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ABORTO: UMA VISÃO Á LUZ DA DIGNIDADE HUMANA

Thaisa Dos Santos Tolentino1


João Carlos Lavigne de Lemos Tavares2

Resumo: O presente artigo tem como foco a análise do aborto ilegal e o estudo do
abortamento como prática histórica sob uma visão voltada à dignidade humana,
onde deve ser sempre analisada longe de preceitos morais e religiosa. O debate do
aborto permite perceber uma colisão entre direitos fundamentais em questão, a vida
e a dignidade humana devido à criminalização da conduta nos artigos 124 e 126 do
Código Penal Brasileiro. De forma geral, diante da colisão destes direitos deve existir
uma técnica de ponderação, onde nenhum vai ser absoluto e invalidar o outro. Por
um lado, o direito à vida sendo fundamental para os demais direitos existam e por
outro, a dignidade humana, sendo pilar do atual ordenamento jurídico, garantindo a
autonomia e liberdade de escolha das mulheres. O método utilizado foi de pesquisas
bibliográficas por meio de livros, artigos científicos e jurisdição.

Palavras-chave: Aborto. Dignidade humana. Autonomia. Direito à vida.

ABORTION: A VISION IN THE LIGHT OF HUMAN DIGNITY

Abstract: This article focuses on the analysis of illegal abortion and the study of
abortion as a historical practice from a viewpoint of human dignity, which must
always be analyzed away from moral and religious precepts. The debate on abortion
makes it possible to see a collision between the fundamental rights in question, life
and human dignity, due to the criminalization of this conduct in articles 124 and 126
of the Brazilian Penal Code. In general, when these rights collide, there must be a
technique of weighing them up, where neither will be absolute and invalidate the
other. On the one hand, the right to life is fundamental to other rights and, on the
other, human dignity is a pillar of the current legal system, guaranteeing women's
autonomy and freedom of choice. The method used was bibliographical research
through books, scientific articles and jurisdiction.

Keywords: Abortion. Human dignity. Autonomy. Right to life

1. INTRODUÇÃO

1
1Aluno do 1° ano do Curso de direito. E-mail: Thaisatolentinoic@gmail.com
2
Prof. João Carlos Lavigne de Lemos Tavares.
Os primeiros relatos da prática do aborto surgem com os povos ocidentais
como uma conduta comum que posteriormente acaba sendo regrada pelo código de
Hammurabi ou Bíblia e em seguida por legislações.
Atualmente, o aborto causa diversos conflitos devido à divisão de opiniões
entre grupos conservados, que condenam a prática devido a preceitos morais e
religiosos, e grupos liberais, que apoia a prática em prol a luta das mulheres e sua
autonomia.
O direito à vida não deve ser conceituado apenas como “direito de continuar
vivo” e sim, de acordo com sua concepção positiva, o direito de todos a ter uma vida
digna em relação às condições vitais. De acordo com Supremo Tribunal Federal,
guardião da constituição federal, o início da vida para fins de proteção ocorre a partir
da concepção entre os gametas masculinos e femininos, porém esta decisão gera
controvérsias devido à falta de fundamentação na constituição. A dignidade humana
é o pilar do atual ordenamento jurídico, sendo intrínseca a pessoa humana e
garantindo a autonomia, liberdade e igualdade, portanto por essa perspectiva, o
aborto criminalizado fere a dignidade e autonomia das mulheres.
A criminalização da conduta fere o princípio da proporcionalidade e é
responsável pelo aumento da mortalidade materna devido a estas gestantes,
provenientes de uma gravidez indesejada, buscarem procedimentos clandestinos ou
medicamentes que podem levar a danos irreversíveis ou a óbito. Em face de
estudos, anualmente, cerca de um milhão de mulheres, em sua maioria, pobres e
não brancas, realizam abortos induzidos. Os números de abortos induzidos
permitem concluir que métodos contraceptivos, planejamento familiar e educação
sexual, que adotados pelo Estado estão sendo ineficazes contra a gravidez
indesejada resultando em abortos clandestinos.

