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RESUMO
Esta pesquisa tem como finalidade compreender como incide a responsabilidade penal sobre
os casos de violência obstétrica diante da ausência de lei e tipo penais específicos para essa
conduta no Brasil. Este trabalho de pesquisa foi desenvolvido a partir do seguinte problema:
Como está prevista a penalização de quem pratica a violência obstétrica contra os direitos das
gestantes? A hipótese inicialmente levantada é a de que a violência obstétrica no Brasil se
manifesta de diversas formas e a legislação brasileira é aplicada de forma insuficiente para
combater a manifestação desse tipo de violência, pois a responsabilidade penal não se
apresenta clara para esta modalidade, apenas a responsabilidade civil. . Assim, esta pesquisa
teve por objetivo apresentar o conceito de violência obstétrica bem como os seus tipos,
compreender como a legislação brasileira atua quanto à proteção desses direitos e demonstrar
a necessidade de lei específica para a violência obstétrica. Esta pesquisa foi desenvolvida por
meio da metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, com base em artigos, notícias
jornalísticas, dados da Organização Mundial da Saúde e sites oficiais do Congresso Nacional.
ABSTRACT
This research aims to understand how criminal responsibility affects cases of obstetric
violence in the absence of specific laws and criminal types for this conduct in Brazil. This
research work was developed from the following problem: How is the penalization of those
who practice obstetric violence against the rights of pregnant women foreseen? The
hypothesis initially raised is that obstetric violence in Brazil manifests itself in different ways
and Brazilian legislation is insufficiently applied to combat the manifestation of this type of
violence, since criminal responsibility is not clear for this modality, only the civil
responsability. . Thus, this research aimed to present the concept of obstetric violence as well
__________________________
¹ Acadêmica de Direito do 10º semestre, no Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP). E-mail:
anaflaviamontegl@gmail.com
² Acadêmica de Direito do 10º semestre, no Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP). E-mail:
julyanebernardes@gmail.com
³Acadêmica de Direito do 10º semestre, no Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP). E-mail:
Sarasouto1991@gmail.com
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as its types, understand how Brazilian legislation acts in terms of protecting these rights and
demonstrate the need for a specific law for obstetric violence. This research was developed
using a methodology of bibliographical and documentary research, based on articles,
journalistic news, data from the World Health Organization and official websites of the
National Congress.
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo tratará acerca da violência obstétrica no Brasil, com enfoque na definição
do termo “violência obstétrica”, o qual será destacado no primeiro tópico, e nas variações
dessa modalidade de violência contra a mulher gestante, as quais serão abordadas no segundo
tópico deste capítulo.
A violência obstétrica é a expressão que resume o ato lesivo praticado por ação e/ou
omissão dos profissionais da saúde ou prestadores de serviço em maternidades. Essa
expressão engloba vários atos violentos contra mulheres grávidas e parturientes em qualquer
momento, do desenvolvimento da gravidez até o procedimento do parto e, inclusive, no
período puerperal.
Violência obstétrica pode ser considerada como toda conduta, ação ou omissão
realizada por funcionário da rede de saúde, que de maneira direta ou indireta afete
o corpo e os processos reprodutivos da mulher de maneira negativa ou desumana,
durante a gestação, o parto, pré-parto ou pós parto, com muitas formas de
ocorrência (ARAÚJO, 2021, online).
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Apesar da estimava feita pela OMS, a realidade esconde uma quantidade bem
maior de mulheres que sofrem violência durante o parto, a razão disso é a
chamada subnotificação (número de mulheres que não realiza denúncia), que é
totalmente desconhecida pelas autoridades sanitárias (BUSSOLO, 2022, online).
O que ocorre é que o desconhecimento das vítimas sobre seus direitos e sobre a
existência real da violência obstétrica, pelo fato da naturalidade com que atos que a
caracterizam ainda são enxergados, leva a não procura das vítimas pelo Poder Judiciário para
sanar os danos, muitas vezes irreversíveis e irreparáveis, causados a elas.
