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2022

ANESTÉSICOS VENOSOS
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jornada para dentro de si, que vocês possam atingir seu mais alto conhecimento
na anestesiologia com mais este capítulo em suas mãos.

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Bons estudos!
PRINCIPAIS CONCEITOS

• A anestesia venosa teve seu início em 1934, com a descoberta e uso do


tiopental. Os barbitúricos não têm uso atualmente devido a seu perfil de acúmulo
após doses repetidas ou infusão contí-nua.
• O propofol é atualmente o hipnótico mais utilizado para indução e manu-
tenção da anestesia, devido a seu rápido início de ação, rápido término e meia vida
contexto sensitiva favorável à infusão contínua.
• Propofol, etomidato, benzodiazepínicos e barbitúricos promo-vem a aber-
tura dos canais de cloro do receptor GABAA (um tipo de receptor ionotrópico),
permitindo a entrada de cloro que pro-duz a hiperpolarização do neurônio pós-si-
náptico e causa um potencial de ação inibitório.
• Os benzodiazepínicos são drogas com propriedades ansiolíticas, hipnóti-
cas, relaxadoras da musculatura esquelética e anticon-vulsivantes. O midazolam é
de longe o mais utilizado, devido à sua rápida ação e término breve e por fornecer
amnésia anteró-grada. Diazepam caiu em desuso devido ao seu perfil de longa
duração e presença de metabólito ativo também de ação prolon-gada. Uma nova
droga, remimazolam, tem um perfil de duração ultracurta devido à sua metaboli-
zação pelas esterases plasmáti-cas.
• O flumazenil é um antagonista dos receptores benzodiazepíni-cos com alta
afinidade e sem efeito intrínseco. Apesar de eficaz na reversão, tem duração menor
que a maioria dos benzodia-zepínicos, o que pode resultar em retorno dos efeitos
depresso-res do SNC.
• Etomidato é uma droga com perfil hemodinâmico estável e que não libera
histamina. Apesar disso, promove a inibição da sínte-se de esteróides, fator que
desestimulou seu uso.
PRINCIPAIS CONCEITOS

• Cetamina é uma droga derivada da fenciclidina com ação anta-gonista no


receptor NMDA (outro tipo de receptor ionotrópico). Produz hipnose e anestesia
dissociativas, além de possuir ativi-dade analgésica. Tem efeitos simpaticomiméti-
cos, com pequena ação depressora no sistema respiratório. Associada a diversos
efeitos psicológicos adversos dose dependente.
• Os alfa 2 agonistas têm efeitos interessantes na anestesia e funcionam
potencializando os inalatórios e hipnóticos venosos, além de diminuírem a neces-
sidade de opióides no periopera-tório, segundo alguns autores. A clonidina é mais
antiga e tem menor afinidade pelos receptores alfa 2 que a dexmedetomidina. Esta
última produz uma inibição importante do tônus simpático, mínima depressão
respiratória e pode ser usada com agente de sedação em UTI ou para realização de
procedimentos diagnósti-cos, IOT acordado, entre outros.
• Droperidol, uma butirofenona, foi utilizado primeiramente como antipsicó-
tico e para produzir neuroleptoanestesia. Pode induzir prolongamento do interva-
lo QT e possui atividade alfa bloquea-dora e antiemética importante..

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ANESTÉSICOS
ANESTÉSICOS VENOSOS
VENOSOS
Introdução
A descoberta do tiopental em 1934 inaugurou a era da anestesia venosa. Várias outras drogas
foram surgindo com o passar dos anos, chegando ao propofol, anestésico de início de ação
rápido e curta duração, com perfil adequado para infusão contínua. Novas drogas como o
alfa 2 agonista dexmedetomidina também vêm se destacando no contexto da anestesia veno-
sa total.
Neste capítulo estudaremos os anestésicos venosos não opióides: propofol, etomidato, ben-
zodiazepínicos, barbitúricos, cetamina, droperidol e os alfa-2-agonistas.
Todos causam sedação e hipnose dose dependente.
Com exceção da cetamina, todos promovem queda do fluxo sanguíneo cerebral (FSC), da
taxa metabólica cerebral de oxigênio (CMRO2), da pressão intracraniana (PIC) e da pressão
intraocular. Existe alguma evidência que os barbitúricos forneçam proteção cerebral durante
isquemia; o propofol é varredor de radicais livres e pode apresentar alguma proteção cerebral
também.
A ação da cetamina de antagonista dos receptores NMDA vem sendo estudada como possível
proteção cerebral. Com exceção dela e, em menor grau, do etomidato, todos causam depres-
são respiratória dose dependente com diminuição do volume corrente e do volume minuto.
Todos causam diminuição da resposta ventilatória ao acúmulo de CO2. Apnéia após bolus
rápido pode ocorrer. Cetamina causa depressão respiratória mínima e o etomidato deprime
menos a parte respiratória do que o propofol e os barbitúricos.
Os efeitos hemodinâmicos dependem do estado físico, hidratação, dose/velocidade de infu-
são, medicação pré-anestésica e drogas associadas. Depressão direta em miocárdio e vasos
e alteração na resposta dos barorreceptores são os responsáveis por alterações cardiovascu-
lares. Efeitos hemodinâmicos são mais pronunciados em idosos, hipovolêmicos, pacientes
com insuficiência renal, queimados, entre outros.
Todos podem liberar histamina, com exceção do etomidato que é o mais imunologicamente
seguro. Podem ter ação direta nos mastócitos, provocar reações alérgicas ativando comple-
mento, reação Ag-Ac ou reações anafilactóides (sem a presença de IgE). Barbitúricos provo-
cam um aumento de 350% na histamina plasmática; apesar disso, reações anafilactóides são
incomuns e a maior ocorrência é hipotensão. Propofol pode causar reações anafilactóides
devido, principalmente, ao seu conservante.

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Anestesia
Mecanismos de ação

Representação esque-
mática do receptor
GABAA e a ocupação das
suas subunidades pelo
GABA que provocam a
abertura do ionóforo e
entrada dos íons cloro.

A teoria mais aceita da ação anestésica para os anestésicos venosos é que ocorra uma intera-
ção com o sistema neurotransmissor inibitório do ácido γ-aminobutírico (GABA). O GABA
é o principal neurotransmissor inibitório no sistema nervoso central. O sistema de neu-
rotransmissores GABA e adrenérgico se opõem à ação de neurotransmissores excitatórios
(principalmente o Glutamato).

A entrada de íons
cloreto promove a
hiperpolarização da
membrana da célula
pós-sináptica e inibi-
ção funcional do neu-
rónio pós-sináptico.

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Anestesia
O tipo GABAA é um complexo receptor ionotrópico que consiste de cinco subunidades de
glicoproteínas, sendo duas alfa, duas beta e uma gama. Quando o receptor de GABAA é ativa-
do, a condutância transmembrana ao cloreto aumenta, permitindo o influxo de íons cloreto
e promovendo a hiperpolarização da membrana da célula pós-sináptica e inibição funcional
do neurónio pós-sináptico. Drogas sedativas e hipnóticas interagem com diferentes compo-
nentes do receptor GABA. No entanto, os requisitos estruturais (alostéricos) para a ativação
do receptor são diferentes para os anestésicos voláteis e venosos.
Os benzodiazepínicos se ligam a sítios receptores específicos que são parte do receptor GA-
BAA. A ligação ao receptor aumenta a eficiência do acoplamento entre o receptor de GABA
e o canal de cloreto. O grau de modulação da função do receptor de GABA é limitado, o que
explica o “efeito teto” produzido pelos benzodiazepínicos.
O efeito depressor do SNC dependente da dose produz hipnose, sedação, ansiólise, amné-
sia e efeitos anticonvulsivantes. Presume-se que estes efeitos no SNC são associados com a
porcentagem de ocupação dos receptores. Por exemplo, 20% de receptores ocupados fornece
ansiólise, de 30% a 50% amnésia e sedação; ocupação maior que 60% é necessária para a
hipnose ou inconsciência.
A interação de barbitúricos e propofol com estruturas de membrana parece diminuir a taxa
de dissociação do GABA do seu receptor, aumentando assim a duração da abertura ativada

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pelo GABA do canal de cloreto. Os barbitúricos também podem imitar a ação do GABA ati-
vando diretamente os canais de cloro. O mecanismo de ação do tiopental relaciona-se com
a sua capacidade de funcionar como um inibidor competitivo nos receptores de nicotínicos
de acetilcolina no SNC.

Várias substâncias
podem se ligar ao
receptro GABAA,
promovendo intera-
ções medicamen-
tosas e potencia-
lização do efeito
sedativo.

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O Etomidato estimula o GABA a manter os canais de cloreto abertos (ação indireta) e, em
concentrações mais elevadas, abre os canais de cloreto (ativação direta).
Várias drogas interagem com os receptores GABA, explicando a diminuição da dose de in-
dução do propofol quando o paciente já recebeu um benzodiazepínico na medicação pré-
-anestésica.
Cetamina produz uma dissociação
funcional entre os sistemas talamo-
cortical e límbico, um estado que
tem sido denominado “anestesia
dissociativa”. A cetamina deprime
a função neuronal no córtex cere-
bral e tálamo e, simultaneamente,
ativa o sistema límbico. O efeito
da cetamina na formação reticular
medular medial pode estar envol-
vido no componente afetivo da sua
atividade nociceptiva. Os efeitos
sobre o SNC da cetamina parecem
ser essencialmente relacionados Sitio específico de ligação de diversos anesté-
com a sua atividade antagonista sicos venosos gabaérgicos nas subunidades do
do receptor NMDA. Ao contrário receptor gabaérgico.
dos outros anestésicos venosos, a
cetamina não interage com receptores GABA; no entanto, liga-se a receptores não-NMDA
do glutamato, receptores nicotínicos, muscarínicos, monoaminérgicos e receptores opióides
kappa. Além disso, ela também inibe os canais neuronais de sódio (efeito anestésico local
leve) e canais de cálcio (vasodilatação cerebral).
Os agonistas de receptores α2-adrenérgicos, clonidina e dexmedetomidina, têm efeito se-
dativo potente e propriedades poupadoras de opióides (segundo alguns autores). Estes me-
dicamentos também têm efeitos significativos nos receptores α2 periféricos envolvidos na
regulação do sistema cardiovascular ao inibir a liberação de noradrenalina. Esta classe de
adjuvantes de anestesia também pode reduzir a pressão arterial (diminuindo os níveis de
descarga simpática do sistema nervoso central) e a frequência cardíaca (aumento da ativi-
dade vagal cardíaca). No entanto, a dexmedetomidina não conseguiu bloquear a resposta
hiperdinâmica aguda à terapia eletroconvulsiva quando administrado como o adjuvante me-
thohexital. A clonidina pode também reduzir as necessidades de anestésicos venosos e ina-
latórios, bem como a utilização de opióides no pós-operatório (Tema controverso, de acordo
com a publicação recente da revista Anesthesia & Analgesia, intitulada “Clonidine does not
Reduce Pain or Opioid Consumption after Noncardiac Surgery”, September, vol123, number
3, 2016. DOI: 101213/ANE.000000000000135).

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O droperidol é uma butirofenona que tem poder sedativo e antiemético, mas também apre-
senta alguns efeitos cardiovasculares indesejáveis. O droperidol é uma droga da família do
haloperidol.

Barbitúricos
O primeiro anestésico venoso de uso clínico foi o tiopental. Apresentava rápido início de
ação e curta duração, sem os efeitos excitatórios do hexobarbital. Muitos outros derivados
barbitúricos foram sintetizados ao longo das últimas décadas, no entanto, nenhum deles teve
o sucesso clínico e a popularidade do tiopental.

Estrutura química
Os barbitúricos são drogas hipnóticas derivadas do ácido barbitúrico, um núcleo pirimidina
hipnoticamente inativo que é formado pela condensação de uréia e de ácido malônico. O
ácido barbitúrico é a 2,4,6-trioxoexaidropirimidina. A presença de grupos alquila e arila na
posição cinco confere atividade sedativo-hipnótica e, por vezes, outras propriedades.

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As duas principais classes de barbitúricos são os oxibarbitúricos, com um átomo de oxigênio
na posição 2 do carbono (C2), e os tiobarbitúricos com um átomo de enxofre em C2. Essas
alterações em C2 permitem a formação de sais solúveis em água em soluções alcalinas e per-
mitem a utilização de barbitúricos por via endovenosa.
Apenas tiopental, tiamilal (tiobarbitúricos) e metoexital (oxibarbitúrico) têm sido utilizados
para a indução da anestesia. A formulação envolve a preparação de barbitúricos como sais

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de sódio e, em seguida, reconstituição com água, glicose 5%, ou solução salina normal para
produzir uma solução a 2,5% de tiopental, a 2% de tiamilal ou a 1% de metoexital.
Não podem ser reconstituídos com solução de ringer lactato ou misturado com outras solu-
ções ácidas, porque uma diminuição da alcalinidade da solução pode resultar na precipitação
dos barbitúricos como ácidos livres. Exemplos de fármacos que não devem ser administra-
dos juntos ou misturados em solução com os barbitúricos são atracúrio, vecurônio, rocurô-
nio, succinilcolina, alfentanil, sufentanil, dobutamina, dopamina, cetamina S e midazolam.
Alterações no carbono das posições 1, 2 e 5 causam mudanças no comportamento da droga,
como: maior efeito sedativo ou atividade anticonvulsivante. Por exemplo, a substituição de
um átomo de enxofre em C2 produz um início de ação mais rápido, tal como ocorre com o
tiopental.

Farmacocinética
Todos os barbitúricos, exceto o fenobarbital que tem excreção renal em forma inalterada,
são metabolizados pelo fígado. Os metabólitos são quase todos inativos, solúveis em água e
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excretados na urina. Os barbituratos são biotransformados por quatro processos:

· Oxidação do radical arila, alquila, ou fenila em C5;


· N-desalquilação;
· Dessulfuração dos tiobarbitúricos em C2
· Destruição do anel do ácido barbitúrico.

Oxidação, a via mais importante, produz produtos polares como álcoois, cetonas, fenóis ou
ácidos carboxílicos. Estes metabólitos são facilmente excretados na urina ou como conjuga-
dos de ácido glucorônico na bile.
Drogas que induzem as enzimas hepáticas também aceleram o metabolismo dos barbitúri-
cos, assim como a administração prolongada dos próprios barbitúricos.
A indução de enzimas hepáticas por barbitúricos é a razão por que eles não são recomenda-
dos para a administração a pacientes com porfiria aguda intermitente. Barbitúricos induzem
um aumento na enzima ácido gama-aminolevulínico sintetase, uma enzima mitocondrial
hepática, produzindo excesso de porfobilinogênio, podendo causar perigosas exacerbações
em pessoas com porfiria intermitente. Por esse motivo, barbitúricos são contraindicados em
pacientes com esta doença.
Devido ao mecanismo de redistribuição rápida pode se explicar como termina a ação de uma
dose única de barbitúrico. A droga se mistura no volume sanguíneo central, seguido por
uma distribuição rápida do fármaco para os tecidos altamente perfundidos (cérebro) e uma
distribuição mais lenta do fármaco ao tecido magro (músculo). O gradiente formado entre o
plasma e o tecido cerebral promove a saída do barbitúrico do cérebro de volta a circulação,
determinando o final do efeito hipnótico e despertar breve. Assim, o despertar após dose
única ocorre pela redistribuição e não pela metabolização da droga.
O modelo tricompartimental explica o atraso de recuperação quando a infusão contínua de
um barbiturato é feita. Este modelo descreve como a cessação do efeito torna-se cada vez
mais dependente do lento processo de captação e redistribuição do tecido adiposo e elimi-
nação através do metabolismo hepático. Após infusões prolongadas, a farmacocinética do
metabolismo barbitúrico é não-linear e a tendência é de acúmulo de droga e despertar muito
prolongado.
O volume de distribuição é um pouco maior em pacientes do sexo feminino (maior massa
de adipócitos), causando assim uma meia vida de eliminação mais longa. Gravidez também
aumenta o volume de distribuição do tiopental (maior volume circulante) e prolonga a meia-
-vida de eliminação. Mesmo em fases avançadas da cirrose hepática, a depuração do tiopental
não é alterada. Devido à sua lipossolubidade, relativamente grande volume de distribuição e
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baixa taxa de extração hepática, o tiopental pode se acumular nos tecidos, especialmente se
for administrado em doses elevadas durante um período prolongado.

Mecanismo de ação
Os mecanismos de ação dos barbitúricos sobre o SNC são em grande parte desconhecida,
com a exceção da sua ação sobre o receptor GABAA. Os efeitos no SNC têm sido agrupados
em duas categorias: 1) melhoria das ações dos neurotransmissores inibitórios sinápticos e 2)
bloqueio das ações sinápticas de neurotransmissores excitatórios.
O receptor GABAA é o único sítio comprovadamente envolvido com a anestesia induzida
pelo barbitúrico. A ligação ao receptor GABAA otimiza e mimetiza a ação do neurotrans-
missor GABA, aumentando a condutância ao cloreto cada vez mais através do canal iônico.
Isto produz hiperpolarização da membrana celular e aumenta o limiar de excitabilidade do
neurónio pós-sináptico.
Em baixas concentrações, os barbitúricos potencializam os efeitos do GABA, diminuindo
a taxa de dissociação do GABA do seu receptor e aumentando a duração de aberturas dos
canais de cloreto. Em concentrações maiores, os barbitúricos ativam os canais de cloretos
diretamente (sem a ligação do GABA) e atuam como agonistas.

