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VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA:

E a Penalização no Brasil de Quem Pratica este Ato Criminoso

Ana Flávia Santos Monteiro¹


Julyane Tavares Bernardes²
Sara Freitas Souto4

RESUMO

Esta pesquisa tem como finalidade compreender como incide a responsabilidade penal sobre
os casos de violência obstétrica diante da ausência de lei e tipo penais específicos para essa
conduta no Brasil. Este trabalho de pesquisa foi desenvolvido a partir do seguinte problema:
Como está prevista a penalização de quem pratica a violência obstétrica contra os direitos das
gestantes? A hipótese inicialmente levantada é a de que a violência obstétrica no Brasil se
manifesta de diversas formas e a legislação brasileira é aplicada de forma insuficiente para
combater a manifestação desse tipo de violência, pois a responsabilidade penal não se
apresenta clara para esta modalidade, apenas a responsabilidade civil. . Assim, esta pesquisa
teve por objetivo apresentar o conceito de violência obstétrica bem como os seus tipos,
compreender como a legislação brasileira atua quanto à proteção desses direitos e demonstrar
a necessidade de lei específica para a violência obstétrica. Esta pesquisa foi desenvolvida por
meio da metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, com base em artigos, notícias
jornalísticas, dados da Organização Mundial da Saúde e sites oficiais do Congresso Nacional.

Palavras-chave: Violência Obstétrica; Responsabilidade Penal; Responsabilidade Civil;


Gestação; Direitos das Mulheres Gestantes.

ABSTRACT

This research aims to understand how criminal responsibility affects cases of obstetric
violence in the absence of specific laws and criminal types for this conduct in Brazil. This
research work was developed from the following problem: How is the penalization of those
who practice obstetric violence against the rights of pregnant women foreseen? The
hypothesis initially raised is that obstetric violence in Brazil manifests itself in different ways
and Brazilian legislation is insufficiently applied to combat the manifestation of this type of
violence, since criminal responsibility is not clear for this modality, only the civil
responsability. . Thus, this research aimed to present the concept of obstetric violence as well

__________________________

¹ Acadêmica de Direito do 10º semestre, no Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP). E-mail:
anaflaviamontegl@gmail.com
² Acadêmica de Direito do 10º semestre, no Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP). E-mail:
julyanebernardes@gmail.com
³Acadêmica de Direito do 10º semestre, no Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP). E-mail:
Sarasouto1991@gmail.com
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as its types, understand how Brazilian legislation acts in terms of protecting these rights and
demonstrate the need for a specific law for obstetric violence. This research was developed
using a methodology of bibliographical and documentary research, based on articles,
journalistic news, data from the World Health Organization and official websites of the
National Congress.

Keywords: Obstetric Violence; Penal Responsability; Civil Responsibility; Gestation;


Pregnant Women Rights.

1 INTRODUÇÃO

A violência obstétrica é o conjunto de atos que violam a integridade da mulher


gestante e parturiente antes, durante ou no puerpério. Essa violação configura lesão aos
Direitos Humanos. Esse termo era abolido pelo Ministério da Saúde (MS) até 2019, que foi
quando, através de recomendação do Ministério Público Federal (MPF) aquele voltou atrás e
o legitimou.
Este trabalho de pesquisa foi desenvolvido a partir do seguinte problema: Como está
prevista a penalização de quem pratica a violência obstétrica contra os direitos das gestantes?
A Hipótese inicialmente levantada para a problemática é de que, a violência obstétrica
se manifesta de diversas maneiras e no Brasil há a ausência de legislação específica para
tipificar essa modalidade de violência contra a mulher. Por esse motivo a legislação brasileira
é aplicada de forma insuficiente para combater a manifestação desse tipo de violência, que
viola os direitos das gestantes.
O objetivo geral desta pesquisa é apresentar os tipos de violência obstétrica e
compreender como incide a responsabilidade penal sobre ela diante da ausência de lei e tipo
penais específicos para essa conduta no Brasil. Os objetivos específicos deste artigo científico
são: definir a violência obstétrica no Brasil e suas espécies; Explicar a aplicação da legislação
brasileira frente à violência obstétrica; E demonstrar como se aplica a penalização.
Esta pesquisa divide-se em três capítulos. O primeiro tratará sobre a violência
obstétrica no Brasil, dividindo-se em dois tópicos, o primeiro define a violência obstétrica e o
segundo apresenta os tipos de violência obstétrica. O segundo capítulo trata sobre a legislação
brasileira frente a violência obstétrica, explicando como as leis brasileiras são aplicadas aos
casos de violência obstétrica. O terceiro capítulo apresenta como se penaliza o autor da
violência obstétrica no Brasil.
A principal motivação para a produção deste trabalho reside na relevância que o tema
proposto possui para a sociedade, em específico para o público feminino. Este tema é de
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extrema importância para a sociedade contemporânea, capaz de possibilitar a compreensão de


um tipo de violência pouco conhecida pelo próprio público-alvo e demais setores, e ainda pela
incompletude das informações nos serviços jurídicos, o que causa um aumento no número de
mulheres desconhecedoras de seus direitos reprodutivos, por conseguinte, violentadas
diariamente.
Este artigo científico utilizou a metodologia bibliográfica e documental, com análise
descritiva tendo sido desenvolvida a partir da revisão de literaturas, artigos científicos
publicados em sites como o Jusbrasil e Scielo, bem como matérias de sites jornalísticos como
o G1 e R7, e dados governamentais disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) e Ministério da Saúde.