Devido à escassez de denúncias não há a preocupação em legislar e penalizar essa
modalidade de violência contra a mulher, pelo fato de haver a normalização e a aceitação
tácita das vítimas das práticas violentas antes, durante e após o parto (BUSSOLO, 2022).
Dessa forma, se não há denúncia, não há insatisfação e consequentemente não há a
necessidade de tornar crime algo que a sociedade e as próprias vítimas não se queixam.
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Entretanto, não há queixa devido à carência de entendimento sobre toda a situação e sobre os
direitos que são lesionados a partir delas.
O sujeito ativo da violência obstétrica, explica o Bussolo, é “qualquer pessoa ou
profissional que atue na equipe de assistência gestacional da mulher”, dessa forma, inclusive
recepcionista da maternidade, anestesistas, instrumentadores dentre outros profissionais
podem cometer atos de violência obstétrica. Quanto ao sujeito passivo, podem ser “a gestante,
a parturiente, a mulher em estado puerperal e, ainda, a mulher em situação de abortamento”
(BUSSOLO, 2022, online).
As mulheres, por passarem suas vidas ouvindo que o trabalho de parto seja um
momento doloroso, acabam naturalizando essa dor, que é constantemente
confundida com a violência que sofrem quando buscam serviços de saúde, tanto no
atendimento quanto na realização de procedimentos.
A OMS destaca ainda que são necessárias mais ações para a poiar as mudanças quanto
a conduta dos profissionais da área da saúde que prestam atendimento às mulheres em
condição gravídica, para garantir o respeito, competência e atenção devidas (OMS, 2014, p.
3).
A Violência Obstétrica pode se fazer presente no parto de diversas formas, tanto física
e verbal, quanto psicológica e moral, podendo ocorrer de forma estética e inclusive sexual.
Este capítulo irá tratar acerca das normas brasileiras que versam sobre a violência
obstétrica no Brasil, destacando-se no primeiro tópico a violência obstétrica ao olhar dos
Direitos Humanos Direitos Humanos e no segundo tópico serão elencados Direitos das
Gestantes no Brasil.
Nesse sentido, pode-se destacar ainda que os profissionais da saúde possuem, como
o autor supracitado mesmo diz, uma superioridade médica e o gênero feminino, as mulheres
que procuram esses profissionais para atendimento especializado possuem suposta
inferioridade, subentendendo-se que a mesma deve submeter-se a qualquer procedimento
daquele profissional especializado tendo-se em vista o seu conhecimento específico para o
caso.
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Dessa forma, essas “estruturas construídas durante décadas... contribuem para que
esse tipo de violência não seja amplamente debatido, tornando-a uma violência sutil
culturalmente abrandada” (DINIZ, 2021, online).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a primeira legislação
brasileira a proteger os direitos das mulheres gestantes e parturientes de forma geral, em seu
artigo 6º quando diz que a proteção à maternidade, a assistência aos desamparados, à saúde
e a segurança, dentre outros lá mencionados, são direitos sociais. Além disso, a saúde é um
direito tão importante pois deriva do direito à vida, possuindo proteção também do artigo
196 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria
ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1
(um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto
imediato. § 1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela
parturiente. § 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de
que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão
competente do Poder Executivo. (BRASIL, 2005)
Dessa forma, a violência obstétrica, assim como todas as outros tipos de violência
contra a pessoa, é uma violação dos Direitos Humanos, atingindo diretamente a dignidade
humana e a integridade moral e física das vitimas.
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É de suma importância esclarecer que, apesar de não haver lei específica atribuindo
responsabilização penal para a violência obstétrica, existem direitos inerentes às mulheres
durante o pré-natal e o parto que são protegidos pela legislação brasileira.
O primeiro deles é o direito ao acompanhamento especializado durante a gravidez
garantido pela Lei nº 9263/96, que trata sobre o planejamento familiar e determina às
unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) a obrigação de garantir serviços, programa de
atenção integral à saúde, assistência à concepção e contracepção, ao parto, puerpério e
neonato e atendimento pré-natal dentre outros. “Em qualquer situação de urgência, nenhum
hospital, maternidade ou casa de parto pode recusar um atendimento de parto”
(NASCIMENTO, 2018, online).
