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UMA ANÁLISE ACERCA DA APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA

PENHA COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO PARA MULHERES TRANSGÊNERO E


TRAVESTIS.1

AN ANALYSIS ABOUT THE APPLICABILITY OF MARIA DA PENHA LAW


AS A PROTECTION MEASURE FOR TRANSGENDER WOMEN.

Laila Kelly De Sena Rabelo 2


Marina Costa Duarte3
Vicente Oliveira Celeste Júnior4

Resumo: O presente artigo objetiva analisar a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) como
mecanismo de defesa a mulheres transgênero e travestis no âmbito das relações domésticas.
Abordaremos, de forma simplificada, a distinção entre gênero e sexo biológico, a possibilidade
da retificação do nome e do gênero no Registro Civil para que sejam tratados e tenham direitos
e deveres inerentes ao gênero que se identifiquem. Iremos expor o posicionamento dos
Tribunais de primeira instância e dos Tribunais Superiores acerca da aplicabilidade ou não da
supracitada Lei Maria da Penha como mecanismo de proteção a essas minorias. Por meio de
uma pesquisa com objetivo de entender a opinião popular, apresentaremos a opinião individual
de determinado número de pessoas, e buscaremos mostrar como o caso é abordado atualmente
na sociedade. Em seguida, daremos ênfase a decisão do Superior Tribunal de Justiça ao julgar
o Recurso Especial nº 1.977.124. Concluiremos o presente artigo mostrando ser possível que
mulheres transgênero possam ser amparadas pela Lei Maria da Penha, visto que não há qualquer
impedimento trazido por Lei, não cabendo ao interprete fazê-lo interpretação contraria.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Gênero. Mulheres transexuais.

Abstract: This article aims to analyze the applicability of the Maria da Penha Law (Law nº
11.340/2006 – domestic violence) as a defense and protection mechanism for transgender
women in the context of domestic relations. It will approach, in a simplified way, the
distinction between gender and biological sex, the possibility of rectifying the name and
gender in the Civil Legislation so that they are treated and have rights and duties inherent to
the gender that they identify. We will expose the position of the Courts of first instance and
the Higher Courts about the applicability or not of the aforementioned Maria da Penha Law as
a mechanism to protect these minorities. Through a popular survey, we will present the
individual opinion of a certain number of people, and we will seek to show how the case is
currently addressed in society. Next, we will emphasize the decision of the Superior Court of
Justice when judging the “Special Appeal” nº 1.977.124. We will conclude this article
showing that it is possible that transgender women can be supported by the Maria da Penha

1
Artigo apresentado a Universidade Potiguar, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em
Direito, em 2021.
2
Graduanda em Direito pela Universidade Potiguar – Email: lailasena9@gmail.com
3
Graduanda em Direito pela Universidade Potiguar – Email: marinacduarte@hotmail.com
4
Curso de Extensão Universitária (UnB/UERN/UnP). Graduado em Direito (UnB/UnP). Especialista em Direito
Civil e Processo Civil (UFRN). Mestrado em Ambiente Tecnologia e Sociedade (Meio Ambiente – UFERSA –
dissertação: Direito e Inclusão). Mestrado em Educação (dissertação: Sistema Prisional Federal – UERN). Cursa
o Doutorado em Arquitetura e Urbanismo (tese: História da Arquitetura e o Poder – UFRN). Autor de livro
(Brasília/DF) e autor de capítulo de livro pelo Doutorado em Educação (UERJ). É citado em 452 artigos
científicos no Brasil e exterior, segundo o site ACADEMIA (trabalhos acadêmicos e pesquisas).
2

Law, since there is no impediment brought by law, and it is not up to the interpreter to make it
contrary interpretation.

Keywords: Maria da Penha Law. Gender. Transgender women.

1. INTRODUÇÃO.
A lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha, foi instituída
objetivando, inicialmente, criar ferramentas capazes de punir os responsáveis por atos
discriminatórios e violentos contra as mulheres, com o intuito final de desestimular e erradicar
os casos de violência doméstica e familiar contra o gênero feminino.
É sabido por todos que a mulher atualmente ainda é tida por uma grande parte da
população como sujeito inferior ao homem em diversos aspectos, o que contribui para a
propagação de crenças machistas – que são reproduzidas, inclusive, em meios unicamente
femininos. Isso se deve, em boa medida, à sociedade estruturalmente criada em favor da figura
masculina em detrimento da feminina, tornando estas uma espécie de apetrecho daquela e
subordinada às suas vontades.
A pluralidade é uma forte realidade no Brasil e é notória a grande diversidade sexual e
de gênero nos núcleos familiares, contudo, mesmo nestas restam enraizadas condutas
preconceituosas e que ferem de várias maneiras – física, psicológica, moral, econômica – a
parte mais frágil que, geralmente, trata-se da parte que se identifica com o sexo feminino.
Os indivíduos que não se enquadram na definição de cisgênero (pessoa que tem
identidade de gênero igual ao que lhe foi atribuído em sua nascença; oposto a transgênero) são
especialmente segregados e desrespeitados perante a sociedade, fato que contribuía para que
estes não pudessem agir espontaneamente e adotar publicamente sua identidade de gênero.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, mecanismo garantidor de direitos
básicos inerentes ao ser humano e apoiadora da pluralidade social, as pessoas se viram com
mais liberdade para, de fato, serem quem são, sem medo de represálias – mesmo que estas ainda
ocorram em menor escala – e passaram a trazer à tona pautas voltadas ao público LGBTQIA+ 5.
Dessa maneira, é inegável que na atual conjuntura social brasileira, que se mostra
majoritariamente machista, ser uma mulher cis tem suas desvantagens. No entanto, ser uma
mulher transgênero ou travesti torna-se ainda pior, em razão da discriminação e violência que
lhe é empregada diariamente.

