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Pediatria 2018/2019

CARDIOPATIAS CONGÉNITAS

As cardiopatias congénitas podem classificar-se em:

 Acianóticas (CIV, CIA, CAP, DCSAV)


 Cianóticas (TOF, TGA, lesões de mistura)
 Cardiopatias obstrutivas (dependentes de canal ou não dependentes de canal)

1. CARDIOPATIAS ACIANÓTICAS (SHUNTS ESQUERDO-DIREITO)

Causadas por defeitos anatómicos que permitem que um volume de sangue arterial faça
bypass à circulação sistémica e vá para a circulação pulmonar, sobrecarregando-a.

Estes defeitos podem ser:


 Comunicação interventricular (CIV)
 Comunicação interatrial (CIA)
 Canal arterial patente (CAP)
 Defeito completo do septo atrioventricular (DCSAV)

O quadro clínico depende da magnitude do shunt e do regime de resistências em ambos os


circuitos. Quando isoladas, estas cardiopatias geralmente não dão sintomas no período
neonatal precoce.

Se os shunts ocorrer a nível ventricular e das grandes artérias (CIV; CAP) podem levar a
quadros de insuficiência cardíaca na infância, sopros e má progressão ponderal. Causa
aumento de débito e pressão pulmonar (HTP) e consequente dilatação e hipertrofia
ventricular esquerda (HVE).

Se o shunt é a nível auricular (CIA), o quadro de IC vai ser mais discreto. Inicialmente vai
apenas causar aumento de débito pulmonar sem aumento de pressão, o que pode levar a
dilatação/hipertrofia ventricular direita (HVD). Só a partir da 3ª década de vida é que começa
o aumento da pressão pulmonar.

O tratamento é inicialmente sintomático e em escalada, ou seja, iniciamos o tratamento


com diuréticos, depois, em caso de persistência dos sintomas passamos para Digoxina e, em
último caso, recorremos aos IECAS. Se a IC for refratária ao tratamento medicamentoso ou
se não houver progressão ponderal, antecipamos o tratamento cirúrgico.

O tratamento cirúrgico acarreta alguns riscos, pois algumas proteínas fetais, como o
colagénio, são mais rígidas, dificultando a cirurgia.

CIV

Para o diagnóstico podemos recorrer RX tórax e ECG, mas o definitivo é feito por Eco.

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O tratamento da CIV pode ser realizado por cirurgia, intervenção percutânea (apenas em
casos de comunicações no meio do septo, ou seja, na zona muscular longe de estruturas
valvulares) ou procedimentos híbridos (abre-se o tórax, mas não o coração).

CIA

Tal como na CIV, é o ecocardiograma que faz o diagnóstico. Nestes casos, não é visível uma
cardiomegália no RX pois são as cavidades direitas e não as esquerdas que estão
hipertrofiadas.

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Quanto ao tratamento, é feito por cateterismo no caso das CIA centrais e por cirurgia no
caso das CIA mais periféricas.

CAP

O diagnóstico é por ecografia e o tratamento por ser por cirurgia ou técnicas percutâneas.

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Evolução dos Shunts Esquerdo-Direito

Quando os shunts E-D não são corrigidos, especialmente em casos de CIV e CAP, podem
causar doença vascular pulmonar irreversível: Síndrome de Eisenmenger. Isto ocorre, pois,
a quantidade de sangue extra nos pulmões vai dilatar as artérias pulmonares e aumentar a
pressão, ou seja, a força exercida sobre a parede dos vasos. Mas esta parede tem
mecanismos de adaptação ao aumento de pressão, que se iniciam com a produção de
produtos metabólicos que causam o espessamento da camada média com consequente
diminuição do lúmen arterial. A resistência vascular pulmonar vai tornar-se muito elevada
causando uma inversão do sentido do shunt (passa a D-E) e o doente torna-se cianótico.
Nesta altura, o shunt torna-se intratável, pelo que a única opção terapêutica é o transplante
cardio-pulmonar, mas tem mortalidade muito elevada.

