de
violência que resultou em uma gravidez, só agrava a estigmatização e o preconceito
que sofrem as vítimas de violência sexual.
Diante de tantos sacrifícios e dificuldades, representaria outra forma de vio-
lência a admissão de que o aborto é uma escolha fácil, mesmo que decorrente de

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uma violência sexual. A liberdade da vítima está condicionada a uma ruptura do


equilíbrio, que já foi rompido anteriormente pelo abuso. Mesmo que o aborto não
envolvesse tantas questões éticas, morais, físicas, econômicas, religiosas, é fácil per-
ceber que a mulher não o escolheria de maneira leviana, pois necessariamente en-
volveria uma segunda invasão em seu corpo já violado anteriormente. A autonomia
da escolha, portanto, é condicionada a inúmeros fatores externos, sociais, culturais,
econômicos, éticos, morais. Radicalmente, ao contrário do que acreditam grupos ex-
tremistas religiosos pró-vida, o aborto, mesmo em tais casos, jamais é uma escolha
simples e encerra em si custos demasiado caros que serão arcados por uma pessoa
já bastante fragilizada.
A alternativa a essa escolha, porém, é a convivência ad eternum com o fruto de
uma violência, um filho originalmente indesejado que, para sempre, evocará a lem-
brança de uma experiência abusiva e traumática. É conviver lado a lado com a culpa
que aflige as vítimas de abuso sexual e deixar que ela domine a vida por completo,
ao tentar negar a violência por meio de mecanismos de autorresponsabilização pelo
atentado. Escolher ter filhos deve ser uma decisão livre, seguida por atitudes res-
ponsáveis e cuidados específicos, porém, acima de tudo, deve ser uma experiência
prazerosa, gratificante, como ocorre com a maioria das mães que procede dessa
maneira. Contudo, a equação muda radicalmente quando uma violência sexual entra
em cena. Existe aqui uma imposição, necessariamente uma mitigação da liberdade
privada do exercício da maternidade, que se transforma em uma tortura. O aborto,
para essas mulheres, significa matar algo antes que isso possua uma vida efetiva,
antes que a vida biológica se transforme em uma dimensão humana capaz de afetar
de maneira irreversível a sua própria. É optar pela morte antes que a vida tenha
efetivamente começado (DWORKIN, 2003, p. 1).
O Estado, ao se envolver nessa equação de uma maneira demasiado intrusiva,
acaba por coibir autonomias privadas mediante o exercício do direito público (em
sentido amplo) de produzir legislação. As garantias individuais, no âmbito privado,
não devem ser entendidas como condicionadas a direitos coletivos, mas sim como
verdadeiros direitos fundamentais, que não podem ser facilmente relativizados. No
caso, o direito em questão se expressa na autonomia sexual, no direito ao domínio
do próprio corpo, termos não literalmente explícitos na Constituição, mas que decor-
rem naturalmente do próprio direito à liberdade.
Essa liberdade, obviamente, não se resume à simples escolha de ter ou não
filhos. As mulheres vítimas de violência sexual estão dilaceradas em tantas dimen-

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sões, que tomar uma pausa para juntar os cacos da própria identidade é um processo
caótico e doloroso. Toda a construção de uma identidade, que se deu necessaria-
mente através do tempo, das interações de grupo, das pressões sociais, da heran-
ça cultural, é estraçalhada na presença da grave violência. Freud (s.d., p. 7-105)
acreditava que a identidade humana está fortemente ligada a noções de relações
sociais com grupos restritos (pais, familiares, amigos), que moldam e participam
ativamente da construção de uma identidade. Ele admitiu a complexidade da noção
de identidade, muito mais profunda que uma simples ideia de eu, que se expressa
como a própria posição, incorporação do indivíduo dentro de um sistema huma-
no. A construção das relações humanas vem da noção de identidade. Quando essa
identidade é fragilizada, todos os sistemas em volta necessariamente se fragilizam,
pois ela é a base, o sustentáculo. A violência é uma maneira cruel e eficiente de fra-
gilizar a noção de identidade. Mulheres vítimas de violência sexual experimentam
um processo de fragilização sem precedentes, atingidas pela mutilação, pela culpa,
pela estigmatização social, pela vergonha, pelo preconceito, pelo julgamento das
pessoas próximas, pelo silêncio imposto socialmente a esse tipo de vítima. A violên-
cia anula, subjuga, mutila, não apenas o corpo, mas a própria noção de identidade
feminina. A liberdade, portanto, tem um sentido muito mais profundo do que uma
mera possibilidade de escolha.