5
Sigla utilizada para indicar as diversidades de orientação sexual e gêneros.
3

Destarte, observar-se-á minuciosamente a Lei Maria da Penha, a fim de verificar se esta


enquadra-se como um dispositivo legal capaz de proteger a integridade física, mental,
patrimonial e social de todas as mulheres, independentemente de sua condição biológica, mas
sim pela maneira como se enxergam e se apresentam à sociedade.
Portanto, o artigo visa, nas próximas seções, apresentar o significado dos termos sexo
biológico e gênero, abordando os aspectos comuns e os diferenciais, bem como distinguir o que
seriam as pessoas travestis, transgêneros, transexuais, e cisgêneros, e assim tentar demonstrar
de fato quem são as pessoas amparadas pela Lei Maria da Penha.
Para tanto, é necessário entender qual o real significado da instituição da Lei Maria da
Penha, a quem se destina e quais os tipos de ações passiveis de punição a partir de seus termos.
Far-se-á uma explanação acerca dos casos concretos existentes em que o Poder
Judiciário entendeu pela aplicação ou não da Lei 11.340/2006 como meio de proteção a essas
minorias em razão do gênero, e não do sexo biológico.
O objetivo geral é demonstrar a possibilidade de utilização da Lei Maria da Penha nos
casos de violência contra as mulheres transgênero e travestis, uma vez que mesmo não se
enquadrando como mulheres cis, se enxergam e se portam como sujeitos do sexo feminino
perante a sociedade e em sua vida privada, neste mesmo raciocínio os objetivos específicos são
identificar a diferença entre sexo e gênero, compreender sobre as variadas formas de violência
doméstica e como o meio jurídico enxerga a possibilidade de garantir proteção as mulheres
trans através da Lei 11.340 e analisar a opinião popular acerca das mulheres transgênero e
travesti serem destinatárias da proteção garantida pela Lei Maria da Penha.
Quanto a metodologia, foi realizada uma pesquisa qualitativa, tendo em vista que o
objetivo não é obtenção de dados numéricos e estatísticas, especificamente, mas sim produzir
informações de um grupo social, deste modo foi utilizado como fonte, doutrina,
jurisprudências, legislação e noticiários.

2. SEXO E GÊNERO

Antes de adentrar de fato na convergência aparente entre a Lei Maria da Penha e a


possibilidade da sua aplicação a fim de garantir direitos a mulheres transexuais e travestis, é
preciso entender o que significa cada um dos desmembramentos expostos a seguir.

2.1 SEXO
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Para o senso comum o sexo biológico é aquele que é designado por uma série de fatores,
na maioria dos casos, antes mesmo do nascimento. Se estabelece em decorrência dos órgãos
genitais, da combinação de cromossomos e dos hormônios que apresentam. É documentado,
em primeiro momento, a partir do registro civil, na certidão de nascimento, onde constará se
aquele ser recém-nascido é pertencente ao sexo feminino ou masculino.

2.2 GÊNERO

O gênero, por sua vez, traz um conceito muito mais abrangente. Aqui se esquece toda a
condição biológica de definição do feminino e masculino, e passa a analisar o campo de
identificação subjetiva de cada indivíduo.
A definição genérica será construída pouco a pouco baseada em contextos sociais, e
vivências pessoais que cada ser passará ao longo de sua existência. O comportamento humano
do dia a dia, as convivências, as experiências pessoais e todo um conjunto de fatores subjetivos
levará o ser a se identificar, ao longo da sua trajetória, com o sexo definido desde a sua
concepção, ou identificar-se, posteriormente, com um gênero diferente do que lhe foi imposto
por condições meramente biológicas.

2.2.1 CISGÊNERO

A cisgeneridade é um dos vários desmembramentos decorrentes da identificação pessoal


de cada ser. Aqui haverá um alinhamento entre a anatomia humana e todos os outros fatores
que definirão o sexo biológico e o gênero de identificação. Portanto, a pessoa cisgênero é aquela
que se identifica com o sexo de seu nascimento.