Escolha pelo parto normal, devendo ser disponibilizados todos os recursos para
que ele aconteça. (Conforme orientação do Ministério da Saúde e da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o parto normal é o mais aconselhado e
seguro) (NASCIMENTO, 2018, online).
Destaca-se que existem direitos garantidos na seara trabalhista, inclusive. Tais quais,
expõe Nascimento (2018):
Na seara trabalhista, além dos direitos supracitados existem outros, os quais regulam
intervalos para aleitamento materno para as mães que voltarem ao trabalho antes de o bebê
completar seis meses, dentre outros.
Apesar de existirem leis que garantam e protejam alguns direitos ainda sente-se a
necessidade de legislação específica para mulheres grávidas, parturientes e, inclusive, que
estejam em processo de abortamento, pois existem situações que caracterizam violência
obstétrica que são amenizadas pela ausência de legislação que tipifique penalmente as ações
que configurem esse tipo de violência de gênero. Entretanto, cumpre ressaltar que a violência
obstétrica, assim como qualquer tipo de violência, não sai impune perante a Justiça, pois,
conforme será abordado no próximo capítulo há a penalização da violência obstétrica, a qual
se enquadra em alguns tipos penais que serão expostos e há também a responsabilização
jurídica cível e penal para os agentes ativos dessa modalidade de violência.
Nesse sentido explica Obstétrica (2020, online):
Nota- se que apesar de não haver uma lei federal que ampare diretamente o direito
da mulher em relação à violência obstétrica, a mulher é amparada pela Carta
Magna, por leis supralegais e pela legislação esparsa contida em nosso
ordenamento jurídico, entretanto, apesar de estar protegida por esses direitos, a
realidade é completamente diferente.
Pode-se entender a partir disso que o amparo legal está presente, porém há limitação
devido a ausência de lei específica que torne claro e evidente a existência da violência
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No Brasil, conforme já mencionado nos decorrer dos capítulos anteriores, não há lei
específica que verse sobre a violência obstétrica ou que atribua a ela penalização legal
própria. Entretanto, diante da ausência de legislação federal e da necessidade demonstrada
pelos fatos, muitas vezes trágicos, relacionados às práticas obstétricas no Brasil, alguns
Estados da Federação têm tomado a iniciativa de legislar as condutas de violência obstétrica.
Jansen (2019, apud Brito, 2022, online) explica que em 2018 o Estado de Paraná
aprovou projeto de lei sobre violência obstétrica e os direitos da gestante e da parturiente,
definindo a violência obstétrica, explica ainda que em 2019 “a prefeita de Rio Branco, Sonia
Neri, sancionou, no dia sete de agosto, uma lei que estabelece medidas para a erradicação da
violência obstétrica”.
No Brasil houveram algumas tentativas de Projeto de Lei (PL) para criar o Estatuto da
Gestante. Balem (2021, online) explica que desde 2011 a 2021 houveram 69 propostas sobre
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o tema, mas que 80% delas buscam aumentar a criminalização da interrupção voluntária da
gravidez no país.
Em 2019 essa tendência foi reforçada: foram 18 PLs com enfoque no tema (todos
avaliados como desfavoráveis para as mulheres) enquanto nos anos anteriores foram
no máximo dez por ano (BALEM, 2021, online)
Dessa forma, o PL 5435/20 foi amplamente repudiado por visar vetar o aborto e
auxiliar as mulheres vítimas de estupro, obrigando-as a dar a luz, objetivando garantir o
nascimento, conforme explica o autor supracitado.
Esse PL foi retirado de tramitação em 2022, de acordo com as informações
disponíveis no site do Congresso Nacional, e atualmente está em tramitação o PL nº 2285/22,
cujo propósito é defender o parto humanizado e proteger a vida da mulher gestante e do bebê
desde a concepção ate o nascimento, garantindo-lhes e protegendo seus direitos fundamentais.