5 Relações sociais e estigmatização relacionadas ao aborto e à violência


Bauman (2009, p. 97) acredita que as relações humanas são muito frágeis, pois
dependem de uma subjetividade egoísta inerente ao ser humano. Segundo ele, a
edificação e a consolidação das relações, majoritariamente, dependem de uma no-
ção de merecimento, ou seja, uma pessoa só irá se relacionar com a outra, se essa ou-
tra puder lhe oferecer algo em troca; não necessariamente um benefício econômico,
mas algum benefício social, em que a outra pessoa deve estar em posição de ofere-
cer e merecer um vínculo associativo6. Essa noção egoísta é negativa, dando amplo
espaço para interpretações preconceituosas do Outro. Além disso, essa maneira de
construção de relacionamentos necessariamente desencadeará um processo estig-
matizante de indivíduos que não se encaixam nos padrões aceitos de moralidade,
aspectos físicos, cultura, sexualidade.

6 
Em seu livro, Bauman (2009) parte do pressuposto interessante de que nós estamos inseridos em
um mundo demasiado líquido, de interações frágeis, e nossos relacionamentos estão condicionados
a essa dinâmica instável e, por isso, são efêmeros e pouco significativos.

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788 Violência sexual, aborto e discriminação

A partir desses pressupostos, observa-se que as mulheres que praticam o aborto


estão sujeitas a uma visão negativa, independente de suas razões. O aborto costuma
ser relacionado à personificação da leviandade acerca da vida, da crueldade, muitas
vezes como consequência de uma vida sexualmente desregrada e promíscua. A as-
sociação desses valores ao aborto gera uma carga de estigmatização e nulificação
da mulher que o pratica, que perde sua noção de identidade e passa automatica-
mente a assumir, aos olhos da sociedade, os valores relacionados a essa prática.
O processo de estigmatização, que se inicia externamente, de valores morais que
incidem de fora, começa lentamente a ser internalizado, ou seja, a própria vítima
começa a se identificar com os valores que lhe são impostos.
Nesse sentido, vale resgatar Norbert Elias (2009, p. 116), para quem essa inter-
nalização dos valores negativos por indivíduos estigmatizados é reflexo do próprio
sucesso do processo de nulificação e isolamento das pessoas, julgadas pela socie-
dade como praticantes de comportamentos e valores amplamente desvalorizados
em seu meio. É a maneira que a sociedade tem de proteger seus valores intrínsecos:
nulificar os indivíduos que os contradizem. No caso, a conduta do aborto, ampla-
mente desvalorizada e coberta por uma névoa de preconceitos e julgamentos cultu-
ralmente concebidos, é mistificada e rapidamente marcada pelo estigma social das
pessoas que o praticam.
Situação semelhante ocorre em relação à sexualidade, em especial ao exercício
da sexualidade feminina. Não apenas o sexo como ato reprodutivo, mas também a fi-
gura feminina é construída a partir de visões negativas, preconceituosas e opressoras,
da naturalização da ideia de inferioridade do feminino em relação ao masculino em
todos os aspectos. Essa noção de inferioridade não é o fruto do problema, mas sim a
sua interiorização, a sua aceitação completa e de maneira pouco criticada e refletida. A
personificação, na mulher, de tudo aquilo considerado transgressor, negativo e diabólico,
a limitou a uma posição de inferioridade, que só há pouco começou a ser questionada.
Jeffrey Richards (1993, p. 35) sustenta que a inferioridade da mulher já era
aceita há muito tempo, mas começou a ganhar contornos muito mais complexos na
Idade Média, com a repressão religiosa. Segundo ele:

A mulher era filha e herdeira de Eva, a fonte do Pecado Original e instru-


mento do Diabo. Era a um só tempo inferior (uma vez que saíra da costela
de Adão), e diabólica (uma vez que havia sucumbido à serpente, fazendo
com que Adão fosse expulso do paraíso, além de ter descoberto o deleite
carnal e o mostrado a Adão). (RICHARDS, 1993, p. 36).

