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Texto para leitura, análise e exercício: Por que a descriminalização do aborto é uma questão

de saúde pública

Enquanto a legalização do aborto não acontece, a nossa conta só aumenta – de vidas de milhares de mulheres a gastos
de saúde pública.
Por Por Malu Pinheiro (@mariluisapp)
12/04/2021 05h58  Atualizado há 2 anos

Vamos começar esta reportagem já reformulando a polêmica pergunta que circula por
aí. A questão não é “você é a favor do aborto?”, mas “você é a favor da descriminalização
do aborto?”. A resposta não se trata de uma opinião, mas de uma questão de saúde
pública, da saúde de milhares de mulheres no Brasil.
Em 1830, em períodos imperiais do Brasil, o aborto foi citado pela primeira vez
no Código Penal e, até então, não se condenava a gestante, mas sim quem realizou o
procedimento. Sessenta anos depois, considerou-se crime também o aborto feito pela
própria gestante, intencionalmente ou não. E, em 1940, o aborto passou a ser pauta nos
artigos 124 e 128 e condena tanto quem pratica quanto executa a pena de um a três anos
de prisão.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto de 2016, última que reuniu os números
no País, uma em cada cinco mulheres já realizou pelo menos um aborto até os 40 anos.
Você, muito provavelmente, conhece pelo menos uma mulher que já passou pelo
procedimento e, consequentemente, deveria ir para a prisão. Deveria?

Como o aborto é tratado no Brasil atualmente


Hoje, o aborto segue um crime previsto no código penal, tanto para quem faz quanto
para quem pratica ou auxilia a fazer. Há três exceções. A primeira é quando a gravidez traz
risco à vida da mulher – casos em que ela é cardiopata, por exemplo –, a segunda, quando
ela é fruto de um estupro. “E nós temos uma terceira possibilidade que não se encontra no
código penal que é quando o feto é anencéfalo. Essa foi uma decisão do Supremo Tribunal
Federal”, explica Isabela Del Monde, advogada e Coordenadora do Me Too Brasil.
Essa decisão do STF aconteceu em 2012 após uma mulher ingressar com uma ação
pedindo a interrupção da gravidez. “A tese que fundamentou o pedido foi que era de
extrema crueldade e, portanto, uma afronta a dignidade daquela mulher, obrigá-la a ficar
nove meses gestando uma criança que não sobreviveria. Como o Supremo só julga casos
relacionados a nossa Constituição Federal, ali ele decidiu que não seria crime o aborto em
caso de feto anencéfalo – a fim de garantir a dignidade da integridade física de qualquer
cidadão, que é um direito fundamental previsto na constituição”, diz Isabela.
Sendo assim, para se realizar um aborto nessas três circunstâncias, não seria preciso
nenhuma autorização judicial, já que são direitos previstos em leis – na teoria. “Existem
mulheres que vão para um hospital, confirmam que a gravidez é fruto de um estupro e a
unidade pede o boletim de ocorrência, sendo que não existe a obrigação legal de
apresentação dele para que se possa acessar a interrupção de uma gestação. Muitas
tomadas de decisões dos profissionais de saúde ainda são fundamentadas nos seus
próprios preconceitos ou visões de mundo”, pondera a advogada.

O aborto como questão de saúde pública: direito a vida de


quem?
A criminalização do aborto, portanto, não evita que abortos sejam realizados, mas
aumenta o risco à saúde dessas mulheres, a conta do Estado e a desigualdade social. “O
primeiro risco é a tortura psicológica da mulher que se descobre grávida e se vê diante de
uma situação sem solução. É o risco da depressão, por exemplo. Inclusive, a Organização
Mundial da Saúde considera essa sensação da falta de possibilidade uma forma de tortura.
O segundo risco é essa mulher, em uma tentativa desesperada, provocar lesões em seu
próprio útero. Na minha residência, já atendi casos de mulheres que enfiaram talo de
mamona e agulha de tricô pela vagina.
O terceiro risco é a obtenção de medicamentos abortivos – e aí o acesso a ele é por um
mercado paralelo, aumentando ainda mais as possibilidades de perigo: um contato
marginal, medicação fora da validade ou contaminada, uso incorreto, etc. O risco é desde
um procedimento não fazer efeito até a mulher morrer nessa angústia por alguma saída”,
afirma Ana Teresa.

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