2 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL

Este capítulo tratará acerca da violência obstétrica no Brasil, com enfoque na definição
do termo “violência obstétrica”, o qual será destacado no primeiro tópico, e nas variações
dessa modalidade de violência contra a mulher gestante, as quais serão abordadas no segundo
tópico deste capítulo.

2.1 DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A violência obstétrica é a expressão que resume o ato lesivo praticado por ação e/ou
omissão dos profissionais da saúde ou prestadores de serviço em maternidades. Essa
expressão engloba vários atos violentos contra mulheres grávidas e parturientes em qualquer
momento, do desenvolvimento da gravidez até o procedimento do parto e, inclusive, no
período puerperal.

Violência obstétrica pode ser considerada como toda conduta, ação ou omissão
realizada por funcionário da rede de saúde, que de maneira direta ou indireta afete
o corpo e os processos reprodutivos da mulher de maneira negativa ou desumana,
durante a gestação, o parto, pré-parto ou pós parto, com muitas formas de
ocorrência (ARAÚJO, 2021, online).
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Assim, “a violência obstétrica é uma das formas de desrespeito aos direitos da


gestante. Ela é caracterizada pelo conjunto de violências (física, psicológica, verbal, por
negligência e no caso de aborto) no momento do parto” (NASCIMENTO, 2018, online).
Atualmente, no Brasil, a violência obstétrica é alvo de muitas discussões e é um
assunto de grande relevância mundial, entretanto, essas discussões acabam por não levar a
lugar algum, pois ainda depara-se com o desconhecimento de grande parcela da população
sobre esse tema. A ausência de norteamento jurídico contribui para esse desconhecimento por
parte das vítimas e profissionais, principalmente da área da saúde, sobre práticas obstétricas
danosas para as mulheres gestantes e parturientes (ARAÚJO, 2021).

Violência para OMS, caracteriza-se pelo uso intencional da força física ou do


poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, contra um grupo
ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão,
morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (KRUG et,
al., 2002, apud BUSSOLO, 2022, online).

Assim, no entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), para a violência


ser caracterizada não se faz necessária a vontade de causar dano, apenas o uso intencional da
força física ou poder em qualquer de suas formas. A partir disso pode-se compreender que,
por exemplo, quando um profissional de um hospital utiliza-se de sua ocupação (médico,
enfermeiro, recepcionista) como forma de poder para empregar força física em algum
procedimento, embora não haja finalidade de lesionar, mas haja a possibilidade tendo-se em
vista a o ato, resta caracterizada a violência.

Apesar da estimava feita pela OMS, a realidade esconde uma quantidade bem
maior de mulheres que sofrem violência durante o parto, a razão disso é a
chamada subnotificação (número de mulheres que não realiza denúncia), que é
totalmente desconhecida pelas autoridades sanitárias (BUSSOLO, 2022, online).

O que ocorre é que o desconhecimento das vítimas sobre seus direitos e sobre a
existência real da violência obstétrica, pelo fato da naturalidade com que atos que a
caracterizam ainda são enxergados, leva a não procura das vítimas pelo Poder Judiciário para
sanar os danos, muitas vezes irreversíveis e irreparáveis, causados a elas.
Devido à escassez de denúncias não há a preocupação em legislar e penalizar essa
modalidade de violência contra a mulher, pelo fato de haver a normalização e a aceitação
tácita das vítimas das práticas violentas antes, durante e após o parto (BUSSOLO, 2022).
Dessa forma, se não há denúncia, não há insatisfação e consequentemente não há a
necessidade de tornar crime algo que a sociedade e as próprias vítimas não se queixam.
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Entretanto, não há queixa devido à carência de entendimento sobre toda a situação e sobre os
direitos que são lesionados a partir delas.
O sujeito ativo da violência obstétrica, explica o Bussolo, é “qualquer pessoa ou
profissional que atue na equipe de assistência gestacional da mulher”, dessa forma, inclusive
recepcionista da maternidade, anestesistas, instrumentadores dentre outros profissionais
podem cometer atos de violência obstétrica. Quanto ao sujeito passivo, podem ser “a gestante,
a parturiente, a mulher em estado puerperal e, ainda, a mulher em situação de abortamento”
(BUSSOLO, 2022, online).

Apesar das evidências sugerirem que as experiências de desrespeito e maus-tratos


das mulheres durante a assistência ao parto são amplamente disseminadas (1-3,5)
atualmente não há consenso internacional sobre como esses problemas podem ser
cientificamente definidos e medidos. Em consequência, sua prevalência e impacto
na saúde, no bem-estar e nas escolhas das mulheres não são conhecidas (OMS,
2014, p. 2).

É justamente a ausência de conhecimento citado acima que ainda vem se mostrando


um empecilho contra o combate à violência obstétrica no Brasil, embora a citação acima
seja de 2014 e o ano presente seja 2023, ainda há incorreta falta de conhecimento sobre
como essa violência de gênero se manifesta e sobre como ela pode ser identificada, evitada
e as medidas a serem tomadas.

Além disso, destaca-se a naturalidade que é atribuída à violência obstétrica, devido a


popularização de que o parto é doloroso, o que acaba por justificar algumas variações de
violência obstétrica. Nesse sentido, explica Brito (2022):

As mulheres, por passarem suas vidas ouvindo que o trabalho de parto seja um
momento doloroso, acabam naturalizando essa dor, que é constantemente
confundida com a violência que sofrem quando buscam serviços de saúde, tanto no
atendimento quanto na realização de procedimentos.