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Marina Mendonça Vilar Trindade - Juliano Zaiden Benvindo 789

A mulher é personificada como o próprio instrumento da corrupção, a fonte da


maldade e, também, da desgraça humana (pois ela fora a única responsável pela
expulsão da humanidade do paraíso). Também a visão religiosa de pecado, ou seja,
uma dívida com uma divindade, algo que afrontava um ente superior, surgiu como
uma maneira eficiente de repressão da sexualidade feminina em especial.
A sociedade está condicionada a desprezar comportamentos femininos que jul-
ga inadequados ou impróprios e, dessa maneira, a expressão sexual feminina é um
emaranhado complexo de tabus, preconceitos, julgamentos religiosos e sociais, obs-
curidades e dominação masculina. Foucault (1989, p. 244) dizia que o dispositivo
da sexualidade abarca não apenas a relação do sujeito com o próprio corpo, mas um
sistema muito mais heterogêneo, que engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, em suma, tudo o que está
dito e não dito. A sociedade tem mecanismos e recursos para condicionar o compor-
tamento de seus membros, suas crenças, culturas, atividades. Acreditar, pois, que o
sexo é simplesmente um comportamento momentâneo não corresponde de manei-
ra alguma à realidade.
A estigmatização da sexualidade feminina é um efeito a se considerar quando
se pensa em aborto. Não existe apenas a abominação do aborto per se (como um
atentado à vida, um abuso moral, um pecado moral), mas também a abominação do
comportamento sexual que resultou na gravidez. Com a ideia religiosa amplamente
difundida de personificação feminina de tudo aquilo que é mau e corrupto, é fácil
perceber que a culpabilização das vítimas de estupro é automática, pois o com-
portamento masculino seria apenas uma reação à natureza feminina de emanar o
diabólico, o imoral, o pecaminoso. A mulher é culpabilizada pelo atentado sofrido,
de acordo com seu comportamento. Segundo o senso comum, é natural aceitar que
atentados sexuais somente ocorrem mediante provocação, comportamentos repro-
váveis, roupas impróprias, exposição voluntária ao perigo.
Outro entrave encontrado pelas mulheres à procura do aborto em casos de es-
tupro é o próprio ato médico. Apesar da legalização do aborto por estupro datar de
1940, a primeira junta médica pública especializada em aborto sentimental (decor-
rente de estupro) surgiu apenas em 1989 (LEOCÁRDIO, 2006, p. 67), cinco décadas
depois do permissivo legal. Hoje, o procedimento para sua realização envolve o
reconhecimento da agressão sexual por uma junta médica que muitas vezes não
possui experiência em lidar com pacientes psicologicamente debilitadas.

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790 Violência sexual, aborto e discriminação

A estigmatização, portanto, se aprofunda: não apenas pelo próprio aborto, mas


também pela culpabilização do atentado sofrido, intimamente relacionado com a
repressão do comportamento e da sexualidade da mulher. O próprio sofrimento
decorrente da situação vivida ainda é envolto por todas as repercussões de socia-
bilidade da vítima, que percebe o preconceito, o isolamento das pessoas que não
desejam se relacionar com algo que personifica o que, para elas, é a podridão social.
A própria vítima acaba por internalizar o preconceito e a estigmatização e se
julgar merecedora dos estigmas sociais que porta em decorrência de seus atos. Se-
gundo Bauman (2009, p. 99), em uma sociedade como a nossa, as pessoas só se re-
lacionam com outras que elas julgam, de alguma forma, merecedoras dessa relação
e, ao mesmo tempo, somente conseguem se relacionar de uma maneira saudável,
quando se julgam merecedoras desses mesmos laços. Aqui aparece o recado de
Freud (1970, p. 320), segundo o qual o mandamento religioso de amar ao próximo,
se relacionar com o próximo, de uma maneira altruísta e desinteressada, vai contra
a própria natureza humana de se relacionar de maneira interessada, o que explica
as bases dos relacionamentos humanos e a estigmatização dos indivíduos que in-
corporam valores e condutas repudiados socialmente.
Na verdade, o limiar de tolerância, ao conviver com indivíduos de moral distinta
em sociedade, é, em geral, muito baixo (ELIAS, 2009, p. 190). Acaba prevalecendo
não uma síntese de morais conflitantes, mas sim a moral do grupo socialmente do-
minante, exportada e imposta para todos os diversos outros grupos, que não apenas
almejam essa moral, mas também a internalizam, na intenção de serem confundi-
dos com grupos dominantes. A moral então não é mais um conceito individual, mas
coletivo, imposto, tornando-se pressuposto de aceitação social. A tolerância é muito
baixa e, consequentemente, a permeabilidade social de novas formas de moralidade
também é muito baixa.
Dworkin (2003, p. 141) relata que um dos argumentos dos movimentos pró-
-vida é que não se pode tolerar o aborto, assim como não se poderia tolerar seres
humanos mantidos em regime de escravidão. Porém, esse argumento parte de pre-
missas diferentes pois, em um deles, se fala em seres humanos completos, capazes
de sentir níveis absurdos de sofrimento, sendo humilhados, destituídos de sua pró-
pria essência e dignidade, enquanto no outro se fala em zigoto, fetos, que comprova-
damente não possuem nenhum tipo de estrutura semelhante a um sistema nervoso
até pelo menos o primeiro trimestre de vida, ou seja, são incapazes de sentir dor até
esse momento. Comparar o aborto a uma forma análoga de escravidão, ou de tor-