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O segundo mecanismo de ação dos barbitúricos envolve a inibição da transmissão sináptica
dos neurotransmissores excitatórios, tais como o glutamato e a acetilcolina. As ações dos
barbitúricos para bloquear a transmissão excitatória no SNC são específicas para os canais
iônicos sinápticos. Tiopental pode exercer efeitos no sistema NMDA glutaminérgico, di-
minuindo os níveis extracelulares de glutamato no SNC e diminuindo circuitos do sistema
NMDA de forma dose dependente.

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Efeitos sobre o metabolismo cerebral
Uma diminuição da taxa de consumo de oxigênio cerebral (CMRO2 – consumption meta-
bolic rate of O2) relacionada com a dose diminui progressivamente o EEG, reduz o consumo
de ATP e aumenta a proteção para isquemia cerebral parcial. Quando o EEG se torna isoelé-
trico, um ponto em que a atividade metabólica cerebral é cerca de 50% da basal, não ocorre
mais diminuição da CMRO2. Estes resultados suportam a hipótese de que o metabolismo e
a função do cérebro são acoplados. Barbitúricos reduzem a atividade metabólica através da
diminuição da transmissão neuronal e não da atividade metabólica, correspondente à função
metabólica basal para manter a integridade celular. O efeito dos barbitúricos no metabolis-
mo cerebral é máxima quando há diminuição de 50% da função cerebral, deixando, assim,
toda a energia metabólica para a manutenção da integridade celular.
Com a redução no CMRO2 ocorre uma redução paralela na perfusão cerebral, no fluxo san-
guíneo cerebral (FSC) e na pressão intracraniana (PIC). Com reduzida CMRO2, a resistência
vascular cerebral aumenta e o FSC diminui. A relação do FSC/CMRO2 permanece inalterada.

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Nem mesmo se a pressão arterial média (PAM) diminuir, os barbitúricos não comprometem
a pressão de perfusão cerebral (PPC) em geral, porque a PPC = PAM – PIC. Nesta relação
a PIC diminui mais que PAM após a administração de barbitúricos e, assim, preserva PPC.
A resposta à dor e outros estímulos nocivos durante a anestesia geral parece estar deprimido
com os barbitúricos. Estudos revelam que eles podem diminuir o limiar de dor. Este efeito
ocorre apenas com baixos níveis sanguíneos de barbitúricos, os quais podem ser alcançados
com pequenas doses de tiopental na indução da anestesia. O efeito amnésico dos barbitúri-
cos é menos pronunciado do que aquele produzido pelos benzodiazepínicos.
Tiopental e metoexital são mais lipossolúveis do que o pentobarbital, o que causa mais rápi-
do início de ação do tiopental e do metoexital, comparado ao pentobarbital. Somente a for-
ma não ionizada (lipossolúvel) da droga pode atravessar diretamente as membranas celulares
bilipídicas. O tiopental tem uma constante de dissociação (pKa) de 7,6. Aproximadamente
50% do tiopental é não-ionizado em pH fisiológico, o que explica, em parte, pela rápida acu-
mulação de tiopental no líquor após administração. Metoexital é 75% não-ionizado em pH
7,4, e isto pode explicar o efeito mais rápido quando comparado com o tiopental. Quando o
pH diminui, como no choque, ocorre um aumento da fração não ionizada dos barbitúricos
disponível para cruzar a barreira hematoencefálica.
Determinados barbitúricos, particularmente aqueles contendo um substituinte 5-fenila (fe-
nobarbital, mefobarbital), têm atividade anticonvulsivante seletiva. A sua ação ansiolítica é
inferior à dos benzodiazepínicos.
O metoexital possui efeito epileptogênico em pacientes com epilepsia psicomotora e é o
anestésico de escolha para a eletroconvulsoterapia porque, quando comparado ao propofol e
ao tiopental, produz menor depressão da atividade cerebral no EEG.
O início de ação no sistema nervoso central é afetado pela ligação proteica uma vez que só
o fármaco livre pode atravessar a barreira hematoencefálica. Barbitúricos são altamente li-
gados à albumina e outras proteínas do plasma. O último fator que regula a penetração da
droga na barreira hematoencefálica é a concentração de droga no plasma. Os dois principais
determinantes da concentração de droga no plasma são: 1) a dose administrada e 2) a velo-
cidade de administração, sendo que, quanto maiores forem, mais rápida a entrada da droga
no SNC e sua ação.
O mecanismo de redistribuição explica o despertar precoce após dose única de tiopental.
Infusão contínua raramente é usada devido ao seu acúmulo, ficando reservada somente em
casos de hipertensão intracraniana refratária e convulsões intratáveis.
Despertar retardado em pacientes mais velhos pode ocorrer pelo aumento da sensibilidade
do SNC, alterações no metabolismo ou diminuição do volume de distribuição central. O vo-
lume inicial de distribuição é menor em pacientes mais idosos do que em pacientes jovens,
uma característica que explica uma exigência de dose menor. Os pacientes pediátricos pare-
cem ter uma taxa mais rápida de depuração total do que os adultos.

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Prolongamento da recuperação precoce e tardia são as principais razões pelas quais essas
drogas têm sido largamente substituídas pelo propofol.

Efeitos respiratórios
Barbitúricos produzem depressão dose dependente do centro respiratório. A evidência para
a depressão central é uma correlação entre supressão de EEG e ventilação minuto diminuída.
Pacientes com DPOC são mais suscetíveis à depressão respiratória com o tiopental.
O padrão ventilatório com a indução com tiopental tem sido descrito como dupla apneia,
que é um episódio inicial de apneia com duração de poucos segundos durante a adminis-
tração da droga, sucedido por algumas respirações de volume corrente razoavelmente ade-
quado, seguido por um período mais prolongado de apneia, geralmente com duração de
aproximadamente 25 segundos.
Os barbitúricos deprimem apenas levemente os reflexos protetores, até que o grau de into-
xicação seja suficiente para produzir grave depressão respiratória. Tosse, espirros, soluços
e laringoespasmo podem ocorrer quando se empregam barbitúricos como anestésicos in-
travenosos. De fato, o laringoespasmo é uma das principais complicações da anestesia com
barbitúricos.

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Efeitos cardiovasculares
Barbitúricos deprimem diretamente o miocárdio e o tônus vascular. O efeito cardiovascular
primário é a vasodilatação periférica, causando um acúmulo de sangue no sistema venoso
(sistema de capacitância). Mecanismos para a diminuição do débito cardíaco incluem: ação

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inotrópica negativa direta resultante da diminuição do influxo de cálcio para dentro das cé-
lulas miocárdicas, diminuição do enchimento ventricular causada pelo aumento da capaci-
tância e diminuição do tônus simpático. O aumento da frequência cardíaca (10% a 36%) que
acompanha a administração de tiopental provavelmente resulta da estimulação simpática
reflexa mediada por barorreceptores do coração em resposta à diminuição do débito cardía-
co e da pressão arterial. O índice cardíaco e a PAM mantêm-se inalterados ou reduzidos. As
alterações hemodinâmicas dependem da taxa de infusão de tiopental.
O aumento da frequência cardíaca encontrada em pacientes com doença arterial coronariana
é potencialmente deletéria por causa do aumento do consumo de oxigênio do miocárdio.
Tiopental pode não ser a escolha mais adequada para os pacientes com uma susceptibilida-
de a arritmias ventriculares ou com QT prolongado, como pacientes acidóticos ou pacientes
com condições que prolonguem o intervalo QT, como diálise de longo prazo, cirrose avança-
da ou síndrome do QT longo.
Tiopental deve ser evitado em pacientes hipovolêmicos devido à redução significativa do
débito cardíaco e da diminuição na PAM. Pacientes sem mecanismos compensatórios ade-

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quados podem ter depressão hemodinâmica séria com a indução da anestesia com tiopental.

Outros efeitos
Tiopental pode gerar liberação não imunomediada de histamina, produzindo quadros de
hipotensão arterial significativa.
Outros efeitos incluem: gosto desagradável na boca (sabor de alho ou cebola) em 40% dos
pacientes, reações alérgicas, irritação local e, raramente, necrose tecidual quando do extra-
vasamento acidental da veia em que foi injetado. A urticária transitória pode se desenvolver
na cabeça, pescoço e tronco. Reações mais graves, tais como edema facial, urticária, bron-
coespasmo e anafilaxia também podem ocorrer. O tratamento da anafilaxia é sintomático
(adrenalina).
Tiopental e tiamilal produzem menos sintomas excitatórios com a indução do que metoexi-
tal que produz tosse, soluço e tremores (cerca de cinco vezes mais frequentes). Irritação dos
tecidos e complicações locais podem ocorrer mais frequentemente com o uso de tiopental e
tiamilal do que com metoexital. Tiopental tem pH 9,0 mas não causa dor à injeção, diferente
do metoexital.
As consequências da injeção acidental arterial podem ser graves. O grau de dano está rela-
cionado com a concentração do fármaco. O tratamento consiste em diluição da droga através
da administração de solução salina para dentro da artéria, heparinização para prevenir a
trombose, papaverina e o bloqueio do plexo braquial com anestésico local (vasodilatador).

Propofol
O propofol é do grupo dos alquilfenóis, que foram explorados farmacológicamente pelas
suas propriedades hipnóticas. Os alquilfenóis são altamente solúveis em lipídios e insolúveis
em solução aquosa. A formulação mais utilizada é a de propofol a 1%, com 10% de óleo de
soja, 1,2% de fosfolípide de ovo adicionado como emulsionante, 2,25% de glicerol como um
agente de ajuste de tonicidade e hidróxido de sódio para alterar o pH. Devido a possibili-
dade de crescimento microbiano na emulsão, ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) foi
adicionado (bacteriostático). O propofol possui um pH de 7 e aparece como uma substância
branca leitosa ligeiramente viscosa devido a pequenas gotículas lipídicas em solução. Existe
uma formulação a 2%. Todas as formulações disponíveis comercialmente, são estáveis à tem-
peratura ambiente, não são sensíveis à luz e podem ser diluídas SG a 5%. As concentrações
de propofol podem ser medidas tanto no sangue total como no ar exalado.
Fospropofol é um pró-fármaco solúvel em água de propofol que é metabolizado por fosfata-
ses alcalinas no fígado para o propofol ativo. Poucos dados são disponíveis sobre a droga. Em
contraste com o propofol, fospropofol não está associado com dor durante a injeção, apesar
de relatos de leve a moderada parestesia perineal e prurido após uma injeção terem sido re-
latadas, provavelmente devido a um metabólito fosfato.
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Anestesia
Farmacocinética
O propofol é oxidado a 1,4-di-isopropilquinol no fígado (reação de fase 1). Tanto o propo-
fol quanto o 1,4-diisopropilquinol são conjugados com ácido glucorônico (reação de fase 2)
para formar propofol-1-glucuronio, quinol-1-glucuronio e quinol-4-glucuronideo, os quais
podem, então, ser excretados pelos rins. Menos de 1% do propofol é excretado inalterado na
urina e apenas 2% é excretado nas fezes. Os metabólitos do propofol são inativos.
O metabolismo do propofol (> 1,5 L / minuto) excede o fluxo sanguíneo hepático e, desse
modo, o metabolismo extra-hepático ou eliminação renal podem ocorrer. Metabolismo ex-
tra-hepático foi confirmado durante a fase anepática dos pacientes submetidos a transplante
de fígado com a determinação de metabólitos de propofol após a administração do propofol
na ausência do fígado. O local extra-hepático mais importante do metabolismo de propofol é
o rim (Miller), responsável por até 30% da depuração propofol. Os pulmões também podem
desempenhar um papel no metabolismo de propofol extra-hepático (Stoelting).
O propofol tem efeitos depressores hemodinâmicos e pode diminuir o fluxo sanguíneo he-
pático, podendo reduzir a depuração de outros fármacos que são metabolizados pelo fígado,
em particular aqueles com uma elevada taxa de extração hepática.
Fospropofol é um pró-fármaco de propofol solúvel em água e é quimicamente descrito como

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fosfono-O-metil-2,6-diisopropilfenol (C13H19O5PNa2). Fospropofol é metabolizado por
fosfatases alcalinas em propofol, formaldeído e fosfato. A meia-vida de eliminação de fospro-
pofol é de 0,88 horas. A farmacocinética do fospropofol e propofol liberado não é afetado por
raça, sexo ou insuficiência renal leve a moderada. Além disso, o metabolismo do fospropofol
não é afetado pela idade nem pela concentração de fosfatase alcalina. Até o momento, não
foram encontradas interações farmacocinéticas entre fospropofol e fentanil, midazolam ou

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morfina. Isto se deve ao fato de, provavelmente, ele não estar sujeito ao metabolismo media-
do pelas isoenzimas do citocromo P450.
A farmacocinética do propofol foi descrita por um modelo de dois ou três compartimentos.
Após uma única dose de bolus, níveis de propofol no sangue diminuem rapidamente em
consequência da distribuição e eliminação. A meia-vida de distribuição de propofol inicial
é de 2 a 8 minutos. A meia vida contexto sensível do propofol para infusões de até 8 horas é
de menos de 40 minutos. Mesmo após infusões prolongadas o despertar é rápido. O compar-
timento central é geralmente menor em idosos. Redução do débito cardíaco está associado
com um pico de concentração plasmática mais elevada e se traduz por um compartimento
central menor na análise farmacocinética.
A constante de equilíbrio (Ke0) para o propofol com base na supressão da atividade do ele-
troencefalograma (EEG) é aproximadamente de 0,3 minutos, e a meia-vida de equilíbrio
(t1/2 ke0) entre a concentração de plasma e de efeito no EEG é de 2,5 minutos. O tempo para
pico de efeito é de 90 a 100 segundos. O início do efeito no EEG com propofol parece ser in-
dependente da idade. O início de diminuição da pressão sanguínea arterial é muito mais len-

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to (o dobro do tempo) e aumenta com a idade. Para EEG e alterações da pressão arterial, os
pacientes mais velhos mostram um aumento da sensibilidade dependente da concentração.
A farmacocinética do propofol pode ser alterada por vários fatores (sexo, peso, doença pre-
existente, idade, e medicação concomitante). Alguns estudos sugerem que o propofol pode
apresentar uma farmacocinética não linear.
Como o propofol tem uma alta taxa de extração hepática, pode haver diminuição do débi-
to cardíaco e do fluxo sanguíneo hepático, prejudicando, assim, a sua própria eliminação.
Em contraste, o aumento do débito cardíaco induzido por administração simpaticomimética
pode levar a uma diminuição na concentração plasmática do propofol. Em um modelo de
choque hemorrágico, as concentrações de propofol aumentaram em até 20% quando o cho-
que descompensado ocorreu.
Em recém-nascidos a termo e prematuros, a variabilidade da depuração do propofol é gran-
de e a dosagem nestes recém-nascidos deve ser calculada com extremo cuidado. As mulheres
têm um maior volume de distribuição e taxas de depuração superiores, mas a meia-vida de
eliminação é semelhante para os pacientes masculinos e femininos. Os indivíduos mais ve-
lhos têm diminuídas as taxas de eliminação e um volume de compartimento central menor.
Ambas as mudanças podem ser o resultado de redução do débito cardíaco e, devido a estas
condições e à maior sensibilidade ao efeito do propofol, pacientes com 80 anos de idade ou
mais velhos em geral, precisam de 50% da dose de propofol de pacientes de 20 anos para
atingir o mesmo nível de sedação ou a hipnose. As crianças têm um volume de comparti-
mento central relativamente maior (50%) e uma depuração mais rápida (25%). Em crianças
com mais de 3 anos de idade, volume e depuração devem ser ajustadas ao peso. As crianças
com menos de 3 anos de idade também mostram parâmetros farmacocinéticos proporcio-
nais ao peso, mas com compartimento central e valores da depuração sistêmica maiores do
que em adultos ou crianças mais velhas. Isso explica os requisitos de dose maior neste grupo.
A doença hepática parece resultar em volumes maiores do compartimento central; a depura-
ção mantém-se inalterada, mas a meia-vida de eliminação é ligeiramente prolongada, assim
como o tempo de despertar. Na prática clínica, não é necessário ajuste de dose significativa
em pacientes com doença hepática. A depuração extra-hepática de propofol pode ser res-
ponsável por compensar uma função hepática reduzida.
O midazolam afeta a farmacocinética do propofol, elevando sua concentração plasmática em
27%. O midazolam reduz a depuração metabólica do propofol. As alterações na farmaco-
cinética do propofol induzidas pelo midazolam podem ser o resultado de alterações hemo-
dinâmicas induzidas pela co-administração. O propofol, por sua vez, afeta a farmacocinética
do midazolam. Na presença de concentrações sedativas de propofol, concentrações de mida-
zolam também aumentam na ordem de 27%.
A co-administração de propofol aumenta as concentrações de remifentanil, tanto por uma
diminuição do volume distribuição como por diminuição na depuração de remifentanil.

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A cinética do propofol não é alterada por doença renal.
O propofol atravessa a placenta, mas não atinge concentrações clínicas; o APGAR dos re-
cém-nascidos após injeção de propofol durante a indução não se alterou. Não altera a con-
tratilidade uterina e pode ser utilizado para a aspiração de folículos na fertilização in vitro.

