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Cardiologia Pediátrica

Embriologia e Circulação Fetal


& Cardiopatias Congénitas
Fátima F. Pinto, M.D. PhD.
Hospital de Santa Marta, CHLC-EPE
FCM-UNL
Professora Convidada da Cadeira de Pediatria

Contactos: Fátima.Pinto@chlc.min-saude.pt
Telefone: 213594332/965025389
A Cardiologia Pediátrica é uma especialidade
autónoma médico-cirúrgica

• É uma especialidade médica autónoma, idêntica à cardiologia


que trabalha em estreita colaboração com a cirurgia cardíaca.
• Surge pela necessidade de compreender e tratar as anomalias
cardíacas congénitas na criança.
• Desenvolveu-se em interdependência com a cirurgia cardíaca.
• Tem uma vertente técnica, interventiva percutânea e de
intensivismo aliado à técnica cirúrgica.
Desde o medo de mexer no coração
até às intervenções mais arrojadas!…
• “…Surgery of the heart has probably reached the limits set by Nature
to all surgery. No method, no new discovery, can overcome the natural
difficulties that attend a wound of the heart…."
Stephen Paget, 1896
The Surgery of the Chest

Actualmente as cardiopatias congénitas mais complexas podem ser


abordadas cirurgicamente com mortalidade baixa.

De tratamentos exclusivamente cirúrgicos passamos à intervenção


percutânea e aos tratamentos híbridos.
Cardiologia Pediátrica: Pioneiros

Alexandre Nadas Fernanda Sampayo


Hellen Taussig 1914-2000 Cardiologia
1898-1986
Pediátrica em 1969
Tratamento Cirúrgico das Cardiopatias
Congénitas…

1953-1969
Surgical Mortality According To Age And Years
• Paliação precoce
• Cirurgia reparadora > 5/6 anos
35%
30%
1970-1982 25%

• Reparação primária na infância 20%


1954-64
15% 1990-2000
10%
1983 5%
• Reparação primária em RN 0%
<1Y 1-5 Y 6-12Y >12Y
Etiologia das Cardiopatias Congénitas
Em 15% as causas são:
▫ alterações cromossómicas em cerca de 13%,
▫ alterações de um único gene
▫ Teratogéneos

Nos restantes 85% as causas são consideradas


multifatoriais
Circulação Fetal Ductus
arteriosus

Foramen
oval

Ductus
venosus
Circulação Fetal
• A placenta faz as trocas gasosas, substituindo os pulmões.

• Existe mistura completa dos fluxos.

• Comunicações entre as duas circulações fundamentais para a


sobrevivência do feto:
▫ Ductus venosus (bypass circulação hepática e acelera o fluxo de sangue
saturado de O2 vindo da placenta)
▫ Foramen oval (Shunt D→E a nível auricular)
▫ Ductus arteriosus (Shunt E→D no CA)
▫ Istmo aórtico (condiciona a circulação cerebral)

• A circulação sistémica depende de ambos os ventrículos (VD e VE).


• A resistência vascular pulmonar é > à sistémica (RVP>RVS)
Circulação de Transição
Com os primeiros movimentos respiratórios os pulmões
expandem e passam a fazer as trocas gasosas.

Shunts fetais:
• Ductus venosus encerra (ligamento).
▫ Ductus venosus patente (patológico).
• Foramen oval encerra funcionalmente.
▫ Foramen oval patente (25% população).
• Ductus arteriosus geralmente encerra nos primeiros dias.
▫ Canal arterial patente /persistente (patológico).
• Istmo aórtico alarga.
▫ Coartação da aorta (patológico).
Circulação Neonatal
• As circulações estão separadas e funcionam em série.

• Cada ventrículo assegura cada circulação

• As resistências do circuito pulmonar são inicialmente elevadas,


p.i. a pressão do VD ~ VE

• As resistências pulmonares decrescem e normalizam até às 6


semanas de vida.

