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ABORTO

Tópicos: conceito, causas, factores de risco, classificação, manifestações clínicas, diagnóstico,


diagnóstico diferencial, complicações, tratamento e seguimento.

I. Conceito

1.1. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o aborto é a interrupção da


gravidez antes de 20 semanas de gestação ou com peso fetal inferior a 500 g.

1.2. Segundo a adopção à realidade dos países em via de desenvolvimento (devido a escassez
dos recursos humanos e meios materiais sofisticados/adequados capazes de manter em
vida o reçém-nascido nos serviços de neonatologia, Berçário): Aborto é a interrupção
da gestação com menos de 28 semanas ou com feto pesando menos de 1000 gramas.

II. Causas

As causas podem ser agrupadas de acordo com a idade gestacional em que ocorre (precoce/
tardio) ou de acordo com a origem da factor desencaante ( maternas ou fetais).

2.1.Causas de aborto precoce: anomalias cromossómicas (45,X0, trissomia 13, 18, 21,
tetraploidias...), defeito do corpo lúteo, anomalia uterina (miomas ou septo), anomalias
metabolicas (diabetes LES), ambientais (tabagismo, infeções virais).

2.2.Causas de aborto tardio: anomalias do útero (incompetência cervical, miomas) e


insuficiência placentar (TORCH, malária), diabetes mellitus, hipotiroidismo.

Ou:

2.3.Causas fetais: cromossomopatias, infecções (TORCH).

2.4.Causas maternas: doenças graves (Doença renal crónica, Diabetes mellitus


descompensada, Lupus Eritematoso Sistémico, anticorpos anti-fosfolipídios), tabagismo,
traumatism, iintoxicações, defeitos do corpo lúteo e anomalia uterina.

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III. Factores de risco

• Idade materna avançada (> 35 anos)- está associada a declínio tanto no número como
na qualidade dos oócitos remanescentes;
• Doenças maternas (Diabetes mellitus, LES, DRC, Insuficiência cardíaca, anticorpos
antifosfolipideo);
• História pregressa de aborto
• Fadiga/stress, trauma materno durante a gravidez;
• Início tardio das consultas pré-natais,
• Maus habitos maternos (alcoolismo, tabagismo) e exposição a teratógenos (radiação,
drogas-antiprogestinicos).

IV. Classificação

Pode-se classificar segundo a idade gestacional (precoce/ tardio), segundo as implicações


médico-legais, segundo os riscos ou segundo a clínica- esta última, a mais importante.

4.1. Segundo a idae gestacional


 Precoce: ocorre no primeiro trimestre (<14 semanas);
 Tardio: ocorre depois das 14 semanas de gestação

4.2. Segundo implicações médico-legais:


 Legal : realizado sob as normas estabelecidas pela lei (na unidade sanitária, com
preenchimento prévio dos requisitos necessários);

# aborto terapêutico (indicações): Ameaça a saúde da mãe (doença cardíaca ou renal), vítima
de violação, em doentes mentais graves, malformações fetal severa.

 Ilegal.

4.3. Segundo os riscos:


 Inseguro: Aborto realizado por pessoas que não têm as habilidades necessárias ou em
um ambiente sem as normas médicas mínimas ou ambos.

 Seguro: Aborto realizado por pessoas que têm as habilidades necessárias ou em um


ambiente com as normas médicas mínimas.

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4.4. Segundo a clínica

A classificação das formas de aborto tem a intenção de orientar as condutas.


Os parâmetros utilizados para a classificação clínica são: o grau de sangramento, a intensidade
da dor uterina, o conteúdo uterino (se embrião/feto com presença de atividade cardíaca ou
não) e o aspecto do colo uterino.

Constituem tipos clínicos de aborto, os seguintes:


 Ameaça de aboto, Aborto inevitável, Aborto retido, Aborto completo, Aborto
incompleto, Aborto séptico e aborto recorrente.