Mecanismo de ação e ações no SNC


A ação hipnótica do propofol é principalmente mediada através do aumento de corrente de
cloreto induzida pelo ácido γ-aminobutírico (GABA) através da sua ligação à subunidade β
do receptor de GABAA. Sítios sobre as subunidades β1, β2 e β3 dos domínios de membrana
são cruciais para a ação hipnótica do propofol. A subunidade α e subtipos das subunidades
γ2 também parecem contribuir para modular os efeitos do propofol no receptor GABA.
Os efeitos do propofol foram descritos como indireto e direto. O propofol exibe um efeito
de potenciação indireta da ativação do canal iônico do receptor GABA. Concentrações mais
altas de propofol parecem ativar diretamente os canais dos receptores GABA.
Através de sua ação sobre os receptores GABA, o propofol inibe a liberação de acetilcolina
no hipocampo e no córtex pré-frontal. O sistema α2-adrenérgico também parece ter papel
indireto nos efeitos sedativos do propofol.

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Ao usar a tomografia por emissão de pósitrons, o uso de propofol tem sido relacionado com
atividade reduzida nas regiões do tálamo e lóbulo quadrado. Estas regiões provavelmente
desempenham um papel importante na inconsciência induzida por propofol.
Propofol promove inibição generalizada do receptor N-metil-d-aspartato (NMDA) de gluta-
mato, através da modulação de canal de sódio, uma ação que também pode contribuir para

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os efeitos da droga do SNC.
O propofol possui um efeito depressor direto sobre os neurônios da medula espinhal. Nos
neurônios do corno dorsal, o propofol atua sobre os receptores GABAA e de glicina.
A sensação de bem-estar em pacientes com propofol está relacionada com o aumento das
concentrações de dopamina no núcleo accumbens. A ação antiemética pode ser explicada
pela diminuição dos níveis de serotonina que produz na área postrema, provavelmente atra-
vés de sua ação sobre os receptores GABA.
O início da hipnose após uma dose de 2,5 mg/kg é rápido, com um efeito de pico detectada
em 90 a 100 segundos. A dose mediana eficaz (ED50) de propofol para a perda de consci-
ência é de 1 a 1,5 mg / kg depois de um bolus. A duração da hipnose é dose dependente e é
de 5 a 10 minutos após 2 a 2,5 mg/kg. A idade afeta sensivelmente a dose de indução, que é
mais alta em menores de 2 anos (2,88 mg/kg) e diminui com o aumento da idade. Este é um
resultado direto da farmacocinética alterada em crianças e em adultos mais velhos. As crian-
ças exibem um compartimento central relativamente maior e assim necessitam de uma dose
mais elevada para assegurar uma concentração da droga no sangue. Além disso, a rápida

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depuração do propofol em crianças requer uma dose de manutenção maior. O aumento da
idade diminui a concentração de propofol necessária para a perda de consciência.
Em doses subhipnóticas, o propofol proporciona sedação e amnésia. O propofol também
tende a produzir um estado geral de bem-estar. Alucinações, fantasias sexuais e opistótonos
podem ocorrer após a administração de propofol.
O efeito do propofol no EEG mostra um aumento inicial no ritmo alfa seguido por uma
mudança para gama e teta. Taxas de infusão rápida produzem supressão de onda quando
concentrações no sangue são superiores a 8 microgramas/mL. O propofol causa uma dimi-
nuição de concentração dose dependente no BIS, com 50% e 95% dos pacientes incapazes
de responder a um comando verbal a um BIS de 63 e 51, respectivamente. A relação dose/
concentração no sítio de efeito mostra correlação semelhante com a diminuição da entropia
espectral assim como no BIS, proporcionando uma habilidade de titular o efeito hipnótico
da droga.
O efeito do propofol em atividade epileptogênica é controversa. Pode suprimir a atividade
de convulsão através do agonismo com o GABA, inibição dos receptores NMDA (NMDAR)
e modulação dos canais lentos de íons cálcio. No entanto, o mesmo agonismo do GABA e
antagonismo da glicina também pode induzir convulsões e alterações epilépticas no EEG,
especialmente durante a indução e despertar da anestesia. O propofol tem uma ação anti-
convulsivante dependente da dose. Foi usado para tratar crises mas, também, pode causar
convulsões e tem sido utilizado para o mapeamento cortical de focos.
Infelizmente o propofol pode ser viciante e uma questão importante no potencial do abuso
é o desenvolvimento de tolerância. Os dados sobre abuso em geral são desconhecidos, mas a
incidência de abuso é provável que seja baixo em comparação com outras substâncias. Para
os profissionais de saúde, o propofol é de fácil acesso e relatos de casos de autoadministração
letal ocorrem. Alguns pesquisadores sugeriram uma maior incidência de abuso de propofol
por prestadores de cuidados de saúde.
Propofol diminui a pressão intracraniana (PIC) em pacientes com PIC normal ou aumenta-
da. A diminuição da PIC (30% a 50%) está associada a reduções significativas na pressão de
perfusão cerebral (PPC). O uso de propofol em pacientes com traumatismo craniano deve
ser restrito a doses que provoquem sedação leve a moderada. Reatividade cerebral normal ao
dióxido de carbono e autorregulação são mantidas durante uma infusão de propofol.
Anestésicos normalmente são neuroprotetores porque reduzem a utilização metabólica de
oxigênio, o que é benéfico para o equilíbrio entre a oferta e demanda de energia e porque au-
mentam a tolerância à hipóxia do tecido neuronal. O propofol não tem nenhum efeito direto
de precondicionamento, mas pode atenuar a toxicidade mediada pelo glutamato.
Propofol reduz agudamente a pressão intraocular em 30% a 40%. Comparado com tiopental,
propofol produz uma redução maior na pressão intraocular e é mais eficaz na prevenção do
aumento da pressão intraocular secundária a succinilcolina e intubação endotraqueal.

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Durante a indução podem ocorrer fenômenos excitatórios como abalos, mioclonias e solu-
ços.
Os efeitos neuroprotetores do propofol permanecem controversos. Em um modelo de is-
quemia incompleta em ratos, o propofol utilizado para provocar supressão de EEG resultou
em melhor resultado neurológico e menos lesões do tecido cerebral em comparação com o
fentanil. O propofol administrado em concentrações sedativas iniciado tanto imediatamente
quanto após 1 hora após o insulto isquêmico, reduziu o tamanho do infarto em comparação
com o controle. O efeito protetor neuronal do propofol pode resultar da atenuação das alte-
rações no ATP, cálcio, sódio, potássio causadas por lesão hipóxica e a sua ação antioxidante
de inibição da peroxidação lipídica. Evidências indicam que o propofol pode proteger neurô-
nios contra a lesão isquêmica causada por excitotoxicidade, mas dura apenas se o insulto for
relativamente leve e não prolongado. Prolongada sedação em crianças está associada a resul-
tados neurológicos adversos.
Muitos anestésicos diminuem as concentrações sanguíneas necessárias para a ação do pro-
pofol. Não surpreendentemente, o despertar é adiado na presença de altas concentrações
sanguíneas de opióides. Concentrações sanguíneas de propofol adequadas ocorrem quando
a droga é combinada com várias dessas drogas, incluindo remifentanil, alfentanil, sufentanil
e fentanil, que garantem anestesia adequada e o mais rápido retorno à consciência no pós-

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-operatório, quando usadas em concentrações adequadas. Efeito muito interessante ocorre
com a associação propofol-remifentanil, que permite anestesia estável e possibilidade precisa
de despertar.

Efeitos respiratórios
Apneia ocorre após a administração de uma dose de indução de propofol, sendo que a inci-
dência e a duração da apneia dependem da dose, velocidade de injeção e pré-medicação.
Uma dose de indução resulta em uma incidência de 25% a 30% de apneia devido aos efeitos
depressores respiratórios do propofol, mesmo com PaCO2 normal e na ausência de estimu-
lação cirúrgica. Depressão metabólica adicional impede a PaCO2 de aumentar. A duração
da apneia com propofol pode ser prorrogada para mais de 30 segundos se for associado um
opióide, quer como pré-medicação ou imediatamente antes da indução da anestesia. Ocorre
uma redução de 40% do volume corrente e um aumento de 20% na frequência respiratória,
com mudanças imprevisíveis na ventilação minuto. O aumento da taxa de infusão provoca
uma diminuição mais moderada do volume corrente mas nenhuma mudança na frequência
respiratória.
Propofol deprime a resposta ventilatória à hipóxia, presumivelmente por uma ação direta so-
bre quimiorreceptores no corpo carotídeo. Pode induzir broncodilatação em pacientes com
doença pulmonar obstrutiva crônica e atenua o broncoespasmo induzido por estímulo vagal
(em baixas concentrações) e por metacolina (em altas concentrações) e parece ter uma ação
direta sobre os receptores muscarínicos. O conservante usado com o propofol é importante
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por causa de sua atividade broncodilatadora.
O propofol inibe o ATP pulmonar que promove a vasodilatação, potencializando a vasocons-
trição pulmonar hipóxica.

Efeitos cardiovasculares
O efeito mais proeminente do propofol é uma diminuição na pressão sanguínea arterial
durante a indução da anestesia. Independentemente da presença de doença cardiovascular,
uma dose de indução de 2 a 2,5 mg/kg produz uma redução de 25% a 40% da pressão arterial
sistólica. Quedas semelhantes são vistas nas pressões arteriais média e diastólica. A diminui-
ção na pressão sanguínea arterial está relacionada com uma diminuição do débito cardíaco e
do índice cardíaco (± 15%), volume sistólico (± 20%) e da resistência vascular sistémica (de
15% a 25%). A função ventricular esquerda sistólica é também diminuída (± 30%). Quando a
função do ventrículo direito é considerada especificamente, o propofol produz uma redução
acentuada da contratilidade.
Em pacientes com doença valvular cardíaca, a pressão arterial pulmonar e a pressão capilar
pulmonar são reduzidos, uma descoberta que reflete uma diminuição da pré e pós-carga.
Embora a diminuição da pressão sistêmica após uma dose de indução de propofol seja cau-
sada por vasodilatação, os mecanismos depressores miocárdicos diretos do propofol são as-
suntos controverso. A diminuição do débito cardíaco após a administração de propofol pode
ser resultado de sua ação no drive simpático para o coração.
A resposta hemodinâmica ao propofol é tardia em relação ao efeito hipnótico. O efeito hip-
nótico do propofol é da ordem de 2 a 3 minutos e cerca de 7 minutos para a depressão he-
modinâmica.
Altas concentrações de propofol inibem o efeito inotrópico da estimulação α mas não β-a-
drenérgica e promovem o lusiotropismo (relaxamento) causado pela estimulação β-adrenér-
gica. Clinicamente o efeito depressor do miocárdio e a vasodilatação dependem da dose e da
concentração plasmática do propofol. É um vasodilatador, pois reduz a atividade simpática
devido ao efeito direto na mobilização intracelular de cálcio no músculo liso, inibição da sín-
tese da prostaciclina em células endoteliais, na redução da entrada de cálcio celular provoca-
da pela angiotensina II, ativação dos canais de ATP-potássio e a estimulação do óxido nítrico.
A frequência cardíaca não se altera significativamente depois de uma dose de indução. Pro-
pofol pode diminuir ou inibir o barorreflexo, reduzindo assim, a resposta taquicárdica à
hipotensão. O propofol também diminui o tônus parassimpático cardíaco de uma forma de-
pendente da dose. A droga tem um efeito mínimo direto sobre nó sinusal, sistema atrioven-
tricular ou via de condução acessória. O propofol atenua a resposta da frequência cardíaca
à atropina de maneira dose dependente. Também suprime taquicardias atriais (supraventri-
culares) e provavelmente deve ser evitado durante estudos eletrofisiológicos. Uma vez que o
efeito vasodilatador e depressor do miocárdio são dependentes da concentração, a diminui-

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ção na pressão sanguínea arterial de propofol na fase de infusão (manutenção da anestesia)
é muito menor do que a observada após a indução da anestesia, por administração de bolus
IV. Uma infusão de propofol reduz o fluxo sanguíneo do miocárdio e o consumo de oxigênio.
Assim, a relação global de fornecimento e demanda de oxigênio do miocárdio é provavel-
mente preservada.
O efeito cardioprotetor do propofol comparado com anestésicos inalatórios em pacientes
que se submetem a procedimentos cardíacos ou CEC é menos discutível. Em dois grandes
estudos comparando propofol com sevoflurano em pacientes submetidos a procedimentos
cirúrgicos cardíacos, os níveis de troponina pós-operatórias foram mais baixos e a função
hemodinâmica foi melhor em pacientes que receberam sevoflurano.

Outros efeitos
Propofol, semelhante ao tiopental, não aumenta o bloqueio neuromuscular produzido por
bloqueadores neuromusculares. Propofol não produz nenhum efeito sobre a eletromiografia
ou na redução de contração muscular. Sozinho pode proporcionar condições boas ou acei-
táveis de IOT.
Propofol não desencadeia hipertermia maligna e é uma escolha apropriada nesses pacientes.

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Após uma dose única ou uma infusão prolongada, não afeta a síntese de corticosteróides.
Propofol na formulação de emulsão não altera as funções hepática, hematológica ou fibrino-
lítica.
Foram notificadas reações anafilactóides relacionadas ao propofol. Em pelo menos alguns
pacientes, a resposta imunitária foi inteiramente causada por propofol e não pela emulsão
lipídica. A maioria dos pacientes que desenvolvem a resposta anafilática ao propofol teve
uma história prévia de reações alérgicas. Talvez o propofol não deva ser utilizado em pa-
cientes com múltiplas alergias a drogas. Propofol sozinho na formulação lipídica não induz
a liberação de histamina. A história de alergia ao ovo não contraindica seu uso, uma vez que
os pacientes são alérgicos a clara (albumina), enquanto a lecitina é tirada da gema. Pacientes
com alergia aos bloqueadores neuromusculares podem apresentar reação cruzada.
Propofol também possui atividade antiemética significativa com pequenas doses (10 mg nos
adultos). Propofol usado como anestésico de manutenção durante procedimentos cirúrgicos
de mama foi mais eficaz do que 4 mg de ondansetrona administrada na profilaxia na de náu-
seas e vômitos no pós-operatório (NVPO). Propofol em infusão contínua também forneceu
excelente ação antiemética após quimioterapia. Aceita-se que este efeito antiemético ocorra
por diminuição dos níveis de serotonina na área postrema, atividade antidopaminérgica,
inibição da zona gatilho quimiorreceptora e centro vagais e, finalmente, por diminuição do
glutamato e aspartato no córtex olfatório.
Em doses subhipnóticas, o propofol alivia prurido devido à colestase e provavelmente seja
tão eficaz como a naloxona no tratamento do prurido induzido por opióides espinhais.

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Propofol diminui a atividade de leucócitos polimorfonucleares, mas não a fagocitose. Esta
ação contrasta com o efeito do tiopental, que inibe todas as respostas quimiotáxicas. No en-
tanto, propofol inibe nos polimorfonucleares a fagocitose e morte de Staphylococcus aureus
e Escherichia coli. Infecções sistêmicas potencialmente fatais têm sido associados com o uso
de propofol. Nos hospitais onde estas infecções ocorreram, os frascos abertos e seringas de
propofol foram positivos para cultura. Os lipídios que atuam como o solvente para o propo-
fol são excelentes meio de cultura. Edetato dissódico ou metabissulfito foram adicionados à
formulação de propofol em uma tentativa para retardar tal crescimento bacteriano. Técnica
asséptica rigorosa ainda deve ser observada.
A administração de propofol está associado com o desenvolvimento da pancreatite, que pode
estar relacionada com hipertrigliceridemia. Os pacientes que desenvolveram hipertrigliceri-
demia tendiam a ser mais velhos, tinham uma longa estadia na UTI e receberam propofol
por um período longo. Quando propofol é usado para sedação prolongada ou com taxas de
perfusão mais elevadas, especialmente em pacientes idosos, triglicérides séricos devem ser
monitorados rotineiramente.
A indução da anestesia com propofol é muitas vezes associada com dor à injeção, apneia,
hipotensão e, raramente, tromboflebite da veia onde é injetado. A dor à injeção é reduzida
pelo uso de uma grande veia, evitando veias do dorso da mão e adicionando a solução de
lidocaína. O pré-tratamento com uma pequena dose de propofol, opióides, antinflamatórios
não-hormonais, cetamina, esmolol, metoprolol, magnésio, flash de luz, clonidina-efedrina,
dexametasona e metoclopramida foram testados com eficácia variável.
Síndrome da infusão do propofol é uma síndrome rara, mas letal associado a infusão de
propofol a 4 mg/kg/hora ou por 48 horas ou mais. Esta síndrome foi descrita pela primeira
vez em crianças, mas posteriormente foi observada no paciente crítico adulto. As caracterís-
ticas clínicas da síndrome da infusão do propofol são bradicardia refratária aguda levando
a assistolia, na presença de um ou mais dos seguintes: acidose metabólica (déficit de base>
10 mmol/L), rabdomiólise, hiperlipidemia e hepatomegalia. Outras características incluem
miocardiopatia dilatada com insuficiência cardíaca aguda, miopatia esquelética e hiperpo-
tassemia. Os sinais e sintomas são o resultado da lesão muscular e a liberação de conteúdo
tóxico intracelular. Os principais fatores de risco são a oferta baixa de oxigênio aos tecidos,
sepse, lesão cerebral grave e grandes doses de propofol.
A explicação para a síndrome da infusão de propofol é a provável toxicidade mitocondrial,
defeitos na mitocôndria e deficiência de carboidratos. Os fatores predisponentes são doenças
genéticas prováveis prejudicando o metabolismo de ácidos graxos, como acetilcoenzima A
de cadeia média. Como a lipemia aumentada foi observada, uma falha de regulação lipídica
hepática, possivelmente relacionada à má oxigenação ou à falta de glicose pode ser a causa.
Em alguns casos, o aumento da lipemia foi a primeira indicação de síndrome de infusão de
propofol; portanto, lipemia é um sinal.