A OMS mostrou-se preocupada e interessada em evitar e eliminar os desrespeitos e


abusos durante a assistência institucional contra as mulheres, descrevendo medidas que
devem ser tomadas para alcançar êxito. A Organização afirma que necessita-se de “maior
apoio dos governos e parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o
desrespeito e os maus-tratos” para que sejam ampliadas as pesquisas que objetivam definir e
medir os problemas que ocorrem nas instituições de saúde, tanto públicas quanto privadas no
mundo inteiro, para que haja melhor compreensão sobre seu impacto sobre as experiências e
escolhas de saúde das mulheres (OMS, 2014, p. 2).
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A OMS destaca ainda que são necessárias mais ações para a poiar as mudanças quanto
a conduta dos profissionais da área da saúde que prestam atendimento às mulheres em
condição gravídica, para garantir o respeito, competência e atenção devidas (OMS, 2014, p.
3).

A violência contra a mulher é persistente e complexa, assumindo diferentes formas


no ambiente social. Agora essa violência é definida como violação dos direitos
humanos, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O drama que representa
para a mulher a violência obstétrica foi discutido pela Comissão de Direitos
Humanos e Minorias em 7 de maio no Seminário "Faces da Violência Contra a
Mulher"(VIOLÊNCIA, 2014, online, grifo nosso).

É importante lembrar que a violência de gênero contra as mulheres é bastante


diversificada e merece destaque redobrado, pois existem formas que são sutis e discretas, mas
não deixam de ser formas de violência. Conforme o destaque no supracitado qualquer
violência obstétrica é definida como violação dos direitos humanos.

2.2 VARIAÇÕES DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A Violência Obstétrica pode se fazer presente no parto de diversas formas, tanto física
e verbal, quanto psicológica e moral, podendo ocorrer de forma estética e inclusive sexual.

Relatos sobre desrespeito e abusos durante o parto em instituições de saúde incluem


violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos
coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), falta de
confidencialidade, não obtenção de consentimento esclarecido antes da
realização de procedimentos, recusa em administrar analgésicos, graves
violações da privacidade, recusa de internação nas instituições de saúde,
cuidado negligente durante o parto levando a complicações evitáveis e situações
ameaçadoras da vida, e detenção de mulheres e seus recém-nascidos nas
instituições, após o parto, por incapacidade de pagamento (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DE SAÚDE, 2014, p. 1, grifo nosso).

Os destaques na citação acima explicitam exemplos de violência obstétrica, cuja


amplitude envolve violência física, abusos verbais que resultam em humilhação e
constrangimento, procedimentos coercitivos ou não consentidos, a recusa dos profissionais
em administrar analgésicos, recusa de internação, negligência, detenção ilegal de mulheres e
seus bebês nas instituições por falta de pagamento, entre outros exemplos de crueldade que
caracterizam a violência obstétrica e a violação dos direitos fundamentais das mulheres.
Desse modo, não explicar a realização de procedimentos, não pedir autorização a
mulher para a realização de condutas, injúria verbal, palavras ofensivas, repressão dos
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sentimentos da mulher, cesarianas desnecessárias e medicalização no parto, restrição


alimentar e hídrica, restrição ao leito e negação ao acompanhante, são algumas práticas
consideradas violentas e até mesmo prejudiciais (BUSSOLO, 2022).

A violência obstétrica é caracterizada por qualquer tipo de violência sofrida pela


gestante, parturiente e pela mulher em situação de abortamento, antes do parto, no
trabalho de parto, depois do parto ou no estado puerperal (período ulterior ao
trabalho de parto que pode variar de mulher para mulher) (BUSSOLO, 2022,
online).

Apesar de as mulheres em geral serem o alvo da violência obstétrica, “as adolescentes,


mulheres solteiras, mulheres de baixo nível socioeconômico, de minorias étnicas, migrantes e
as que vivem com HIV são particularmente propensas a experimentar abusos, desrespeito e
maus-tratos” (OMS, 2014, p. 1). Assim compreende-se que a violência obstétrica é
tendenciosa e atinge mulheres que possuem menos chances de acesso ao conhecimento ou
incapazes de se defenderem sozinhas, tanto por conta da falta de experiência e idade inferior à
maioridade civil, quanto por conta da vulnerabilidade natural que a situação de gestação, parto
ou aborto provocam.
Bussolo (2022) explica que a violência obstétrica possui quatro principais grupos de
condutas, quais são: ofensas, restrições de direitos, intervenções desnecessárias e
medicalização excessiva, e violência institucional.
O primeiro grupo refere-se às Ofensas, as quais podem se manifestar através de
violências verbais, físicas, morais e psicológicas que focam principalmente em aspectos
característicos visíveis a olho nu, em sua maioria. A violação verbal refere-se a comentários
humilhantes e constrangedores sobre qualquer característica da gestante, que possam
ocasionar em intimidação ou inferiorização da mesma, que acabam por submetê-la a situações
de desrespeito extremos, graves e inconvenientes. A violência verbal pode ser tão danosa
quanto a violência física, pois atinge a autoestima e o psicológico das vítimas (BUSSOLO,
2022).
A violência física refere-se àqueles procedimentos que ferem a integridade física da
mulher, que causam ferimentos e lesões que podem causar dor à ela, como a imposição de
litotomia, que se refere a posição ginecológica em que a mulher fica deitada com as pernas
erguidas, é uma posição vista com naturalidade, lavagem intestinal, raspagem de pelos e
qualquer corte ou procedimento desnecessário, que ocasione riscos (BUSSOLO, 2022).
Nascimento (2018, online), concorde ao autor citado acima, destaca alguns exemplos
de violência obstétrica física:
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Aplicação do soro com ocitocina; Lavagem intestinal...; Privação da ingestão de