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tura (que são realmente intoleráveis), por exemplo, é apenas mais uma maneira de
reafirmar uma moral dominante e de manter à margem as mulheres que o praticam.

6 A violência estatal
Em uma discussão sobre justiça, podemos, obviamente, utilizar várias compre-
ensões para explicar ações justas. Porém, aqui se atém ao que nos diz Jacques Derrida,
para quem a justiça, aparece como o outro do direito, que com ela precisa conviver
ciente de sua urgência e de sua impossibilidade. “A justiça permanece porvir, ela tem
porvir, ela é por-vir” (DERRIDA, 2010, p. 54, grifos no original). A justiça traduz-se na
experiência que não pode ser verdadeira e presentemente experimentada, mas que
urge como “a vinda do outro como singularidade sempre outra” (DERRIDA, 2010, p.
49), portanto irredutível e infinita. A negociação entre o direito e a justiça leva a
loucura do ato decidir, que quer ser justo, mas nunca é plenamente justo, porque a
vinda do outro como singularidade sempre outra não se realiza em sua integralidade.
Sempre há exclusão, violência na decisão, mas nem por isso deixamos de ter essa
ânsia por justiça, por essa vinda do outro.
Nesse contexto do debate sobre a justiça, Derrida explica que o Estado, ao invés
de atribuir força àquilo que é justo, fez o contrário: chamou de justo tudo aquilo que
produz com força estatal. Aquilo que é mais forte acaba sendo consequentemente
caracterizado como justo, a força estatal acaba sendo identificada, confundida com
o conceito de justiça (DERRIDA, 2010, p. 54). Porém, como diferenciar a força estatal
da violência que ela se propõe a reprimir? Qual critério deve ser utilizado para di-
ferenciar uma da outra e qual a maneira de se certificar que a primeira não está se
transformando na segunda?
Levando-se em consideração o discurso legislativo (como, por exemplo, o respon-
sável pela edição do Estatuto do Nascituro), depreende-se, então, que todas as leis
editadas são espelho da justiça, algo atribuído de uma força vital e vinculante, que
deve ser respeitado e entendido per se? Não se pode acreditar que os conceitos de
autoridade e justiça coincidam, ou mesmo imaginar que a segunda emane da primeira
de maneira natural e absoluta. As decisões judiciais, as leis, sempre emanam da auto-
ridade, mas isso não significa que sejam justas. Nós obedecemos a elas, exatamente
porque elas têm fundamento na autoridade, não porque as consideramos ou não jus-
tas. Montaigne (2001) define isso como uma ficção legítima, ou seja, como não existe
a justiça, criou-se a ficção legítima do direito, para suprir tal deficiência, para fundar a
própria verdade da justiça, que no fundo é uma ilusão, uma mentira bem contada.