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Benzodiazepínicos (BZD)
Embora os benzodiazepínicos exerçam efeitos clínicos qualitativamente similares, há em
seus espectros farmacodinâmicos e em suas propriedades farmacocinéticas importantes di-
ferenças quantitativas que determinam vários padrões de aplicação terapêutica. Supõe-se que
diferentes mecanismos de ação contribuam para os efeitos sedativo-hipnóticos, relaxantes
da musculatura, ansiolíticos e anticonvulsivantes dos benzodiazepínicos e que subunidades
específicas do receptor GABAA sejam responsáveis por diferentes propriedades farmacoló-
gicas desses fármacos.
Na prática anestésica, o midazolam é o BZD mais utilizado imediatamente antes da indução
da anestesia, seja como medicação pré-anestésica ou na sala de cirurgia. Diazepam, loraze-
pam, temazepam e flumazenil são usados menos frequentemente. Uma nova droga, o remi-
mazolam, apresenta um perfil de ação ultrarrápido e deve ser uma droga de grande uso no
futuro.

Estrutura Química
O termo benzodiazepínico refere-se à parte da estrutura composta de um anel benzeno liga-
do a um anel diazepínico de sete membros. Como todos os benzodiazepínicos importantes

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contém um substituinte 5-arila (anel C) e um anel 1,4-diazepina, o termo acabou significan-
do as 5-arilas-1,4-benzodiazepinas.
A substituição do anel C por um grupo cetona na posição 5 e por um substituinte metila na
posição 4 é um aspecto estrutural importante do antagonista do receptor benzodiazepínico
flumazenil.

Características físico-químicas
Os BZD são moléculas relativamente pequenas e são lipossolúveis em pH fisiológico. A ele-
vada lipossolubilidade dos compostos é a base para o efeito rápido no SNC e relativamente
grandes volumes de distribuição.
O midazolam possui um anel imidazólico em sua estrutura que dá à droga uma característica
básica, permitindo, assim, sua preparação em meio ácido. Em pH igual ou menor a 4, o seu
anel benzodiazepínico se abre de forma reversível e ele é hidrossolúvel. Em pH 7,4 (sangue)
o seu anel volta a se fechar e ele se torna lipossolúvel. Por esse motivo, a solução injetável não
necessita do conservante propilenoglicol.
O diazepam e o flunitrazepam contém o conservante propilenoglicol que pode ser um pro-
blema no caso de infusão contínua pois ele não pode ser utilizado em pacientes renais crôni-
cos e junto a hemoderivados (pode causar hemólise); além disso, neutraliza a heparina, irrita
o endotélio, provoca dor à injeção e seu uso frequente causa tromboflebites.

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Farmacocinética
Os quatro benzodiazepínicos usados em anestesia são classificados em ação curta (midazo-
lam), ação intermediária (lorazepam, temazepam), e ação prolongada (diazepam), de acordo
com o seu metabolismo e depuração plasmática. As curvas de desaparecimento no plasma de
todos os BZD podem ser melhor descritas como um modelo de dois ou três compartimentos.
A ligação às proteínas e volumes de distribuição não são muito diferentes entre eles, mas a
depuração é significativamente diferente. Os fatores que podem influenciar a farmacocinéti-
ca são: idade, sexo, raça, indução enzimática, doença renal e hepática. Além disso, a farma-
cocinética dos benzodiazepínicos é afetada pela obesidade devido ao aumento do volume de
distribuição e direcionamento a partir do plasma para o tecido adiposo. Embora a depuração
não seja alterada, a meia-vida de eliminação é prolongada pelo aumento do volume de distri-
buição e lentidão no retorno do fármaco ao plasma dos obesos.
Geralmente, a sensibilidade aos efeitos dos BZD em alguns grupos de pacientes, tais como
idosos, é maior, apesar das alterações farmacocinéticas serem relativamente modestas.

Midazolam
Após ingestão oral, o midazolam é totalmente absorvido, e a concentração plasmática máxi-
ma é alcançada em 30 a 80 minutos. A biodisponibilidade de menos do que 50% resulta de
significativo metabolismo de primeira passagem na mucosa do intestino e no fígado.
Após a administração endovenosa é rapidamente distribuído com uma meia-vida de distri-
buição de 6 a 15 minutos. Tem alta ligação às proteínas plasmáticas: 94% - 98%.
Apresenta taxa de extração hepática intermediária e, por esse motivo, a depuração metabóli-
ca do midazolam depende tanto da atividade enzimática quanto do fluxo sanguíneo hepático.
Sua depuração plasmática é mais elevada em comparação com os outros BZD. Isto está re-
lacionado com o anel imidazólico que é oxidado rapidamente in vivo, muito mais do que o
grupo metileno do anel diazepínico dos outros BZD.
A farmacocinética do midazolam é afetada pela obesidade, idade e cirrose hepática. Devido
à sua elevada lipossolubilidade (em pH fisiológico), distribui-se, preferencialmente, para o
tecido adiposo, resultando em uma meia-vida de eliminação prolongada em obesos. O con-
sumo habitual de álcool aumenta o metabolismo e a cirrose reduz a depuração plasmática
por causa da diminuição do metabolismo.
Midazolam é metabolizado no fígado pelo citocromo P450 (CYP3A4 e CYP3A5) e seu prin-
cipal metabólito é o 1-hidroximidazolam que é conjugado com glucuronidases e excretado
por via renal. O 1-hidroximidazolam possui atividades sedativas semelhantes ao composto
inicial. Os metabólitos são depurados mais rapidamente do que o midazolam, tornando-se,
assim, de pouca preocupação em pacientes com função hepática e renal normais. Já em do-
entes com insuficiência renal o metabólito pode causar profunda sedação.

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Anestesia
Diazepam
Após ingestão oral, a biodisponibilidade é de aproximadamente 94% e o tempo para atingir
as concentrações plasmáticas é de, aproximadamente, 60 minutos. É amplamente ligado às
proteínas do plasma, o volume de distribuição é alto e a depuração do plasma é baixa.
A farmacocinética do diazepam é afetada pela obesidade e disfunção hepática e, particular-
mente, pela idade. Idade cada vez maior reduz a depuração de diazepam significativamente.
Seu metabolismo ocorre no fígado e é mediado, principalmente, pelas isoenzimas CYP2C19
e CYP3A4 do citocromo P450. Um dos principais metabolitos é o N-desmetildiazepam, que
tem características farmacodinâmicas semelhantes às do diazepam mas com uma meia-vida
de eliminação muito mais lenta que pode se estender até 200 horas. O N-desmetildiazepam
é metabolizado para oxazepam, que também é farmacologicamente ativo e, assim, os meta-
bólitos prolongam o efeito da droga.
Devido a essas características de meia vida de eliminação prolongada, metabólitos ativos e
prolongamento da potência e duração, o diazepam deve ser evitado em pacientes idosos e na
anestesia ambulatorial.

Lorazepam

Portal Anestesia
A biodisponibilidade oral do lorazepam é de 90%. As concentrações plasmáticas máximas
são atingidas cerca de 2 horas após a ingestão oral e a meia-vida de eliminação média é de 15
horas, com um intervalo de 8 a 25 horas. O Lorazepam tem um grande volume de distribui-
ção e é altamente ligado às proteínas plasmáticas (> 90%).
Lorazepam é conjugado no fígado para um glucoronídeo inativo. Este metabólito é solúvel
em água e rapidamente excretado na urina. A farmacocinética do lorazepam não é alterada
pela idade, sexo ou doença renal, mas a depuração é diminuída por disfunção hepática.

Remimazolam
Remimazolam é um novo agonista do receptor GABAA de curta ação e duração, com uma
elevada afinidade pelo receptor GABAA e rapidamente degradado em ácido carboxílico no
plasma por esterases inespecíficas. A incorporação de um radical éster carboxílico no núcleo
benzodiazepínico o torna susceptível ao metabolismo por esterases plasmáticas inespecíficas.
Estudos animais mostraram um rápido início de ação, maior profundidade de sedação e uma
recuperação mais rápida do que com midazolam.
Nos humanos, a depuração de remimazolam foi rápida e o volume de distribuição foi mo-
deradamente grande. Não existe nenhuma relação clara entre o peso corporal e depuração
sistêmica. Nível e duração da sedação dependem da dose.

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Anestesia
Farmacodinâmica
Os benzodiazepínicos parecem exercer a maior parte dos seus efeitos interagindo com re-
ceptores de neurotransmissores inibitórios ativados diretamente por GABA. Os receptores
ionotrópicos GABAA são constituídos de cinco subunidades que se dispõem de modo a for-
mar um canal de íons cloreto.
Os benzodiazepínicos atuam nos receptores GABAA ligando-se diretamente a um local es-
pecífico, distinto do ponto de ligação do GABA. Ao contrário dos barbitúricos, os benzodia-
zepínicos não ativam os receptores GABAA diretamente; em vez disso, os benzodiazepínicos
atuam de maneira alostérica modulando (aumentando) os efeitos do neurotransmissor inibi-
tório GABA. Os benzodiazepínicos e os análogos do GABA ligam-se a seus respectivos locais
nas membranas cerebrais com afinidade nanomolar.
Os benzodiazepínicos e os compostos a eles relacionados podem agir como agonistas, anta-
gonistas ou agonistas inversos no local de ligação sobre os receptores GABAA. Nesse local de
ligação, os agonistas aumentam e os agonistas inversos diminuem a quantidade de corrente
de cloreto gerada pela ativação do receptor GABAA. Na ausência de um agonista ou agonista
inverso, um antagonista para o local de ligação não afeta a função do receptor GABAA. Um
desses antagonistas, o flumazenil, é usado clinicamente para reverter os efeitos de altas doses
de benzodiazepínicos.

Efeitos no Sistema Nervoso Central


Todos os benzodiazepínicos têm efeitos hipnótico, sedativo, ansiolítico, amnésico, anticon-
vulsivante e propriedades relaxantes da musculatura produzidos centralmente. Os BZD apre-
sentam variedade de potência e eficácia no que diz respeito a essas propriedades como, por
exemplo, ação anticonvulsivante.
Os BDZ se ligam aos seus receptores com elevada afinidade. A ligação é estereoespecífica e
passível de saturação. A ordem de afinidade com o receptor (função direta da potência de um
fármaco) é: lorazepam> midazolam> diazepam. O lorazepam é de 5 a 10 vezes mais potente
que o diazepam, e o midazolam é 3 a 6 vezes mais potente que o diazepam.
A ligação a diferentes subtipos das subunidades do receptor GABAA promove diferentes
efeitos: amnésia, efeito anticonvulsante, ansiólise e hipnose. A subunidade alfa do receptor
GABA se apresenta em cinco isoformas, de alfa 1 a alfa 6.
Sedação, amnésia anterógrada e propriedades anticonvulsivantes são mediadas por subuni-
dades alfa 1 dos receptores GABAA, e ansiólise e relaxamento muscular são mediados pelas
subunidades alfa 2.
Os benzodiazepínicos reduzem o CMRO2 de maneira dose-dependente. Midazolam e diaze-
pam mantém uma proporção relativamente normal de FSC para CMRO2. Midazolam, dia-
zepam e lorazepam aumentaram o limiar convulsivo de intoxicação por anestésicos locais e

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Anestesia
diminuem a taxa de mortalidade em ratos expostos a doses letais de anestésicos locais. Mi-
dazolam tem efeitos neuroprotetores, impedindo a peroxidação lipídica e dano mitocondrial.
Todos eles reduzem a CMRO2, FSC e PIC. Midazolam e diazepam apresentam uma rela-
ção normal entre fluxo sanguíneo cerebral e CMRO2. Não produzem EEG isoelétrico (efeito
teto). A responsividade motora da vasculatura cerebral ao CO2 é preservada com o uso do
midazolam.
Os BZD apresentam atividade anticonvulsivante potente. Midazolam apresenta amnésia an-
terógrada, propriedade interessante na medicação pré-anestésica.

Efeitos respiratórios
Os benzodiazepínicos, semelhante à maioria dos anestésicos venosos, produzem depressão
dose dependente do sistema respiratório. BZD promovem relaxamento da musculatura res-
piratória das vias aéreas superiores, predispondo à obstrução. Também provocam diminui-
ção da resposta ventilatória à hipercarbia e à hipóxia.
Os benzodiazepínicos e opióides, quando associados, produzem depressão respiratória
sinérgica mesmo agindo em diferentes receptores. A idade, doenças crônicas e outras drogas
depressoras respiratórias aumentam a incidência e o grau da depressão respiratória e apneia

Portal Anestesia
por induzidos pelos BZD.

Efeitos cardiovasculares
BZD isolados têm modestos efeitos depressores na hemodinâmica. A alteração hemodinâmi-
ca predominante é uma modesta redução da pressão arterial, resultante de uma diminuição
da resistência vascular sistêmica. O mecanismo pelo qual eles mantém a hemodinâmica re-
lativamente estável envolve a preservação dos mecanismos reflexos homeostáticos, embora o
barorreflexo possa ser prejudicado pelo midazolam e diazepam.
Os efeitos hemodinâmicos do midazolam e diazepam são dose dependentes. A frequência
cardíaca, pressões ventriculares e débito cardíaco são mantidos após a indução da anestesia
com BZD. Em pacientes com aumento das pressões de enchimento ventricular esquerda,
diazepam e midazolam produzem um efeito nitroglicerina-like, diminuindo as pressões de
enchimento ventriculares e aumentando o débito cardíaco.

Interações medicamentosas
Como o citocromo P450 é frequentemente envolvido no metabolismo dos BZD, indução ou
inibição do citocromo P450 causa alterações na farmacocinética dessas drogas.
A inibição da CYP3A4 por drogas antifúngicas resulta em significativa inibição do metabo-
lismo do midazolam. Diazepam é principalmente metabolizado pela CYP2C19 e CYP3A4.
Inibidores da CYP2C19 como o omeprazol, fluvoxamina e ciprofloxacina aumentam a meia-
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Anestesia
-vida plasmática do diazepam substancialmente.
O clearance do lorazepam é afetado pelo ácido valpróico que diminui sua metabolização.
Remimazolam não é metabolizado pelas enzimas hepáticas e, dessa forma, é menos afetado
pelas interações medicamentosas.

Interações farmacodinâmicas
Os BZD atuam no sistema nervoso central e, portanto, interagem com outras drogas com
ação neste sistema, em particular, as que provocam depressão do SNC.
Na prática anestésica, os opióides são muitas vezes combinados com benzodiazepínicos, que
interagem de maneira sinérgica. A interação entre midazolam e cetamina é aditiva, enquanto
que a interação entre os efeitos hipnóticos de tiopental e midazolam e os de propofol e mi-
dazolam são sinérgicos.

Pré-medicação
Os benzodiazepínicos são as drogas mais comumente utilizadas para pré-medicação. Os ob-
jetivos são ansiólise, sedação, amnésia, diminuição do tônus simpático e das náuseas e vô-
mitos pós-operatórios. Os efeitos amnésicos são anterógrados e a memória retrógrada não é
afetada.
Midazolam é o mais frequentemente utilizado para a pré-medicação em adultos e crianças.
Idade, estado físico, nível de ansiedade, tipo e duração do procedimento cirúrgico determi-
nam a dose.
Lorazepam é principalmente utilizado quando prolongada e intensa ansiólise é desejada, tal
como em cirurgia cardíaca. Normalmente, de 2 a 4 mg de lorazepam são administrados por
via oral 2 horas antes da cirurgia.
Para pacientes pediátricos, o midazolam está disponível em várias preparações, inclusive
intranasal, e é bem tolerado. A dose é eficaz a partir de 0,25 mg/kg e produz sedação e ansi-
ólise em 10 a 20 minutos. Midazolam tem efeitos mínimos sobre a respiração e saturação de
oxigênio, mesmo em doses de até 1,0 mg/kg (máximo de 20 mg).

Sedação
O uso de midazolam durante a cesariana mostrou que o uso de uma dose única intravenosa
de midazolam foi seguro, sem diminuição de Apgar, alterações neurocomportamentais, des-
saturação ou a capacidade da mãe para lembrar o nascimento.
A sedação por períodos mais longos, como na UTI, também pode ser realizada com BZD. A
infusão prolongada pode resultar em acúmulo de drogas e, no caso do midazolam, signifi-
cativa concentração do metabólito ativo. As principais vantagens são amnésia e estabilidade

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Anestesia
hemodinâmica, e a desvantagem é o potencial efeito sedativo persistente após o término da
infusão, quando comparado com o propofol. Em 2013, a Society of Critical Care Medicine
(SCCM) e a American College of Critical Care Medicine publicaram diretrizes de sedação
para pacientes adultos internados em UTI que sugerem que as estratégias de atuais usando
fármacos não benzodiazepínios devem ser privilegiadas em relação à sedação com benzodia-
zepínicos para melhorar o resultado clínico em pacientes mecanicamente ventilados.

