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Reflexões sobre a Lei Maria da Penha:

Constitucionalidade, Aplicação Penal e Aspectos


Criminológicos

Alessandro Soares Borba


Juliana Figueiredo Oliveira
Ligia Carvalho de Sillos

Resumo

Desde sua promulgação a Lei nº 11.340/2006, comumente conhecida como


Lei Maria da penha, tem estado sob questionamento quanto a sua
constitucionalidade, sua capacidade de punir o agressor e os benefícios que pode
gerar para as vítimas de agressão.

Esta pesquisa se caracteriza-se como um estudo qualitativo, descritivo e


interpretativo, cujo objetivo é refletir sobre a validade e os efeitos da lei Maria da
Penha.

Palavras Chave: “Lei Maria da Penha” , “Constitucionalidade”, “Criminologia”


e “Agressão contra a mulher”

Desde sua promulgação a Lei nº 11.340/2006, comumente conhecida como


Lei Maria da penha, tem estado sob questionamento quanto a sua
constitucionalidade, sua capacidade de punir o agressor e os benefícios que pode
gerar para as vítimas de agressão.

O estudo desta lei além de ser um estudo do campo da Ciência do Direito é


também parte das Ciências Sociais, visto que as leis regem a vida social. Estudar a
sociedade e o indivíduo é uma tarefa que pode ser feita de diversas maneiras, por
diversos pontos de vista. Cada estudioso ao escolher seu tema, tem a liberdade de
trabalhar com as ferramentas que mais lhe agrade. Fator este que propicia muitas
conclusões diferentes a partir de um mesmo objeto.

Não é objetivo deste trabalho estudar os fatos específicos que levaram a


promulgação desta determinada lei. O que se propõe aqui é reflexão sobre a Lei nº
11.340/2006, quanto às questões jurídicas que ela levanta e seus objetivos.

Não é feita uma distinção de gênero por vítima visto que o texto da lei traz
em si uma disposição que abrange também as uniões por afinidade, ficando assim
incluídas as uniões homo-afetivas, mesmo ainda não sendo legalizadas no Brasil,
como afirmam Iglesias Rabelo e Rodrigo Saraiva (2006).

Para a revisão de literatura foi feita uma pesquisa bibliográfica enfocando a


área de pesquisa sobre violência contra a mulher. Após, uma busca em sites das
seguintes palavras-chave: “Lei Maria da Penha”, “Constitucionalidade”,
“Criminologia” e “Agressão contra a mulher”. Foram escolhidos então os textos e
artigos que possibilitaram a realização deste trabalho.

O artigo se origina a partir da publicação da Lei nº 11.340/2006 e as


questões que ela suscita:

1) Esta é uma lei Constitucional?

2) O texto da lei prevê punições são pertinentes?

3) Em relação às vítimas, a lei esta conseguindo atingir seu propósito?

Esta pesquisa se caracteriza, portanto, como um estudo qualitativo,


descritivo e interpretativo, cujo objetivo é refletir sobre a validade e os efeitos da lei
Maria da Penha.

Em posse destas ferramentas foi possível organizar o trabalho da seguinte


forma:

Uma breve introdução explicitando os objetivos e a metodologia utilizada


para a realização do trabalho.
Primeira parte, Lei Maria da Penha e a Constituição, que trata sobre as
divergências de entendimento sobre a constitucionalidade desta lei.

Na segunda parte, Penalidades da Lei Maria da Penha, trata sobre as penas


previstas em lei para a agressão doméstica e as medidas que podem ser tomadas
para impedir que o agressor continue a conviver com a vítima.

Na terceira parte, Aspectos criminológicos em relação a Lei Maria da Penha,


aborda-se a Ciência da Criminologia e sua importância em relação a agressão
doméstica contra a mulher.

Por fim, a Conclusão, que expressa as reflexões sobre o tema a partir dos
autores pesquisados.

O primeiro ponto a ser discutido é sobre a constitucionalidade desta lei,


diferentes pontos de vista sobre este ponto serão abordados na parte seguinte.