• As resistências sitémicas são dominantes e a pressão do VD<VE


Coração Normal
Ao
90/50/75mmHg
• Sem shunts entre cavidades ou
98%
vasos
90/
AP 20/8mmHg • Sem gradientes de pressão
60
75% • Válvulas AV normais
AE
AD >5mmHg • Válvulas semilunares normais
5mmHg 98% • Artérias sem obstrução
75% • Lateralidade “situs solitus”
VE
VD
90/ <10mmHg
20/ >5mmHg
98%
75%
Doença Cardíaca na Criança

• Congénita (95%) - Ocorre em cerca de 1% dos nados


vivos.
▫ Cardiopatia congénita estrutural
▫ Arritmias
• Adquirida (5%)
▫ Doença de Kawasaki
▫ Miocardite
▫ Pericardite
▫ Endocardite
Quais São os Sinais e Sintomas de Cardiopatia
na Criança?
• Cianose central
• Taquipneia dispneia e outros sinais respiratórios
• Sopros e ruídos cardíacos anormais
• Avaliação dos pulsos arteriais e da TA
• Cansaço fácil
• Má progressão ponderal
• Hipersudorese e palidez
• Hepatomegalia
• Edema
Cianose. O que é?

Coloração azulada da pele ou das mucosas causada por uma


quantidade excessiva de hemoglobina (Hb) reduzida (não
saturada) ou anormal.

São necessários pelo menos 4gr de Hb reduzida nos capilares


para que a cianose seja aparente.
… mas cautela na observação!
Cianose.
Hematócrito e cianose
• Hematócrito baixo (anemia) a Cyanosis
cianose é evidente apenas para
saturações muito baixas. 100
90
80
• Hematócrito elevado 70

% Saturation
(policitémia), a cianose só é 60
50
evidente para saturações 40
elevadas. 30
20
10
• Se a Hb fetal fôr elevada, pode 0
ocorrer hipóxia tecidular mesmo 0 20 40 60 80
HCT
com saturações elevadas.
Cianose.
Classificação

Cianose central
 Depende de desaturação sistémica por doença cardíaca
com shunt D-E;
 doença pulmonar com má oxigenação;
 Hb anormal (metahemoglobinénia…)

Cianose periférica – Acrocianose


 Pode ser fenómeno normal, mesmo no RN
 Pode perdurar por 72h
 EXCLUIR: hipoperfusão e anemia
Cianose no RN…
Diagnóstico diferencial das CC
Diagnóstico diferencial crucial no RN. É uma emergência!
• A avaliação clínica, Rx tórax e teste de hiperóxia são
geralmente suficientes para excluir CC.
• A ecocardiografia permite o diagnóstico.

No doente com CC, antes de o transportar para um centro


terceário deve assegurar-se um estado hemodinâmico
optimizado – PGs
Taquipneia, Dispneia e Outros Sinais
Respiratórios…
• Taquipneia: significa aumento da frequência respiratória.
▫ Excesso de débito sanguíneo pulmonar
▫ Congestão venosa pulmonar

• Dispneia: dificuldade respiratória, geralmente de causa


multifatorial (respiratórios, mecânicos, etc).

• Infecções respiratórias repetidas.


▫ Em doentes com insuficiência cardíaca
Má progressão ponderal…
• É frequente nas crianças com doença cardíaca e
quadro de insuficiência cardíaca isolada ou associada
a cianose.

• Raramente nas cardiopatias com cianose.

• Cansaço manifesta-se durante os esforços:


▫ Nos RN e lactentes a alimentação é o principal esforço.
▫ Importância de suplementos alimentares e da boa nutrição
destes doentes.
Hipersudorese e palidez…
A hipersudorese com o esforço é sinal de IC:
• Ocorre devido à hiperatividade simpática durante os esforços.