Anestesia
O midazolam é o BZD de escolha para a indução da anestesia. Inúmeros fatores influenciam
a velocidade do início de ação do midazolam quando utilizado para a indução da anestesia
geral, incluindo a dose, velocidade de injeção, o grau de pré-medicação, idade, estado físico
e anestésico. O início dos efeitos acontece em 30 a 60 segundos. A meia-vida de equilíbrio
entre a concentração plasmática e os efeitos no EEG é de, aproximadamente, 2 a 3 minutos.
Os pacientes mais idosos necessitam de doses menores de midazolam comparados aos mais
jovens.
Quando o midazolam é combinado com outros fármacos anestésicos, muitas vezes ocorre
uma interação sinérgica, semelhante à observada com o propofol. Esta sinergia é observada

Portal Anestesia
quando o midazolam é usado com opióides ou outros hipnóticos.
Os BZD não possuem propriedades analgésicas e devem ser utilizados com outras drogas
anestésicas suficientes para proporcionar analgesia; os benzodiazepínicos fornecem apenas
sedação, hipnose e amnésia.
Menores doses de infusão podem ser necessárias em alguns doentes ou quando em combi-

31
nação com opioides. Midazolam, diazepam e lorazepam se acumulam no sangue após ad-
ministrações repetidas em bolus ou com infusão contínua. Se os BZD se acumulam com a
administração repetida, um tempo de despertar prolongado pode ser esperado. Isso ocorre
menos com midazolam do que com diazepam e lorazepam. Remimazolam pode ser uma boa
alternativa; é rapidamente metabolizado e tem um perfil de recuperação mais rápida do que
o midazolam.

Numerosos estudos têm destacado o papel dos BZD e, especificamente, do midazolam, na


prevenção de NVPO.
Em mulheres submetidas a cirurgia de ouvido médio, midazolam EV 0,075 mg/kg após a
indução da anestesia, reduziu a incidência de NVPO e da necessidade de antieméticos de
resgate, sem diferença em relação ao placebo na intensidade da dor ou sonolência. A combi-
nação de midazolam e dexametasona provou ser mais eficaz na prevenção de NVPO do que
o midazolam sozinho.

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Anestesia
A incidência de NVPO em procedimentos cirúrgicos ginecológicos e urológicos foi o mesmo
quando comparados ondansetrona 4 mg EV e midazolam 2 mg EV.
Em crianças de 4 a 12 anos, midazolam 0,05 mg/kg EV reduziu significativamente as NVPO
após cirurgia de estrabismo em comparação com placebo ou dexametasona EV 0,5 mg/kg.
Nenhuma criança vomitou com midazolam ou com a associação midazolam-dexametasona.

Outros efeitos
Os BZD têm limitados efeitos alergênicos e não suprimem a glândula suprarrenal. O efeito
colateral mais significativo do midazolam é a depressão respiratória. Os principais efeitos
colaterais do lorazepam e diazepam, além da depressão respiratória, são a irritação venosa e
tromboflebite, problemas relacionados com a insolubilidade aquosa e o solvente propileno-
glicol.

Flumazenil
O flumazenil é semelhante ao midazolam e outros BZD clássicos, com exceção da troca do
grupo fenila por um grupo carbonila. Tem fraca solubilidade em água, mas suficiente para
permitir a sua preparação em solução aquosa, e apresenta lipossolubilidade moderada no pH
7.4.
O flumazenil é o primeiro antagonista benzodiazepínico aprovado para uso clínico. Liga-se
ao receptor dos benzodiazepínicos com elevada afinidade, grande especificidade e possui
efeito intrínseco mínimo ou ausente.
O flumazenil interage com o receptor GABAA de maneira dependente da concentração. É
um antagonista competitivo do receptor benzodiazepínico e produz um antagonismo que é
reversível e superável. Como todos os antagonistas competitivos, não desloca o agonista dos
receptores, mas ocupa o receptor quando o agonista se dissocia dele. A proporção de agonis-
ta para receptores totais produz os efeitos da droga agonista, mas o antagonista pode alterar
esta proporção, dependendo da sua constante de dissociação e concentração. O flumazenil
possui alta afinidade pelos receptores e se liga rapidamente, substituindo um agonista relati-
vamente fraco como o diazepam, quando é dado na dose suficiente.
O flumazenil é rapidamente metabolizado e a proporção de receptores ocupados pelo agonis-
ta então pode aumentar novamente, com o potencial para sedação rebote e depressão respi-
ratória. Uma dose única de flumazenil pode não ser suficiente para antagonizar os efeitos dos
BZD, sendo necessárias novas doses ou uma infusão contínua de 30 a 60 μg/minuto (0,5 a 1
μg/ kg/minuto). Esta situação é menos provável de ocorrer quando o flumazenil é usado para
reverter o midazolam, que tem uma depuração mais rápida do que a de outros agonistas.
Outra descoberta importante é que, na presença de grandes doses de agonista (erro da dosa-
gem, tentativa suicídio), uma pequena dose de flumazenil atenua a depressão do SNC (perda

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Anestesia
de consciência, depressão respiratória), reduzindo a ocupação do receptor pelo agonista sem
diminuir os efeitos agonistas que ocorrem no receptor de baixa ocupação (sonolência, amné-
sia). Por outro lado, grandes doses de flumazenil na presença de pequenas doses de agonista
reverte completamente todos os efeitos.
O flumazenil pode precipitar abstinência em humanos fisicamente dependentes de BZD. No
entanto, isto não é um problema quando o flumazenil é usado para reverter os efeitos clínicos
de agonistas do receptor GABAA usados na prática da anestesia.
O flumazenil, semelhante a outros BZD, é completamente (99%) metabolizado no fígado. É
rapidamente depurado a partir do plasma em 3 metabólitos inativos, N-desmetilflumazenil,
ácido N-desmetilflumazenil e ácido flumazenil, excretados via renal.
O flumazenil é um composto de curta duração. Em comparação com a maioria dos BZD,
flumazenil tem uma meia-vida de eliminação curta. Apenas o remimazolam tem uma meia-
-vida mais curta. A meia-vida plasmática de flumazenil é de aproximadamente 1 hora, a mais
curta de todos os benzodiazepínicos usados na prática anestésica. A depuração rápida do
sangue do flumazenil se aproxima do fluxo sanguíneo hepático que indica que a metaboliza-
ção hepática depende parcialmente do fluxo sanguíneo hepático. Apresenta baixa ligação às
proteínas plasmáticas (40%).

Portal Anestesia
Não apresenta efeitos quando administrado na ausência de agonistas BZD. O flumazenil não
possui propriedades anticonvulsivantes e antagoniza as propriedades anticonvulsivantes dos
BZD quando usado para tratar intoxicação por anestésico local. Quando administrado em
pacientes com depressão do SNC induzida por BZD, produz retorno à consciência e reversão
rápida da depressão respiratória, sedação, amnésia, e disfunção psicomotora.
Flumazenil reverte com sucesso os efeitos do midazolam, diazepam, lorazepam e flunitra-

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zepam. Também tem sido usado com sucesso para reverter os efeitos da intoxicação por hi-
drato de cloral, canabis, carbamazepina, overdose de álcool e de anti-histamínicos. O início
é rápido, com efeito máximo em 1 a 3 minutos e seu início e duração de ação são regidos
pela lei da ação das massas. Quando o flumazenil é administrado na presença de agonistas
que têm efeitos respiratórios significativos, ele reverte a depressão respiratória causada pelos
agonistas.
A administração de flumazenil é notavelmente livre de efeitos cardiovasculares, em contraste
com a experiência de reversão opióide com naloxona. Embora flumazenil reverta sedação,
não aumenta as concentrações sanguíneas de catecolaminas nem altera a pressão intraocular.
Flumazenil também restaura o barorreflexo cardíaco. Mesmo em altas doses, flumazenil tem
notavelmente poucas reações tóxicas e é livre de propriedades irritantes locais ou toxicidade
a órgãos conhecidos. Como todos os benzodiazepínicos, flumazenil aparentemente tem uma
margem de segurança elevada, provavelmente maior do que as margens de segurança dos
agonistas porque ele não produz depressão do SNC.
Veja a seguir as principais características farmacológicas dos BZD.

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Anestesia
Etomidato
A descoberta de uma droga estável hemodinamicamente e segura quanto à liberação de his-
tamina entusiasmou muito os anestesiologistas. Devido a seu potencial de inibição da 11-be-
ta-hidroxilase e interferência na produção de esteróides adrenais, esse entusiasmo diminuiu.
O perfil fisiológico benéfico e o uso crescente em serviços de emergência e UTI, combinado
com a falta de novos relatos descrevendo a supressão adrenocortical clinicamente significati-
va após a indução ou breves infusões motivou seu uso em alguns cenários.

Propriedades físico-químicas
O etomidato é um derivado imidazólico que não é quimicamente relacionado a nenhuma
outra droga usada na indução anestésica. O anel imidazólico provê a lipossolubilidade em
pH fisiológico e a solubilidade na água em soluções ácidas. Para aumentar a sua solubilidade,
é formulado como uma solução a 0,2% com propilenoglicol ou em uma emulsão lipídica.
Possui dois isômeros, sendo o dextrógiro o que possui propriedades hipnóticas. Liga-se a
proteínas de forma moderada: 76% à albumina e 2,5% à gama globulina.

Farmacocinética
A farmacocinética do etomidato foi determinada após dose única de bolus e infusão contí-
nua e pode ser melhor descrita por um modelo de três compartimentos.
A droga tem uma meia-vida de distribuição inicial de 2,7 minutos, uma meia-vida de re-
distribuição de 29 minutos e uma meia-vida de eliminação de 2,9 - 5,3 horas. Sua extração
hepática é elevada (18 a 25 mL/kg/min), com um razão de 0,5 ± 0,9.
A redistribuição é o mecanismo pelo qual o efeito após um bolus de etomidato acaba. Dis-
função hepática não altera significativamente a recuperação após uma dose única.
Um modelo de choque hemorrágico em animais com PAM até 50 mm Hg não alterou a
farmacocinética ou a farmacodinâmica do etomidato, como ocorre com outros anestésicos
venosos.
Em pacientes com cirrose, ocorre meia-vida de eliminação duas vezes do normal. O aumento
da idade está associado com um menor volume de distribuição inicial e uma diminuição da
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PortalANESTESIA
Anestesia
depuração do etomidato.
A meia-vida de eliminação curta e rápida depuração do etomidato o torna adequado para a
administração em infusão contínua, com meia vida contexto dependente mais curta do que
a de propofol. No entanto, a infusão contínua é contraindicada devido a supressão adrenal.
Etomidato é metabolizado principalmente no fígado por hidrólise em ácido carboxílico e um
grupo etanol (metabólito principal), sendo ambos inativos. Também sofre metabolismo por
esterases plasmáticas. Apenas 2% da droga é excretada de forma inalterada; a parte restante
é excretada pelo rim (85%) e bile (13%). Proteínas plasmáticas diminuídas (insuficiência he-
pática, renal, grandes queimados) aumentam a quantidade de droga em fração livre e pode
produzir efeito farmacodinâmico exagerado.

Efeitos no Sistema Nervoso Central


A ação principal do etomidato sobre o SNC é através do receptor GABAA e resulta em hipno-
se, que é atingida após uma dose de indução normal de 0,3 mg/kg. O mecanismo pelo qual o
etomidato produz hipnose é quase exclusivamente através da facilitação do receptor GABAA.
O etomidato em doses clínicas pode atuar de forma indireta, promovendo a modulação do
receptor GABAA. Outro modo é chamado de ativação direta ou agonismo alostérico, que

Portal Anestesia
ocorre em altas doses e, mesmo na ausência do GABA, ele ativa diretamente o receptor GA-
BAA. Estas duas ações sugerem dois sítios de ligação independentes no receptor de GABAA.
Os receptores GABA contendo subunidades β2 e β3 são modulados e ativados pelo etomida-
to, ao passo que aqueles que contêm subunidades β1 são muito menos afetados.
A dose de 0,2 a 0,3 mg/kg de etomidato reduz o FSC em 34% e a CMRO2 em 45%, sem alterar
a PAM. A PPC é mantida ou aumentada e ocorre um benefício no balanço entre consumo

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e demanda de oxigênio cerebral. Quando administrado em doses suficientes para produzir
a supressão de onda no EEG, diminui agudamente a PIC em 50% nos pacientes com hiper-
tensão intracraniana, retornando a PIC a valores quase normais. A diminuição da PIC é
mantida durante o período imediato após a intubação. Para manter os efeitos do etomidato
sobre a PIC, taxas elevadas de infusão (60 mg/kg/hora) são necessárias. A controvérsia per-
manece sobre as qualidades neuroprotetoras do etomidato. Um aumento da latência e uma
diminuição da amplitude dose dependente dos potenciais evocados auditivos são notados.
Também, produz um aumento da amplitude dos potenciais evocados somatossensoriais en-
quanto aumenta apenas minimamente a sua latência. Consequentemente, etomidato pode
ser utilizado para facilitar a interpretação de potenciais evocados somatossensoriais quando
a qualidade do sinal é fraca.
Experiências com animais sugeriram que em caso de sofrimento agudo fetal e lesão hipóxi-
ca, propofol e midazolam são preferidos sobre o etomidato para proteger o cérebro fetal em
cesariana.
Etomidato tem sido associado com convulsões e produz aumento da atividade eletroence-

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Anestesia
falográfica em focos epileptogênicos. Esse recurso tem se mostrado útil para o mapeamento
intraoperatório de focos convulsivos antes da ablação cirúrgica. Valores do BIS diminuem
após a administração de bolus de etomidato e retornam à linha de base durante a recupera-
ção. Durante a administração de etomidato, os valores do BIS mostram, com segurança, a
profundidade da sedação e hipnose.

Efeitos respiratórios
O etomidato tem menos efeito sobre a ventilação do que os outros tipos de anestésicos utili-
zados para induzir anestesia. Ele não induz a liberação de histamina em pacientes saudáveis
ou naqueles com doença reativa das vias aéreas. A resposta ventilatória ao dióxido de car-
bono é deprimida pelo etomidato, mas o drive de ventilação em qualquer tensão de CO2 é
maior do que após uma dose equipotente de metoexital.
A indução da anestesia com etomidato produz um breve período de hiperventilação seguido
por um breve período de apneia, o que resulta em um discreto aumento da PaCO2, mas sem
mudança na PaO2. Ações do etomidato sobre o tônus vascular pulmonar são semelhantes às
ações observadas com cetamina e propofol, isto é, eles atenuam as respostas vasodilatadoras
à acetilcolina e à bradicinina.

Efeitos cardiovasculares
A estabilidade hemodinâmica com etomidato é provocada pela sua inatividade sobre o sis-
tema nervoso simpático e no reflexo barorreceptor. O efeito mínimo sobre a função cardio-
vascular é o que o diferencia dos outros anestésicos. Etomidato tem se mostrado útil em pa-
cientes com doença valvular ou isquêmica do coração que são submetidos a procedimentos
cirúrgicos não cardíacos e também em pacientes com função cardíaca anormal. Em pacientes
que recebem etomidato durante a indução, ocorrem mais episódios de hipertensão arterial
e taquicardia se comparados com propofol. A proporção de oferta e demanda de oxigênio
pelo miocárdio está bem conservada. Etomidato não tem eficácia analgésica e deve ser com-
binado com um opióide para evitar perturbações hemodinâmicas durante a laringoscopia e
intubação.
No cenário de choque hemorrágico o etomidato tem vantagens na indução da anestesia. Em
contraste com outras drogas, a farmacodinâmica e farmacocinética do etomidato foram mi-
nimamente alteradas em um modelo animal de choque hemorrágico.

Efeitos endócrinos
Estudos mostraram aumento da mortalidade entre os pacientes de UTI que estavam rece-
bendo a administração de etomidato a longo prazo em comparação com doentes que rece-
biam BZD. A supressão adrenocortical era a causa deste aumento da mortalidade.

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Anestesia
Os efeitos hormonais específicos consistem de uma inibição reversível, dose dependente, da
enzima 11β-hidroxilase que resulta na diminuição da biossíntese de cortisol. O bloqueio da
11β-hidroxilase também afeta a síntese hepática de mineralocorticóides e aumenta a forma-
ção de intermediários (11-deoxicorticosterona). A investigação subsequente mostrou que o
etomidato é muito mais potente como inibidor da síntese de esteróide do que como agente
hipnótico. As concentrações de etomidato associadas à supressão suprarrenal são menores
que 10 ng/mL, muito inferiores às concentrações necessárias para a hipnose (> 200 ng/mL).
A literatura é inconclusiva sobre os benefícios potenciais do uso de etomidato sobre outros
agentes de indução em pacientes críticos e sua segurança em pacientes com sepse é uma
questão de debate na comunidade de cuidados intensivos. Como indicado anteriormente,
etomidato está associado com a supressão da esteroidogênese adrenal que pode durar até
72 horas. No entanto o impacto clínico deste efeito supressor adrenal não é certo. As reper-
cussões da utilização de uma dose única de etomidato em pacientes criticamente doentes
permanecem obscuras.

