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PEDIATRIA Dezembro 2018

ICTERICIA NEONATAL
Recomendo ler EXTRA- Ictericia neonatal (resumo de IPSA)
Ocorre em:
- 25 a 50% dos RN termo
- 80% dos RN pré-termo

DEFINIÇÃO
- Coloração amarela das escleróticas e pele por acumulação de bilirrubina nos tecidos subcutâneos
- Bilirrubina total sérica > 5 mg/dL
- Detetável a olho nu a partir de 5-7 mg/dl

FISIOPATOLOGIA
- Bilirrubina é produzida essencialmente pela destruição dos eritrócitos no SRE, o grupo heme é depois
metabolizado a biliverdina que passa a ser bilirrubina não conjugada
- A bilirrubina não conjugada liga-se a albumina para circular
- A partir do momento que não ha albumina suficiente → acumulação da bilirrubina livre nos tecidos
- No RN, há um aumento da circulação entero-hepática devido à enzima β-glucuronidase, ligeira
desidratação (por ausência de grande quantidade de leite materno) que leva a atraso no movimento
intestinal e fezes estagnadas = favorece ao aparecimento de icterícia fisiológica do RN
- A ictericia fisiológica pode ser agravada ou mesmo tornar-se patológica devido a:
• Aumento da produção de bilirubina (policitémia, hematomas ou doenças hemolíticas)
• Imaturidade do metabolismo (baixa concentração de ligandina e baixa actividade da UDP-glucuronil
transferase, nos hepatocitos) e excreção hepática = ↑ circulação entero-hepática / ictericia
fisiológica
• Defeitos genéticos do metabolismo hepático (anomalias do gene da UDP-glucuroniltransferase –
Doença de Crigler-Najjar, Gilbert (++ comum) …)
• Obstrução à excreção hepática (quisto do
colédoco, atrésia das vias biliares …)

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CLASSIFICAÇÃO
1. Hiperbilirubinémia indirecta (não conjugada)
Predominio da bilirrubina não conjugada
- Icterícia fisiológica do RN = “pico” D3/4 e resolve em 1-2 semanas (++ frequente)
- Icterícia do aleitamento materno = “pico” mais tardio e pode manter-se até 2-3 meses
• 1ª fase por baixo aporte calórico e trânsito intestinal lento
• 2ª fase por ↑ circulação entero-hepática devido à β glucuronidase do leite materno
- Isoimunização ABO, Rh, outros grupos (Kell) = icterícia + precoce (nas primeiras 24h) e/ou mais
acentuada que o normal
- Doenças hemolíticas = défice G6PD / PK, esferocitose hereditária, talassémia …
- Hematomas (parto traumático)
- Hemorragia (HIPV, hemorragia pulmonar …)
- Policitémia (DM materna, RCF, HTA materna …)
- Défices enzimáticos = doenças de Crigler-Najjar, Gilbert; Lucey-Driscoll

2. Hiperbilirrubinémia directa (conjugada)


Bilirrubina directa > 2 mg/dL ou > 20% da bilirrubina total
++ comum na neonatologia nos RN prematuros ou em RN cirúrgicos dependentes de alimentação
parentética durante muito tempo.
- NPT > 2 semanas
- Atrésia das vias biliares; Quisto do colédoco
- Sépsis (Listeria, E. coli …), Infecção urinária, Infecções do grupo TORCH, hepatite B / C; VZV;
enterovirus = causas + comum
- Défice de α1-antitripsina (1/20 000)
- S. bilis espessa, litíase biliar (doenças hemolíticas …)
- Galactosémia; Intolerância hereditária à frutose; Tirosinémia; S. Zellweger
- Hepatite neonatal idiopática (diagnóstico de exclusão)
- Outras (estenose dos ductos biliares; neoplasia; S. Alagille; S. Dubin-Johnson, S. Rotor; Fibrose
quística; Hipotiroidismo; Hipopituitarismo; Doenças de armazenamento – Niemann-Pick, Gaucher;
Trissomia 21 / 18 …)

ICTERICIA PATOLÓGICA
- Icterícia do RN nas primeiras 24 pode ser patológica
- Se atingir valores nos primeiros 2/3 dias superiores a 12 ml/dl
- Hiperbilirubinémia direta é quase sempre patológica
- Icterícia que se arrasta para além das 3/4 semanas