líquidos e alimentos; Exames de toque em excesso; Ruptura artificial da bolsa;
Raspagem dos pelos pubianos; Imposição de uma posição de parto que não é a
escolhida pela mulher; Não oferecer alívio para a dor; Episiotomia...; Ponto a mais
dado pelo médico na costura da episiotomia para que a entrada da vagina fique
mais estreita, conhecido como “ponto do marido”; Uso do fórceps sem indicação
clínica; Imobilização de braços ou pernas; Manobra de Kristeller, que é a pressão
feita na parte superior do útero para acelerar a saída do bebê (procedimento banido
pela Organização Mundial de Saúde, em 2017); A cesariana será considerada uma
prática de violência obstétrica quando utilizada sem prescrição médica e sem
consentimento da mulher (NASCIMENTO, 2018, online).
A violência moral refere-se a qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou
injúria. Acusar injustamente de algo considerado crime, acusar de ato ofensivo à reputação ou
honra da mulher ou qualquer ação ou omissão que fira diretamente a dignidade da pessoa
humana são exemplos de violência moral e definem condutas penais típicas, passíveis de
punição legal, conforme artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940).
Nesse mesmo sentido, Nascimento (2014, online) destaca a violência moral como sinônimo
de violência verbal.
Quanto à violência psicológica, refere-se a “qualquer atitude verbal ou comportamento
que ocasione sentimentos de inferioridade, vergonha, vulnerabilidade, abandono, medo,
instabilidade emocional e insegurança” (BUSSOLO, 2022).
O segundo grupo, o de restrição de direitos, explica BUSSOLO (2022, online), “é a
conduta que tolhe (nega) a qualquer paciente algo que é seu por direito”. “Os abusos, os
maus-tratos, a negligência e o desrespeito durante o parto equivalem a uma violação dos
direitos humanos fundamentais das mulheres, como descrevem as normas e princípios de
direitos humanos adotados internacionalmente” (OMS, 2014, p. 2), o desconhecimento sobre
seus próprios direitos e sobre a existência da violência obstétrica, a qual pode ocorrer através
de atos claros e diretos, mas também por atos discretos e imperceptíveis a princípio, torna as
mulheres mais desprotegidas e indefesas, pois se as vítimas não conseguem reconhecer a
agressão e muito menos os seus direitos, elas não têm condições de defenderem a si próprias.
“A violência por negligencia é caracterizada pela negativa de atendimento ou
dificuldades para que a gestante receba os serviços que são seus por direito, além do
impedimento de acompanhante no momento do parto” (NASCIMENTO, 2018, online).
O terceiro grupo é o de intervenções desnecessárias e medicalização excessiva, que
segundo esse mesmo autor refere-se a:

Qualquer intervenção DESNECESSÁRIA no trabalho de parto que seja realizada


de forma rotineira, sem avaliações e evidências científicas (episiotomia, ocitocina
sintética, excesso de anestesia, dentre outras). Condutas que violem a autonomia
da mulher bem como a patologização de processos naturais que retiram da
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gestante a capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade


(BUSSOLO, 2022, online).

Já o quarto e último grupo é o de violência institucional que se refere às instituições


como hospitais, maternidades e equiparados, que, segundo Bussolo (2022), normalmente
está ligada a restrição de direitos, tais quais falta de privacidade, horas de espera em filas,
falta de medicação e centro cirúrgico, privação de leito adequado, entre outros.

3 AS NORMAS BRASILEIRAS RELATIVAS À VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Este capítulo irá tratar acerca das normas brasileiras que versam sobre a violência
obstétrica no Brasil, destacando-se no primeiro tópico a violência obstétrica ao olhar dos
Direitos Humanos Direitos Humanos e no segundo tópico serão elencados Direitos das
Gestantes no Brasil.

3.1 A VIOLENCIA OBSTÉTRICA AO OLHAR DOS DIREITOS HUMANOS

A Violência Obstétrica pode se fazer presente no parto de diversas formas, conforme


explicado no capítulo anterior. Tendo-se em vista que a violência obstétrica é uma
modalidade destinada exclusivamente à mulheres em estado gravídico, puerperal ou de
abortamento, pode-se compreender que ela é uma violência de gênero, não sendo possível que
o sujeito passivo dessa conduta seja outra pessoa senão mulher.

Constata-se, então que a violência obstétrica baseia-se em gênero, porque é


praticada contra mulheres sob um encadeamento machista e patriarcal,
fundamentalmente afetando as capacidades de escolha, tornando a mulher apenas
um objeto de estudo e assim, retirando toda a característica humana da mulher
(DINIZ, 2021, online).

Nesse sentido, pode-se destacar ainda que os profissionais da saúde possuem, como
o autor supracitado mesmo diz, uma superioridade médica e o gênero feminino, as mulheres
que procuram esses profissionais para atendimento especializado possuem suposta
inferioridade, subentendendo-se que a mesma deve submeter-se a qualquer procedimento
daquele profissional especializado tendo-se em vista o seu conhecimento específico para o
caso.
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Dessa forma, essas “estruturas construídas durante décadas... contribuem para que
esse tipo de violência não seja amplamente debatido, tornando-a uma violência sutil
culturalmente abrandada” (DINIZ, 2021, online).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a primeira legislação
brasileira a proteger os direitos das mulheres gestantes e parturientes de forma geral, em seu
artigo 6º quando diz que a proteção à maternidade, a assistência aos desamparados, à saúde
e a segurança, dentre outros lá mencionados, são direitos sociais. Além disso, a saúde é um
direito tão importante pois deriva do direito à vida, possuindo proteção também do artigo
196 da Constituição Federal, in verbis:

A saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e


econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação (BRASIL, 1988).