2. ABORTO: DEFINIÇÃO, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TIPOS DE ABORTO.

2.1 Definição
O aborto consiste na interrupção da gravidez podendo ser de forma
voluntaria, onde o fato é do querer dos genitores, ou involuntária, na qual ocorre sem
o desejo dos genitores, de forma espontânea.

A diferenciação do aborto ou abortamento consiste na designação de


abortamento para a designação do ato de abortar, uma vez que a palavra aborto se
refere apenas o produto da interrupção da gravidez 1 (FABBRINI MIRABETE, 1999,).
No âmbito médico, o aborto trata-se da interrupção do feto com menos de 500g ou
antes que o feto seja viável2:

“aborto é a expulsão ou extração de feto ou embrião que pese menos


de 500 g [...] ou de qualquer outro produto da gestação de qualquer peso,
como, por exemplo, mola hidatiforme; produto do abortamento; abortamento é
o ato de abortar, interrupção da gestação antes que o feto seja viável”
(REY,2003)

2.2 Tipos de aborto

O aborto espontâneo ou natural trata-se da expulsão do feto, de forma


involuntária, dentro deste entra o aborto acidental, onde é provocado, mas não de
forma intencional. Neste caso, não se configura como crime.
No aborto legal, a lei autoriza que seja feito o abortamento em casos de
estrupo, quando a gestação apresenta risco para a mulher e em casos que o feto é
anencefálico.
Por último, o aborto criminoso ou ilegal, onde a própria gestante ou terceiros
induzem o resultado, por meio de medicamentos ou procedimentos clandestinos. As
formas de induzir o aborto geram grandes riscos à saúde da gestante e podendo
levar a óbito.

2.3 Evolução histórica


O aborto faz parte de um fenômeno natural dos organismos, porém o
chamado aborto provocado, que é relatado desde antes de cristo juridicamente lícito,
gera uma enorme problemática. Os primeiros relatos de abortivos eram realizados
pelos povos orientais por meios de substâncias que muitas das vezes levavam as
gestantes ao falecimento.

Na Grécia, os grandes filósofos, entre eles podemos citar Aristóteles e Platão,


que consentiam com a realização do aborto para terem certo controle populacional.
O jornalista, Edison Veiga, detalha a trajetória na antiguidade “Tanto na Grécia como
na Roma da Antiguidade, o aborto era visto como algo comum. A oposição à prática,
quando havia, não se dava em defesa do embrião ou do feto, mas nos casos em
que o pai argumentava que não queria ser privado do direito de um filho que julgava
já ser seu. Vale ressaltar que eram sociedades em que a mulher era considerada
propriedade de seu marido.” 3 (VEIGA, 2022)

Os primeiros registros de regulamento do aborto provocado aparecem no


Código de Hamurabi e a Bíblia, que se fez presente através do movimento do
cristianismo, ambos fazem referência a punições e posteriormente surgem as
legislações. A proibição do aborto em antigos ordenamentos jurídicos se dava pelo
controle da qualidade e quantidade de indivíduos da sociedade, portanto, a
preocupação do Estado não era com o feto e sim com o desenvolvimento econômico
ou demográfico. Na França, em 1942, o aborto era uma ameaça à segurança interna
e externa do Estado, pois produzia danos ao povo. Obviamente, tais afirmações,
normativas inclusive, tinham componentes ideológicos: o crescimento demográfico
como condição de desenvolvimento econômico nacional”4 (TORRES, 2012)

3. CONTEXTO LEGISLATIVO: CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E CONSTITUIÇÃO


DA REPÚBLICA FEDERATIVA DE 1988

3.1 Código Penal Brasileiro


No período colonial do Brasil encontra-se um conjunto de leis denominadas
de Ordenações Filipinas, neste ordenamento não encontrávamos nenhum delito
relacionado a prática do aborto, sendo considerado como uma conduta faltosa.