Lei Maria da Penha e a Constituição

A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, “Cria mecanismos para coibir a


violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.” 1

Iglesias Rabelo e Rodrigo Saraiva (2006), relatam a razão pela qual a lei
recebeu o nome de “Maria da Penha” da seguinte forma:

1
Texto retirado da Lei integral no site do planalto
Esta lei recebeu o nome de "lei Maria da Penha" como forma de
homenagear a mulher, Maria da Penha Fernandes, símbolo da luta contra
a violência familiar e doméstica.
Em breves linhas, aquela mulher sofreu duas tentativas de homicídio por
parte do ex-marido. Primeiro, levou um tiro enquanto dormia, sendo que o
agressor alegou que houve uma tentativa de roubo. Em decorrência do
tiro, ficou paraplégica. Como se não bastasse, duas semanas depois de
regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, Maria da
Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido,
sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava.
( Iglesias RABELO e Rodrigo SARAIVA, 2006, s.p.)

A lei Maria da Penha foi criada com o intuito de acabar com casos como o
desta mulher.

De acordo com Andressa Barbosa e Stela Cavalcanti (2007) as divergências


sobre a constitucionalidade desta lei remontam à sua promulgação, autores como
Valter Foleto Santini2 e Roberta Toledo Campos3 integram o grupo dos estudiosos
que consideram a lei inconstitucional.

Esta visão esta baseada na idéia de que esta lei dá brecha para que a
desigualdade entre os sexos seja legalizada, visto que as mulheres seriam
beneficiadas com “melhores mecanismos de proteção” do que os homens. Visto
que estes não disporiam dos mesmos mecanismos se viessem a ser vítimas de
violência doméstica, ou familiar, como afirmam Barbosa e Cavalcanti (2007).

Ao analisar a conjuntura social brasileira e as pesquisas sobre a violência


doméstica, a maioria dos autores, de acordo com Barbosa e Cavalcanti (2007), não
concorda com a inconstitucionalidade da lei.

Barbosa e Cavalcanti (2007) analisam o argumento dos estudiosos que


consideram a lei inconstitucional, eles se baseiam no caput do art. 5º da
Constituição Brasileira de 1988, que dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem

2
SANTINI, Valter Foleto. Igualdade Constitucional na Violência Doméstica. Disponível em:
<http://www.apmp.com.br/juridico/santin>. Acesso em: 28/11/2009.
3
CAMPOS, Roberta Toledo. Aspectos Constitucionais e Penais Significativos da Lei Maria da Penha.
Disponível em: <http://www.blogdolfg.com.br>. Acesso em: 28/11/2009.
distinção de qualquer natureza, garantindo a todos direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e a propriedade”.

De acordo com as autoras:

Tanto a CF/88 como as outras Constituições tratam de forma expressa tão


somente a igualdade perante a lei, no sentido de que as normas devem ser
elaboradas e aplicadas indistintamente a todos os indivíduos. É a denominada
isonomia formal. Entretanto, tal isonomia não leva em conta a existência de
grupos ditos minoritários ou hipossuficientes, que necessitam de uma proteção
especial para que alcancem a igualdade não apenas normativa, mas baseada em
ideais de justiça (isonomia material).

Neste aspecto, quando se afirma que a igualdade deve ser buscada sem
distinção, não significa que a lei deve tratar a todos abstratamente iguais. (SILVA,
2005). Na Antiguidade, Aristóteles já ensinava que a verdadeira igualdade, que
almeja primordialmente a dignidade da pessoa humana, consiste em tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Quanto a este ponto, Moraes (2005) afirma que o que a lei veda são as
diferenciações arbitrárias e as discriminações absurdas. Tal elemento
discriminador só será válido se estiver a serviço de alguma finalidade acolhida
pelo Direito, como por exemplo, na busca da igualdade de condições sociais.

E como a igualdade material é implementada? A sua concretização - se é que se


pode falar que ela, de fato, existe - se dá tanto através de leis específicas, como
pela adoção de políticas públicas pelo Estado. Cavalcanti (2007) elucida que,
constatada a desigualdade em relação a uma determinada classe de indivíduos,
como as mulheres ou as minorias étnicas, as ações positivas são o meio direto e
eficaz para alcançar a igualdade real.