Indução da anestesia
A dose de indução do etomidato é 0,3 mg/kg, mas pode ser reduzida por pré-medicação com
um opióide ou BZD. O início da anestesia é rápido.

Portal Anestesia
Etomidato é mais adequado em pacientes com doença cardiovascular, doença reativa das
vias respiratórias, hipertensão intracraniana ou qualquer combinação de distúrbios que in-
dicam a necessidade de um agente estável.
A estabilidade hemodinâmica do etomidato proporciona segurança em pacientes com um
sistema cardiovascular comprometido que são submetidos a cirurgia de revascularização do

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miocárdio ou cirurgia valvar, bem como em pacientes que requerem indução de anestesia
geral para a angioplastia coronariana e cirurgias vasculares de grande porte. Para a cardio-
versão elétrica sincronizada, o rápido início de acão e recuperação e manutenção da pressão
arterial nesses pacientes, por vezes, hemodinamicamente instáveis, combinado com a manu-
tenção da respiração espontânea, faz do etomidato uma escolha aceitável.
Etomidato tem sido utilizado com sucesso em procedimentos neurocirúrgicos como a clipa-
gem de aneurisma gigante e é uma escolha razoável durante a indução da anestesia para pro-
cedimentos neurocirúrgicos. Além disso, etomidato deve ser considerado como um agente
de indução da anestesia para reduzir HIC quando a manutenção da pressão de perfusão
cerebral é importante.
Os pacientes com trauma que têm volume intravascular diminuído podem se beneficiar com
o uso do etomidato. Não apresenta depressão miocárdica direta.
Quando usado durante a eletroconvulsoterapia, etomidato pode produzir crises mais longas
em comparação com outros agentes hipnóticos. A indução da anestesia com etomidato é um
fator de risco independente para o desenvolvimento de delirium.

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PortalANESTESIA
Anestesia
Etomidato tem um lugar especial no tratamento do aumento do cortisol endógeno e é um
tratamento parenteral eficaz para esta indicação.

Outros efeitos
Náuseas e vômitos, dor no local da injeção, mioclonias e soluços são efeitos colaterais fre-
quentes. Mais recentemente, etomidato em uma emulsão lipídica foi associado a uma igual
ou maior incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório em comparação com o propo-
fol. A formulação lipídica de etomidato está associada com uma incidência muito menor de
dor durante a injeção, tromboflebite e liberação de histamina.
A dor no local da injeção pode ser reduzida através da injeção de lidocaína (20 a 40 mg) ime-
diatamente antes da injeção de etomidato. Uso de opioides prévios também diminui a dor.
A incidência de movimentos musculares (mioclonias) e soluços é altamente variável (0% a
70%), mas mioclonias podem ser reduzidas por pré-medicação com BZD, doses pequenas de
magnésio, opioides e mesmo pequenas doses de etomidato antes da indução.

Novos derivados do etomidato


Metoxicarboniletomidato (MOC) é um derivado do etomidato que é rapidamente metabo-
lizado a ácido carboxílico. A potência hipnótica do MOC é quase igual à do etomidato e a
duração da anestesia induzida é curta por causa do rápido metabolismo por esterases inespe-
cíficas. Em estudos, MOC não age como um inibidor da síntese de esteroides adrenais.
Outro derivado do etomidato, o carboetomidato, não contém um núcleo imidazólico. Em
animais, ele reduziu a supressão adrenal três vezes menos que o etomidato. Possui potente
propriedade hipnótica através da ativação de receptores GABAA e causa mínimas alterações
hemodinâmicas.

Cetamina
A cetamina é uma arilcicloexilamina, um congênere da fenciclidina, e se apresenta como
uma mistura de isômeros R (-) e S (+), embora o isômero S seja mais potente e com menos
efeitos colaterais. Apesar de ser mais lipofílica que o tiopental, a cetamina é solúvel em água
e disponível em soluções com cloreto de sódio adicionado de cloreto de benzetônio como
conservante.
A cetamina produz anestesia dissociativa em vez de depressão do SNC, através de ações an-
tagônicas da fenciclidina no receptor NMDA. Normalmente não deprime os sistemas cardio-
vascular e respiratório, mas tem alguns dos efeitos psicológicos adversos encontrados com as
outras fenciclidinas.
O isômero S (+) é de três a quatro vezes mais potente do ponto de vista analgésico, com me-
tabolização e recuperação mais rápidas e com menos efeitos colaterais psicomiméticos. No
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Anestesia
entanto, a S (+) cetamina também produz efeitos psicotrópicos, comprometimento cognitivo
e perda de memória. O interesse na cetamina tem aumentado por causa de seus efeitos sobre
a hiperalgesia, tolerância a opioides, dor crônica e potenciais efeitos neuroprotetores.

Características físico-químicas
A cetamina é metabolizada por enzimas hepáticas sendo que a principal via envolve a N-des-
metilação para formar norcetamina, que é então hidroxilada para hidroxinorcetamina que,
então, é conjugada com derivados glucuronídeos solúveis em água e finalmente é excretada
na urina. A norcetamina tem de 20% a 30% da atividade que o composto-mãe.
Independentemente da dose, o desaparecimento no plasma de cetamina pode ser descrito
por um modelo de dois compartimentos. A sua rápida distribuição é refletida na relativa-
mente curta meia-vida de distribuição de 11 a 16 minutos. A elevada solubilidade lipídica
da cetamina é refletida no seu grande volume de distribuição. A depuração também é alta
produzindo curta meia vida de eliminação de 2 a 3 horas. A média total de depuração do
organismo é aproximadamente igual ao fluxo sanguíneo hepático.
Alfentanil em baixas doses aumenta o volume de distribuição e a depuração da cetamina e
também aumenta a distribuição da cetamina para o cérebro. O modelo farmacocinético de

Portal Anestesia
Clements é o de melhor precisão para administrar uma dose baixa de cetamina usando uma
infusão alvo-controlada.
A farmacocinética dos dois isômeros de cetamina é diferente. Cetamina S(+) tem uma elimi-
nação mais rápida e maior volume de distribuição do que seu isômero R(-). A cetamina S(+)
também parece ser mais potente na supressão de ondas do EEG do que a R(-) ou a mistura
racêmica.

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A cetamina vem cada vez mais sendo utilizada por rotas alternativas, especialmente por via
oral e intranasal. A administração por qualquer uma destas vias é sujeita a um metabolismo
de primeira passagem significativo. A biodisponibilidade por administração oral é de 20% a
30%, e por via intranasal, é aproximadamente 40% a 50%.

Efeitos no Sistema Nervoso Central


Cetamina produz inconsciência e analgesia dose dependente. O fármaco interage com múlti-
plas áreas de ligação, incluindo os receptores para glutamato NMDA e não-NMDA, recepto-
res nicotínicos, muscarínicos, colinérgicos, monoaminérgicos e opioides. Em altas doses de
cetamina, receptores opioides épsilon também são afetados, os receptores muscarínicos são
bloqueados e a neurotransmissão GABAérgica é facilitada.
A ação mais importante da cetamina é a inibição da ativação do receptor NMDA pelo gluta-
mato, que leva à inibição da atividade excitatória no sistema límbico e no córtex e que resulta
em inconsciência. Ao nível da medula espinhal, a cetamina tem efeitos potentes antinocio-

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Anestesia
ceptivos no receptor NMDA e inibe a liberação de acetilcolina.
O estado de anestesia com cetamina foi denominado “anestesia dissociativa” porque os pa-
cientes parecem estar num estado cataléptico. Aqueles anestesiados com cetamina apresen-
tam profunda analgesia, mas podem manter os olhos abertos e muitos reflexos, como corne-
al, de tosse e de deglutição. No entanto, não devem ser considerados como ativos totalmente
no sentido de proteção, principalmente das vias aéreas.
O paciente não tem lembrança da cirurgia ou da anestesia, mas a amnésia não é tão proemi-
nente como com os BZD. Uma vez que a cetamina tem um peso molecular baixo, um pKa
próximo do pH fisiológico e relativamente elevada lipossolubilidade, sua molécula atravessa
a barreira hematoencefálica rapidamente e tem um início de ação em 30 a 60 segundos após
a administração de um bolus, sendo o efeito máximo em aproximadamente 1 minuto.
Após a administração da cetamina, as pupilas dilatam e nistagmo ocorre. Lacrimação e sali-
vação são comuns assim como o aumento do tônus muscular esquelético, muitas vezes com
movimentos coordenados, mas aparentemente sem propósito de braços, pernas, tronco e
cabeça. A duração da anestesia após administração única intravenosa de uma dose é de 10 a
15 minutos. Recuperação ocorre dentro de 15 a 30 minutos. A cetamina S (+) permite uma
recuperação mais rápida do que a mistura racêmica por utilizar menor dose que a mistura
racêmica e apresentar biotransformação hepática 10 a 20% mais rápida. Provavelmente seu
final de efeito ocorre por redistribuição.
A administração concomitante de BZD pode prolongar o efeito da cetamina. Quando uti-
lizado em combinação com BZD, a cetamina S(+) não foi diferente em termos de sensibili-
zação aos 30 minutos, mas foi significativamente melhor aos 120 minutos do que a mistura
racêmica. Analgesia ocorre em concentrações sanguíneas consideravelmente mais baixas do
que a perda de consciência.
Cetamina fornece importante analgesia pós-operatória e as doses sub anestésicas podem,
consequentemente, ser usadas para esse fim. A cetamina inibe a hipersensibilização nocicep-
tiva central e também atenua a tolerância aguda após a administração de opioides. O recep-
tor NMDA desempenha um papel importante na indução de hiperalgesia e tolerância indu-
zida por opioides. A cetamina pode evitar sensibilização central e aumento na sensibilidade
à dor de longa duração como aquela induzida por opioides. Tal como outros antagonistas de
NMDA, pode evitar hiperalgesia induzida por opioides.
O principal local de ação no SNC parece ser o sistema de projeção talamoneocortical. A dro-
ga seletivamente deprime a função neuronal em partes do córtex (especialmente as áreas de
associação) e tálamo enquanto estimula partes do sistema límbico, incluindo o hipocampo.
Este processo cria o que é chamado de uma desorganização funcional das vias não específicas
em áreas do mesencéfalo e tálamo. A cetamina age por antagonismo do NMDA glutaminér-
gico excitatório. O receptor NMDA é encontrado em altas concentrações no córtex temporal,
hipocampo, gânglios basais, cerebelo e tronco cerebral e todas essas regiões podem ser signi-
ficativamente afetadas pela cetamina.
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Anestesia
É também evidente que a cetamina deprime a transmissão de impulsos na formação reticu-
lar medular medial, que é importante para a transmissão dos componentes afetivos e emo-
cionais relacionados à nocicepção da medula espinal para os centros cerebrais superiores.
A cetamina ocupa receptores opioides no cérebro e na medula espinhal e essa propriedade
pode ser responsável por algumas das ações analgésicas. A cetamina S (+) tem alguma ativi-
dade no receptor opióide μ, representando, assim, parte de seu efeito analgésico. A interação
com o receptor NMDA pode provocar os efeitos anestésicos e algumas ações analgésicas da
cetamina. O efeito analgésico na medula espinhal parece ser causada pela inibição dos wide
dynamic range neurons (grupo de neurônios relacionados à sensibilização da dor) do corno
dorsal da medula. Os receptores NMDA desempenham um papel importante no mecanismo
de nocicepção denominado de wind-up (estimulação neuronal repetida que induz uma am-
plificação da resposta celular); a cetamina parece diminuir a resposta a esse fenômeno.
O efeito analgésico da cetamina pode surgir a partir de múltiplas vias: diminuição da trans-
missão entre regiões responsáveis pela percepção da dor e pelo processamento afetivo da dor.
Além disso, a cetamina afeta a conectividade em áreas do cérebro envolvidas na inibição da
dor endógena.
Cetamina aumenta o metabolismo cerebral, o FSC e a PIC. Por causa de seus efeitos excitató-
rios sobre o SNC, que podem ser detectados por um aumento generalizado de atividade das

Portal Anestesia
ondas teta no EEG e por simular atividade convulsiva no hipocampo, a cetamina aumenta o
CMRO2. O aumento do FSC parece ser maior do que o aumento CMRO2. Com o aumento
do FSC e aumento da resposta do sistema nervoso simpático, a PIC aumenta. O aumento no
FSC e CMRO2 podem ser bloqueados pela utilização de tiopental ou diazepam. A responsi-
vidade cerebrovascular ao dióxido de carbono parece estar preservada com a cetamina pois,
reduzindo a PaCO2, ocorre atenuação do aumento da PIC após cetamina.

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Cetamina S(+) pode produzir neuroproteção por diminuir a apoptose após a reperfusão e
isquemia cerebral, além de reduzir a morte celular por necrose. Apesar dos achados acima,
a cetamina e outros agentes anestésicos, como propofol e anestésicos voláteis parecem acen-
tuar a apoptose no cérebro de animais recém-nascidos e causarem alterações na morfologia
dos neurônios. Este achado tem levado à desconfiança com relação ao uso da cetamina em
recém-nascidos, sendo desaconselhado seu uso pelo FDA.
A cetamina produz reações psicológicas indesejáveis, que ocorrem durante o despertar da
anestesia. As manifestações variam em intensidade e podem ser sonhos vívidos oníricos, ex-
periências extracorpóreas (sensação de flutuar fora do corpo) e alucinações. Estes incidentes
são, frequentemente, associados com excitação, confusão, euforia e medo. Tais reações são
secundárias à depressão induzida nos núcleos de retransmissão auditivas e visuais, levan-
do, assim, à percepção equivocada ou má interpretação de estímulos auditivos e visuais. A
incidência dessas reações psíquicas varia de 3% a 100%. Os fatores que afetam a incidência
das reações são a idade, a dose, o sexo, a suscetibilidade psicológica e medicamentos conco-
mitantes. Os pacientes pediátricos não apresentam alta incidência de reações de despertar

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Anestesia
desagradáveis como acontece com os adultos; pacientes masculinos também relatam uma
incidência menos frequente em comparação com as mulheres.
Doses maiores e rápida administração de grandes doses parecem predispor a uma incidência
frequente de efeitos adversos. Certos tipos de paciente parecem propensos ao desenvolvi-
mento dessas reações de emergência, como aqueles com história de psicose e os indivíduos
que comumente sonham em casa. Apesar de numerosas drogas terem sido utilizadas para re-
duzir a incidência e gravidade das reações pós-operatórias, os BZD são o grupo mais eficaz.

Efeitos respiratórios
A cetamina tem efeitos mínimos sobre o controle central da respiração pois não altera a res-
posta ao dióxido de carbono. Uma diminuição transitória na ventilação minuto pode ocorrer
após a administração de uma dose de bolus de indução de cetamina (2 mg/kg). Excepcio-
nalmente, grandes doses podem produzir apneia, mas isso raramente é visto. Com o uso de
sedativos ou anestésicos adjuvantes associados à cetamina, depressão respiratória pode tor-
nar-se clinicamente significativa. A cetamina deprime o controle ventilatório em crianças,
especialmente com doses em bolus.
A Cetamina é um relaxante da musculatura lisa brônquica. Quando é dado aos pacientes
com hiperreatividade das vias aéreas e broncoespasmo, a complacência pulmonar é melho-
rada. A cetamina é tão eficaz como o halotano ou enflurano na prevenção de broncoespasmo
induzido experimentalmente. O mecanismo para este efeito é provavelmente uma consequ-
ência da resposta simpaticomimética à cetamina, mas também pode antagonizar os efeitos
broncoconstritores diretos da histamina. Devido ao seu efeito broncodilatador, a adminis-
tração de cetamina pode tratar mal asmático refratário à terapia convencional. Um potencial
problema respiratório, especialmente em crianças, é o aumento da salivação e secreção das
vias aéreas superiores que segue a administração da cetamina; este efeito pode ser atenuado
por um anticolinérgico, como a atropina ou glicopirrolato.

Efeitos cardiovasculares
Cetamina aumenta pressão arterial, frequência cardíaca e débito cardíaco de forma bifásica.
Tem uma ação cardiodepressora direta e efeito inotrópico negativo, mas um efeito estimula-
dor indireto pela ativação do sistema nervoso simpático.
A cetamina causa a liberação sistêmica de catecolaminas, inibição do nervo vago, inibição da
recaptação de noradrenalina em nervos periféricos e tecidos não neuronais como o miocár-
dio (efeito “cocaine-like”) e liberação de norepinefrina dos gânglios simpáticos. Cardiode-
pressão precede estimulação após grande dose de cetamina ou após repetidas administrações
(quando as reservas de catecolaminas pré-sinápticas se esgotam). Estimulação cardiovascu-
lar já ocorre com doses pequenas e é caracterizada por taquicardia, hipertensão arterial sis-
têmica e pulmonar, aumento do débito cardíaco e do consumo de oxigênio pelo miocárdio.