“Não há interdição expressa, nem punição prevista, para


atender a estas condutas. As autoridades têm interesse nelas apenas
porque traem a provável dissimulação de um adultério, sendo a
missão geral dos quadrilheiros derrubar as relações inconfessáveis
que são trazidas à notoriedade pública. Não é o aborto por si mesmo,
mas o segredo acerca do aborto que o Estado combate em nome dos
bons costumes. Assim, o aborto não constitui um delito, mas o sinal
de uma conduta faltosa. Não é proibido, porém tem que ser
denunciado. Neste ponto, há pouca diferença entre a mulher que não
dá conta da criança concebida no seu seio e a outra que procura por
um aborto. Ambas são alvo das insinuações de má reputação.” 5(DE
CASTELBAJAC, 2010, p. 39-72

O aborto passa a ser tipificado no Código Criminal do Império de 1830 que


trouxe em seu artigo 199 e 200 no capítulo “Crimes contra a segurança da pessoa e
da vida”6, os seguintes transcrevem sobre as sanções do aborto cometidos
exclusivamente por terceiros com ou sem consentimento das gestantes, ou seja, não
pune o autoaborto.
No ordenamento jurídico atual, a criminalização do aborto se deu pela
recepção do art. 124 ao 128 do código penal de 1940 pela atual constituição. Os
artigos mencionados criminalizam até mesmo o autoaborto desde a concepção,
salvo em casos que a gravidez põe em risco a saúde da gestante, advinda de
violência sexual e em casos de anencefalia do feto. Cabe, ressaltar, ainda, que
proibido o aborto, as mulheres praticam a conduta clandestinamente, que uma vez
feita sem uma equipe de saúde acaba por gerar malefícios intratáveis ou até mesmo
ao falecimento, portanto a tipificação formal da conduta não serve nem para
prevenção.

3.2 Constituição da República Federativa de 1988


.
Desde que o Poder constituinte promulgou a atual constituição de 1988 nota-
se grande dicotomia, devido aos diferentes momentos políticos, referente a opinião
popular sobre o aborto. Por um lado, desta dicotomia encontramos aqueles que são
contra qualquer tipo de aborto, sendo pessoas geralmente vinculadas a preceitos
religiosos ou conservadores e por outro lado grupos que apoiam a descriminalização
da conduta, que geralmente são pessoas vinculadas a preceitos feministas e sociais.
Na constituição não podemos encontrar quando se iniciar a vida para efeitos
de proteção jurídica, porém a única fonte que legisla sobre o tema é o Código Civil,
que é uma lei infraconstitucional promulgada em 2002, em seu art. 2 ° dispõe:

“A personalidade civil da pessoa começa do


nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.” 7 (BRASIL,2002)

O STF (Supremo Tribunal Federal), sendo responsável por interpretar a


constituição, no ano de 2008, realizou o julgamento da ADI (Ação direta de
inconstitucionalidade) proposta pela Procuradoria-Geral da República referente ao
art. 5° da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005).
De acordo com o STF, a seguinte lei dispõe sobre a utilização de células-
troncos embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in
vitro e não utilizados no respectivo procedimento. As condições são de que os
embriões sejam "inviáveis" (que não servem mais para a reprodução humana
assistida) ou congelados há três anos, ou mais, além do consentimento dos
genitores. A lei também exige a aprovação das pesquisas pelos comitês de ética das
universidades e proíbe a comercialização de células ou embriões, a engenharia
genética e a clonagem humana. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, a
Procuradoria-Geral da República sustentou que a aprovação feria o direito à vida e a
dignidade da pessoa humana8.
O Ministro Relator Carlos Ayres Britto no seu voto posicionou-se pela
Constitucionalidade do art. 5º. da Lei de Biossegurança, pois os embriões humanos
ainda não são seres humanos e somente será a partir da nidação, portanto, a
maioria dos votos do Pleno do Supremo Tribunal Federal estabeleceu o início da
vida na ADIN 3510, a vida inicia-se com a nidação, ou seja, com a implantação
eficaz do zigoto (ou ovo) no útero da mulher 9 (Ayres Britto; Supremo Tribunal
Federal, 2023).
Atualmente, a descriminalização do aborto ainda gera certo empasse, por
isso, em 2017, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) propôs a ADPF (Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442. O autor da ação tem por objeto
que o STF declare a não recepção do art. 124 e 126 do Código Penal permitindo o
aborto até 12 semanas de gestação, sob o fundamento de que deve ser preservada
a dignidade da pessoa humana, liberdade, integridade física e psicológica, igualdade
de gênero, saúde e planejamento familiar. O pedido pretende garantir o direito
constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia das mulheres,
sem necessidade de permissão de forma específica do Estado10.
A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, votou pela
descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas.
No voto, a ministra considera que os artigos que criminalizam a conduta não
concordam com a atual constituição, pois é desproporcional atribuir uma pena de até
quatro anos a para a gestante, caso provoque o aborto ou autorize alguém a fazer, e
para pessoa que auxilie no procedimento. No seu voto, ela destaca a falta de
consenso sobre o início da vida, pois o argumento do direito à desde a concepção
não encontra suporte na constituição11 (Weber; Supremo Tribunal Federal, 2023).
Não obstante, Rosa Weber deixa claro que a proteção do nascituro, como
dispõe a legislação civil, encontra limites no Estado constitucional, pois este não
permite que tal proteção inviabilize os direitos fundamentais, incluindo-se os direitos
reprodutivos e sexuais das mulheres, protegidos pela atual constituição e tratados
internacionais do quais o Brasil é signatário.