Portanto, as ações afirmativas são medidas imprescindíveis no Estado


Democrático de Direito para fazer mais curta a espera de milhões de pessoas que
almejam sentir-se parte da sociedade, fruindo da igualdade de pontos de partida.
Só uma ação positiva que seja suficientemente proporcional e que não produza
dano desproporcional a terceiros será constitucional e poderá implantar-se com
êxito na sociedade atual.

Nesse contexto, a Lei Maria da Penha é um exemplo de ação afirmativa.


Implementada no Brasil para a tutela do gênero feminino, justifica-se pela situação
de vulnerabilidade e hiposuficiência em que se encontram as mulheres vítimas da
violência doméstica e familiar.

Se por um lado a lei não engloba a possível agressão doméstica ou familiar


masculina, de outro ela traz um texto que inclui as relações de casais
homossexuais femininos, de acordo com Rabelo e Saraiva (2006), na medida em
que seu art. 5º dispõe:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de


pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou
se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação


sexual. 4

Para Rabelo e Saraiva (2006) “O reconhecimento legal da família constituída


por vontade expressa, permite uma interpretação no sentido de englobar um casal
homossexual, no presente caso, especificamente o casal composto por mulheres.”
(Iglesias RABELO e Rodrigo SARAIVA, 2006, s.p.)

Para que as normas infraconstitucionais não destoem do texto constitucional


existem mecanismo de controle de constitucionalidade. De acordo com Luiz Alberto
David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2008), os tipos de controle podem ser:
preventivo, “isto é, o método pelo qual se previne a introdução de uma norma
inconstitucional no ordenamento (...)”5; repressivo, “é exercido junto ao Poder
Judiciário e processa-se por duas vias. Uma difusa (...) outra concentrada (...).” 6
controle constitucional da omissão, “ entendida a partir do dever previsível dos
Poderes e das autoridades de disciplinar determinada matéria. A omissão pode
provir de qualquer dos Poderes.”7; por último o controle de constitucionalidade no
âmbito estadual, “o art. 125, § 2º, da Constituição da República atribuiu às
Constituições Estaduais a competência para a instituição da ação direta de
inconstitucionalidade de âmbito estadual.” 8

4
Em sublinhado
5
NUNES JÙNIOR e ARAÙJO, 2006, p.26.
6
NUNES JÙNIOR e ARAÙJO, 2006, p. 28.
7
NUNES JÙNIOR e ARAÙJO, 2006, p.59.
8
NUNES JÙNIOR e ARAÙJO, 2006, p.64.
A lei Maria da Penha faz parte do ordenamento brasileiro, ao ser proposta uma
lei ou uma emenda constitucional primeiramente o projeto é submetido às
Comissões Legislativas, estas Comissões são dividas por temas. O projeto é
mandado para a Comissão responsável pela análise daquele tipo de lei, por
exemplo, se é uma lei referente à saúde ele é encaminhado para Comissão sobre
este assunto. A Comissão pela qual todos os projetos são obrigatoriamente
submetidos é a de Constituição e Justiça.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de encarrega de analisar se o
projeto esta de acordo com a Constituição brasileira no que se refere aos aspectos
formais e materiais, depois de analisar ela dá um parecer a respeito deste ponto.
Se o parecer da CCJ for favorável então o projeto pode continuar o processo de
tramitação para ser promulgado, mas nem sempre o parecer da CCJ é terminativo.

Quando o parecer da CCJ for pela inconstitucionalidade do projeto este será


rejeitado e arquivado definitivamente, mas existem exceções, e no caso da Câmara
dos Deputados pode pedir ao plenário um recurso à deliberação sobre o projeto se
o parecer da CCJ não lhe agradar.9

A Lei nº 11.340, pode ter sua constitucionalidade contestada, para tanto ela
deve ser analisada pelos instrumentos cabíveis. Poderia ser objeto de Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) ou também de uma Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC), dependendo do caso concreto.

Em seguida será discutido acerca das penalidades estabelecidas pela lei


Maria da Penha e as divergências que suscitam sobre este fator.