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PortalANESTESIA
Anestesia
Considerando que os efeitos estimulantes cardiovasculares geralmente são dominantes, após
o término da infusão de cetamina S +, depressão cardiovascular pode tornar-se evidente pois
o débito cardíaco pode diminuir para valores prévios aos da administração da cetamina.
O aumento nas variáveis hemodinâmicas é associado com aumento do trabalho e do consu-
mo de oxigênio pelo miocárdio. O coração saudável aumenta o suprimento de oxigênio pelo
aumento do débito cardíaco e diminuição da resistência vascular coronariana, de modo que
o fluxo sanguíneo coronariano é apropriado para o aumento do consumo de oxigênio.
Pacientes com doença cardíaca congênita não têm mudanças significativas nos shunts ou na
oxigenação sistêmica. Em pacientes que têm aumento da pressão da artéria pulmonar, a ce-
tamina provoca um aumento mais pronunciado na resistência vascular pulmonar do que na
resistência vascular sistêmica.
A cetamina injetada diretamente no SNC produz uma resposta imediata hemodinâmica do
sistema nervoso simpático e liberação de norepinefrina. É possível o bloqueio desse efeito
com barbitúricos, benzodiazepínicos e droperidol. As respostas simpáticas mediadas cen-
tralmente pela cetamina geralmente substituem os efeitos depressores diretos da cetamina.
Apresenta um efeito parecido com a cocaína, inibindo a recaptação intraneuronal de cateco-
laminas e inibe a recaptação da norepinefrina extraneuronal.

Portal Anestesia
A estimulação do sistema cardiovascular nem sempre é desejável e a abordagem mais fru-
tífera tem sido a administração prévia de benzodiazepínicos. Pequenas doses de diazepam,
flunitrazepam ou midazolam atenuam os efeitos hemodinâmicos da cetamina. Anestésicos
inalatórios e propofol também neutralizam o efeito hemodinâmico da cetamina.

Usos clínicos

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Os efeitos estimulantes cardiovasculares fazem da cetamina uma droga desejável para a in-
dução da anestesia em pacientes com doenças cardiovasculares instáveis que sofrem de hi-
povolemia, choque hemorrágico ou depressão cardiovascular por sepse. Broncodilatação e
analgesia profunda permitem a utilização de altas concentrações de oxigênio e fazem da
cetamina uma excelente escolha para indução da anestesia em pacientes com doença reativa
das vias aéreas. Os pacientes que sofreram trauma com grande perda de sangue são candi-
datos a indução em sequência rápida com cetamina. Pacientes com choque séptico podem,
também, se beneficiar da cetamina. O efeito intrínseco depressor do miocárdio pode se ma-
nifestar nesta situação de trauma ou sepse onde há depleção dos estoques de catecolaminas.
O uso de cetamina nesses pacientes não exclui a necessidade de preparação pré-operatória
adequada, incluindo a restauração do volume sanguíneo intravascular.
Outras doenças cardíacas onde a cetamina tem indicação são o tamponamento cardíaco e
a pericardite restritiva. A constatação de que a cetamina preserva a frequência cardíaca e a
pressão atrial direita através de seus efeitos estimulantes simpáticos faz dela uma excelente
droga para indução e manutenção.

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Anestesia
A cetamina também é frequentemente usada em pacientes com doença cardíaca congênita,
especialmente pacientes com propensão para o shunt direita-esquerda. Tem sido utilizada
com sucesso em pacientes suscetíveis à hipertermia maligna.
Cetamina combinada com propofol ou midazolam pode ser aministrada por infusão con-
tínua para produzir anestesia cardíaca satisfatória para pacientes com doença valvular e is-
quêmica do coração. A combinação de um BZD ou de um BZD e sufentanil com cetamina
atenua ou elimina a taquicardia indesejada, hipertensão e distúrbios psicológicos pós-opera-
tórios. Com esta técnica, os pacientes têm perturbações hemodinâmicas mínimas, profunda
analgesia e amnésia confiável. O uso de propofol em combinação com doses pequenas de
cetamina também ganha cada vez mais popularidade como uma técnica de anestesia venosa
total para pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas. As vantagens dessa combinação
são a manutenção de hemodinâmica estável e depressão ventilatória mínima quando em
ventilação espontânea.
A cetamina é muitas vezes associada como pré-medicação a um BZD e/ou a um antisialogo-
go (glicopirrolato ou patch de escopolamina).
Em adultos e crianças, a cetamina pode ser utilizada como um suplemento ou um adjuvante
da anestesia regional. Além disso, a cetamina é cada vez mais utilizada para procedimentos
dolorosos de curta duração na emergência. A cetamina também pode ser considerada para
a sedação de pacientes em uma unidade de cuidados intensivos devido ao seu efeito sedativo
combinado a propriedades analgésicas e efeitos favoráveis sobre a hemodinâmica.
A cetamina é particularmente adequada para a sedação de pacientes pediátricos submetidos
a procedimentos fora do centro cirúrgico. Este grupo apresenta menos reações adversas de
despertar do que os adultos e esta característica faz com que o uso da cetamina em pacientes
pediátricos seja mais versátil.

Tratamento da dor
Analgesia multimodal com a combinação de vários agentes analgésicos que atuam através de
diferentes caminhos é um meio para gerenciar a dor pós-operatória. A cetamina é cada vez
mais utilizada como um dos elementos constitutivos da analgesia multimodal.
Cetamina administrada em pequenas doses, diminui o consumo pós-operatório de analgé-
sicos em 33%. Várias metanálises do uso de cetamina em pequenas doses (20 a 60 mg) no
período perioperatório foram realizadas e mostraram uma diminuição global do consumo
de opioides, melhora da analgesia e uma diminuição dos efeitos secundários dos opioides,
especialmente náuseas e vômitos. Os efeitos colaterais, especialmente os efeitos psicomimé-
ticos, foram minimizados especialmente se um BZD também foi administrado.
A ação da cetamina na tolerância ao opióide e hiperalgesia, combinada com a sua atividade
analgésica direta levou seu uso aos estados de dor crônica. A cetamina pode ser eficaz no
tratamento da dor do câncer, dor neuropática periférica e central, dor crônica, dor fantasma,
dor do membro isquêmico, fibromialgia, síndrome dolorosa regional complexa, dor visceral
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Anestesia
e enxaqueca.
A administração epidural ou caudal de cetamina (0,5 a 1 mg/kg) é eficaz. O conservante da
mistura racêmica é potencialmente neurotóxico, ao passo que os estudos até o momento in-
dicam que a cetamina S(+) ou R(-) sem conservantes podem ser seguras.
A cetamina pode ser administrada por via venosa, intramuscular, subcutânea, oral, nasal,
retal, epidural e intratecal.

Efeitos adversos
As contraindicações para o uso da cetamina se referem às ações farmacológicas específicas e
doenças prévias. Em pacientes com aumento da pressão intracraniana em ventilação espon-
tânea, a cetamina deve ser usada com cautela, pois pode aumentar a PIC e tem sido associada
a apneia.
A cetamina vem sendo utilizada clinicamente no manejo de via aérea de emergência em pa-
cientes com lesão cerebral, com ou sem outras lesões associadas. Em pacientes sob ventilação
mecânica, a cetamina não inibe a resposta do FSC ao dióxido de carbono, uma propriedade
que a torna útil em pacientes com traumatismo craniano devido ao seu potencial efeito neu-
roprotetor.

Portal Anestesia
A cetamina pode ser contraindicada em pacientes com trauma ocular ou outro distúrbio
oftalmológico, pois um aumento induzido na pressão intraocular pode agravar o quadro
oftalmológico inicial.
Cetamina tem uma propensão a causar hipertensão arterial e taquicardia, com um aumento
no consumo de oxigênio pelo miocárdio e pode ser contraindicada como agente anestésico

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único em pacientes com doença coronariana isquêmica. Da mesma forma, não é sensato seu
uso em pacientes com aneurismas vasculares.
Doença psiquiátrica, como a esquizofrenia, e uma história de reação adversa a cetamina
também são contraindicações. Deve-se também considerar cuidadosamente seu uso quando
o paciente desenvolve delirium pós-operatório de outras etiologias.
Finalmente, toxicidade hepática e renal ocorre no abuso recreativo de cetamina. Além disso,
quando a cetamina foi administrada repetidamente no tratamento da dor crônica em pacien-
tes com síndrome dolorosa regional complexa tipo 1 ocorreu hepatotoxicidade.

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Anestesia
Alfa 2 agonistas
Os agonistas do receptor α2 adrenérgico têm efeitos sedativo, ansiolítico, hipnótico, analgé-
sico e simpaticolíticos. O potencial para utilização em anestesia foi observado em pacientes
que foram tratados com clonidina pois ocorria uma redução da CAM do halotano. A dex-
medetomidina é um α2 agonista mais seletivo, com uma proporção de seletividade para o
receptor α2 comparado com o receptor α1 de 1640: 1, em comparação com uma razão de
220:1 para a clonidina.
Os alfa-2-agonistas são divididos em três grupos farmacológicos distintos: imidazolinas
(clonidina e dexmedetomidina), feniletilaminas (alfa-metildopa) e oxazolinas (rilmenidina
e moxonidina).
Receptores α2 estão localizados no SNC e periférico, nas plaquetas, rins, fígado, pâncreas e
olhos e são subdivididos em 3 classes de receptores (alfa2A, alfa2B e alfa2C), cada um relaciona-
do a determinados efeitos:

· alfa2A: analgesia, hipotensão, bradicardia, sedação, hipnose e poten-


cialização dos anestésicos;
· alfa2B: vasoconstrição e hipertensão arterial;
· alfa2C: analgesia e hipotermia.

Esses receptores estão ligados à proteína Gi e G0, inibindo a adenilatociclase e reduzindo


os níveis de AMPc. Proteínas Gi ligadas a canais de potássio hiperpolarizam a célula e, em
receptores pré-sinápticos ligados à G0, inibem a entrada de Ca++, diminuindo a liberação de
noradrenalina.
O locus coeruelus (no tronco encefálico) é o maior núcleo noradrenérgico do SNC e o prin-
cipal local de ação dos alfa2 agonistas, que produzem hipnose e redução da atividade simpá-
tica central, resultando em hipotensão e bradicardia. O nervo vago e a substância gelatinosa
do corno dorsal da medula também possuem grande quantidade de receptores alfa2 (subtipo
alfa2A).

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Anestesia
Os agonistas alfa2 em ordem decrescente de afinidade ao receptor alfa 2 são: dexmedetomi-
dina, mivazerol, clonidina e xilazina.
Alguns α2 agonistas apresentam anel imidazólico na estrutura molecular, o que confere atu-
ação também em receptores não adrenérgicos do tipo imidazolina. Acredita-se que os efeitos
hipotensores dos α2 agonistas sejam também decorrentes da ativação de receptores α1 no
SNC. Receptor imidazolina α1 é localizado no centro vasomotor do bulbo, sendo que essa
interação também responde pela ação de redução da atividade simpática central, hipotensão
arterial e efeito antiarrítmico. A frequência cardíaca é reduzida, com estímulo parassimpá-
tico e aumento do tônus vagal. Ativação de receptores imidazólicos no núcleo reticular e no
núcleo do trato solitário contribuem para a bradicardia. Atropina é a droga de escolha nas
bradicardias causadas pelos alfa 2 agonistas.
Moxonidina e a rilmenidina são agonistas específicos dos receptores imidazólicos. Ordem
decrescente de afinidade ao receptor imidazólico: moxonidina, rilmenidina, clonidina, dex-
medetomidina e mivazerol.
Nas terminações nervosas periféricas, os alfa 2 agonistas inibem a liberação de noradrena-
lina. No centro vasomotor do núcleo do trato solitário, diminuem a atividade simpática,
diminuindo as catecolaminas circulantes, com potencialização do SN Parassimpático, indu-
zindo redução da pressão arterial. No endotélio a estimulação alfa2 pós-sináptica resulta em

Portal Anestesia
vasoconstrição. Embora não se conheçam receptores alfa2 no miocárdio, os agonistas alfa2re-
duzem o crono tropismo, o inotropismo, a resistência vascular periférica, o débito cardíaco
e o consumo miocárdico de O2, liberando óxido nítrico. Reduzem a resposta hemodinâmica
à laringoscopia e IOT.
A clonidina diminui a condução no nó atrioventricular. Hipotensão arterial pode ser preve-

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nida ou minimizada com a expansão volêmica prévia ou com uso de efedrina e fenilefrina.
O aumento reflexo da frequência cardíaca em resposta à hipotensão se encontra inalterado,
atenuando a resposta hemodinâmica frente a cetamina.
As doses iniciais de alfa2 agonistas devem ser dadas 10 minutos antes da indução anestésica
para que seus níveis plasmáticos estejam adequados.
Em doses terapêuticas podem causar depressão respiratória leve semelhante ao sono fisioló-
gico. Dexmedetomidina não induz depressão respiratória importante. Não potencializam a
depressão respiratória dos opioides e revertem a rigidez muscular induzida por eles.
A supressão da atividade no SNC resulta em importante aumento da atividade de interneurô-
nios inibitórios, como os do sistema GABA.
A ativação dos receptores α2 supra espinhais e espinhais promove intensa atividade analgé-
sica. Na substância gelatinosa do corno dorsal da medula espinhal eles reduzem a liberação
da substância P e no corno dorsal e tronco encefálico induzem a liberação de acetilcolina,
ações importantes no bloqueio da dor. Há efeito analgésico aditivo entre os opioides e os alfa2
agonistas através da liberação de óxido nítrico na medula espinhal.

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Produzem efeito diurético, inibindo a liberação de ADH e aumentando a taxa de filtração
glomerular, e efeito natriurético, estimulando a liberação do fator natriurético atrial.
Tem efeito antissialogogo, reduzem a motilidade e secreção gastrointestinal, não interferindo
no tempo de esvaziamento gástrico.
Produzem redução das concentrações séricas de catecolaminas, promovendo a diminuição
à resposta ao estresse cirúrgico. Inibe a liberação de IL-6, ACTH, cortisol e diminuição da
secreção de insulina. Reduzem a pressão intraocular. Inibem a agregação plaquetária.
Apresentam ação inibitória sobre o centro termorregulador do hipotálamo, não impedindo
a ocorrência de hipotermia e abolindo os tremores. Atenuam a incidência e intensidade de
tremores no pós-operatório.

A dexmedetomidina é usada para sedação prolongada e ansiólise na UTI, bem como fora da
UTI em vários cenários, incluindo sedação e analgesia adjuvante na sala de cirurgia e seda-
ção em unidades de diagnóstico.
A dexmedetomidina é o enantiômero S da medetomidina. Ela apresenta uma elevada pro-
porção de especificidade para o receptor α2 (α2/α1 = 1640: 1) em comparação com a cloni-
dina (α2/α1 = 220:1) tornando-se, assim, um completo α2-agonista. O pKa é de 7,1. A dex-
medetomidina pertence à subclasse imidazolina de agonistas de receptores α2, assim como
a clonidina.
A dexmedetomidina sofre biotransformação quase completa, com muito pouca droga inal-
terada excretada na urina e nas fezes. Esta biotransformação envolve tanto glucuronidação
direta e metabolismo mediado pelo citocromo P450. As principais vias metabólicas da dex-
medetomidina são N-glucuronidação direta, hidroxilação e N-metilação em metabolitos
inativos. A dexmedetomidina tem ligação proteica de 94%.
Apresenta efeitos sobre variáveis cardiovasculares, podendo causar bradicardia, hipertensão
ou hipotensão transitória. Sua farmacocinética em voluntários é melhor descrita por um
modelo de três compartimentos.
Em indivíduos com diferentes graus de insuficiência hepática (Child-Pugh A, B,ou C) os
valores de depuração da dexmedetomidina são mais lentos do que em indivíduos saudáveis.
Os valores de depuração média para pacientes com insuficiência hepática leve, moderada e
grave são 74%, 64%, e 53%, respectivamente, daqueles observados nos indivíduos saudáveis
e normais.
A dexmedetomidina age de forma não seletiva em vários subtipos de adrenoreceptores alfa
2 ligados à proteína G. Os receptores adrenérgicos são distribuídos em alfa2A principalmente
na periferia, enquanto que alfa2B e alfa2C estão no cérebro e medula espinhal.
Adrenoreceptores α2 pós-sinápticos localizados nos vasos sanguíneos periféricos produzem

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vasoconstrição, enquanto adrenoreceptores α2 pré-sinápticos inibem a liberação de nore-
pinefrina e potencialmente atenuam a vasoconstrição. A resposta global para os agonistas
α2-adrenérgicos está relacionada com a estimulação dos receptores adrenérgicos α2 locali-
zados no sistema nervoso central e da medula espinhal. Estes receptores estão envolvidos na
simpatólise, sedação e efeitos antinocioceptivos. Os α2-agonistas têm a vantagem de que os
seus efeitos são prontamente reversíveis por antagonistas alfa 2 adrenérgicos como o atipa-
mezol, apesar de ele não estar atualmente aprovado para utilização em seres humanos.
Os α2 agonistas produzem seus efeitos sedativo-hipnóticos por uma ação sobre os receptores
α2 no locus coeruleus e por uma ação analgésica nos receptores α2 do locus coeruleus e na
medula espinhal. A dexmedetomidina produz uma diminuição da atividade das projeções do
locus coeruleus ao núcleo pré-óptico ventrolateral. Como resultado, a liberação de GABA e
galanina no núcleo tuberomamilar é aumentada, provocando uma diminuição na liberação
de histamina em projeções corticais e subcorticais. A dexmedetomidina induz sedação atra-
vés de receptores diferentes do que o propofol e sedativos benzodiazepínicos que exercem a
sua ação através do sistema GABA. O efeito sedativo da dexmedetomidina atua através das
vias que promovem o sono, gerando padrões de sono natural. Os pacientes são facilmente
acordados e têm a capacidade de cooperar enquanto estão sob intubação traqueal. Esta carac-
terística permite o teste de despertar de uma forma segura que facilita e acelera a extubação