2.2.2 TRANSGÊNERO

Completamente oposto ao cisgênero, o transgênero é a pessoa que não se identifica com


o sexo biológico, se enxergando como pertencente ao gênero oposto àquele que lhe é de origem.
Portanto, a identificação interpessoal e a condição biológica vão em caminhos opostos, é como
se o indivíduo sentisse que não pertence àquele corpo, a exemplo disso, imaginemos um
indivíduo que ao nascer e lhe ser designado como sexo biológico o sexo feminino, percebe, ao
passar do tempo e de acordo com suas vivências, que não se identifica assim, pois na verdade
se enxerga e se sente como alguém do sexo masculino.
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2.2.2.1 TRANSEXUAL

A transexualidade refere-se à condição do indivíduo cuja identidade de gênero diverge


do sexo físico biológico. E pode ser vista como uma forma mais intensa do transgenerismo. O
sentimento de não fazer parte daquele corpo é tão vigoroso, que o indivíduo sente extrema
necessidade de alterar a sua constituição biológica através de procedimentos médicos e
cirúrgicos, na intenção de que nenhum resquício daquele sexo continue a lhe pertencer,
sentindo-se totalmente pertencente ao sexo que se identifica, inclusive com aparências físicas.

2.2.2.2 TRAVESTI

Assemelhando-se com a transexualidade, é uma identidade de gênero que difere da que


foi designada à pessoa no nascimento, assumindo um papel de gênero diferente daquele da sua
origem, que objetiva a sua transição para o sexo de identificação, que, é o sexo feminino, nesses
casos. Observa-se que aqui existe uma ressignificação do termo, visto que era tratado de modo
pejorativo, as mulheres travestis hoje utilizassem de maneira política para demonstrar
resistência aos preconceitos da sociedade.

3. A LEI MARIA DA PENHA COMO MARCO INICIAL NO COMBATE A


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Em 7 de agosto de 2006 ocorreu um dos momentos mais históricos do país no tocante


ao combate e a punição à violência sofrida pela mulher, quando foi promulgada a Lei Maria da
Penha, que trouxe não somente uma ideia de repressão, mas também o sentimento de proteção
a essas vítimas de um machismo que assola a sociedade brasileira.
Nos 46 artigos que compõem o texto da Lei 11.340/2006, é possível encontrar a
esperança de que novos mecanismos de defesa e combate à violência ocorrida no ambiente
doméstico, ou no seio familiar, possam garantir a mulher maior proteção jurídica tanto no
aspecto repressivo quanto no aspecto preventivo.
A violência doméstica e familiar que por tanto tempo foi normalizada pela sociedade,
pelo sistema patriarcal que apontava a mulher como ser inferior e indigno em relação ao
homem, passa, a partir da promulgação da Lei Maria da Penha, a abordar e apresentar à
população uma ideia de igualdade, sem hierarquia decorrente do gênero, ideia esta que desde a
6

Constituição Federal de 1988 já era interposta, mas só aos poucos foi sendo de fato reconhecida
pelas legislações infraconstitucionais, modulando a letra da lei e impondo igualdade de fato no
âmbito das relações jurídicas.
Percebe-se que o vigor de uma lei especifica para pontuar o que é, quais as formas, e
como punir, de fato, a violência doméstica contra a mulher, foi só o primeiro passo para o
combate desse crime (violência doméstica) tão repulsivo, mas trouxe à tona a expectativa de
pôr fim a uma vasta era de silenciamento a qual foram submetidas por tanto tempo.

3.1 FORMAS DE VIOLÊNCIA

O artigo 5° da Lei Maria da Penha trás o termo “violência” de forma bastante genérica
e abrangente, indo muito além da agressão física. Por este motivo o artigo 7º do mesmo diploma
legal trouxe, de forma minuciosa, os tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
como passa a analisar:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) III -
a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça,
coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo,
a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force
ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais
e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos
de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral,
entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência física é aquela trazida pelo inciso I é de fato a mais conhecida por todos, e
entende-se como a violência contra a integridade física ou a saúde da mulher. Segundo o
Instituto de Segurança Pública (ISP), o índice de violência física aumentou de 59,8% em 2019
para 64,1% em 2020, sendo esta correspondente a um quantum de 33% dos casos de violência
doméstica e familiar.
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No âmbito penal, é conceituada legalmente através do artigo 129 do Código Penal como
“ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, e terá a punição Estatal de acordo com
a gravidade da lesão, podendo ser de natureza leve, grave ou gravíssima, bem como culposa,
punido de acordo com as respectivas penas.
Entretanto, não será possível no âmbito das relações domésticas e familiares a aplicação
da Lei 9.099/1995 para as lesões de natureza leve ou culposa, visto a incompatibilidade com o
artigo 41 da Lei Maria da Penha, que tem o intuito de atribuir uma punição mais justa, e buscar
uma efetividade maior na responsabilização do agressor.
Em segundo momento tem-se a violência psicológica, abordada no inciso II do artigo
7° que preceitua ser aquela causada por qualquer conduta que cause dano psicológico, como
bem elucida Altamiro de Araujo Lima Filho (2007, p. 46) 13 hipóteses de violência psicológica:

É descrita como qualquer conduta causadora de dano emocional (perturbação do


espírito, alteração psicológica penosa ante fato inesperado) e da qual decorra
alternativamente: a) redução do amor-próprio por prejudicar e perturbar o pleno
desenvolvimento; b) degradação, isto é, aviltamento, rebaixamento; c) controle de
ações (domínio, fiscalização de atos), comportamentos (condutas, procedimentos),
crenças (convicções íntimas) e decisões (resoluções, deliberações). Observa-se que a
conduta causadora de um dos danos emocionais enumerados (letra a, b e c) deve
implicar necessariamente, também na alternativa, em 1) ameaça (vis compulsiva),
anuncio de mal injusto e grave, através de palavra oral ou escrita, de movimentos
corpóreos ou, ainda, por qualquer outro meio simbólico; 2) constrangimento,
tolhimento do livre exercício do gozo da liberdade pessoal; 3) humilhação
(menosprezo, rebaixamento moral); 4) manipulação (controle, dominação); 5)
isolamento (segregação, imp0sição de solidão); 6) (tratamento injusto obstinado) 8)
insulto (ofensa); 9) chantagem, obtenção de favores ou vantagens em troca de algo;
10) ridicularização (escárnio, zombaria, deboche); 11) exploração (obtenção de
proveito, aproveitamento da boa-fé); 12) limitação do direito de ir e vir (impedir a
liberdade de locomoção); 13) qualquer meio ocasionador de prejuízo à saúde
psicológica (saúde mental ou à autodeterminação (direito de escolha pessoa).
(Lima Filho, 2007, p. 46)

Assim como na violência física, tamanha gravidade também se atribui a esse tipo de
violência, pois os danos causados em sua decorrência podem ser extremamente lesivos a saúde
mental da vítima, ocasionando problemas psicológicos como ansiedade, transtornos e
depressão, podendo, por sua vez, acarretar até mesmo pensamentos suicidas ou levar a suicídio
de fato.
O inciso III é aquele que passa a definir os parâmetros da violência sexual no âmbito
das relações domésticas, e aborda o seguinte:

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
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mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o


exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; (Brasil, 2006)

Sobre o assunto, é relevante mostrar o que Alice Biachini (2016, p. 53) trata sobre os
direitos sexuais:
Os direitos sexuais pressupõem a livre exploração da orientação sexual, podendo a
pessoa promover a escolha do parceiro(s) e exercitar a prática sexual de forma
dissociada do objetivo reprodutivo. Deve ser assegurado o direito à prática sexual
protegida de doenças sexualmente transmissíveis, além do necessário respeito
integridade física e moral. Já os direitos reprodutivos levam em conta a livre escolha
do número de filhos que um casal deseja ter, independentemente de casamento, sendo
assegurado o direito ao matrimonio desde que haja concordância plena de ambos.

Diante da ideia misógina de que a mulher é submissa ao homem, muitos acreditam que
não seja possível ocorrer tal tipo de violência, alegando que é obrigação da mulher manter
relações com o companheiro, em decorrência da relação afetiva que mantém. Entretanto a
mulher deve ser detentora de autonomia suficiente para decidir por si só quais atos deve praticar,
sejam eles sexuais ou não, e para isso deve ter respeitada a sua vontade, não se submetendo a
realizar os desejos do companheiro, principalmente se esse contraria sua própria vontade.
A quarta hipótese de violência, é a violência patrimonial, que é configurada através de
qualquer conduta que subtraia, detenha ou destrua bens pertencentes a mulher, porém, acaba
não sendo frequentemente objeto de denúncia pelo fato de a vítima na maioria das vezes não
considerar algo tão grave, até mesmo normalizando referida atitude.
É utilizada pelos homens principalmente como forma de coação e chantagem para forçar
as mulheres a realizar suas vontades, sendo normalizada de maneira que os levam a acreditar
que a administração financeira é função da figura masculina e que não há problema nisso.
Por último, em consonância com os artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, a violência
moral é composta pelos crimes contra a honra, e é diretamente interligada com a violência
psicológica, decorrente do aspecto negativo ao emocional da vítima. A grande diferença será
perceptível através das ofensas proferidas a mulher, como bem explica Valéria Diez (2015, p.
108):

A violência moral é uma das formas mais comuns de dominação da mulher.