Penalidades da Lei Maria da Penha

9
NUNES JÙNIOR e ARAÙJO, 2006, p. 25.
De acordo com Andressa Barbosa e Stela Cavalcanti (2007):

O Brasil sempre esteve inserido num sistema patriarcal, em que a


dominação masculina evidencia-se na organização da sociedade. Teles e
Melo (2002) ressaltam que a desigualdade entre homens e mulheres não
se dá por fatores biológicos, e sim em virtude dos papéis sociais impostos
a ambos, reforçados por culturas patriarcais que estabelecem relações de
dominação e violência entre os sexos. Assim, a origem da violência de
gênero está na discriminação histórica contra as mulheres. (Andressa
BARBOSA e Stela CAVALCANTI, 2007, s.p.)

O caso vivido por Maria da Penha Fernandes não é uma exceção, o que
muitos estudos comprovam é o contrário, estes acontecimentos são regra em
diversas famílias brasileiras.

Danielle Martis Silva (2006) aborda o tema sobre a violência doméstica da


seguinte maneira:

A banalização da violência doméstica, sua concepção enquanto parte


inexorável das relações de casal (o que inclui qualquer tipo de parceria
íntima), ou mesmo das relações entre ex-casais - considerando a
construção de gênero que objetifica e coisifica a mulher, negando-lhe a
condição de sujeito de direito e a autonomia de alguém capaz de exercitar
as próprias escolhas, inclusive a de por fim a um relacionamento – são
fatores que impedem o reconhecimento da violência de gênero, tornando-
a invisível não apenas para as vítimas, que se conformam com seu
"destino biológico", mas também para a sociedade e para o Estado, na
medida em que recusam ao problema um caráter social e de saúde
pública, a demandar ações institucionais de conscientização, prevenção e
erradicação. Ao que tudo indica, ainda prevalece o adágio de que "em
briga de marido e mulher não se mete a colher". (Danielle SILVA, 2006,
s.p.)

Este é um fator que demonstra a importância da lei, ela foi criada para atender
a uma necessidade social e não com o intuito de criar uma diferença de direitos
entre homens e mulheres.

Para Silva (2006):


A visibilidade da violência de gênero, no âmbito doméstico, demanda o
reconhecimento da violência contra a mulher enquanto uma violação de
direitos humanos, uma violação que acarreta sérios danos à saúde física
e psíquica das vítimas e, como tal, exige intervenção coordenada e
interdisciplinar, tanto quanto qualquer outro problema social enfrentado
em nível institucional. (SILVA, 2006, s.p.)

Em seu texto a lei Maria da Penha prevê alterações no código penal brasileiro
nos seguintes artigos:

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa
a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou


com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido
contra pessoa portadora de deficiência.” (NR) 10

Também prevê alterações na Lei de Execução Penal, da seguinte forma:

Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a
vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152. ...................................................

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o
comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR) 11

Visando a proteção da vítima a lei também expressa ações em regime de


urgência da seguinte forma:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção


ou de atendimento;

10
Texto retirado da Lei integral no site do planalto
11
Ibid
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio,
após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens,
guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.12

Todas as medidas expostas na lei foram analisadas previamente por diversas


comissões, antes da promulgação, seu texto foi idealizado e redigido no sentido de
acabar com a violência doméstica contra a mulher.

A norma traz expresso em seu texto sua função: “Cria mecanismos para coibir
a violência doméstica e familiar contra a mulher (...)” 13. Numa sociedade onde a
mulher está sujeita a tal tipo de coação dentro de sua própria residência é um
contra senso alegar que essa lei não é inconstitucional.

Para o autor Jeferson Moreira de Carvalho (2008), a lei Maria da Penha não é
capaz de cumprir o que propõe, seguindo ele:

Se alguém for condenado pela prática de um crime que configure


violência doméstica, e sendo a pena não superior a dois anos, nos termos
do artigo 77, do Código Penal, o agressor poderá ser beneficiado com a
suspensão condicional da pena, ou seja, não vai cumpri-la.
Se a pena foi inferior a quatro anos, a mesma será cumprida em regime
aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, “c”, do Código Penal, isto é,
na casa do albergado, que, ao final, significa liberdade.
Já, pena entre quatro e oito anos, o regime será o semi-aberto, sendo que
o fechado somente se aplicará para as penas superiores a oito anos.
Então, praticado um crime que configure, ou não, violência doméstica, a
situação do condenado, quanto ao cumprimento da pena imposta, será
sempre a mesma; não há nenhum rigorismo a mais.
Ainda, quanto ao regime imposto (fechado, semi-aberto e aberto), o
cumprimento será de maneira progressiva, o que significa que qualquer
condenado será beneficiado com a transferência do regime rigoroso para
o mais brando.
Cumprindo-se apenas 1/6 da reprimenda aplicada e comprovando-se o
bom comportamento, a progressão do regime deve ser concedida, como
dispõe o artigo 112, da Lei 7.210/84.
Não há diferença para um ou outro condenado. Todos são iguais.
(CARVALHO, 2008, s.p.)

12
Ibid
13
Op. Cit.
De acordo com esta análise, apesar de todas as divergências quanto à sua
constitucionalidade e a criação de maiores benefícios para as mulheres, a lei Maria
da Penha seria insuficiente para punir os agressores e coibir a violência doméstica.

As penalidades determinadas pela lei não conseguem coibir a ação do


agressor visto que este pode facilmente livrar-se das sanções.

Na parte seguinte a lei Maria da Penha será abordada sob os aspectos da


criminologia.

Aspectos criminológicos em relação à Lei Maria da Penha

O crime está inserido nas sociedades desde os primórdios dos tempos,


apesar do comportamento desviante ser parte integrante do meio social ele se
mostra repudiado pela massa cumpridora das normas.

Segundo Marcelo Sales França (2004):

É da natureza de toda ciência a busca de um conceito que satisfaça a sua


área de atuação e os seus objetivos. Quase sempre isso depende,
fundamentalmente, do ponto de vista de cada autor. E com a
criminologia não é diferente.
Etimológica e resumidamente, pode-se conceituar Criminologia como a
ciência do crime.
Dessa forma, trata-se da ciência que estuda o crime – o delito de forma
genérica – e toda e qualquer questão que lhe diga respeito, direta ou
indiretamente.
Mas a variação de opiniões é enorme. Só para citar dois exemplos, bem
didáticos por sinal, vejamos:
Edwin H. Sutherland conceitua Criminologia como o conjunto de
conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a
personalidade do delinqüente, sua conduta delituosa e a maneira de
ressocializá-lo.
Já Newton Fernandes e Valter Fernandes apresentam um conceito mais
moderno e mais abrangente. Eles procuram inserir a vítima, como parte
de maior interesse do fato delituoso, nesse contexto estudado
pela Criminologia, o qual trata, além do fenômeno criminal e as causas
endógenas e exógenas que atuam sobre o delinqüente, dos meios de sua
reintegração social. (FRANÇA, Marcelo, 2004, s.p.)
Dentre os diferentes conceitos de criminologia, para este trabalho o conceito
utilizado é o mais abrangente, que também insere a vítima dentro das
preocupações de pesquisa.

No que concerne a Lei Maria da Penha e sua criação, é preciso atentar para
as razões sociais que geraram a demanda por esta lei.

Para Alessandra de La Veja Miranda (2008):

A lei 11.340/2006 já nasceu de um inquestionável fracasso: a impotência


da legislação penal, bem como do sistema penal, ante a agressão à
mulher. Nem mesmo os promissores Juizados Especiais Criminais
puderam conter a onda avassaladora de completo descrédito à proteção
feminina, caindo na vala comum, e apenas transformando os profissionais
envolvidos em cumpridores de estatísticas de tribunais e cartórios.
(MIRANDA, 2008, s.p.)

De acordo com a autora a legislação brasileira vigente não era capaz de


proporcionar proteção a todos os cidadãos brasileiros, que esta prevista na
Constituição. As mulheres ficam em situação desfavorável.