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792 Violência sexual, aborto e discriminação

As leis necessariamente criam algum tipo de limitação sobre o exercício das liber-
dades individuais e coletivas, e é por isso que devem ser analisadas com cautela. Deve-
mos abrir mão de certas prerrogativas no intuito de conviver em sociedade de maneira
pacífica. Porém, as leis devem ter como intuito assegurar essa convivência benéfica, e
não coibir direitos de maneira injustificada. O projeto de lei no 478/2007 retira da mu-
lher a possibilidade de decidir acerca do próprio corpo, exclui a mulher dos processos
decisórios que lhe pertencem. Em que medida essa imposição seria justa? Se aprovado,
o estatuto seria justo, apenas porque foi aprovado por um corpo legislativo legitimado
para editar leis? É justo que as leis possuam clara influência religiosa, que possuam
uma carga axiológica tão pesada, que transcrevam tão claramente a moralidade domi-
nante, mesmo que contrariem os princípios do pluralismo democrático?
Uma crença que se instaurou com o surgimento do constitucionalismo moderno
foi a de que o próprio desenvolvimento institucional influenciaria uma atividade
entre os poderes e resultaria em processos decisórios mais justos, mais sintonizados
com os interesses difusos que compõem a nação, de uma maneira cada vez mais
igualitária. Isso porque haveria uma canalização da competição política em filtros
institucionais que resultariam em uma diluição do poder. Assim, por meio da ênfase
nos checks and balances, haveria uma canalização da competição política em um
sistema mais organizado, controlável e seguro de difusão de poderes7. Essa crença,
contudo, se revelou incorreta, pois se percebe que o próprio discurso legislativo,
como aquele dos demais poderes, se rende, continuamente, a interesses estratégicos
diversos, raramente traduz a vontade do povo e – aqui é o elemento central da in-
correção, tem filtros institucionais que não conseguem satisfatoriamente diluir tais
interesses nas tomadas de decisão. Tolstói (2004, p. 2), por exemplo, faz uma crítica
amargurada ao processo legislativo, em que as leis se traduzem em mandamentos
autoritários, espelhos de uma violência institucional profunda. Ele percebe a lei não
como um instrumento da justiça social, mas muito mais como a expressão quase
literal da vontade dominante.
Nesse sentido, é fácil perceber como é complexo diferenciar o momento em
que a legítima força estatal se traduz em violência pura e simples. Foucault (1989,
p. 244) acreditava em um Estado corporificado, onde o poder é exercido por meio
desse corpo, que é mais complexo do que uma simples ideia de instituição. O poder

7 
Segundo James Madison, na obra The Federalist, mais particularmente no Federalist 51, “ambition must
be made to counteract ambition” (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, p. 138), em tradução livre, “ambi-
ção deve ser feita para contrabalançar a ambição”, o que se aplicou diretamente em sua engenhosa
distribuição institucional dos poderes.

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Marina Mendonça Vilar Trindade - Juliano Zaiden Benvindo 793

do Estado como corpo se mostrou, literalmente, durante os regimes absolutistas, em


que o próprio corpo do monarca se confundia com o Estado em si, completo e aca-
bado, e a lei era sua vontade. Apesar das formas de governo terem se desenvolvido
para regimes republicanos democráticos (na maioria dos países ocidentais atuais,
pelo menos), ainda é possível perceber esse fantasma do Estado como um corpo,
um corpo que, assim como um corpo humano, deve ser constantemente higienizado
de eventuais mazelas, por intermédio da exclusão dos delinquentes e de suas mo-
ralidades dissidentes, assim como da estigmatização dos indivíduos considerados
impróprios. O próprio exercício do poder é uma atividade corporal. O fantasma do
corpo do Estado também ronda o mito da universalidade, em que o Estado se funda
na ideia de consenso, da universalidade das vontades, o que vai diametralmente
contra a própria ideia de democracia.
Paralelamente a esse processo, percebe-se também uma libertação e valori-
zação do corpo humano propriamente dito. O século XVIII inaugurou uma era de
consciência corporal que culminou no investimento do próprio corpo como uma
forma de poder, um poder pessoal e sexual. A pornografia, os ícones sexuais, a nudez,
os padrões de beleza, a definição muscular, tudo isso se traduz em um novo foco de
poder, o corpo. Um novo foco a ser coibido pelo corpo do Estado, numa dicotomia
que se encontra em voga. No vértice desse contexto de poder do corpo versus poder
do Estado se encontram questões complexas, como o reconhecimento homossexual,
o aborto, a união livre, pois dizem respeito a facetas ainda não claramente definidas
como públicas ou privadas.
Um exemplo desse crescente empoderamento do corpo foi a decisão sobre
sodomia e homossexualismo emitida pela Suprema Corte americana, em 20038.
Nela, uma lei texana que proibia práticas sexuais anais ou orais entre indivíduos do
mesmo sexo foi considerada inconstitucional, por tornar pública uma seara privada,
invalidando leis similares em treze outros estados, o que na prática consistiu numa
aceitação do homossexualismo e de suas práticas sexuais nos Estados Unidos como
um todo. Isso sem falar na consagrada e polêmica Roe x Wade9, que reconheceu o