Xingamentos públicos e privados minam a autoestima e expõem a mulher perante
amigos e familiares, contribuindo para seu silêncio. Apesar dos efeitos deletérios
desse tipo de crime, a legislação é manifestamente ineficaz e insuficiente para reprimi-
los. Em primeiro lugar, os crimes contra a honra são de ação penal privada (art. 145
do Código Penal), o que dificulta a jurisdicionalização do crime. Mesmo que as
vítimas tenham sido informadas na Delegacia quanto necessidade de promover
“queixa”, como no conhecimento popular “queixa” é sinônimo de registrar boletim de
ocorrência ou representar, a vítima pode acreditar que o simples registro do boletim
seja suficiente. (Diez, 2015, p. 108)
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Demonstradas as formas de violência trazidas pela Lei Maria da Penha, fica concluído
a importância dela no combate à violência doméstica e sua efetivação como mecanismo de
proteção à mulher, restando explicado que a violência vai muito além de agressão física, sendo
necessário combater todo e qualquer tipo de violência existente.

3.2 A QUEM SE DIRECIONA A LEI MARIA DA PENHA

O artigo 2° da lei 11.340/2006 é direto quando fala, nas suas duas primeiras palavras,
que a lei se destina a toda mulher em situação de violência doméstica, sem qualquer distinção,
com o objetivo de proporcionar-lhes uma vida sem violência, para que seja preservado a sua
saúde física e mental e o aperfeiçoamento moral, intelectual e social, in verbis:

Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,


renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para
viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral,
intelectual e social. (BRASIL, 2006, s.p.)

Portanto, quando a própria legislação fala de ser destinatária da proteção toda mulher, e
não impõe qualquer tipo de distinção ou discriminação, entende-se que o conceito de mulher
trazido pelo legislador é no sentido amplo, não sendo feito nenhuma ressalva quanto a definição
de mulher apenas no quesito biológico, visto que, conforme abordado anteriormente, além do
sexo atribuído a pessoa no nascimento, o gênero somente será definido a partir da identificação
subjetiva de cada um com o passar do tempo e de suas experiencias humanas no decorrer de
sua vida.
Ao contrário do que se pensa, a lei 11.340/2006 não abrange somente o casal, mas sim
quem quer que esteja dentro do ambiente doméstico e familiar.
O sujeito ativo é aquele que por meio de uma ação ou omissão baseada na condição do
gênero feminino é causador de violência no âmbito da unidade doméstica, familiar ou de relação
íntima de afeto independente de coabitação e orientação sexual, conforme traz a redação do
artigo 5° da supramencionada legislação:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei
complementar nº 150, de 2015)
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I - No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio


permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual
o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de


orientação sexual. (BRASIL, 2006, s.p)

Portanto, o filho, o marido, o companheiro, o sogro, o irmão, o pai, o tio, ou qualquer


outro sujeito que se enquadre no rol do artigo 5° da lei 11.340/2006 poderá ser sujeito ativo,
assim como também é possível que integre o polo ativo a figura feminina. Neste sentido Maria
Berenice Dias (2007, p.41) faz os seguintes apontamentos:

A empregada doméstica, que presta serviço a uma família, está sujeita à violência
doméstica. Assim, tanto o patrão como a patroa podem ser agentes ativos da infração.
Igualmente, desimporta o fato de ter sido o neto ou a neta que tenham agredido a avó,
sujeitam-se os agressores de ambos os sexos aos efeitos da Lei. [...] Os conflitos entre
mães e filhas, assim como os desentendimentos entre irmãs está ao abrigo da Lei
Maria da Penha quando flagrado que a agressão tem motivação de ordem familiar.

Seguindo esse mesmo raciocínio tem-se que no sujeito passivo estará a mulher vítima
de agressão no contexto do artigo 5° acima transcrito, podendo ser a mãe, a vó, a tia, a
namorada, esposa, ex-companheira, ou quaisquer daquelas que se encaixe nos ditames do rol
do artigo mencionado.

3.3 MULHERES TRANS E TRAVESTIS E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Hodiernamente tornou-se relativamente comum os indivíduos exporem socialmente sua


sexualidade, tendo em vista que existem, em crescente, políticas públicas e não governamentais
em busca de uma sociedade mais tolerante com a pluralidade humana. Mas a problemática da
aceitação social ainda é muito decorrente e causa de desentendimentos familiares.
Não há como negar que ainda segue enraizado o machismo para com o símbolo
feminino, não importando se em relação a uma mulher cis ou trans, porém, indiscutivelmente,
as mulheres transgênero e as travestis sofrem bem mais represálias e são ainda mais
marginalizadas por uma sociedade que, além de machista, é extremamente transfóbica e
preconceituosa.
11

Prova disso é o que mostram os dados do Sistema de Informação de Agravos de


Notificação (SIAN, parte do Ministério da Saúde), compilados pelo mapa da violência de
gênero, no período de 2014 a 2017, onde 49% dos casos de violência contra mulheres trans e
travestis acontece dentro da própria residência.
No âmbito da doutrina jurídica há uma corrente que defende o tratamento igualitário
entre as mulheres cis e trans que, afinal, são todas mulheres, tal como destaca a brilhantíssima
desembargadora e doutrinadora Maria Berenice Dias (2008):

Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, quem tenham identidade social com o


sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no
âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda que parte da doutrina encontre
dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, descabe deixar à margem da proteção
legal aqueles que se reconhecem como mulher. Felizmente, assim já vem entendendo
a jurisprudência.

