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1. INTRODUÇÃO.

Boa noite a todos... Meu nome é Maria Laura, e venho hoje realizar a defesa do tema .... dentro
da pespectiva constitucional e no direito da mulher

Código Penal Brasileiro prevê, nos artigos 124 e seguintes, a penalização à prática do aborto pela gestante
e ao terceiro que eventualmente a auxiliar ou coagir. Existem apenas três ocasiões em que a interrupção
da gravidez não é penalizada: em caso de risco à vida da gestante, se o nascituro for anencéfalo e
se a gestação for resultado de estupro. A pena varia entre a reclusão de 3 a 10 anos, a depender do
tipo penal.

Analisando de forma inicial, pode parecer que a legislação protege as mulheres por prever possibilidades
em que o aborto é permitido, sendo que essas são de fato situações complexas e delicadas. Ocorre
que, além da falta de estrutura e preparo dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) para a
realização do procedimento, as gestantes não possuem o conhecimento da extensão dos seus direitos
em muitos casos.

Assim, o que poderia ser visto como proteção do Estado se torna um cerceamento de direitos. Por outro
lado, as mulheres, não alcançadas pela exceção de punibilidade, também optam por realizar o
aborto de forma clandestina e por motivos diversos. Elas, movidas pela vontade de serem donas do
próprio corpo e livres para tomarem suas decisões, precisam se submeter a procedimentos precários e
realizados, muitas vezes, por pessoas despreparadas. Dessa forma, colocam suas vidas em risco e são
vítimas de complicações diversas, precisando demandar atendimento do SUS para não morrerem.

É importante deixar claro que existe um recorte social dentro deste cenário. Gestantes que possuem boa
condição financeira, pertencentes às classes média e alta, procuram médicos com conhecimento técnico e
prático sobre o aborto e, consequentemente, tem sua vida colocada em risco em uma proporção muito
menor.

A negligência do Estado em não considerar o exposto, custa muitas vidas e também muito dinheiro aos
cofres públicos. Fica claro que a motivação para a mulher interromper a gravidez não é o fator
mais importante da questão, visto que, uma vez que tomou a decisão, e vai realizar ainda que de
forma precária.

Logo, a atenção do Estado deve se voltar para a garantia dos direitos constitucionais à vida, à dignidade e
à saúde da gestante, deixando de lado as condenações morais e religiosas sobre a questão e que são de
cunho totalmente subjetivo, tendo em vista que o Estado é laico.

Outro impacto causado pela rigidez da legislação brasileira é o fortalecimento das diferenças sociais no
país. Uma vez que o acesso a um atendimento de qualidade fica restrito àquelas que podem arcar com os
custos, as que não possuem tal possibilidade morrem ou passam pelos traumas decorrentes do mal
atendimento sem qualquer tipo de suporte.

Portanto, as discussões e análises sobre o aborto são extremamente necessárias e determinantes para que
o Brasil caminhe no sentido de compreender que legislações enrijecidas e que não acompanham o
avanço da sociedade se tornam algozes e distanciam as mulheres de seus direitos constitucionais.

Desta forma, pretendo trazer mais luz e clareza em torno do tema, corroborando o avanço tão necessário
para nosso país.
2. Contexto Social e Histórico

A sociedade ocidental foi construída baseada em preceitos patriarcais. Desde a antiguidade, a


mulher teve suas funções sociais reduzidas ao âmbito familiar e subordinada ao provedor da
casa, seu pai ou marido. Sua classificação moral também era definida a partir do tipo de relação
que tinha com os homens, ou seja, se era solteira, casada ou se mantinha relações sexuais antes
do casamento. Assim, a índole feminina foi vinculada à forma que era vista e avaliada pelo sexo
oposto.

Apesar da sociedade ter avançado em termos tecnológicos e estruturais, não houve grandes
avanços nesse sentido. Mesmo com a Revolução Industrial, que levou as mulheres às fábricas,
as desigualdades permaneceram. Por terem historicamente mais acesso, os homens foram
ocupando cargos políticos e de grande influência, o que fez com que o lado feminino da situação
não fosse devidamente ouvido e considerado.

Conhecida como Constituição Cidadã, a Constituição da República de 1988 representou um


marco na busca pela igualdade de gênero. Trouxe a igualdade entre homens e mulheres, de
forma expressa, em seu artigo 5º, inciso I. Abordou também, no artigo 226, a questão familiar e a
responsabilidade igual entre homem e mulher nesse contexto.

No âmbito infraconstitucional, os direitos da mulher também avançaram com o sancionamento


da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15) e a criminalização da
importunação sexual (Lei 13.718/18).