• Ameaça de aborto

Consiste, fundamentalmente, em sangramento vaginal ligeiro/escasso (devido a anomalia


decidual e/ou descolamento do ovo) e dor abdominal ( sinal de contração uterina).
Ao exame fisico, o útero está aumentado (exceto nas primeiras semanas), cujo volume é
proporcional à idade gestacional. O orificio cervical externo está fechado (não existem
modificações cervicais).

• Aborto inevitável

O episódio é, quase sempre, precedido por período de ameaça de aborto; excepcionalmente,


pode manifestar-se pela 1a vez no estágio de iminente expulsão.

As hemorragias tendem a ser mais abundantes (com coágulos) que às da fase de ameaça, e o
sangue apresenta cor viva e tem dor abdominal intensa.
Ao exame físico, o volume do útero corresponde à idade gestacional e o colo mostra-se
permeável (aberto).
Aborto completo

É frequente até 8 semanas de gestação. Considera-se aborto completo quando, após a expulsão
do feto e da placenta, cessam as cólicas e o sangramento reduz-se a perdas muito discretas.

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• Aborto incompleto

Há saída do embrião com retenção de restos ovulares. Apresenta-se como Hemorragia


abundante. O sangramento não cessa, é intermitente, pode ser intenso, e ocorre porque os restos
ovulares impedem a contração uterina adequada. As cólicas persistem.
Ao exame fisico o Orificio cervical encontra-se aberto. Ao toque, produtos de concepção
ainda presentes.
Atenção: A retenção de restos ovulares, constitui um terreno propício à infecção.

• Aborto séptico

Geralmente ocorre depois de interrupção provocada em más condições técnicas, aborto


incompleto ou manipulação instrumental cavitária.
Geralmente é de etiologia polimicrobiana. Os microrganismos causadores são os existentes na
flora normal do sistema genital e dos intestinos:, E. coli, bacteróides, Clostridium perfringens
e cocos anaeróbios (peptococos, peptoestreptococos).
O quadro clínico caracteriza-se por febre, dor abdominal e leucorréia purulenta e com cheiro
fétido.

• Aborto retido

Retenção do embrião morto no interior do útero durante dias ou semanas. Após a morte fetal,
pode ou não haver sangramento vaginal. O útero mantém-se estacionário e pode até diminuir.
A despeito da conduta expectante e médica (misoprostol) para o aborto retido no 1º trimestre,
a intervenção cirúrgica também ser opção.

• Aborto recorrente

O aborto recorrente é a perda de três ou mais gestações consecutivas.


A síndrome antifosfolipídio (SAF) talvez seja a causa mais importante de aborto recorrente.

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V. Manifestações clínicas

Toda paciente em idade reprodutiva com queixa de dor pélvica, acompanhada de sangramento
vaginal, deve ter o aborto como parte do diagnóstico diferencial.

5.1. Anamnese: atenção à história de amenorréia! Perguntar acerca da DUM.


Presença de febre (processos infecciosos); História de aborto/ tentativa de aborto prévia e
presença de leucorréia (infecção pélvica).
Caracterizar semiologicamente a dor abdominal.
No que concerne a hemorragia. Perquisar: início, quantidade, duração, volume (estimado
através do nr de pensos higiênicos usados), relacionada ou não ao período menstrual.
Na presença de secreção purulenta, caracterizar a secreção.

5.2. Exame físico:

Estado geral da paciente; Sinais vitais (para identificar sinais de sepse grave ou choque);
Presença de dor lombar,
Exame abdominal em busca do tamanho uterino, exame especular para identificar o grau, o
local do sangramento e a condição do colo uterino, presença de odor fétido, secreção purulenta.
Toque vaginal: identificar se o colo uterino (orifício cervical interno) está aberto ou não.