Partindo desse ponto de vista, é importante que se analise não somente a forma biológica
para que se defina um indivíduo como mulher, necessitando ir mais além, analisando como
essas pessoas se veem, se sentem e, não menos importante, como querem ser vistas, tratadas e
acima de tudo respeitadas.
Uma vez que a Constituição Federal em vigor condena quaisquer forma de
discriminação em relação à orientação sexual dos sujeitos, tem-se aberto cada vez mais espaço
e dado voz para as pessoas não cis, muito embora a discriminação ainda seja escancarada.
Como supracitado, o simples fato de ser mulher já coloca o sujeito em uma situação de
vulnerabilidade, tratando-se de uma mulher transgênero e de travestis, no entanto, a
vulnerabilidade é ampliada.
Não havendo uma regulamentação própria para essa minoria, tem-se utilizado cada vez
mais a Lei Maria da Penha no que lhe cabe, Dias (2008, p.6) reafirma ao asseverar que

Ainda que a Lei tenha por finalidade proteger a mulher, acabou por criar um novo
conceito de família, independente do sexo dos parceiros. Assim, família também
passou a ser não só a união entre homem e mulher, mas também a união entre duas
mulheres e, igualmente, a união entre dois homens. ‘Mesmo que eles não se encontrem
ao abrigo da Lei Maria da Penha, para todos os outros fins, impõe-se esse
reconhecimento. Basta invocar o princípio da igualdade’.

Desta forma é possível compreender que ainda que mesmo na ausência uma legislação
específica para os indivíduos transgêneros e os casais homoafetivos, caminha-se para que se
possa garantir uma igualdade de proteção no que tange às agressões domésticas.
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3.4 LEI MARIA DA PENHA NOS PARAMÊTROS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O direito basilar da Constituição Pátria é, sem dúvida nenhuma, aquele exposto no artigo
5°, no qual preceitua que todos são iguais perante a lei, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(BRASIL, 1988)

Neste ponto, faz-se interessante traçar um paralelo entre o texto constitucional, a


garantia de direitos e a aplicação da Lei Maria da Penha as mulheres transgêneros, como por
exemplo o direito à vida digna, indubitavelmente o principal direito inerente a qualquer pessoa,
pois sem vida digna nenhum direto seria necessário à existência do indivíduo.
Portanto, ao negar as mulheres transgêneros as medidas de defesa que a lei 11.340/2006
garante, o Estado acaba por deixá-las em condições ainda mais vulneráveis, correndo sérios
riscos de que as violências, principalmente as agressões físicas, cheguem a patamares mais
graves, como, possivelmente um crime de homicídio.
Deste modo, os homicídios serão, possivelmente, punidos, ainda que de maneira
repressiva, mas se ao invés da denegatória da concessão dos mecanismos de defesa, as medidas
protetivas tivessem sido efetivadas em favor dessas mulheres, o poder preventivo da qual são
dotadas poderiam evitar tragédias e a maior das barbáries que um ser humano pode fazer a
outro: ceifar-lhe a vida.
Não restam dúvidas de que a Lei Maria da Penha visa assegurar uma proteção maior no
âmbito das relações domésticas, e busca garantir segurança às pessoas vítimas de violência no
seio familiar. Desta forma, é indiscutível que aplicá-la às pessoas transgêneros teria propriedade
para reprimir agressões e possibilitar um ambiente mais seguro aqueles que já estão sujeitos a
tantos preconceitos vindos da sociedade em geral, assim como garantiria que essas pessoas
pudessem ter uma vida mais digna, conforme dispõe a própria Constituição Federal.

4. POSIÇÕES JURÍDICAS ACERCA DA LEI MARIA DA PENHA APLICADA A


MULHERES TRANSGENEROS

Em agosto de 2014 a Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da


Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota técnica a respeito da possibilidade de
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aplicação da Lei Maria da Penha como mecanismo jurídico de proteção a mulher transexual e
travesti. Ora, sabe-se, pois, que o intuito maior da referida Lei é atuar de forma protetiva aos
direitos a integridade física, moral, patrimonial e psicológico da mulher, visto as condições de
vulnerabilidade a que são submetidas, diante do estereótipo de inferioridade atribuído a figura
feminina pela sociedade, e os costumes patriarcais que ainda as cercam. Outrossim, maior ainda
é a situação de vulnerabilidade em que se encontram mulheres transexuais e travestis, visto o
preconceito e a transfobia que essa minoria enfrenta tanto perante a sociedade quanto no âmbito
familiar.
O texto legislativo trazido não aborda em nenhuma ocasião ou hipótese restrições a
mulheres transexuais e travestis de serem amparadas pela Lei Maria da Penha, visto que não
apresenta definições para o termo mulher, tampouco exige que haja retificação do registo ou
cirurgia de redesignação sexual.
Diante disso, extrai-se teor final da nota técnica que aponta o seguinte:

Destarte, seja pela interpretação teleológica do âmbito de incidência da Lei Maria da


Penha, que seleciona como elemento de discriminem o gênero feminino, e não o sexo;
seja pelo caráter inclusivo e de reparação das desigualdades socioculturais no
ambiente doméstico e familiar, aplica-se às situações de violência doméstica e
familiar sofridas por transexuais e travestis do gênero feminino as disposições da Lei
nº 11.340/2006.

Um dos marcos históricos na busca por direitos pelas pessoas transgêneros foi, sem
dúvida, a possibilidade da retificação do prenome, para tanto, precisando somente recorrer às
vias judiciais, ou até mesmo de forma administrativa, e requerer a alteração do prenome e do
gênero do registro civil, e, por questões ainda mais dignas, é totalmente vedado a inclusão do
termo “transgênero” no registro. Abordado o tema em Recurso Extraordinário 670422/RS, o
Supremo Tribunal Federal adotou a seguinte tese:

i) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de


sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além
da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto
pela via judicial como diretamente pela via administrativa; ii) Essa alteração deve ser
averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo
'transgênero'; iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a
origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento
do próprio interessado ou por determinação judicial; iv) Efetuando-se o procedimento
pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do
interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros
nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre
a origem dos atos. (STF, RE 670422/RS)
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Isso posto, é possível extrair o entendimento no sentido de que, se para a alteração do


prenome e da classificação genérica no registro civil necessita-se tão somente do
reconhecimento pessoal do sujeito, tratando-se de direito fundamental subjetivo, não faz sentido
que a Lei Maria da Penha não seja aplicada a mulheres transgêneros, tampouco que seja
requisito para a aplicação a necessidade de alteração de registro civil ou procedimento cirúrgico
para que de fato haja o tratamento digno e a concessão de direitos inerentes aquele gênero com
o qual se identifica a pessoa trans.
Nesse contexto a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e
Familiar do Poder Judiciário (COMESP) em 2017, através do Enunciado n° 46 dispôs que:

ENUNCIADO 46 – com a inovação de que a Lei Maria da Penha se aplica às mulheres


transsexuais, independentemente de alteração registral do nome e de cirurgia de
redesignação sexual, sempre que configuradas as hipóteses do artigo 5º, da Lei
11.340/2006.

Destarte, ressalta-se a importância de toda a evolução jurídica trazida em decisões como


essa, entretanto, reverberando o que de mais novo se tem no mundo jurídico, torna-se
apropriado abordar com maior ênfase a decisão em sede de Recurso Especial nº 1.977.124
julgado pela Sexta Turma do STJ em 05 de abril de 2022. Por unanimidade o STJ entendeu que
é aplicável a Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica ou familiar contra as
mulheres trans.
No caso apresentado ao STJ, o Ministério Público do Estado de São Paulo recorreu de
uma negativa de concessão de medidas protetivas a uma mulher transgênero vítima de agressão
praticada por seu pai no interior da residência, visto que o juízo de primeiro grau e o Tribunal
de Justiça de São Paulo entenderam que só poderiam se valer das medidas protetivas da Lei
Maria da Penha as mulheres com sexo biológico feminino. Ao proferir a seu voto o ministro
relator, Rogerio Schietti Cruz declarou:

Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos,


que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as
relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos,
simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de
ódio contra minorias

O Ministério Público argumentou que a letra da lei é direta a se referir a violência


“baseada no gênero”, não se referindo em momento algum a sexo biológico.
De fato, a decisão não tem caráter vinculante, mas abre precedentes importantíssimos
para os Tribunais de instâncias inferiores adotarem o mesmo entendimento, visto que se trata
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de entendimento de um Órgão Jurisdicional Superior, o que deste modo abrirá portas para que
mulheres transgêneros vítimas de violência doméstica e familiar possam receber amparo
jurídico, haja vista tamanha negligência estatal em protegê-las, mesmo diante dos números
alarmantes de violência (doméstica ou não) contra essa minoria.