A palidez pode ser sinal de IC/ Choque cardiogénico:


• Ocorre devido a vasoconstrição periférica por disfunção
ventricular ou taquicardia ou cardiopatia com obstáculo
esquerdo.
Edema…
Sinal raro de doença cardíaca.
As causas mais frequentes na criança são:
• Doença renal, a hepática e a hipoproteinémia.
• Mais raramente causas metabólicas ou endócrinas.

As causas cardíacas são mais evidentes em adolescentes:


• Congestão venosa; IC Dta e obstrução ao enchimento cardíaco.

No feto e recém-nascido é também raro:


• Hydropsia fetal (causa imunológica, infecção, malformações renais,
taquicardia fetal, cardiopatias estruturais raras).
Avaliação dos pulsos e da TA…
Pulsos:
• Avaliar a frequência, o ritmo cardíaco, a amplitude e a simetria:
▫ FC e Ritmo (variável com idade)
 RN – 80 a 180 ….. Adolescentes - 65 a 110
▫ Amplitude
 Aumentada: febre, hipertiroidismo e canal arterial
 Diminuída: choque e obstáculos esquerdos
▫ Simetria
TA:
• braçadeiras adequadas à idade e medição em condições
adequadas
▫ Gradiente diferencial …. Coartação da aorta
Sopros… Frémitos
Sopros
Ruídos causados pela turbulência do fluxo no coração ou nos vasos e devem
ser sempre avaliados no contexto clínico da criança.
• Podem ser benignos (inocente, fisiológico ou funcional) ou patológicos.

• Classificam-se em função do ciclo cardíaco, do grau ( 1 a 6) e do timbre:

▫ Sistólicos (muitas vezes benignos)


 Holosistólicos ou de ejecção
▫ Diastólicos (sempre patológicos)
 Rodado ou holodiastólico
▫ Contínuos (por vezes benignos)

Frémitos
• Geralmente patológicos e classificam-se em função do ciclo cardíaco.
Fenotipos sugestivos de síndromas ou
anomalias genéticas…
• Síndromas
▫ Noonan
▫ Williams
▫ Enhlers-Danlos
▫ Marfan
• Trisomias 21; 13; 18
• Miopatias….
Cardiologia Pediátrica
Cardiopatias Congénitas
Fátima F. Pinto, M.D. PhD.
Hospital de Santa Marta, CHLC-EPE
FCM-UNL
Cadeira de Pediatria

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Telefone: 213594332/965025389
Cardiopatias Congénitas(CC)

• Classificação:
▫ Acianóticas
 Shunts Esquerdo→Direito
▫ Cianóticas
 Shunts Direito→Esquerdo
▫ Cardiopatias obstrutivas
Acianóticas - Shunts Esq→Dto…
• Defeitos anatómicos que permitem que um volume de sangue
arterial faça curto-circuito à circulação sistémica
CIV
CIA
CAP
DCSAV
• O quadro clínico depende da magnitude do shunt e do regime
de resistências em ambos os circuitos.
• Quando isoladas, geralmente não dão sintomas no período
neonatal precoce.
Shunts Esq→Dto
Quadro de Insuficiência Cardíaca por débito
pulmonar aumentado
Shunts a nível ventricular e das grandes artérias (CIV; CAP)
▫ Quadro de IC na infância, sopro e má evolução ponderal.
▫ Dilatação e hipertrofia ventricular esquerda (HVE)
▫ Causa aumento de débito e de pressão pulmonar

Se o shunt é a nível auricular (CIA)


▫ Quadro de IC mais discreto
▫ Dilatação/hipertrofia ventricular direita (HVD)
▫ Causa apenas aumento de débito pulmonar só depois da 3ª década aumento
de pressão pulmonar
Shunts Esq→Dto
Tratamento Médico

• Tratamento sintomático geralmente em escalada.


Diuréticos
Digoxina
IECA

• IC refractária – Antecipar tratamento cirúrgico.