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ISOIMUNIZAÇÃO
Consiste na produção de anticorpos específicos contra antigénios de glóbulos vermelhos (GV) de outro
ser da mesma raça (não self), após exposição prévia aos mesmos
- A produção de GV no feto tem início cerca das 3 semanas de gestação (SG)
- A gravida é previamente exposta a GV com outros antigénios (diferente dos dela) e passa a produzir
anticorpos para esse antígenio.
- GV fetais podem passar para a circulação materna (através de um aborto, amniocentese, parto
anterior, traumatismo …)
- Primeira exposição a produção de anticorpos é lenta (até 6 meses), sendo a re-exposição que
desencadeia resposta imunológica rápida (dias – linfócitos B de memória).

1. ISOIMUNIZAÇÃO Rh

- Estima-se que ocorre em 6,7 : 1000 nados vivos, de acordo com o CDC → diminuiu bastante com a
prevenção RhoGAM® (anticorpos anti-Rh) + devido ao maior numero de gravidezes vigiadas

- Ac IgG anti-D maternos atravessam a placenta, entram na circulação fetal e ligam-se ao Ag D dos GV
fetais, que são sequestrados e destruidos no baço do feto (SRE).
- Quanto maior o título de Ac anti-D, maior a destruição de GV fetais + maior a gravidade
- Fundamental pesquisar o grupo de sangue da mãe, caso for Rh- normalmente vê se o grupo de
sangue do pai. A vigilancia é feita com testes de combs indireto ao longo da gravidez + com controlo
ecografico para visualizar o sofrimento do feto.
- Há agravamento da situação clínica de gravidez para gravidez
Quadros clínicos são dependentes do título de anticorpos:
A. Hemólise ligeira → icterícia (ligeiramente mais grave que a fisiológica)
B. Hemólise moderada → icterícia + anemia moderada
C. Hemólise grave → icterícia + anemia grave c/ hidrópsia
- Hidrópsia = edema sub-cutâneo e pelo menos dois derrames (por exemplo, derrame pleural e
pericárdico ou ascite e derrame pleural, entre outros)
D. Anemia hemolítica → estimulação de eritropoiese a nível do fígado e baço fetais.

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- A anemia hemolítica vai ser um estimulo para eritropoese fetal (figagado e baço) → hepato-
esplenomegalia → obstrução à drenagem venosa → edema subcutâneo, ascite e edema da
placenta
- Há uma disfunção hepática com hipoalbuminémia → que vai agravar o quadro acima descrito
- Anemia → Insuficiência cardíaca congestiva fetal → contribui para ascite, derrame pleural, derrame
pericárdico (hidrópsia)
- Hoje em dia, este quadro com os métodos de diagnóstico de que dispomos e com o seguimento
adequado da gravidez, quase desapareceu.
- Devido a técnicas para diagnóstico pré-natal já é possível saber destes diagnósticos e fazer
intervenção in-utero

2. ISOIMUNIZAÇÃO ABO
- Mais frequente em grávidas grupo 0, previamente sensibilizadas (produtoras de IgG anti-A ou anti-B),
com fetos de grupo A, B ou AB

- Só em 4% dos casos de incomptibilidade A ou B / 0, ocorre isoimunização, a maioria dos Ac anti-A


ou anti-B são IgM, que não passam a placenta)
- Gravidade muito menor que a isoimunização Rh por:
• existirem Ag A e B em muitos tecidos do organismo, assim os Ac ligam-se a várias células, não
atingindo tanto os GV
• existirem menos Ag A e B nos GV fetais do que no adulto, havendo poucos locais de ligação
para os Ac anti-A ou Anti-B
- Não há agravamento em gestações subsequentes
- Icterícia moderada precoce → raramente precisam de transfusão
- Anemia hemolítica ligeira a moderada, normalmente mais tardia → podem de facto precisar de
transfusões de concentrado eritrocitário nesta fase, por volta de 1 mês,