Além disso, embora a Constituição Brasileira garanta proteção à maternidade e à


saúde, pouquíssimas leis vigentes destinam-se de forma específica às gestantes e
parturientes, como, por exemplo, a Lei do Acompanhante (L 11.108/05) que “teoricamente,
garante às gestantes do SUS a presença de um acompanhante durante o parto e o pós-parto
imediato” (DINIZ, 2021, online), em seu artigo 19-J §§1º e 2º, nestes termos:

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria
ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1
(um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto
imediato. § 1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela
parturiente. § 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de
que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão
competente do Poder Executivo. (BRASIL, 2005)

Ademais, a Organização Mundial da Saúde considera a violência obstétrica uma


violação dos Direitos Humanos, conforme disposto a seguir:

A violência contra a mulher é persistente e complexa, assumindo diferentes formas


no ambiente social. Agora essa violência é definida como violação dos direitos
humanos, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O drama que representa para
a mulher a violência obstétrica foi discutido pela Comissão de Direitos Humanos e
Minorias em 7 de maio no Seminário "Faces da Violência Contra a
Mulher"(VIOLÊNCIA, 2014, online).

Dessa forma, a violência obstétrica, assim como todas as outros tipos de violência
contra a pessoa, é uma violação dos Direitos Humanos, atingindo diretamente a dignidade
humana e a integridade moral e física das vitimas.
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3.2 DIREITOS DA MULHER GESTANTE NO BRASIL

É de suma importância esclarecer que, apesar de não haver lei específica atribuindo
responsabilização penal para a violência obstétrica, existem direitos inerentes às mulheres
durante o pré-natal e o parto que são protegidos pela legislação brasileira.
O primeiro deles é o direito ao acompanhamento especializado durante a gravidez
garantido pela Lei nº 9263/96, que trata sobre o planejamento familiar e determina às
unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) a obrigação de garantir serviços, programa de
atenção integral à saúde, assistência à concepção e contracepção, ao parto, puerpério e
neonato e atendimento pré-natal dentre outros. “Em qualquer situação de urgência, nenhum
hospital, maternidade ou casa de parto pode recusar um atendimento de parto”
(NASCIMENTO, 2018, online).

Escolha pelo parto normal, devendo ser disponibilizados todos os recursos para
que ele aconteça. (Conforme orientação do Ministério da Saúde e da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o parto normal é o mais aconselhado e
seguro) (NASCIMENTO, 2018, online).

Há também o direito ao conhecimento e à vinculação prévia à maternidade em que o


parto será realizado e à maternidade em que a gestante será atendida nos casos de
intercorrência pré-natal, garantida pela Lei nº11.634/07. Além deste há o atendimento
prioritário à gestante e à lactante em órgãos, empresas públicas, hospitais, bancos, dentre
outros estabelecimentos, conforme Lei nº 10.048/04. O direito ao atendimento prioritário é
bem comum e de fácil identificação, englobando vagas em estacionamento, caixas em
supermercados, dentre outros, então se pode dizer que este direito é bem comum e conhecido
por grande maioria, senão pela totalidade da população capaz (NASCIMENTO, 2018).

A realização de, no mínimo, seis consultas de acompanhamento pré-natal, sendo,


preferencialmente, uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro
trimestre da gestação (Portaria n. 569, de 1º de junho de 2000, do Ministério da
Saúde) (NASCIMENTO, 2018, online).

Há também o direito a indicar um acompanhante, já mencionado em tópicos


anteriores, o qual permanecerá durante todo o período de parto e pós-parto com a mulher, nos
termos da Lei nº 11.108/05.

A lei nº 12.895/2014, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, determina


a obrigatoriedade dos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) ou conveniados
a informarem às gestantes o direito a um acompanhante durante o trabalho de
parto e pós-parto imediato. Devendo essas instituições, expor em local visível, tal
determinação (NASCIMENTO, 2018, online).
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Destaca-se que existem direitos garantidos na seara trabalhista, inclusive. Tais quais,
expõe Nascimento (2018):

Na seara trabalhista, há os seguintes direitos:


O empregador não pode exigir atestados de gravidez ou quaisquer outros de
objetivo discriminatório para fins de admissão ou manutenção do emprego de
mulheres (Lei n. 9.029, de 1995);
A grávida tem o direito à garantia de emprego a contar da confirmação da
gravidez até cinco meses após o parto (Artigo 391-A c/c art. 10, II do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT));
Licença maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário
(art. 392 da CLT);
As empresas privadas podem aderir ao programa “Empresa Cidadã”, que amplia a
licença-maternidade em 60 dias. A lei foi alterada para admitir a prorrogação da
licença-paternidade por 15 dias, além dos 5 (cinco) dias previstos no art. 10, § 1º
do ADCT (Lei n. 11.770, de 2008);
As servidoras públicas têm direito à licença maternidade de 180 dias.
Para a grávida estudante, o tempo de licença para se ausentar da escola é também
de 120 dias, sendo que as atividades escolares podem ser feitas em casa e os
exames finais, remarcados;
Nas empresas onde trabalham pelo menos 30 mulheres com idade superior a 16
anos deve haver creche. O espaço, porém, pode ser substituído pelo pagamento de
auxílio-creche (NASCIMENTO, 2018, online).