4. VIDA, DIGNIDADE E AUTONOMIA

O direito a vida é assegurado tanto pela constituição federal, em seu art. 5. °,


caput quanto por tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, onde preveem a inviolabilidade do direito à vida, sendo inerentes a
pessoa ser humano. A vida é necessária para que os demais direitos existam e
possui duas vertentes: o direito de permanecer existente e o direito ter um nível
adequado de vida. De acordo, com o Ministro Alexandre de Moraes, o direito à vida
pode ser conceituado como:
“O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos,
pois o seu asseguramento impõe-se, já que se constitui como pré-
requisito a existência e exercício de todos os demais direitos. A
Constituição Federal assegura, portanto, o direito à, cabendo ao
Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira
relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida
digna quanto à subsistência. O direito humano fundamental à vida
deve ser entendido como o direito a um nível adequado com a
condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário,
assistência médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais
condições vitais. O Estado deverá garantir esse direito a um nível de
vida adequado com condição humana respeitando os princípios
fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores
sociais do trabalho e iniciativa livre; e de uma sociedade livre, justa e
solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a
pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades
sociais e regionais.” 12 (DE MORAES, 2011, p. 80)

Após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial surge a materialização


da dignidade humana em declarações e convenções internacionais e nas
constituições. O princípio da dignidade humana é valor fundamental recebendo o
status constitucional, portanto, tem por objetivo fixar direitos e deveres, quando
possível extrair regras que determinaram sobre um caso concreto, e servir como
norte para interpretativo para definir o sentido e alcance dos direitos. O doutrinador e
ministro Luís Roberto Barroso conceitua o princípio da dignidade humana como:

"A primeira tarefa que se impõe é afastá-la das doutrinas


abrangentes, sejam elas religiosas ou ideológicas. As características
de um conteúdo mínimo devem ser a laicidade – não pode ser uma
visão judaica, católica ou muçulmana de dignidade –, a neutralidade
política – isto é, que possa ser compartilhada por liberais,
conservadores e socialistas – e a universalidade – isto é, que possa
ser compartilhada por toda a família humana. Para levar a bom termo
esse propósito, deve-se aceitar uma noção de dignidade humana
aberta, plástica e plural. Em uma concepção minimalista, dignidade
humana identifica (1) o valor intrínseco de todos os seres humanos,
assim como (2) a autonomia de cada indivíduo, (3) limitada por
algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores
sociais ou interesses estatais (valor comunitário). Portanto, os três
elementos que integram o conteúdo mínimo da dignidade, na
sistematização aqui proposta, são: valor intrínseco da pessoa
humana, autonomia individual e valor comunitário."13 (Barroso, 2023,
p.457)