2. CARDIOPATIAS CIANÓTICAS

Existem 3 mecanismos pelos quais pode ocorrer uma cardiopatia cianótica:

 Shunt Direito-Esquerdo por obstrução direta: implica a existência de um obstáculo que


impeça o sangue de passar para os pulmões e de um orifício que permita a passagem de
sangue para o coração esquerdo. O exemplo mais comum é a tetralogia de Fallot.
 Fisiologia de transposição: a aorta sai do ventrículo direito e a artéria pulmonar sai do
ventrículo esquerdo. A única razão pela qual os bebés sobrevivem é pela existência de
shunts fetais, pelo que à nascença tem de se administrar Prostaglandinas e “trocar” os
grandes vasos cirurgicamente.
 Shunt Direito-Esquerdo por lesão de mistura: o septo interventricular não se forma pelo
que existe um ventrículo único, podendo ainda existir, ou não, um vaso único – truncus
arteriosos.

O grau de cianose é variável e a sintomatologia vai depender da adequação do débito


pulmonar:

 Diminuído: oligoémia pulmonar (ex: tetralogia de Fallot – TOF)


 Normal: com ou sem IC (ex: transposição das grandes artérias – TGA)
 Aumentado: pletora e IC (ex: Comunicação univentricular sem obstáculo pulmonar)

Consequências da cianose:

 Dessaturação crónica
 Isquémia
 Hipodesenvolvimento
 Policitémia

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Tetralogia de Fallot (TOF)

As principais anomalias que definem a tetralogia de Fallot são:


 Obstáculo da câmara de saída do ventrículo direito. Pode ocorrer por desvio anterior do
septo infundibular, sendo a estenose abaixo da valva pulmonar; ou por estenose
valvular.
 Comunicação interventricular: grande, localizada na porção perimembranosa subaórtica
do septo.
 Hipertrofia do ventrículo direito (secundária ao obstáculo direito). Causa uma aparência
característica no RX com o coração em forma de bota (“coeur-en-sabot”).
 “Cavalgamento aorto-septal” de grau variável (relacionado com o grau de desvio
anterior do septo infundibular). Isto significa que a valva aórtica se localiza no defeito
septal ventricular, estando em conexão com os dois ventrículos. O tronco e os ramos da
artéria pulmonar são, na maioria dos casos, hipoplásicos. Em alguns casos, um dos
ramos não tem continuidade com o tronco pulmonar, sendo irrigado pelo canal arterial
e/ou por colaterais aorto-pulmonares.

Podem coexistir outras anomalias: comunicação interauricular, defeitos do septo aurículo-


ventricular e anomalias de conexão venosa. A tetralogia de Fallot é a cardiopatia congénita
cianótica mais frequente após o primeiro ano de vida, pela maior sobrevivência observada
comparativamente às cardiopatias mais graves.

Nos doentes com poucos dias de vida pode tentar-se a reabertura do canal arterial com
administração de prostaglandina E1 ou E2. Deve ser administrado oxigénio. Os valores
hematológicos devem ser avaliados periodicamente e a anemia ferropénica tratada. A

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policitémia e as crises de hipoxia são indicações para tratamento cirúrgico. Todos os doentes
(operados ou não operados) devem ser submetidos a profilaxia da endocardite infeciosa. A
cirurgia paliativa tem como objetivo aumentar o fluxo pulmonar e está indicada nos casos
graves de tetralogia de Fallot, com hipoplasia dos ramos da artéria pulmonar; constitui uma
emergência nos lactentes com crises de hipoxia não controláveis com terapêutica médica.
Utiliza-se a anastomose de Blalock-Taussig, modificada, entre a artéria subclávia e os ramos
da artéria pulmonar com interposição de um tubo de Gore-Tex. A cirurgia de correção total
consiste no encerramento da comunicação interventricular com remendo de Dacron e
alargamento da câmara de saída do ventrículo direito com ressecção de bandas musculares;
e, se necessário, alargamento do anel pulmonar com colocação de remendo de
homoenxerto com válvula pulmonar mono cusp. As indicações para esta cirurgia variam com
a experiência dos centros, mas a tendência atual é ser realizada após os 3 meses, dada a sua
complexidade.

Transposição das grandes artérias

Na transposição completa das grandes artérias (TGA),


o ventrículo direito comunica com a aorta e o
ventrículo esquerdo comunica com a artéria
pulmonar. Apesar da baixa prevalência, a TGA é a
mais frequente das cardiopatias cianóticas com
manifestações clínicas no período neonatal.
Predomina no sexo masculino. Nas famílias destes
doentes podem existir irmãos com tetralogia de
Fallot e, raramente, com TGA. A etiologia é
multifatorial havendo forte associação com deleção
do cromossoma 22q 11. A espessura do ventrículo
direito (que à nascença é semelhante à do ventrículo
esquerdo) aumenta rapidamente tornando-se muito
maior que a do ventrículo esquerdo. A relação entre as grandes artérias está alterada,
colocando-se o orifício aórtico adiante e à direita do orifício pulmonar. As anomalias de

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origem e divisão das artérias coronárias são frequentes, sendo o seu conhecimento
importante para a correção cirúrgica. Cerca de metade dos doentes com TGA não têm
qualquer outra anomalia associada exceto a manutenção da permeabilidade do forame oval
e/ou do canal arterial. Em cerca de 25% dos casos existe comunicação interventricular (CIV)
e, nestes casos podem existir obstáculos na câmara de saída do ventrículo esquerdo.