Na seara trabalhista, além dos direitos supracitados existem outros, os quais regulam
intervalos para aleitamento materno para as mães que voltarem ao trabalho antes de o bebê
completar seis meses, dentre outros.
Apesar de existirem leis que garantam e protejam alguns direitos ainda sente-se a
necessidade de legislação específica para mulheres grávidas, parturientes e, inclusive, que
estejam em processo de abortamento, pois existem situações que caracterizam violência
obstétrica que são amenizadas pela ausência de legislação que tipifique penalmente as ações
que configurem esse tipo de violência de gênero. Entretanto, cumpre ressaltar que a violência
obstétrica, assim como qualquer tipo de violência, não sai impune perante a Justiça, pois,
conforme será abordado no próximo capítulo há a penalização da violência obstétrica, a qual
se enquadra em alguns tipos penais que serão expostos e há também a responsabilização
jurídica cível e penal para os agentes ativos dessa modalidade de violência.
Nesse sentido explica Obstétrica (2020, online):

Nota- se que apesar de não haver uma lei federal que ampare diretamente o direito
da mulher em relação à violência obstétrica, a mulher é amparada pela Carta
Magna, por leis supralegais e pela legislação esparsa contida em nosso
ordenamento jurídico, entretanto, apesar de estar protegida por esses direitos, a
realidade é completamente diferente.

Pode-se entender a partir disso que o amparo legal está presente, porém há limitação
devido a ausência de lei específica que torne claro e evidente a existência da violência
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obstétrica, seus riscos e penalizações, pois, ressalta-se, o desconhecimento quanto a esses


pontos acaba por contribuir para a falta de denúncia e, consequentemente, a falta de atuação
jurídica para sanar e proteger os direitos das mulheres em estado gravídico ou puerperal, bem
como do feto e do neonato.
O desconhecimento legal e também quanto a tipicidade penal relacionados aos atos
que se configuram como violência obstétrica, assim como a carência de reforço desse tema
por parte do poder público para a população em geral e, principalmente, para os agentes ativos
e passivos dessa violência, acaba por favorecer a naturalização da mesma e prejudicar a
atuação legislativa e jurídica quanto ao combate e erradicação da violência obstétrica no
Brasil.

4 A PENALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL

Este capítulo abordará a penalização da violência obstétrica no Brasil, dividindo-se em


dois tópicos. O primeiro tópico tratará acerca da ausência de lei específica para a violência
obstétrica, já o segundo tópico discorrerá sobre a responsabilização civil e penal em casos de
violência obstétrica.

4.1 VISÃO JURÍDICA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

No Brasil, conforme já mencionado nos decorrer dos capítulos anteriores, não há lei
específica que verse sobre a violência obstétrica ou que atribua a ela penalização legal
própria. Entretanto, diante da ausência de legislação federal e da necessidade demonstrada
pelos fatos, muitas vezes trágicos, relacionados às práticas obstétricas no Brasil, alguns
Estados da Federação têm tomado a iniciativa de legislar as condutas de violência obstétrica.
Jansen (2019, apud Brito, 2022, online) explica que em 2018 o Estado de Paraná
aprovou projeto de lei sobre violência obstétrica e os direitos da gestante e da parturiente,
definindo a violência obstétrica, explica ainda que em 2019 “a prefeita de Rio Branco, Sonia
Neri, sancionou, no dia sete de agosto, uma lei que estabelece medidas para a erradicação da
violência obstétrica”.
No Brasil houveram algumas tentativas de Projeto de Lei (PL) para criar o Estatuto da
Gestante. Balem (2021, online) explica que desde 2011 a 2021 houveram 69 propostas sobre
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o tema, mas que 80% delas buscam aumentar a criminalização da interrupção voluntária da
gravidez no país.
Em 2019 essa tendência foi reforçada: foram 18 PLs com enfoque no tema (todos
avaliados como desfavoráveis para as mulheres) enquanto nos anos anteriores foram
no máximo dez por ano (BALEM, 2021, online)

O PL nº 5435/2020 é o que o autor supracitado analisa em seu artigo, destacando os


perigos que o Estatuto da Gestante ao qual o referido PL objetiva desenvolver. O grande
dilema desse PL é a valorização da vida da gestante em conflito com a valorização da vida da
criança.
Esse projeto de lei proíbe que mulheres vítimas de estupro possam realizar aborto
legal, obrigando-as a gerarem filhos decorrentes de uma violência sexual imensa.
Como forma de “proteção” estabelece uma “bolsa estupro”, ou seja um auxílio
financeiro para que essa mulher possa cuidar do filho, o qual se constitui de um
salário mínimo pago até o filho completar 18 anos (BALEM, 2021, online).

A maior crítica feita pelo autor supracitado, coincidentemente convergente com a de


grande parcela da população, é o fato de o PL defender a “gravidez forçada”, em prol da
proteção da vida do feto. Além disso, outra crítica muito apontada é de que o Estatuto visa
criminalizar o aborto e consequentemente acaba por, na visão do autor, proteger o crime de
estupro sob a justificativa da proteção da vida do feto e obrigar mulheres violentadas a se
tornarem mães.
Além de reduzir a hipótese de aborto legal, obrigando uma mulher (muitas vezes
uma menina menor de idade) a gestar um filho oriundo de estupro, o PL também
traz a possibilidade de responsabilização civil da mãe, no seu artigo 10. Por esse
artigo, o genitor/estuprador teria DIREITO à informação e CUIDADO quando da
concepção, sendo vedado à gestante negar/omitir informações ao seu agressor sob
pena de responsabilização dessa mulher (BALEM, 2021, online).