▫ Sintomas não controláveis com medicação
▫ Não progressão ponderal
Comunicação interventricular

Vascularização
pulmonar
aumentada

H bi ventricular

Cardiomegalia
Tratamento de Comunicação interventricular
Cirurgia

Intervenção percutânea Procedimento híbrido


Comunicação interauricular

Vascularização HVDta
Pulmonar
aumentada
Tratamento de Comunicação interauricular
Intervenção percutânea
Mas … nem todas!

Cirurgia
Canal arterial persistente

Tratamento do canal arterial

Cirurgia Intervenção percutânea


Shunt Esq-Dto Evolução:
Hipertensão pulmonar - Síndroma de Eisenmenger

•Um shunt E→D prolongado pode causar doença


vascular pulmonar irreversível.
•Ocorre mais precocemente em CIV e CAP grandes não
reparados do que na CIA.
•Quando as resistências vasculares pulmonares são
muito elevadas o shunt inverte (i.e. passa a D→E) e o
doente torna-se cianótico.
Cardiopatias cianóticas podem ocorrer por:
Shunt Dto-Esq por obstrução pulmonar; fisiologia de
transposição ou lesões de mistura.
Shunt direito-esquerdo
por obstrução direita Fisiologia de transposição

Shunt direito-esquerdo
por lesão de mistura
Cianóticas
Grau variável de cianose.

A sintomatologia vai depender da adequação do débito pulmonar:


• Diminuído - oligoémia pulmonar (TOF)
• Normal (TGA) pode ter IC
• Aumentado – plétora (C.Univentricular sem obstáculo pulmonar)
acompanha-se de IC

Consequências da cianose
• Dessaturação crónica
• Isquémia
• Hipodesenvolvimento
• Policitemia
Tetralogia de Fallot (TOF)

ECG: HVDTA

RX toráx: Oligoémia pulmonar


Silhueta cardíaca típica

Angiografia; RM;
angioTC
Tetralogia de Fallot tratamento
Cirurgia correctiva

Alargamento
da artéria e
anel pulmonar
Remoção de
bandas
musculares
Encerramento
da CIV

Shunt
Blablock
Taussig
Shunt Blablock
(BT)
Taussig (BT)
clássico
modificado

Raramente tratamento paliativo:


Cirurgia paliativa (Shunt Blalock-Taussig)
ou valvuloplastia percutânea
Transposição das grandes artérias (TGA)

RN com Cianose

Vascularização pulmonar normal


Silhueta típica - ovóide
Transposição das grandes artérias

Paliação neonatal:
Atrioseptostomia de Rashkind

Cirurgia – Switch arterial


Cardiopatias obstrutivas - Canal dependentes

Apresentação neonatal com com sintomas graves, sendo críticos quando


ocorre encerramento do canal arterial.

Se obstáculo direito – quadro de cianose grave

Se obstáculo esquerdo – quadro de choque cardiogénico


IC de baixo débito

Tratamento emergente para manter a patência do CA e tratar choque.

Importância do diagnóstico pré-natal e do planeamento da terapêutica


médica para manter a patencia do canal arterial – PGE1.
Estenose pulmonar crítica / atrésia da pulmonar

Iniciar PGs

Terapêutica por intervenção percutânea e eventual cirurgia


Síndrome do coração esquerdo hipoplásico

Cardiomegalia;
estase venosa pulmonar
Iniciar PGs
Paliação Cirúrgica ou Híbrida
Híbrido com “banding” bilateral das AP
e stent no CA e posterior stent na CIA

Noorwood /Sano
Cardiopatias obstrutivas – Não dependentes
do canal arterial

Apresentação neonatal ou mais tardia com sintomas variáveis.

Caracterizam-se pela presença de sopro e outros sinais relacionados


com o obstáculo direito ou esquerdo.

- Estenose valvular pulmonar


- Estenose valvular aórtica
- Coarctação da aorta – Importância da semiologia (pulsos e TA)
Coartação da aorta
FIM!...
Obrigado.

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