Entretanto há muitos pensamentos conflitantes sobre o tema que acabam por atrasar o
processo de aprovação do Estatuto da Gestante, pois envolvem algumas questões polêmicas
com opiniões e visões divergentes, como as condições para o aborto legal no Brasil.
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Apesar de não haver lei específica para tipificar a violência obstétrica e isso afetar a
atuação da Justiça, essa forma de violência não sai totalmente impune, visto que há a
responsabilização na esfera cível e também responsabilidade penal. Apesar da carência
legislativa, conforme reforça Diniz (2021), atualmente é possível enquadrar no âmbito
criminal alguns atos considerados violência obstétrica.
São exemplos de atos definidos como violência obstétrica que podem ser
amoldados aos tipos penais brasileiros:
a) Qualquer lesão corporal de dano físico irreversível pode caracterizar lesão
corporal, inclusive a episiotomia – que pode ser considerada mutilação genital-
tipifica crime de lesão corporal, artigo 129 do CPB.
b) A ofensa à dignidade ou decoro praticado no ato da assistência contra a
gestante, consuma crime de injúria, previsto no artigo 140 do CP B. Esse ato é
aquele que o profissional de saúde profere xingamentos, com ânimo de humilhar a
parturiente.
c) A omissão de socorro, prevista no artigo 135 do CPB, pode ser combinada nos
casos em que o atendimento é negado à gestante mesmo tendo vaga.
d) O crime de maus tratos, artigo 136 do CPB, pode ser capaz de enquadrar casos
em que a gestante é privada de se alimentar e beber água ou de cuidados
indispensáveis.
e) A violência arbitrária, artigo 322 do CPB, quando a violência é praticada por
funcionários públicos.
f) Homicídio culposo, parágrafo terceiro, artigo 121, quando a morte resultar da
má atuação do profissional por negligência, imprudência ou imperícia.
g) Homicídio doloso por dolo eventual, também é perfeitamente possível, quando
o profissional assume o risco do resultado morte, por má atuação ou omissão
(DINIZ, 2021, online).
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A violência obstétrica pode ser enquadrada em lesão corporal quando sofrer lesões
advindas de culpa ou dolo na realização dos procedimentos médicos necessários, em
omissão de socorro quando for omitido atendimento às gestantes em trabalho de parto ou
qualquer outro atendimento administrativo, em homicídio culposo ou doloso, nos casos
mais trágicos, quando a lesão corporal ou ausência de atendimento causarem a morte da
vítima. Pode ser enquadrada ainda em ofensa a dignidade ou decoro, quando houver
violência moral e verbal, bem como ao crime de maus tratos, quando a vítima é privada de
alimentação e outros itens essenciais para manter seu bem-estar e saúde.
Pode-se dizer então que as penalizações da violência obstétrica, considerando-se a
ausência de legislação específica, ocorre de forma limitada, pois se dá nas linhas das
legislações vigentes que podem ser aplicadas ao caso, e alguns dos aspectos inerentes ao
tipo de violência acabam saindo ilesos pela própria limitação legislativa sobre a mesma.
A grande maioria dos casos de violência obstétrica não são denunciados por falta de
conscientização e por entendimento de que não existe tipificação direta para tal
violação. Sendo assim, os casos frequentes ficam abafados e os violadores ficam
impunes e sujeitos a praticarem os atos novamente (SOBRINHO, 2014, online).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BUSSOLO, Karoline. O que é a violência obstétrica? Dez. 2022. Jusbrasil. Disponível em:
https://karolinebussolo-adv1414.jusbrasil.com.br/artigos/1665409258/o-que-e-violencia-
obstetrica
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/icse/a/5yYdGTkjmkRqRXnFJX6xfpk/?format=pdf&lang=pt.
VIOLÊNCIA obstétrica é violação dos direitos humanos, diz OMS. 02 out. 2014. Câmara dos
Deputados. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/violencia-obstetrica-e-violacao-
dos-direitos-humanos-diz-
oms#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20OMS,%2C%20viol%C3%AAncia%20f%C3%
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