Dessa forma, o PL 5435/20 foi amplamente repudiado por visar vetar o aborto e
auxiliar as mulheres vítimas de estupro, obrigando-as a dar a luz, objetivando garantir o
nascimento, conforme explica o autor supracitado.
Esse PL foi retirado de tramitação em 2022, de acordo com as informações
disponíveis no site do Congresso Nacional, e atualmente está em tramitação o PL nº 2285/22,
cujo propósito é defender o parto humanizado e proteger a vida da mulher gestante e do bebê
desde a concepção ate o nascimento, garantindo-lhes e protegendo seus direitos fundamentais.
Entretanto há muitos pensamentos conflitantes sobre o tema que acabam por atrasar o
processo de aprovação do Estatuto da Gestante, pois envolvem algumas questões polêmicas
com opiniões e visões divergentes, como as condições para o aborto legal no Brasil.
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Ademais, destaca-se quanto ao parto humanizado, o PL 7633/14 que tramita na


Câmara dos Deputados, dispondo sobre a humanização do parto e assistência à mulher e ao
neonato no puerpério. O artigo 13 do referido PL caracteriza a violência obstétrica como a
apropriação do corpo e da reprodução das mulheres pelos profissionais da saúde por meio do
tratamento desumano, abusos quanto ao uso medicamentos e patologização dos processos
naturais, causando a perda da autonomia e capacidade das mulheres e sua livre decisão
quando aos próprios corpos, causando impactos negativos para a qualidade de vida das
mesmas. “Sendo assim, o Projeto de Lei não apenas preocupa- se com o a humanização do
parto, como também, da violência sofrida pelas mulheres no momento do nascimento de seu
filho” (OBSTÉTRICA, 2020, online).

4.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL EM CASO DE VIOLÊNCIA


OBSTÉTRICA

Apesar de não haver lei específica para tipificar a violência obstétrica e isso afetar a
atuação da Justiça, essa forma de violência não sai totalmente impune, visto que há a
responsabilização na esfera cível e também responsabilidade penal. Apesar da carência
legislativa, conforme reforça Diniz (2021), atualmente é possível enquadrar no âmbito
criminal alguns atos considerados violência obstétrica.

São exemplos de atos definidos como violência obstétrica que podem ser
amoldados aos tipos penais brasileiros:
a) Qualquer lesão corporal de dano físico irreversível pode caracterizar lesão
corporal, inclusive a episiotomia – que pode ser considerada mutilação genital-
tipifica crime de lesão corporal, artigo 129 do CPB.
b) A ofensa à dignidade ou decoro praticado no ato da assistência contra a
gestante, consuma crime de injúria, previsto no artigo 140 do CP B. Esse ato é
aquele que o profissional de saúde profere xingamentos, com ânimo de humilhar a
parturiente.
c) A omissão de socorro, prevista no artigo 135 do CPB, pode ser combinada nos
casos em que o atendimento é negado à gestante mesmo tendo vaga.
d) O crime de maus tratos, artigo 136 do CPB, pode ser capaz de enquadrar casos
em que a gestante é privada de se alimentar e beber água ou de cuidados
indispensáveis.
e) A violência arbitrária, artigo 322 do CPB, quando a violência é praticada por
funcionários públicos.
f) Homicídio culposo, parágrafo terceiro, artigo 121, quando a morte resultar da
má atuação do profissional por negligência, imprudência ou imperícia.
g) Homicídio doloso por dolo eventual, também é perfeitamente possível, quando
o profissional assume o risco do resultado morte, por má atuação ou omissão
(DINIZ, 2021, online).
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A violência obstétrica pode ser enquadrada em lesão corporal quando sofrer lesões
advindas de culpa ou dolo na realização dos procedimentos médicos necessários, em
omissão de socorro quando for omitido atendimento às gestantes em trabalho de parto ou
qualquer outro atendimento administrativo, em homicídio culposo ou doloso, nos casos
mais trágicos, quando a lesão corporal ou ausência de atendimento causarem a morte da
vítima. Pode ser enquadrada ainda em ofensa a dignidade ou decoro, quando houver
violência moral e verbal, bem como ao crime de maus tratos, quando a vítima é privada de
alimentação e outros itens essenciais para manter seu bem-estar e saúde.
Pode-se dizer então que as penalizações da violência obstétrica, considerando-se a
ausência de legislação específica, ocorre de forma limitada, pois se dá nas linhas das
legislações vigentes que podem ser aplicadas ao caso, e alguns dos aspectos inerentes ao
tipo de violência acabam saindo ilesos pela própria limitação legislativa sobre a mesma.

O Direito das Mulheres, assunto ainda muito discutido e de muita relevância em


âmbito mundial, que ensejou a mobilização de muitas áreas para a efetivação da
proteção à mulher, possui a intenção de tirar o direito do papel e aplicá-lo em casos
concretos, pois, apesar de diversas evoluções no que concerne à proteção das
mulheres, nas últimas décadas, muitos foram os casos que ocorreram em violação ao
direito e à dignidade da mulher (DIONISIO, BARBOSA, 2021, p. 2)

Nesse sentido, entendendo que o Direito das Mulheres é de suma importância e


compreendendo que a violência contra uma mulher é uma violação dos seus direitos,
qualquer que seja ela, pode-se perceber o quão importante é utilizar de todos os meios legais
e possíveis para definir e demarcar uma situação lesiva corriqueira que tem se mostrado um
problema, para que se possa evita-la e exterminá-la.