Diante do direito à vida e a dignidade humana, travam-se diversos debates


jurídicos e morais referente a descriminalização. Por um lado, a dignidade humana,
que possui como elemento ético a autonomia garantindo à espécie humana a
capacidade de escolher sobre os rumos da vida e outras opções, que não podem
ser retirados do indivíduo sem que viole sua dignidade, e por outro lado, o direito à
vida que garante a todos o direto de continuar existindo. Posto isto, para que ambos
os direitos coexistam é necessária uma ponderação e análise proporcional, onde o
intérprete não pode apenas levar em consideração o direito à vida do embrião para
proibir o abortamento e assim ferindo autonomia, dignidade, liberdade e integridade
da mulher. Por outro lado, não deve pesar apenar os direitos pertencentes a mulher,
ao analisar o caso concreto, deve-se ponderar ambos os direitos e adequados a
realidade.

5. SAÚDE DA MULHER

O Estado deve garantir o acesso à saúde reprodutiva, por meio do


Sistema Único de saúde (SUS) criado pela constituição federal vigente e tem por
finalidade garantir a todos saúde gratuita.
O acesso à saúde reprodutiva adota o planejamento familiar,
contraceptivos e educação sexual para prevenir a gravidez indesejada, e
posteriormente, a redução da mortalidade materna decorrente do aborto. A
prática do aborto ocorre maioritariamente devido a uma gravidez indesejada,
sendo de suma importância que o Estado preste a devida assistência à mulher
por meio das informações acerca da vida sexual e reprodutiva.
Os dados revelam que a prática do aborto cresce conforme a idade, onde
mulheres 6% para mulheres com 18 e 19 anos a 22% entre mulheres de 35 a 39
anos, evidenciando como a conduta é um fenômeno comum na vida reprodutiva
das mulheres. O estudo revela também que o aborto espontâneo, assim como
provocado, ocorre com maior frequência nas mulheres não brancas, com mais de
um filho e em união estável. O abortamento é representado como um grave
problema de saúde pública. Considerando apenas o território nacional, a
estimativa é que ocorram anualmente mais de um milhão de abortamentos
induzidos uma das principais causas de morte materna no país. 14 (CRUZ
SANTOS et al., 2014)
A análise dos dados, que possuem fundamento em uma revista de bioética
devidamente referenciada, revela que os métodos para evitar uma gravidez
indesejada são insuficientes. Diante desse fato, as mulheres, que possuem boas
condições, buscam realizar a conduta de forma segura, por outro lado, as
gestantes hipossuficientes, em maioria não brancas, recorrem a procedimentos
degradantes que resultam em danos irreversíveis ou até mesmo podendo levar
ao óbito e posteriormente, podem responder a punições judiciais.
A criminalização da conduta é responsável pelo aumento da mortalidade
materna, já que força a mulher a buscar meios degradantes para realizar a
prática. A luta pela descriminalização do aborto não tem por objetivo a
incentivação, pelo contrário, o objetivo é vigiar pela vida das mulheres e garantir,
diante da dignidade humana, um tratamento humano.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações presentes neste artigo têm por objetivo demonstrar a violação


da dignidade humana, autonomia, liberdade e saúde da mulher por meio da
recepção dos artigos 124 e 126 do Código Penal. O direito à vida não pode ser
resumido apenas como a faculdade de existência, sua interpretação deve ocorrer de
acordo com sua concepção positiva, ou seja, este direito afirma a todo individuo um
nível adequado de condições vitais e tem como norte interpretativo o princípio da
dignidade humana que garante a autonomia pessoal, liberdade e a proteção dos
direitos sexuais das mulheres.