Na TGA as circulações sistémica e pulmonar estão em paralelo, isto é, o retorno venoso


sistémico é dirigido para a circulação arterial sistémica e o retorno venoso pulmonar é
novamente dirigido para a circulação arterial pulmonar. A sobrevivência depende da
existência de comunicações entre as circulações sistémica e pulmonar (canal arterial,
forame oval e septos interauricular ou interventricular). Enquanto 20% de crianças com TGA
e septo interventricular íntegro têm hipertensão pulmonar fixa aos 12 meses de idade, esta
percentagem sobe para 80% nos casos com CIV associada. Por outro lado, se existir estenose
pulmonar grave, o fluxo pulmonar diminui, com agravamento da cianose e acidose
metabólica.

Existem dois modos de apresentação predominantes: 1) cianose acentuada precoce nos


casos com septo interventricular intacto ou quando existe CIV associada a estenose
pulmonar importante; 2) insuficiência cardíaca nos casos com shunts importantes, sendo
que a cianose pode ser muito ligeira e detetar-se só no fim do primeiro mês de vida.

Na radiografia do tórax, a largura do mediastino superior


está diminuída (devido à posição relativa da aorta e da
artéria pulmonar, e à redução das dimensões do timo)
apresentando a imagem cardíaca a forma de “ovo
deitado”. O ecocardiograma permite estabelecer o
diagnóstico e planear a terapêutica.

O Tratamento de suporte consiste na correção da acidose metabólica e da hipoglicémia e


administração de PGE1 com o objetivo de manter a permeabilidade do canal arterial.

A Atriosseptostomia por cateter, descrita por Rashkind e Miller em 1966, foi o fator que teve
maior influência na sobrevivência das crianças com TGA. Nesta técnica, a passagem brusca,
através do septo interauricular, de um cateter munido de um balão com soro, permite criar
uma comunicação interauricular. A manobra é controlada por ecocardiograma
bidimensional, devendo ser realizada nos primeiros dias de vida, pois raramente tem êxito
após o terceiro mês.

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O tratamento cirúrgico consiste na correção anatómica do defeito e é chamado de “Switch
arterial”. Consiste na secção da aorta e da artéria pulmonar acima do orifício valvular, sutura
da aorta com o orifício valvular da pulmonar, e da pulmonar com o orifício valvular da aorta,
e também transferência das artérias coronárias para a nova aorta. Deve ser realizada nas
primeiras semanas de vida enquanto o ventrículo esquerdo mantém a capacidade de
adaptação a pressões sistémicas.

3. CARDIOPATIAS OBSTRUTIVAS CANAL DEPENDENTES

Apresentação neonatal com sintomas graves, sendo críticos quando ocorre encerramento
do canal arterial. Se o obstáculo se localiza à direita, o RN apresenta-se com um quadro de
cianose grave. Se o obstáculo se localiza à esquerda, o RN apresenta-se com quadro de
choque cardiogénico com IC de baixo débito.

O tratamento é emergente e passa por manter a patência do canal arterial e tratar o choque.
O diagnóstico pré-natal é muito importante pois permite o planeamento da terapêutica
médica com PGE1.

Estenose Pulmonar / Atrésia da pulmonar

Entende-se por estenose pulmonar qualquer obstrução à saída do ventrículo direito. Pode
ocorrer a vários níveis: valvular, subvalvular e supravalvular. A principal consequência da
estenose pulmonar é a elevação da pressão ventricular direita que é proporcional à
gravidade da estenose e destina-se a manter o débito cardíaco. O aumento da pressão
provoca hipertrofia ventricular direita, também proporcional à gravidade do obstáculo.
Quando é excedida a capacidade de o ventrículo direito gerar a pressão necessária para
ultrapassar o obstáculo, surge insuficiência ventricular direita, e a hipertrofia dá lugar à
dilatação. Trata-se duma situação extrema, observada em dois grupos de doentes: os recém-
nascidos que têm uma reserva cardíaca muito limitada; e, mais raramente, nos casos de
estenose pulmonar grave diagnosticada tardiamente.