Mas infelizmente mesmo com as mudanças legislativas no sentido de proteger e promover os


direitos das mulheres, a mudança na estrutura social ainda não alcançou uma liberdade plena
feminina.

Percebe-se que, apesar do Estado ser laico, como previsto na Constituição da República,
questões religiosas e morais ainda influenciam expressivamente nos avanços do direito das
mulheres escolherem como conduzir suas vidas. Além disso, há de se questionar até onde deve ir
a intervenção do Estado na esfera privada.

O tradicionalismo e conservadorismo, muito atrelados ao machismo, são fatores significativos


para a criminalização do aborto para além das situações em que há permissão legal. Importante
observar também que os casos em que a prática é permitida não envolvem a livre escolha da
mãe, mas sim uma causa expressiva e externa.

Nos casos de estupro, a manutenção da gravidez seria mais uma forma de trauma para a vítima,
que seria obrigada a gestar e criar o fruto de tamanha violência. Nos casos de anencefalia e risco
de morte da mãe, a decisão claramente é para que pelo menos uma das duas vidas seja salva.

Aprofundando na perspectiva da livre escolha da mulher, esbarra-se em valores religiosos e


moralistas. A Constituição da República determina que o Brasil é um Estado laico, ou seja, que
não está vinculado a nenhuma religião e nem pode ter relações de dependência ou aliança.

Todavia, não somente na questão do aborto, resta clara a interferência dessas crenças na
atividade legislativa do país. Ao privar a mulher das suas escolhas, o embasamento sempre se
refere a valores relacionados a Deus, Jesus, Bíblia e outras máximas religiosas.
“O juízo do que é certo ou errado no plano da conduta pessoal não se sujeita à opinião da
maioria, e não pode ser imposto como uma lei à minoria. Somente as formas de conduta
condenadas universalmente são passíveis de proibição social.26 O aborto, todos sabem, não é
condenado universalmente, ao contrário, é legalizado na maioria dos países, com exceção
daqueles cuja garantia do pensamento laico não é respeitada. Isso mostra que sua proibição não
se compatibiliza com a democracia, no tocante às liberdades civis. O que se situa no campo de
liberdade moral não pode ser transformado em obrigação imposta por lei, pois, nesse caso, o
conteúdo da lei foi além dos limites dos poderes do Estado. (PIRES, 2013, p. 364)

Ademais, perpetua-se o moralismo de séculos atrás ao vincular a imagem da mulher que


engravida sem ter um relacionamento, como namoro ou casamento, com alguém que não tem
princípios, que não tem valor e que não merece ser sujeito de direitos. Apesar de um absurdo,
essa linha de raciocínio ainda vive em muitos brasileiros e oprime mulheres.

Outro ponto importante é o fato de que o Estado que impede a escolha da mulher quanto à
maternidade também é ausente e omisso na sua atuação que deveria garantir direitos básicos,
para a mãe e para a criança. Desde o atendimento na rede pública de saúde até a educação
básica, são inúmeras as esferas em que a atuação governamental é falha. Logo, além de proibir o
aborto, o Estado não age no sentido de, pelo menos, garantir um mínimo de dignidade para a
família que está aumentando.

Portanto, observa-se que as mudanças legislativas são de grande importância, assim como a
conquista das mulheres ao ocuparem espaços que antes apenas homens chegavam. Mas ainda
existe a necessidade de garantir à mulher o poder de escolha quanto à gestação. Oprimir por um
lado e dar assistência precária por outro não está nem perto de ser uma solução plausível para a
situação em questão.

3. O ABORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRa

A análise quanto à questão do aborto deve passar pela leitura dos textos legais brasileiros que
versam não somente quanto ao assunto em si, mas também quanto aos direitos à vida e à saúde.

O título II, da Constituição da República de 1988, que trata dos direitos e garantias fundamentais,
traz no caput do artigo 5º o eixo central da discussão e no inciso II um reforço à proibição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei

A leitura dos trechos acima deixa clara a preocupação em proteger a vida acima de outros
direitos, tanto pelo uso do termo inviolabilidade quanto por constar no caput do artigo. Não foram
escritos incisos sobre isso, não foram criadas relativizações.

O inciso II apresenta o maior obstáculo à legalização do aborto, visto que, uma vez que há uma
proibição ao ato no Código Penal, a mulher está obrigada a seguir o determinado pelo texto e não
descumprí-lo, a não ser que haja uma previsão expressa.
O Código Penal, que é o texto que trata do tema de forma objetiva, traz no título dos crimes
contra a pessoa e no capítulo dos crimes contra a vida, nos artigos 124 e seguintes, a
criminalização do aborto e suas hipóteses de realização.

O julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, julgada em 2012


pelo STF, estabeleceu a inexistência de crime nos casos de aborto de fetos anencéfalos,
conforme a ementa:

FETO ANENCÉFALO INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ MULHER LIBERDADE SEXUAL E


REPRODUTIVA SAÚDE DIGNIDADE AUTODETERMINAÇÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS
CRIME INEXISTÊNCIA.

Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser


conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

Trata-se de uma ação proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTS)
e que foi julgada em 2012, 8 anos depois. O fato ensejador da impetração foi o ajuizamento de
um pedido de permissão para realizar um aborto, realizado por uma gestante de feto anencéfalo.
O pedido foi negado em primeira instância, concedido em segunda e logo em seguida cassado.
No STJ o pedido foi negado e apenas no STF foi possível conquistar a permissão, através de um
habeas corpus. Todavia, em virtude da demora processual, no tempo da decisão a gestante já
havia parido e seu bebê faleceu minutos após.

A fim de garantir mais segurança aos profissionais da saúde que atuavam em casos tão
complexos e em um cenário tão instável, a ADPF foi proposta. Visto que anteriormente a decisão
cabia aos juízes de primeira instância, cada caso poderia ter um desfecho diferente e com a
possibilidade de mudança em virtude de recursos.

Apesar de se tratar de uma conquista para as mulheres, observa-se que a questão do direito da
mulher sobre o próprio corpo foi fator secundário no caso. Ainda que um dos argumentos
apresentados tenha sido a necessidade de preservar a saúde da mulher, uma vez que essa é
uma gestação de alto risco, a perspectiva da escolha não foi abordada.

O fato de o texto penal levantar e detalhar as situações de proibição ao aborto e ter um artigo
taxativo das hipóteses em que o ato é lícito demonstra a não flexibilidade do tema. Além disso, a
permissão além do CP foi estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do sistema
judiciário brasileiro.

No que tange a discussão sobre o início da vida, o Código Civil menciona a proteção do nascituro
no artigo 2º:

Art. 2º: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro.

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação
de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência.
A partir dos textos legais apresentados, conclui-se que existe uma preocupação do legislador em
valorizar e proteger a vida desde seu início. Portanto, diferentes leis reiteram tal necessidade a
partir da matéria que lhe é de maior relevância. E de fato, a vida é o bem motivador de todos os
outros direitos e, consequentemente, primordial.

Ocorre que as legislações trazem a questão da vida como se houvesse apenas uma envolvida
nas situações. Mas, para se falar do direito à vida que o nascituro goza, por exemplo, é
indispensável analisar a vida daquela que o gera. E essa é a lacuna que abre a discussão quanto
a legalização do aborto. A proteção da vida da mulher, numa perspectiva que vai além da vida ou
morte, deve ser considerada e respeitada.

A Constituição da República de 1988, em seu artigo 6º, apresenta os direitos sociais, sendo a
saúde um deles:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também versa sobre a questão:

Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da


mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à
gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito
do Sistema Único de Saúde.

Tendo em vista que, além das previsões em relação ao direito à vida existem também as
previsões quanto à saúde da mulher, se faz necessária uma análise mais apurada para os casos
em que os dois estão em conflito. Assim como acontece em outros ramos do direito, quando se
trata de aborto e vida da gestante, deve haver uma ponderação e análise acurada, que
transborde a frieza dos textos jurídicos.

De acordo com a Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade,

Estima-se que, a cada ano, cerca de 230 mil mulheres internem pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) em decorrência de abortos inseguros. Além disso, o aborto tem sido uma das principais
causas de óbito materno no Brasil nos últimos anos. O aborto é, portanto, uma importante
questão de saúde pública. Renomados pesquisadores reconhecem que, apesar dos importantes
progressos ocorridos no Brasil, as mortes maternas por abortos inseguros representam um
desafio persistente. (Rev Bras Med Fam Comunidade. Rio de Janeiro, 2019 Jan-Dez;
14(41):1791).

Ainda de acordo com a Revista,

Entre 2013 e 2015, foram realizados apenas 2.442 abortos legais em decorrência de estupro no
Brasil. No entanto, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, calcula-se a
frequência de cerca de um estupro a cada 11 minutos no país. Isso significa que, embora o
número de ocorrências em 2015 tenha sido de 45.460, estima-se que o número real fique entre
129,9 mil e 454,6 mil estupros, devido à subnotificação. Considerando que 5% a 7% das
mulheres vítimas de estupro podem engravidar, percebe-se que o número de abortos legais
realizados no território nacional está bem abaixo do esperado. (Rev Bras Med Fam Comunidade.
Rio de Janeiro, 2019 Jan-Dez; 14(41):1791).

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