A grande problemática para a descriminalização do aborto é o início da vida


para fins de adquirir personalidade jurídica, que atualmente, segundo o Supremo
Tribunal Federal, inicia-se com a concepção dos gametas masculinos e femininos. A
ministra Rosa Webber, por meio da ADPF 4310, afirma que esse entendimento do
início da vida não possui fundamento na constituição vigente, portanto declara que é
desproporcional a criminalização do aborto e afirma que a proteção do nascituro não
deve ser pretexto para violação de direitos fundamentais.
Diante da colisão de dois direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal
deve realizar fixar o início da vida partir decima segunda semana, que é o período
em que se inicia as atividades cerebrais do feto, de modo a resguardar o direito à
vida e durante o período da concepção até a decima segunda semana a
possibilidade da interrupção segura da gestação, de forma a resguardar a dignidade
da mulher a ter acesso ao procedimento seguro.
Não obstante, encerro esse artigo, trazendo em nota, a igualdade formal que
afirma a igualdade de todos perante a lei, porém quando relacionados este direito ao
aborto vemos a desigualdade nítida em gestantes com melhores condições de vida
sabendo como recorrer à situação com segurança para realizar o aborto e, por outro
lado, as gestantes hipossuficientes, em sua maioria pobre e não brancas, são
mortas por procedimentos clandestinos resultantes da violação de um dos principais
pilares do atual ordenamento jurídico. As palavras do doutrinado Luís Roberto
Barroso trazem uma reflexão sobre esta desigualdade enraizada no Brasil:

"O Brasil é um país adorável. Faz sol na maior parte do ano, a


trilha musical é ótima e as pessoas, no geral, são amistosas e têm
alegria de viver. Muitos dizem que a vida aqui é uma festa. E de fato
ela pode ser. O problema é que se você for pobre, mulher, negro ou
gay, é muito provável que não tenha sido convidado. Por trás do mito
do “brasileiro cordial e da democracia racial, esconde-se uma história
de injustiça e discriminação." 15 (Barroso, 2023, p.1208)
REFERÊNCIAS

1. FABBRINI MIRABETE, JULIO. MANUAL DE DIREITO PENAL. 2. VOL. SÃO


PAULO: ATLAS, 1999

2. REY, LUÍS. Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde. 2. ED. RIO


DE JANEIRO: Guanabara Koogan, 2003.

3. VEIGA, E. Aceito na Antiguidade, aborto é debatido desde a Grécia Antiga.


BBC News, Eslovênia, junho 2022. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61950222

4. TORRES, José Henrique Rodrigues. Aborto e legislação comparada. Ciência


e Cultura, v. 64, n. 2, p. 40-44, jun. 2012. Disponível em:
https://doi.org/10.21800/s0009-67252012000200017. Acesso em: 20 set.
2023.

5. DE CASTELBAJAC, Matthieu. ABORTO LEGAL: ELEMENTOS SOCIOHISTÓRICOS


PARA O ESTUDO DO ABORTO PREVISTO POR LEI NO BRASIL. Revista de Direito
Sanitário, v. 10, n. 3, p. 39-72, 2010. Disponível em:
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v10i3p39-72. Acesso em: 16 out. 2023

6. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. CODIGO CRIMINAL DO IMPERIO


DO BRAZIL. BRASIL: ASSEMBLEIA GERAL, 1830. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm

7. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. CODIGO CIVIL. BRASIL:


CONGRESSO NACIONAL, 2002. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm#:~:text=n
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8. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF libera pesquisas com células-tronco


embrionárias. 29 maio 2008. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=89917&ori=1.
Acesso em: 16 out. 2023.

9. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510-0. Relator CARLOS


BRITTO. DISTRITO FEDERAL: [s. n.]. 72 p. Disponível em:
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Acesso em: 7 out. 2023.

10. INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. A descriminalização do aborto


pela via judicial no Brasil: a ADPF 442 e a legitimidade democrática do STF para
decidir sobre a questão. 24 nov. 2021. Disponível em:
https://ibdfam.org.br/artigos/1765/A+descriminalização+do+aborto+pela+via+judicial+
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11. WEBER, Rosa; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARGUIÇÃO DE


DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 442. SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, p. 129, 22 set. 2023. Disponível em:
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto.ADPF442.Vers
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12. DE MORAES, ALEXANDRE. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. 9. ed.


SÃO PAULO: ATLAS, 2011

13. BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 11. ed.


São Paulo: Saraiva, 2023. E-book

14. CRUZ SANTOS, VANESSA et al. Criminalização do aborto no Brasil e


implicações à saúde pública. Revista Bioética, p. 15, 2014. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/bioet/a/3ZMrQd69ZnwWCGNXTsZzh7t/?
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15. BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 11. ed.
São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

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