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e diminui o tempo de internação na UTI. O número de pacientes que apresentaram delirium
na UTI é significativamente menor quando a dexmedetomidina é utilizada para sedação em
comparação com propofol, lorazepam ou midazolam.
A farmacocinética da dexmedetomidina não é influenciada pela insuficiência renal ou ida-
de. Em pacientes com doença renal grave, o efeito sedativo pode ser mais forte, como um
resultado de um menor grau de ligação às proteínas plasmáticas. A meia-vida de eliminação

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de dexmedetomidina é de 2 a 3 horas, com um meia-vida contexto dependente que vai de 4
minutos após uma infusão de 10 minutos até 250 minutos após uma infusão de 8 horas. Ne-
nhuma interação com drogas metabolizadas pelo citocromo P450 foi encontrada.
O efeito analgésico dos α2 agonistas é mediado através da estimulação do receptor alfa 2A e
alfa 2C no corno dorsal da medula, inibindo diretamente a transmissão da dor, reduzindo a
liberação de transmissores excitatórios da dor, substância P e glutamato.
O uso sistêmico do dexmedetomidina tem um efeito poupador de opioides durante a ci-
rurgia e no pós-operatório. Este efeito é vantajoso em pacientes que são propensos à apneia
pós-operatória ou hipoventilação, como pacientes submetidos a cirúrgicas bariátricas. No
ambiente da UTI pós-operatória, os requisitos de analgésicos são reduzidos em 50% quando
os pacientes estão recebendo uma infusão de dexmedetomidina em comparação com place-
bo. Durante a anestesia geral a dexmedetomidina reduz a CAM dos anestésicos inalatórios.
Assim como a clonidina, a dexmedetomidina pode ser utilizada como adjuvante no bloqueio
de neuroeixo ou periférico. Quando é administrada na peridural caudal, 1 μg/kg associado
a bupivacaína a 0,25% 1 mL/kg, em crianças submetidas a reparação da hérnia inguinal, a

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resposta à tração do saco herniário é reduzida e a analgesia pós-operatória é prolongada.
A dexmedetomidina associada a ropivacaína no bloqueio do nervo ulnar e do nervo tibial
promove intensificação e prolongamento do bloqueio sensorial. Este efeito é provavelmente
induzido por uma hiperpolarização prolongada das fibras não mielinizadas C (sensoriais) e,
em menor intensidade, das fibras A (motoras).
Os efeitos protetores do SNC não estão bem definidos. A dexmedetomidina reduz o fluxo
de liberação de catecolaminas durante a lesão cerebral. A neuroproteção pode ser atribuída
à modulação de proteínas anti- apoptóticas e na redução do neurotransmissor excitatório
glutamato durante a lesão.
Em doentes submetidos a hipofisectomia transesfenoidal, a dexmedetomidina não teve ne-
nhum efeito sobre a pressão do LCR. O FSC diminuiu, mas a resposta ao aumento das con-
centrações de dióxido de carbono e a autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral foram pre-
servados. A diminuição no FSC não foi acompanhada por uma redução na CRMO2.
A dexmedetomidina tem sido utilizada em procedimentos neurocirúrgicos envolvendo mo-
nitoramento neurofisiológico. Potenciais evocados foram minimamente afetados quando a
dexmedetomidina foi utilizada no intraoperatório. Pode ser também usada como adjuvante
da anestesia durante o tratamento cirúrgico de convulsões porque a atividade epileptiforme
dos focos convulsivos não foi reduzida pela dexmedetomidina.
A dexmedetomidina em concentrações que produzem sedação reduzem a ventilação minuto
mas sem alteração na oxigenação arterial, pH ou na resposta ventilatória ao dióxido de car-
bono. Mesmo em sedação mais profunda, a dexmedetomidina não reduz a resposta ao CO2.
As reações cardiovasculares adversas mais frequentemente relatadas associadas com dexme-
detomidina foram hipotensão, hipertensão, bradicardia e diminuição do débito cardíaco.
O aumento inicial da pressão sanguínea arterial é provavelmente causado pelos efeitos va-
soconstritores da dexmedetomidina quando há estimulação de receptores α2 periféricos. A
incidência de hipotensão e bradicardia pode estar relacionada com a administração da dose
inicial. Infusões não maiores do que 0,4 μg/kg ou a omissão da dose inicial podem reduzir
a incidência e a intensidade de hipotensão, mas essa estratégia não é recomendada uma vez
que a dexmedetomidina apresenta cinética de primeira ordem e, assim, pode-se iniciar a
depuração plasmática antes mesmo de se atingir a faixa terapêutica da droga. A administra-
ção da dose inicial durante 20 minutos ao invés de 10 minutos também pode minimizar a
hipertensão transitória.
A dexmedetomidina pode causar, em uma pequena porcentagem de pacientes, bradicardia
profunda (FC < 40 bpm) e, ocasionalmente, parada ou pausa sinusal. Geralmente, estes epi-
sódios se resolvem espontaneamente ou são prontamente tratados sem resultado adverso por
anticolinérgicos.
Nenhum efeito rebote foi encontrado quando se interrompe uma infusão de dexmedetomi-
dina, mesmo se ela foi dada por mais de 24 horas. Como a dexmedetomidina pode reduzir

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o consumo de oxigênio perioperatório e inibir a resposta simpática a cirurgia, desfechos
cardiovasculares podem ser melhores. No entanto, mais estudos são necessários para deter-
minar se a dexmedetomidina é benéfica na diminuição do risco de isquemia miocárdica.
A dexmedetomidina foi aprovada como um sedativo para adultos intubados em UTI. Devido
aos seus efeitos benéficos bem documentados de ansiólise, sedação, analgesia e simpatólise
com mínima depressão respiratória, também tem sido utilizada em várias outras situações
clínicas. É usada como um sedativo durante procedimentos invasivos ou radiológicos em
adultos e crianças.
Como pré-medicação, a dexmedetomidina EV administrada 15 minutos antes do proce-
dimento cirúrgico parece eficaz, sem ou com poucos efeitos colaterais cardiovasculares de
hipotensão e bradicardia. Outra possibilidade publicada recentemente é a administração de
1,5 mcg/Kg de dexmedetomidina por via IM, 30 minutos antes do procedimento cirúrgico,
como pré-medicação. Os níveis séricos foram semelhantes aos da dose de ataque (1mcg/kg
durante 10 minutos) e com menos repercussões clínicas.
A dexmedetomidina tem alta biodisponibilidade quando administrada por via nasal ou oral,
o que melhora a aceitação e absorção em crianças menores. Uma dose de 3 a 4 μg/kg uma
hora antes da cirurgia é segura e eficaz.

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Dexmedetomidina utilizada como sedativo intraoperatório tem sido usado com sucesso, as-
sociado a outras drogas, infiltração local ou bloqueios periféricos.
A combinação de sedação e analgesia com preservação da função respiratória, faz com que
o medicamento seja usado durante procedimentos cirúrgicos tais como a craniotomia acor-
dado, estimulação cerebral profunda, procedimentos neurocirúrgicos próximos às áreas da
fala e endarterectomia acordada, com menores flutuações da sedação e hemodinâmica mais

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estável. Os efeitos poupadores de opioides são vantajosas na realização de cirurgia bariátrica
em pacientes que são propensos à depressão respiratória pós-operatória.
A dexmedetomidina pode ser empregada para tratamento de dependência ou abstinência de
opioides, cocaína e BZD.
Produz redução da salivação que, combinada com a preservação da função respiratória, é
ideal para a intubação acordada com fibroscópio na via aérea difícil. Além disso, a dexmede-
tomidina diminui a pressão intraocular e o tremor.
As características únicas da dexmedetomidina, que proporciona sedação adequada com de-
pressão respiratória mínima, fazem deste agonista α2-adrenérgico seletivo muito útil no des-
mame da ventilação mecânica na UTI. Além disso, promove uma boa sedação, com desper-
tar tranquilo, sem alterações hemodinâmicas e com baixa incidência de delirium em relação
aos BZD. O tempo de extubação e permanência na UTI também são menores com a dexme-
detomidina em relação aos benzodiazepínicos associados a opioides.

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Dose: Inicial de 1μg/Kg por 10 minutos, seguido de infusão contínua
de 0,2 - 0,7 μg/Kg/hora, titulada conforme necessidade clínica e efei-
tos hemodinâmicos.

Clonidina
A clonidina é um composto imidazólico e agonista alfa2 adrenérgico parcialmente seletivo
(220 alfa2: 1alfa1) de ação central.
É rapidamente absorvida por via oral com pico plasmático em 60 - 90 minutos. A meia-vida
de eliminação é de 9 - 12 horas.
Produz redução da atividade simpática central, através da estimulação de receptores alfa 2
localizados no centro vasomotor do bulbo. Perifericamente, reduz a atividade plasmática da
renina e os níveis de adrenalina e noradrenalina circulantes. Causa vasodilatação periférica,
queda da pressão arterial, do débito cardíaco e da frequência cardíaca.
Modifica a função de canais de potássio no SNC, tornando as células hiperpolarizadas, ini-
bindo a liberação de substância P medular (analgesia). Inibe também a transmissão de neurô-
nios glutaminérgicos.
Pode ser adicionada aos anestésicos locais e opioides em bloqueios peridurais, raquidianos e
venosos regionais, intensificando a anestesia e o bloqueio motor. A clonidina possui o dobro
da potência analgésica na peridural em relação à via endovenosa. Clonidina via oral prolonga
o bloqueio motor e sensitivo na raquianestesia. Potencializa opioides e halogenados quando
usada como medicação pré-anestésica.
Produz hipotensão, bradicardia, sedação e boca seca.
Usada por via oral (5 μg/Kg) no pré-anestésico potencializa a analgesia pós-operatória da
morfina na raquianestesia, além de aumentar o bloqueio sensitivo e motor da tetracaína e
lidocaína na raquianestesia.
Atenua a taquicardia reflexa à IOT, reduz a labilidade pressórica, reduz o nível de cateco-
laminas plasmáticas e reduz a CAM dos anestésicos inalatórios. O reflexo barorreceptor é
preservado.
Diferente da dexmedetomidina, sua suspensão abrupta no uso crônico é perigosa, podendo
ocorrer hipertensão, taquicardia, insônia, cefaléia, ansiedade, sudorese, tremores e eritema
facial, com aumento maior que 100% das catecolaminas circulantes. Ocorre, geralmente,
com doses maiores que 1,2 mg/dia e o uso de beta bloqueadores ou antidepressivos tricíclicos
pode piorar essa hipertensão rebote. O tratamento desta condição é feito pela reinstituição
da clonidina ou de vasodilatadores (hidralazina ou nitroprussiato). Para uma suspensão pla-
nejada deve-se reduzir a droga gradualmente em 7 dias.

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A administração perioperatória reduz a incidência de isquemia miocárdica e a mortalidade
até 2 anos de pós-operatório. Previne a rigidez muscular dos opioides.
O uso crônico pode provocar rash cutâneo, impotência e síndrome de abstinência.

Dose em raquianestesia e peridural sacral: 1 - 2 μg/Kg


Dose em peridural: 2 – 4 μg/Kg

Droperidol
É uma butirofenona, derivado fluorado das fenotiazinas. O droperidol é derivado do halope-
ridol, usado como neuroléptico.
Quando fentanil e droperidol são associados, surge a neuroleptoanestesia. Essa associação
fornece analgesia mais rápida, menor depressão respiratória e menos efeitos extrapiramidais.
O uso de neuroleptoanestesia praticamente desapareceu na moderna prática anestésica. O
uso atual do droperidol em anestesia limita-se aos seus efeitos antieméticos e, em menor

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extensão, como um adjuvante sedativo e no combate ao prurido.
Em 2001, o FDA emitiu um alerta sobre o uso de droperidol e seu potencial para arritmias
fatais e recomendou só ser administrado com monitoramento contínuo do eletrocardiogra-
ma. A validade do risco do droperidol em baixas doses causar prolongamento do intervalo
QT, arritmias e morte tem sido contestada por vários editoriais, artigos e estudos. Em recente

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guideline para profilaxia de náuseas e vômitos da Sociedade de Anestesia Ambulatorial, o
droperidol entra como uma das drogas de primeira linha, apesar da recomendação de pre-
caução em determinadas populações de pacientes (insuficiência cardíaca congestiva, bradi-
cardia, uso de diuréticos, hipertrofia cardíaca, hipopotassemia, hipomagnesemia) e adminis-
tração de outras drogas que podem prolongar o intervalo QT.
Butirofenonas produzem depressão do SNC, caracterizada pela sedação e imobilidade ca-
taléptica, e são antieméticos potentes. Droperidol é uma butirofenona potente e, à seme-
lhança dos outros fármacos desse grupo, produz sua ação central em locais onde dopamina,
noradrenalina e serotonina atuam.
Butirofenonas podem ocupar receptores GABA na membrana pós-sináptica, reduzindo, as-
sim, a transmissão sináptica e produzindo um acúmulo de dopamina na fenda sináptica. Em
particular, o droperidol causa inibição submáxima dos receptores GABAA nas subunidades
α1 e β1, da acetilcolina subunidade γ2 e inibição completa de receptores da acetilcolina su-
bunidade α2. Esta inibição submáxima de receptores GABA pelo droperidol pode explicar a
ansiedade, disforia e agitação que podem ocorrer com a sua administração. Um desequilíbrio
entre os níveis de dopamina e acetilcolina parece ser o responsável pela alteração na trans-
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missão normal dos sinais no SNC.
O droperidol chega às sinapses dopaminérgicas na zona de gatilho, onde ocupa receptores
GABA. A zona do gatilho está inserida no centro do vômito. Esse é o mecanismo pelo qual o
droperidol exerce o seu efeito antiemético.

Farmacocinética
Droperidol é biotransformado no fígado em dois metabolitos principais. Seu modelo farma-
cocinético pode ser descrito por um modelo de dois compartimentos.

Efeitos no Sistema Nervoso Central


Os efeitos no FSC e CMRO2 não foram estudados em humanos. Em cães, o droperidol causa
potente vasoconstrição cerebral, produzindo, assim, uma redução de 40% no FSC. Nenhuma
mudança significativa na CMRO2 ocorre durante a administração de droperidol. O EEG em
pacientes conscientes mostra redução na frequência com lentidão ocasional. Droperidol em
baixas doses provoca perturbações no equilíbrio, no momento da alta após doses utilizadas
para a profilaxia antiemética.
Droperidol pode produzir sinais extrapiramidais e piora dos sintomas da doença de Parkin-
son. Por esta razão, o medicamento deve ser usado com grande cuidado em pacientes com
esta doença. Também pode, raramente, precipitar síndrome neuroléptica maligna.

Efeitos respiratórios
Quando utilizado isoladamente, o droperidol tem pouco efeito sobre o sistema respiratório.
Pode produzir leve redução na frequência respiratória, mas sem efeito significativo sobre o
volume corrente.

Efeitos cardiovasculares
Semelhante à maioria dos antipsicóticos, o droperidol pode prolongar o intervalo QT, atra-
sando a repolarização do miocárdio e precipitando Torsades de Pointes. Este efeito parece
ser dependente da dose e pode ser de significância clínica, quando estão presentes também
outras causas de prolongamento do intervalo QT.
Droperidol também pode ter alguns efeitos antiarrítmicos que são semelhantes aos da quini-
dina. Produz bloqueio α adrenérgico moderado causando vasodilatação com diminuição da
pressão arterial. Apresenta pouco efeito sobre a contratilidade do miocárdio

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Usos clínicos
O uso de droperidol no período perioperatório é restrito à sua propriedade antiemética e
sedativa.
É um antiemético eficaz na dose de 10 a 20 μg/kg EV (0,625 a 1,25 mg para um indivíduo de
70 kg). Como o droperidol, em doses menores do que 1 mg, produz efeitos antieméticos e os
efeitos secundários cardíacos podem ser dose dependentes, uma dose inferior a 1 mg para
prevenção de náuseas e vômitos é aconselhável.
Droperidol no início da anestesia para cirurgias com duração de 1 hora, reduz a incidência
de náuseas e vómitos em cerca de 30%, sem efeito no tempo de despertar. Doses adminis-
tradas mais próximas do final da cirurgia podem prolongar o despertar. A eficácia antiemé-
tica do droperidol é igual à da ondansetrona e os efeitos colaterais semelhantes, apesar de o
droperidol ser mais barato (farmacoeconomia). A eficácia do droperidol como antiemético
é melhorada quando usado em combinação com antagonistas da serotonina, dexametasona
ou ambos.
Droperidol também foi eficaz no tratamento e prevenção de prurido secundário à admi-
nistração de opioides. Foi administrado por via EV e epidural para esta finalidade. Quando
utilizado desta forma, o droperidol também reduz eficazmente as náuseas, mas aumenta a

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sedação. A segurança da administração de droperidol no espaço epidural não foi completa-
mente avaliada e não está aprovado para a administração por esta via.

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