VI. Diagnóstico

O diagnóstico é essencialmente clínico. Entretanto, também se podem utilizar meios complementares


de diagnóstico para: confirmar a gravidez (beta HCG) e para identificar a etiologia (cariotipagem,
dosagem de hormonas tiróideas, dosagem de anticorpos antifosfolípideos, dosagem dos níveis séricos
de progesterona para descartar a insuficiêcia do corpo lúteo e do testosterona-SOP), ecografia pélvica,
hemograma, urina II, entre outros.

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VII. Diagnósticos diferenciais

Este faz-se principalmente com as patologias que se apresentam com amenorréia e sangramento
anormal, ou seja, durante a gravidez.

Neste contexto, deve-se primeiro pensar em: Gravidez ectópica (b-HCG positivo e ausência de saco
gestação intra-uterino) e Doença trofoblástica (b-HCG positivo e valores elevados associado com
frequência ao tamanho uterino maior que o esperado para a idade gestacional).

Outras patologias que se apresentam na forma de hemorragia (sem amenorréia): Pólipos cervicais,
Vaginites, Cancro do colo uterino, Trauma e Corpo estranho.

VIII. Complicações

Complicações imediatas: hemorragia, infecção, choque séptico (colapso circulatório associado a


bacteriémia-bactérias gram negativas são as mais frequentes), trauma, retenção de restos ovulares.

Complicações tardias: infertilidade e trauma psicológico.

IX. Conduta

A presença de orifício cervical externo aberto no exame físico identifica aborto incompleto ou
inevitável, sendo desnecessária a solicitação de uma ultrassonografia; o colo fechado pode ser qualquer
outro tipo de abortamento, logo, deve-se solicitar a ultrassonografia para avaliação.

Atenção a analgesia e a antibioterapia, se necessário!

Tipos: medicamentoso, aspiração manual intra-uterina (AMIU) e cirúrgico.

O sistema de AMIU utiliza cânulas plásticas semirrígidas ou rígidas que variam entre 3 e 12 mm, que
são acopladas em uma seringa de 60 mL, possui um êmbolo e uma válvula. A vantagem da AMIU sobre
a curetagem uterina instrumentada é que ela é menos traumática, pois utiliza uma cânula plástica,
tendo menor índice de perfuração uterina.

Não constitui objectivo deste resumo, descrever detalhadamente a tecnica da AMIU!

1. Ameaça de aborto - Conduta: Repouso relativo; (É sempre uma situação ansiogênica para
a gestante, cabendo ao médico dar suporte emocional e transmitir tranquilidade); o coito deve
ser proibido enquanto perdurar a ameaça;

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A conducta expectante tem sido suficiente, mas pode-se administrar anti-espasmódicos e
analgésicos nas pacientes com cólicas.

2. Aborto inevitável - Conduta: A conduta depende da idade da gravidez:


• Até 12 semanas (1o trimestre) são procedimentos de escolha a dilatação seguida de
aspiração a vácuo ou de curetagem;
• De 12 semanas em diante, o feto está muito desenvolvido e a cavidade uterina,
volumosa. Por serem suas paredes finas e moles, o esvaziamento instrumental torna-se
perigoso. A expulsão é acelerada pela administração de ocitocina em grandes doses:
perfusão venosa de solução de 10 unidades em 500 mℓ de soluto glicosado ou
misoprostol, por via vaginal, 400 μg a cada 4 h.. Se eliminado o feto, e se a expulsão
não foi completa, o remanescente é extraído com pinça adequada.
N.B: O modo usado nas nossas unidades sanitárias encontra-se em anexo.