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Os doentes estão geralmente assintomáticos e a curva de crescimento é normal. Ausculta-
se sopro de expulsão (em crescendo-decrescendo), audível sobre o bordo esquerdo do
esterno, com irradiação para o lado direito do pescoço.

Este grupo de doentes, particularmente no período neonatal, pode apresentar-se com


cianose devido a shunt direito-esquerdo através do forame oval patente.

O diagnóstico pode ser feito por ECG e Eco. No RX tórax podemos ver, em casos de estenose
grave, a procidência do arco pulmonar na silhueta cardíaca, correspondente à dilatação pós-
estenótica do tronco da artéria pulmonar e cardiomegália por dilatação da aurícula direita.

O tratamento de eleição é a valvuloplastia pulmonar por via percutânea que consiste na


dilatação da válvula com um cateter de balão apropriado. É um procedimento eficaz e
seguro, particularmente nos casos de válvulas pulmonares não displásicas. A angioplastia
percutânea das artérias pulmonares é igualmente o tratamento de primeira escolha para a
estenose pulmonar supravalvular. Todos os doentes têm indicação para profilaxia da
endocardite bacteriana.

Síndrome do coração esquerdo hipoplásico

Esta síndrome caracteriza-se por hipodesenvolvimento do ventrículo esquerdo, das válvulas


mitral e aórtica, e da aorta. É a cardiopatia com maior mortalidade durante o primeiro mês
de vida se não se proceder a tratamento. Além das anomalias já referidas, a aurícula
esquerda na SCEH é pequena. Existe comunicação interventricular associada em 75% dos
doentes.

Durante a vida fetal, as resistências vasculares pulmonares são superiores às resistências


sistémicas, e o ventrículo direito (dominante) mantém uma pressão de perfusão normal na
aorta descendente e placenta através do canal arterial. Após o nascimento, verifica-se a
inversão das resistências vasculares (resistência sistémica > resistência pulmonar) com
aumento da pressão na aurícula esquerda e consequente encerramento do forame oval e o
encerramento do canal arterial, por aumento da saturação de Hb-oxigénio e diminuição das
prostaglandinas. Provoca-se, assim, uma acentuada redução do débito cardíaco sistémico e
da pressão na aorta, desencadeando um quadro de choque circulatório e acidose
metabólica.

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A SCEH manifesta-se logo nas primeiras horas de vida com dispneia, hipoxémia, acidose,
vasoconstrição das extremidades, pulsos débeis e taquicárdia (choque). Pode não existir
cianose importante, mas os sinais de insuficiência cardíaca como hepatomegália edema
pulmonar e ritmo de galope podem estar presentes.

O ECG revela sinais de taquicardia sinusal e HVD. No RX tórax podemos observar


cardiomegália e congestão venosa pulmonar. Mas o melhor exame para diagnóstico e
avaliação da gravidade é o ecocardiograma.

O tratamento médico tem como finalidade essencial a estabilização hemodinâmica por:


 Correção da acidose metabólica e eventual ventilação mecânica e/ou suporte
inotrópico.
 Perfusão de prostaglandina E1 que, reabrindo o canal arterial, poderá melhorar
temporariamente o quadro de baixo débito.
 Atriosseptostomia de Rashkind, com balão por via percutânea em casos com forâmen
ovale restritivo: pode descomprimir a aurícula esquerda e melhorar a oxigenação.

Para tratamento definitivo faz-se a operação de Norwood/sano, que consiste na divisão do


tronco da artéria pulmonar, com encerramento do topo distal e laqueação do canal arterial,
e criação de uma anastomose sistémico-pulmonar (shunt) com conexão do topo proximal
da pulmonar à aorta ascendente hipoplásica. Também é necessário excisar o septo
interauricular de modo a permitir uma mistura adequada. Mais tarde, aos 6 meses, realiza-
se uma anastomose entre a veia cava superior e o ramo direito da artéria pulmonar
(operação de Glenn bidireccional) para retirar a sobrecarga de volume ao ventrículo direito.
Por fim, aos 2 anos, realiza-se uma anastomose entre a veia cava inferior e a artéria
pulmonar, completando-se deste modo a conexão bicavopulmonar (cirurgia de Fontan).