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AVALIAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
HISTÓRIA CLÍNICA
- História familiar (anemia, icterícia, esplenectomia, doenças hepáticas ou metabólicas, fibrose quistica
…)
- Grupo de sangue da mãe
- Gravidez (serologias, infecções virais na gravidez, risco infeccioso, ecografias, DM / HTA …)
- Parto (traumático)
- Início da icterícia:
• < 24 h é sempre patológica
• > 2-3 semanas RN termo ou > 3-4 semanas RN PT, pode ser patológica
- Sintomas / sinais associados (perda de peso, letargia, vómitos; colúria, fezes acólicas …)
- Rutura de membranas, rutura prolongada de membranas, mãe que tem febre, mãe que tem um
estudo de colonização para estrepto B positivo aumenta o risco de infeção e de sepsis → causa de
hiperbilirubinemia

EXAME OBJÉTIVO
- Icterícia visível a olho nú
• face ≈ 5 mg/dL
• até braço / perna ≈ 15 mg/dL
• até mão / pé > 19 mg/dL
- Outras manifestações de doença, nomeadamente:
• Prostração,
• Sinais de doença sistémica,
• Presença de equimoses ou de exantemas típicos como aquele da sífilis ou petéquiais, que surgem
tipicamente nas infeções congénita.
• Palidez → sugestivo de anemia, pode haver uma hemólise ou perda de sangue durante um parto
traumático.

• Hepatoesplenomegália associada.
• Microcefalia, dismorfismo
• Corioretinite, outras alterações oftalmológicas

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- Medição transcutâàea da bilirrubina (bilichek)
• Só aplicável a RN > 30 semanas de gestação
• Normalmente fazem-se 3 medições e o aparelho faz uma média com um valor
aproximado da bilirrubina total
• Reduz a necessidade de doseamentos séricos de bilirrubina (teste de rastreio)
• Não é fiável para valores de bilirrubina mais elevados (> 15 mg/dL)
• Não é fiável para monitorização após início de fototerapia
• Não permite diferenciar hiperbilirrubinémia não conjugada, da conjugada

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
- Tipagem do sangue e teste de Coombs directo (RN)
1. Colher uma amostra de sangue, com
eritrócitos do bebé
2. Centrifugação
3. Juntar imunoglubulina anti-Ig humana. No
caso de isoimunização os GV do bebé
estão cobertos por Ac maternos e
imunoglubulina anti-Ig humana que se vai
ligar às frações Fc das imunoglobulinas e
vai aglutinar os eritrócitos, tornando o teste
de Coombs Direto Positivo.

No caso do Teste de Coombs indireto: (fazemos a mãe durante a gravidez)


Admitimos que é a mãe que tem anticorpos numa situação potencialmente contra os glóbulos vermelhos
(GV) tipados. 1. Colhe-se uma amostra da mãe, posteriormente centrifugada e o que se usa é o soro,
portanto, o plasma onde estão os anticorpos maternos que vão depois ser incubados com glóbulos
vermelhos Rh+.

- Bilirrubinémia total e directa


- Hb, Hct, Reticulócitos (> 6%); esfregaço de sangue periférico
- Leucograma, PCR, Hemocultura
- Albuminémia (relação bilirrubina / albumina)
• AST / ALT / FA / Gama GT
• Serologias (TORCH, HBV, HCV …)
• Outros (G6PD / PK; estudos genéticos - Gilbert …)

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No caso de icterícia prolongada:
- Bilirrubinémia total e directa
- Hb, Hct, Reticulócitos (> 6%); esfregaço de sangue periférico
- Grupo de sangue e teste de Coombs directo
- PCR, Hemocultura, Urina tipo II / Urocultura (por ser frequente fazer infeções urinárias)
- AST / ALT / FA / Gama GT
- Ecografia abdominal, se forte suspeita → colangio-RM, forte suspeita → bloco com cintigrafia
hepática intra-operatória
- Outros: FT3/FT4/TSH, substâncias redutoras na urina, AA séricos e urinários, α1-antitripsina, TIR
(tripsina imuno-reativa, indicador de FQ …

TERAPÊUTICA
- Aporte hídrico adequado (alimentação entérica ± IV; ponderar suplementar leite materno com leite
artificial)
- Fototerapia = fotoisomerização e isomerização estrutural, permitindo excreção biliar e urinária sem
conjugação. Ideal 460-490 nm
- Cuidados: proteção dos olhos + genitais
- Fototerapia pode ser interrompida:
• Se bilirrubina ↓ 1,5 – 3 mg/dL
• RN Termo > 3 dias, se bilirrubina < 15 mg/dL
• RN PT > 5-6 dias, se bilirrubina < 12 mg/dL
- Há gráficos que orientam para quando começar a fototerapia, consoante as horas de vida do bebé e
o doseamento sérico em mg/dL para medir em que curva é que calha e depois depende do risco
(quanto mais pré-termo maior o risco de começar a fototerapia com valores mais elevado)