A grande maioria dos casos de violência obstétrica não são denunciados por falta de
conscientização e por entendimento de que não existe tipificação direta para tal
violação. Sendo assim, os casos frequentes ficam abafados e os violadores ficam
impunes e sujeitos a praticarem os atos novamente (SOBRINHO, 2014, online).

Deixar isso claro é relevante, pois é possível concluir que o desconhecimento e a


ausência de legislação específica estão interligadas a carência de denúncias e a carência de
políticas públicas para disseminar as informações acerca da violência obstétrica.
Esse tema tem sido bastante discutido atualmente no âmbito legislativo devido as
situações fáticas que foram expostas pela mídia, como é o caso de várias mulheres que por
negligência ou atos violentos acabaram sofrendo lesões graves e, em situações mais
trágicas, acabaram perdendo a própria vida e/ou a vida do seu bebê, conforme demonstrado
em vários meios de comunicação.
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Essa importância é reconhecida pelo Poder Legislativo do Brasil, visto que,


conforme explicado no tópico anterior, houveram alguns projetos de lei em andamento para
desenvolver o Estatuto da Gestante. Atualmente, inclusive, há um Projeto de Lei Ordinária,
cujo número é 2.082/2022 em tramitação no Senado Federal e está em análise na Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei 422/23, que incorpora a violência obstétrica entre os tipos de
violência previstos na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), conforme explica a reportagem
de Haje (2023).
Desse modo, é notória a necessidade de legislação que verse especificamente sobre a
violência obstétrica, que penalize a mesma para que não haja errônea comodidade em
realizar atos desnecessários e lesivos contra as mulheres em estado gravídico, de parto ou
puerperal, devido à impunidade que a ausência de tipificação penal acaba provocando e
também para que os direitos das mulheres sejam preservados de forma íntegra, bem como
para que toda a sociedade fique ciente desses direitos e das formas pelas quais eles são
lesionados diante dos serviços prestados pelos sistemas de saúde, sejam eles públicos ou
privados, devendo haver o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a
disseminação do conhecimento, principalmente para as mulheres, as quais são o sujeito
passivo da violência obstétrica.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência obstétrica, considerando todo o exposto, é uma violência de gênero contra


a mulher, a qual é a única que pode ser sujeito passivo dessa modalidade de violência, tendo-
se em vista os aspectos biológicos que envolvem o estado gravídico e pode se manifestar
antes do parto, durante o parto e após o parto, no puerpério,
A Hipótese inicialmente levantada, que estabeleceu que a violência obstétrica se
manifesta de diversas maneiras e no Brasil há a ausência de legislação específica para tipificar
essa modalidade de violência contra a mulher, e por esse motivo a legislação brasileira é
aplicada de forma insuficiente para combater a manifestação desse tipo de violência, que viola
os direitos das gestantes, foi constatada verosímil com base em todos os dados coletados
durante as pesquisas realizadas para compor este trabalho científico.
A violência obstétrica pode ser de difícil reconhecimento, pois alguns de seus atos são
sutis e discretos, e outros são consuetudinários, ou seja, comuns para a sociedade em geral,
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que naturaliza alguns procedimentos que são considerados ou equiparados a violência


obstétrica, como é o caso da ação de empurrar a barriga da mulher durante o parto na tentativa
de “ajudar”. Esse tipo de violência, para a OMS, não necessita da vontade de causar dano para
ser caracterizada, podendo ocorrer por omissão ou negligência, inclusive.
Apesar de o Direito das Mulheres ser alvo de discussões a violência obstétrica é pouco
conversada e, consequentemente, pouco conhecida, principalmente pelo seu público alvo,
quais sejam as mulheres e os profissionais da saúde em sua totalidade. Esse tema não ser
grande alvo de debates deve-se a carência de denúncias, que decorre do desconhecimento e da
ausência de tipificação, o que dificulta a penalização dos atos característicos e acaba por gerar
consequente comodidade em realizar os procedimentos, visto que inexiste legislação que
tipifique as ações de violência obstétrica como crime.
O fato de não haver legislação específica para a violência obstétrica contribui para o
desconhecimento e para as impunidades, pois gera despreocupação dos agentes ativos e
vulnerabilidade para o polo passivo. A partir disso e dos casos trágicos e graves disseminados
pela mídia surge a necessidade de políticas públicas voltadas para a propagação do
conhecimento e da criação de legislação específica para a violência obstétrica, com a
finalidade de proteger os direitos das mulheres e suas próprias vidas.
Portanto, apesar de existirem legislações que possam ser aplicadas aos casos
concretos, elas não são suficientes para a proteção dos direitos das mulheres ou sequer
garantem possível reparação dos danos causados, os quais, vale lembrar, muitas vezes são
irreversíveis, e acabam por gerar impunidade.
Tendo-se isso em vista, torna-se clara e evidente a necessidade de tipificação penal da
violência obstétrica e de legislação que verse exclusivamente acerca dela o que corrobora a
hipótese deste trabalho.

REFERÊNCIAS

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https://karolinebussolo-adv1414.jusbrasil.com.br/artigos/1665409258/o-que-e-violencia-
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Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

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afirmou o direito de mulheres terem um acompanhante durante o pré-natal e os períodos do
trabalho de parto, parto e pós-parto, e sua presença pode trazer benefícios tanto para a mãe
quanto para o bebê. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
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BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da


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BRITO, Antônia Bruna de Oliveira. Violência obstétrica e a necessidade de uma


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