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4. CARDIOPATIAS OBSTRUTIVAS NÃO DEPENDENTES DE CANAL ARTERIAL

Apresentação neonatal ou mais tardia com sintomas variáveis. Caracterizam-se pela


presença de sopro e outros sinais relacionados com o obstáculo direito ou esquerdo.

De entre estas cardiopatias destacam-se:

 Estenose valvular pulmonar


 Estenose valvular aórtica
 Coartação da aorta

Coartação da Aorta

Estenose da aorta torácica próximo da inserção do canal arterial. Ocorre em cerca de 6- 8%


dos doentes com cardiopatia congénita. É mais frequente no sexo masculino e admite-se
etiologia multifatorial com determinantes genéticos e fatores ambientais (maior ocorrência
no Outono e Inverno). Localiza-se habitualmente entre a origem da artéria subclávia
esquerda e a inserção do canal arterial. Pode ser classificada, sob o ponto de vista
morfológico, em dois tipos:

 Coartação localizada: é mais frequente e caracteriza-se pela existência de uma


membrana focal e/ou “indentação”.
 Hipoplasia do istmo: caracteriza-se por estreitamento uniforme do arco aórtico que se
inicia habitualmente antes da origem da artéria subclávia esquerda.

A coartação da aorta pode associar-se a outras anomalias cardíacas como: válvula aórtica
bicúspide, comunicação interventricular, estenose aórtica e malformações da válvula
mitral. Por vezes existe associação com anomalias extracardíacas: como artéria subclávia
direita com origem distal à inserção do canal arterial ou aneurismas do polígono de Willis.

Após o nascimento, com o encerramento do canal arterial e do forame oval, todo o débito
sistémico tem de atravessar o segmento estenosado. As alterações hemodinâmicas
dependerão da gravidade da obstrução e da presença de lesões associadas. A resistência à
ejeção ventricular condiciona aumento da pressão sistólica no ventrículo esquerdo e aorta
ascendente. Se a coartação for grave ou de instalação rápida (como acontece no recém-
nascido com o encerramento do canal arterial) desenvolve-se disfunção sistólica e diastólica
aguda com consequente insuficiência cardíaca e choque cardiogénico. Nos casos de
obstrução menos significativa, a sobrecarga de pressão leva à hipertrofia do ventrículo
esquerdo. No segmento distal à coartação verifica-se dilatação pós-estenótica, com parede
arterial de espessura reduzida. As consequências a longo prazo traduzem-se na presença
frequente de aneurismas saculares do polígono de Willis e no desenvolvimento de
hipertensão arterial na metade superior do corpo. Nas crianças mais crescidas, a doença não
é tão grave pois já desenvolveram circulação colateral através de shunts com as artérias
intercostais (visível no RX como erosões no bordo inferior das costelas).

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Nos recém-nascidos e lactentes com coartação grave, a forma de apresentação é
insuficiência cardíaca de baixo débito com má perfusão periférica, palidez, hipersudorese,
taquipneia e taquicardia. As crianças mais velhas e os adultos são frequentemente
assintomáticos ou apresentam sintomas inespecíficos: cefaleias, epistáxis, claudicação
intermitente e complicações da doença hipertensiva. Qualquer que seja a forma de
apresentação, os pulsos femorais apresentam amplitude diminuída e estão atrasados em
relação aos braquiais (podendo estar normais se existir canal arterial de grande calibre com
shunt direito-esquerdo), existindo gradiente tensional entre os membros superiores e
inferiores. Pode existir sopro de expulsão no bordo esquerdo do esterno com irradiação para
a região interescapular, e sopro contínuo na parede anterior do tórax ou no dorso devido à
presença de circulação colateral.

Para diagnóstico pode recorrer-se a RX Tórax, ECG, Ecocardiografia e Doppler. A Eco, além
de definir a localização e tipo da coartação, permite avaliar a sua gravidade e o diagnóstico
de lesões associadas. Nos casos de má janela ecocardiográfica, pode recorrer-se à RM para
estudo morfológico.

O tratamento da coartação da aorta depende da gravidade, presença de lesões associadas


e localização da obstrução. Na coartação grave do recém-nascido, é importante a
estabilização com prostaglandina E1 (PGE1). Nos casos em que a PGE1 seja ineficaz e nos
casos de coartação pós-ductal (rara) a correção imediata é obrigatória. Nos casos graves a
cirurgia é realizada logo após a admissão e estabilização clínica. A par da reparação da
coartação, é efetuado o encerramento do canal arterial.

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