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EXSANGUÍNEO-TRANSFUSÃO
- Substituição do sangue do RN por sangue de
dador
- Troca sucessiva de pequenas quantidades de
sangue:
• fornece massa eritrocitária
• remove excesso de bilirrubina
• remove anticorpos circulantes
- Troca isovolumétrica de uma ou duas volémias:
• RN termo 70-90 mL/kg
• RN PT 85-110 mL/kg
em 30-35 ciclos
- Usando CAU + CVU ou CVU + acesso venoso
periférico (kit próprio)
- Técnica asséptica
- Administrar gluconato de cálcio 10%, 1-2 mL / 100-200 mL sangue (citrato administrado reduz cálcio
ionizado)
- Vigiar a glicémia, K+, gasimetria
- Agitar o saco a cada 10-15 min para evitar sedimentação dos GV
- Não exercer pressão excessiva na extracção e infusão de sangue (hemólise, TA…)

TERAPÊUTICA ESPECÍFICA
- Isoimunização (Rh ou ABO): Imunoglobulina IV, 0,5-1 g/kg/dose em 4-6 h
• Ponderar repetir 12 h depois.
- Síndrome de Crigler – Najjar tipo II e Gilbert: fenobarbital (5 mg/kg/dia)
- Atrésia das vias biliares: Cirurgia de Kasai (< 90 dias)
- Transplante hepático (Crigler – Najjar tipo I; S. Alagille …)
- Doenças hereditárias do metabolismo: dietas restritivas ± co-factores específicos …
- Hipotiroidismo: levotiroxina

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PREVENÇÃO
ISOIMUNIZAÇÃO Rh
- Administração de imunoglobulina anti-D (RhoGAM®) na gravidez (28 SG) e até 72 h após o parto em
grávidas Rh- c/ RN Rh+
- RhoGAM® - Ac IgG anti-D que se ligam aos GV fetais na circulação materna, diminuindo a activação
dos linfócitos B maternos “anti-D”
- Pode condicionar TCD + no RN (habitualmente fraco)

COMPLICAÇÕES DA HIPERBILIRRUBINÉMIA - ENCEFALOPATIA


- Encefalopatia (“Kernicterus”): 0,4-2,7 casos / 100 000 nados vivos na Europa e EUA (práticamente
desapareceu)
- Kernicterus = é um diagnóstico histopatológico, com depósitos amarelos nos gânglios da base nas
autópsias dos RN
- Passagem de hiperbilirrubina não conjugada livre para o SNC, através da BHE (bilirrubina > 20-30
mg/dL no RN termo ou > 10-15 mg/dL RN pré-termo)
- Favorecida por:
• acidose, hipercápnia, hipóxia; fármacos que se ligam a albumina (ceftriaxone, hidroclorotiazida,
ibuprofeno, ácidos gordos livres); susceptibilidade individual
- Fisiopatologia: alteração de função das membranas, diminuição dos potenciais de acção, interferência
no metabolismo celular; alteração da síntese de neurotransmissores…

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Fase I Fase II Fase III


(1ºs dias) (fim da 1ª semana) (fase crónica)

Sucção fraca Choro irritado Hipotonia, Dificuldade na alimentação


Hipotonia Hipertonia (opistótonus)
Letargia Febre, Convulsões Alterações da audição e visão
Coma → morte Atetose
Choro irritado Défice cognitivo

- Evolução a longo prazo: paralisia cerebral coreo-atetósica, surdez neurosensorial, atraso global do
desenvolvimento
- Kernicterus: diagnóstico histopatológico correspondendo a coloração amarela e necrose dos gânglios
da base, hipocampo, cerebelo e tronco cerebral (bilirrubina > 25 mg/dL no RN termo)
- RMN CE: Áreas hiperintensas em T2 na região postero-interna do globus pallidus
- Acompanhamento multidisciplinar (consultas de pediatria, neurologia, desenvolvimento, ORL /
audiologia, medicina física e de reabilitação …)

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