8 
Lawrence v. Texas, 539 U.S. 558 (2003). Nesse caso, uma opinião interessante foi a do Justice Scalia (um
dos grandes nomes da teoria constitucional originalista), que votou contra a inconstitucionalidade da
lei de sodomia texana sob o argumento de que isso seria um passo decisivo na implementação do
casamento homossexual.

9 
Roe x Wade, 410 U.S. 113 (1973). Posner, em seu livro Not a Suicide Pact (2006), destrincha essa de-
cisão judicial, criticando-a no sentido que o suposto direito à privacidade aludido pelos juízes nesse
caso foi uma invenção e não corresponde a um direito constitucional propriamente dito.

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794 Violência sexual, aborto e discriminação

direito constitucional à privacidade humana e à autonomia feminina de tomar as


decisões acerca de seu corpo, incluindo decisões acerca do aborto.
No Brasil, o cenário é bastante distinto. Incontáveis mulheres praticam aborto10
e muitas falecem11 em decorrência de aborto (é impossível ter uma estatística fiel,
pois grande parte das mortes por aborto decorrem de abortos em clínicas ilegais), e
a realidade do aborto clandestino é cruel. Ainda deve-se considerar a existência de
um abismo social entre mulheres abastadas que desejam fazer um aborto clandes-
tino e mulheres com menos meios, que têm de apelar para clínicas de segurança e
eficiência duvidosas.
Apesar de relativo suporte da sociedade civil, em sua maior parte feministas, e
da recente decisão do Conselho Federal de Medicina de apoio ao aborto e defesa da
não incriminação da mulher que decidir interromper a gestação (até a 12a semana
de gravidez, e em condições específicas), a sociedade ainda é muito pouco permeá-
vel a ideias sobre o aborto, e nosso corpo legislativo reflete isso com perfeição. Ele
não apenas é contra a legalização do aborto, como é capaz de editar e reproduzir
violências como o Estatuto do Nascituro, que não apenas dificulta o aborto nas si-
tuações em que ele já é legalizado, mas também significa um retrocesso em muitos
avanços conquistados pelas mulheres, como a pílula do dia seguinte, por exemplo
(que seria considerada abortiva, caso a proteção ao nascituro fosse estendida até o
momento da concepção).

7 Conclusão
O processo de empoderamento do corpo feminino já se iniciou faz muito tempo
e se estenderá ainda por muito tempo, pois ainda há muitas conquistas a serem
alcançadas. Na Idade Média, era comum que as punições recaíssem sobre o próprio
corpo do ofensor, que dele apenas dispunha enquanto fosse considerado inocente,

10 S
 egundo Débora Diniz e Marcelo Medeiros (2010, p. 962), “em 2010, no Brasil urbano, 15% das
mulheres entrevistadas relataram ter realizado aborto alguma vez na vida (...) Essa proporção varia
de 6% para mulheres com idades entre 18 e 19 anos a 22% entre mulheres de 35 a 39 anos. Isso
mostra o quanto o aborto é um fenômeno comum na vida reprodutiva das mulheres. Em termos
simples, isso significa que, ao final de sua vida reprodutiva, mais de um quinto das mulheres no
Brasil urbano fez aborto.

11 S
 egundo Cecatti et al. (2010), “no Brasil persiste uma importante subnotificação das mortes por abor-
to, já que muitos óbitos devido à septicemia e hemorragia decorrentes de complicações de abortamen-
tos não são devidamente computados. Apesar da subnotificação dos abortamentos nas declarações de
óbitos, em 2002, um estudo nas capitais brasileiras, com utilização de um fator de correção, permitiu
identificar que o abortamento correspondia à terceira causa de morte materna (11,4%)”.