A autora complementa:

Com o ingresso da Lei Maria da Penha no cenário nacional, a busca de


convergência para a superação do androcentrismo vem fundamentada em
bases legais sólidas, tanto em nível internacional, como em termos de
legislação pátria. Isso porque, teve seu nascedouro marcado pelos
auspícios da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, locus em que se formatou o
resultado das lutas emancipatórias feministas. (MIRANDA, 2008, s.p)
Estudos sobre as vítimas de agressão doméstica são de suma importância
para que esta prática possa ser extinta. Além do estudo sobre os agressores. E as
circunstâncias em que a agressão ocorre.

Ana Dubex e Samanta Sallum (2009) fizeram uma análise sobre os dados
referentes às mulheres vítimas de agressão doméstica:

Da catadora de papel de mãos maltratadas à empresária bem-sucedida


de brincos de pérola, a angústia é exatamente a mesma. Sentem o
mesmo medo, vergonha e dor quando se tornam vítimas da violência
doméstica. Ela ocorre dentro das casas da Estrutural, dos apartamentos
do Plano Piloto e das sofisticadas mansões do Lago Sul. Regiões onde
mais mulheres buscaram proteção judicial como escudo contra
companheiros e ex-companheiros. Desde a entrada em vigor da Lei Maria
da Penha, em setembro de 2006, 14 mil mulheres do DF pediram a
proibição de contato. (DUBEX e SALLUM, 2009, s.p.)

Nota-se que com a lei muitas mulheres sentiram-se mais confiantes para
denunciar os casos de agressão e procurar ajuda.

Conclusão

Quanto a constitucionalidade da lei foi visto que existem opiniões


divergentes, mas ao levarmos em conta a abordagem que analisa o caput e texto
art. 5º e constatarmos a realidade é que não existe a isonomia de direitos. É
preciso mais, ações públicas e leis que possam proporcionar a igualdade entre os
sexos.

Desta forma, a lei nº 11.340 de 2006 não é inconstitucional, ela é um recurso


para que a Constituição brasileira possa ser efetivamente válida.
No que concerne as punições previstas pela lei, elas são consideradas
pertinentes, mas o que pode-se encontrar nos casos concretos é uma
inaplicabilidade das punições. Como afirma o autor Jeferson Carvalho (2008).

A lei Maria da Penha ao criar mecanismo contra a violência doméstica e


familiar proporcionou às brasileiras uma maior proteção. Com estes mecanismos
jurídicos muitas mulheres ganharam confiança para denunciar seus agressores e
colocarem um ponto final aos maus-tratos. Essa mudança de mentalidade é muito
benéfica para a sociedade como um todo.
Referências Bibliográficas

ARAUJO, Luiz Alberto D; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano . Curso de Direito


Constitucional (edição ampliada e revista). 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BARBOSA, Andressa; CAVALCANTI, Stela. A constitucionalidade da Lei Maria


da Penha. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10249>.
Acesso em: 27 Nov de 2009.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de Agosto de 2006.

CARVALHO, Jeferson M. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha é tímida e


não combate a impunidade. Disponível em:
<http://www.novacriminologia.com.br/Artigos/ArtigoLer.asp?idArtigo=2161>. Acesso
em: 28 Nov de 2009.

DUBEX, Ana. e SALLUM, Samanta. Desde que a Lei Maria da Penha foi
instituída 14 mil mulheres já buscaram a Justiça. Disponível em:
<http://www.observe.ufba.br/noticias/exibir/59>. Acesso em: 27 Nov de 2009.

FRANÇA, Marcelo. Personalidades psicopáticas e delinquentes: semelhanças


e dessemelhanças. Disponível em: <
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6969&p=1>. Acesso em: 27 de
Nov de 2009.

MIRANDA, Alessandra. Lei Maria da Penha: paradigma emancipatório a luz das


considerações da criminologia crítica feminina. ISSN 1983-4640. Disponível
em: <http://jusvi.com/artigos/36150> Acesso em: 28 de Nov de 2009.

RABELO, Iglesias F; SARAIVA, Rodrigo. A lei Maria da Penha e o reconhecimento


legal da evolução do conceito de família. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8911>. Acesso em: 27 Nov de 2009.

SILVA, Danielle M. Violência Doméstica na Lei Maria da Penha. Reflexos da


visibilidade jurídica do conflito familiar de gênero. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11614>. Acesso em: 28 Nov de 2009.

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