Regimes de Misoprostol recomendados pela OMS/FIGO

PRIMEIRO TRIMESTRE

Preparação do Indução de Aborto retido Aborto incompleto


colo aborto
400 mcg por via 800 mcg por via 800 mcg por via 600mcg dose única pela
vaginal ou de baixo vaginal ou de baixo vaginal até no via oral ou 400 mcg
da língua, 3 horas da língua, de 3 em 3 máximo duas doses sublingual por 30
antes da aspiração horas (máximo de 3 ou 600 mcg minutos e depois engolir
tomas) sublingual, de 3 em 3 o resto.
Dentro de um horas até no máximo
intervalo de 12 horas duas doses

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SEGUNDO TRIMESTRE

Indução do aborto/ Morte fetal intr- uterina 13- Morte fetal intra-uterina 18-24
interrupção da gravidez 17 semnas semanas
400 mcg por via vaginal 200 mcg por via vaginal, de 6 100 mcg por via vaginal, de 6 em 6
ou sublingual de 3 em 3 em 6 horas, até um máximo horas, até um máximo de 4 doses
horas até um máximo de 5 de 4 doses
doses

3. Aborto completo – conduta: O acompanhamento clínico é suficiente para os casos em que


o sangramento é pequeno, o colo já está fechado e o útero está involuído.

4. Aborto séptico – conduta: internar a paciente, confirmar o diagnóstico (exames


complementares), restaurar o volume, administrar ant ibióticos e remover o foco.
• Exames complementares- teste de gravidez, hemograma, VS/PCR, grupo sanguineo,
bioquímica (ionograma e perfil renal), hemocultura e ecografia pélvica.
• Restaurar o volume perdido - Sangue, dextrose, soro fisiológico ou Lactato de Ringer.
A escolha é feita em função da anemia, desidratação, condições circulatórias, depleção
de eletrólitos. P.S: Monitorar a diurese!
• Administrar antibióticos - A terapêutica antibiótica de largo espectro feita
associando-se: Gentamicina, 80mg IV de 8/8 h, associar Ampicilina, 1 g IV de 4/4 h e
Metronidazol 2g EV de 8/8h durante 4h, depois passar para antibioterapia oral.
• Remover o foco: avaliar o colo. Colo aberto e feto expulso- curetagem. Colo fechado
– preparar o colo (administrar misoprostol 400 microgramas 3h antes da aspiração).
• Atenção: não se deve esvaziar o foco antes de administrar antibioterapia endovenosa!

5. Aborto recorrente – a conduta que se deve seguir neste tipo de aborto é bastante
influenciada pela causa desencadeante. Tratar a causa!
Em suma, tem-se as mais frequentes:
• Na insuficiência luteínica, deve-se administrar progesterona vaginal, 200 mg/dia, 2 a 3 dias
após a ovulação até a transferência luteoplacentária entre 7 e 9 semanas;
• Administração de levotiroxina no hipotireoidismo (Hashimoto), desde que o TSH esteja >
2,5 mUI/mℓ;

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• Redução de peso e metformina na SOP
• Administração de heparina e ácido acetilsalicílico (AAS) infantil na SAF (70% de
tratamento bem-sucedido)
• Ressecção histeroscópica no útero septado e no mioma intracavitário.
• Na insuficiência cervical ( incapacidade do colo uterino em reter o produto da concepção
no 2o trimestre da gravidez ou no início do 3º, acompanhada por dilatação uterina indolor).
Tem como factores de risco, a história de traumatismo cervical (conização, laceração
cervical no parto ou dilatação exagerada do colo em casos de interrupção provocada da
gravidez).
• O tratamento é cirúrgico por meio da circlagem do colo uterino, realizada na gravidez. A
cercalagem consiste em uma sutura em bolsa no nível da junção cervicovaginal.

Seguimento:

Marcar a consulta de controlo para 7 ou 10 dias: As pacientes devem retornar, se tiverem sangramento
aumentado, febre, ou para ver o resultado do anatomopatológico. Abordar cada caso de acordo com a
suspeita!

Dar apoio emocional;

Dar informacoes sobre o metodo de planeamento familiar.

ALERTA: Casos especiais - O uso de Ig anti-RH em pacientes com ameaça de aborto: a recomendação
é administrar 300 microgramas por via intra-muscular. A meia-vida da imunoglobulina é de 12 semanas.

Em teoria, 10 microgramas da imunoglobulina é capaz de neutralizar 0,5 mL de sangue fetal.

Fim!

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