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Marina Mendonça Vilar Trindade - Juliano Zaiden Benvindo 795

da mesma maneira que ocorria a escravidão por dívidas. Muito tempo depois, a noção
de corpo como objeto da punição estatal foi mitigada ante a um reconhecimento de
autonomia corporal, que não pode ser violada (FOUCAULT, 2011, p. 9-30). A visão
do corpo, da própria identidade feminina, no entanto, era tida como de propriedade
de algum outro sujeito, seja ele o pai, o marido, o irmão, o padre, pois não havia o
reconhecimento da autonomia do feminino. A mulher não tinha liberdade sobre o
próprio corpo, sobre a própria liberdade, pois os processos decisórios acerca de seu
próprio corpo não a envolviam.
Parece absurdo que há pouco mais de uma década era vigente um código12 de
leis que dava ao marido o poder de anular o casamento (devolver a mulher do mari-
do para o pai), caso ele descobrisse que sua esposa já tivesse sido deflorada, ou seja,
não fosse mais virgem. No mesmo código havia uma lei que possibilitava a deserção,
pelo pai, da filha desonesta, uma expressão com graves problemas semânticos e
axiológicos. Gabriel García Márquez escreveu um romance bastante crítico e caricato
(2009)13, em que um rapaz é assassinado por ter cometido o crime de deflorar uma
noiva, que teve a audácia de comparecer a seu casamento de branco, apenas para ser
devolvida à família no dia seguinte, precariamente envolvida em um lençol. A moça
logo se torna motivo de chacota e vergonha na cidade e fonte de profundo desgos-
to para seus pais. Muito embora histórias como essa possam parecer demasiado
fantasiosas, elas aconteciam de verdade, há poucas décadas em nosso país, quando
uma mulher era considerada indigna para a instituição do casamento, se não fosse
mais virgem, pura, casta. Havia imposição de condições que uma mulher pudesse ser
considerada apta a uma vida honrada com seu marido.
Não é difícil perceber que existe a naturalização da ideia de inferioridade e
de propriedade da mulher em relação ao homem, o que dificulta análises em rela-
ção ao corpo feminino. Essas crenças preconceituosas são entraves claros para uma
discussão do aborto, pois, para superá-las, é preciso, antes de qualquer coisa, uma
adequada compreensão da autonomia feminina sobre seu próprio corpo. As leis ci-
tadas apenas justificam uma visão recorrente, que não está, ainda, completamente
ultrapassada, como prova a iniciativa do Estatuto do Nascituro.

12 
Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, o Código Civil de 1916, vigente até 2002, quando foi
substituído pelo atual código civil, lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

13 O
 livro conta a história do assassinato de Santiago Nasar, que foi acusado de tirar a virgindade de
uma moça que se casou com um noivo rico e influente da cidade, e então foi devolvida na manhã
seguinte, acusada de ser impura. É exposição da velha máxima, a honra só se lava com sangue.

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796 Violência sexual, aborto e discriminação

A mulher ainda se encontra sujeita a pressões na decisão acerca do aborto resul-


tante de estupro. As deficiências no atendimento à saúde, a estigmatização do aborto,
muitas vezes rotulado como uma violência muito maior do que aquela que o justificou,
os percalços sociais, a vergonha, a culpabilização e a culpa internalizada, a negação da
violência, a desinformação acerca dos próprios direitos, a coação da família e de ami-
gos em sentido contrário, as crenças religiosas, o próprio processo abortivo, analisado
como uma mutilação em um corpo já bastante debilitado, entre outros aspectos, são
rotina na vida dessas mulheres Esses fatores comprovam que não há nada de leviano
em um processo tão complexo, tão emocional, tão amargo e doloroso.
Este artigo buscou indicar, de forma sucinta, um pouco como essa violência
implícita, muitas vezes desconsiderada nas análises sobre o aborto – e, em parti-
cular, sobre o aborto decorrente de violência sexual – se opera na vida da mulher
em distintos contextos. São muitas, naturalmente, as complexidades desse debate
e que impõem ainda a necessidade de pesquisas na área. Porém, não se pode mais,
em uma sociedade plural e democrática como a brasileira, que, de pouco em pou-
co, consolida suas instituições e suas práticas de inclusão, verificar a ocorrência de
potenciais retrocessos como o Estatuto do Nascituro e outras tantas propostas que
seguem esse desiderato. O Brasil, afinal, precisa construir um novo olhar sobre a
mulher e, especialmente, sobre a mulher que tanto sofreu pelas distintas violências
que este artigo brevemente explicitou.

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