5. PESQUISA ACERCA DA POSIÇÃO POPULAR NO TOCANTE A TEMÁTICA

Saindo um pouco do âmbito jurídico e partindo para as relações sociais, é válido abordar
a opinião pública no tocante ao tema.
Foi realizada pesquisa através de formulário on-line (google forms), no qual o link que
direcionava para o questionário foi compartilhado nas redes socias tais como instagram e
whatsapp com o objetivo de alcançar o máximo possível de pessoas e após levantados
questionamentos acerca do que deve ser considerado mulher, se mulheres transgênero devem
ser amparadas pelas legislações brasileira inerentes à mulher e se devem ser abrangidas pelo
conceito feminino abordado na Lei Maria da Penha, foram colhidas respostas de 181 pessoas,
onde podemos chegar ao resultado apontado nos gráficos a seguir:
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6. CONCLUSÃO

Mulheres trans e travestis são, independente de características biológicas, sujeitos que


se identificam com o gênero feminino.
As mulheres têm lutado, por séculos, em busca da garantia dos seus direitos políticos,
sociais, econômicos, financeiros e outros. Nesse sentido a Lei Maria da Penha é considerada
um divisor de águas, no sentido de legar às mulheres uma importante ferramenta na prevenção
e combate à violência de gênero no âmbito doméstico e familiar.
Diante disto, o presente trabalho conclui ser possível a aplicação da Lei Maria da Penha
para a proteção de travestis e mulheres transexuais conquanto o gênero feminino não constitui
categoria limitada à biologia. Ressalte-se ainda que tal aplicação independe de redesignação
sexual por meio de cirurgia ou retificação de registro civil, uma vez que a pessoa tenha evidente
identificação com o gênero feminino.
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Por fim, tal interpretação da Lei 11.340/06 deverá ocorrer em indiscutível observância
aos princípios constitucionais mais basilares, tais quais o princípio da dignidade da pessoa
humana e o princípio da liberdade. Considera-se ainda, nesse bojo, que o artigo 2ºda referida
Lei declara expressamente que “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana a discriminação”, o que torna clara a possibilidade de
aplicação da Lei Maria da Penha às travestis, mulheres transexuais e transgêneros, no âmbito
do combate à violência doméstica e familiar.
No tocante a pesquisa realizada, não se pode deixar de observar o quanto a população
tem passado a enxergar a fragilidade dessas mulheres e percebido a necessidade delas serem
acolhidas pela legislação brasileira, visto a violência diária que são vítimas, necessitando de
uma resposta estatal para garantir os seus direitos à vida digna e a segurança, entendendo a
sociedade, em sua grande maioria, que essas mulheres devem ser amparadas pela Lei Maria da
Penha, por se reconhecerem em condições do gênero feminino.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF: Senado Federal, 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm - Acesso em: 03 de maio
de 2022.

BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Acesso em: 03 de
maio 2022.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008

DÍEZ, Beatriz. QUAL A DIFERENÇA ENTRE SEXO E GÊNERO. Disponível em:


<http://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-54123807> Acesso em: 05 de maio de 2022.

BRASIL ESCOLA. IDENTIDADES. Disponível em:


<http://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/cisgenero-transgenero.htm> Acesso em: 05 de
maio de 2022.

BOUERI, Aline Gatto. VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E TRAVESTIS COMEÇA


EM CASA E CONTINUA DO LADO DE FORA. Disponível em:
<http://www.generonumero.media/maioria-de-agressoes-mulheres-trans-e-travestis-ocorre-
dentro-de-casa-revelam-dados-do-ministerio-da-saude/> Acesso em 06 de maio de 2022.
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CNN BRASIL. APESAR DAS LEIS DE PROTEÇÃO, VIOLÊNCIA CONTRA


MULHERES CONTINUA EM ALTA NO PAÍS. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/apesar-das-leis-de-protecao-violencia-contra
mulheres-continua-em-alta-no
pais/#:~:text=A%20pesquisa%20do%20ISP%20para,aqui%20categorizados%20como%20Vi
ol%C3%AAncia%20Psicol%C3%B3gica>. Acesso em 10 de maio de 2022

STF reconhece a transgêneros possibilidade de alteração de registro civil sem mudança


de sexo. Disponível: https://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=371085/
. Acesso: em 10 de maio de 2022

LIMA FILHO, Altamiro de Araujo. Lei Maria da Penha comentada. Leme/SP: Mundo
Jurídico, 2007. Acesso: em 15 de maio de 2022.

FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha o processo penal no caminho
da efetividade. São Paulo Atlas 2015. Acesso: em 15 de maio de 2022.

APÊNDICE
1ª Você acredita que para ser considerada mulher precisa: Nascer como mulher ou se
identificar como mulher?
2ª A mulher transgênero/travesti deve ser amparada pela lei brasileira em todos os aspectos de
direitos e deveres inerentes a pessoa do sexo feminino?
3ª A Lei Maria da Penha serve como uma forma de combate a violência doméstica/familiar,
bem como para dispor de mecanismos de proteção a mulheres vítimas da violência no âmbito das
relações domésticas/familiares. Você concorda que mulheres transgênero/travestis devam ser amparadas
por essa Lei?

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