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Anestésicos

venosos
SUMÁRIO
1. Propofol......................................................................................................................... 6
Qual a sua composição química e formulação? ........................................................ 6
Qual o mecanismo de ação e os efeitos do uso do propofol?................................... 7

2. Etomidato..................................................................................................................... 10
Composição química.................................................................................................. 10
Qual a farmacocinética do etomidato?...................................................................... 10
Efeitos clínicos do uso de etomidato......................................................................... 10

3. Cetamina...................................................................................................................... 13
Qual a composição química da cetamina? .............................................................. 13
Qual a farmacocinética e propriedades clínicas com o uso da cetamina?............. 14

4. Midazolam................................................................................................................... 17

5. Lidocaína..................................................................................................................... 20

Referências bibliográficas................................................................................................ 23
Caro(a) estudante, hoje começaremos a falar sobre os anestésicos venosos, e es-
te é um tema muito importante. Sabemos que induções de anestesia geral são geral-
mente realizadas por agentes intravenosos, independentemente da técnica utilizada
para manutenção da anestesia. Eles podem ser combinados com anestesia inalató-
ria, opioide, balanceada ou o que chamamos de intravenoso completo/total.
Lembrando da química do Ensino Médio, vemos que o agente anestésico intraveno-
so ideal seria uma substância solúvel em água, estável, não irritante, de início rápido,
de ação curta com metabólitos inativos e não tóxicos, sem efeitos como depressão
cardíaca ou respiratória, liberação de histamina, efeitos de bloqueio neuromuscular ou
reações de hipersensibilidade. Parece impossível, né? Pois é mesmo! Não existe um
agente anestésico intravenoso que se encaixe nesse ideal citado acima.

Atenção! Galera, se liga que lipossolubilidade é a capacidade de


uma substância qualquer de se solubilizar em algum composto oleoso (lipíde-
os), a gente espera que quanto maior for a lipossolubilidade com mais facilida-
de a substância atravessa partes lipídicas, como a membrana celular.

A partir disso, vemos que há uma variedade de drogas anestésicas injetáveis de


​​
estrutura molecular diversa que estão disponíveis, com diferentes perfis farmacoló-
gicos e efeitos colaterais e cada uma se adequando à fisiopatologia do paciente e ao
procedimento a que ele está exposto. Este supermaterial vai ajudar você a entender
quem são os anestésicos intravenosos e mostrar aqueles que são mais usados para​​
a indução de anestesia geral.

Conceito: As principais vantagens da anestesia venosa são:


indução, manutenção e despertar suaves, não exposição aos anestésicos vo-
láteis, uso de droga com ação antiemética, estabilidade cardiorrespiratória e
mínimos efeitos colaterais.

Desde já, queremos destacar que o uso adequado de anestésicos intravenosos


requer uma compreensão de suas propriedades farmacocinéticas e farmacodinâ-
micas. Não tem como correr da farmacologia por aqui. Sabemos que há um termo

Anestésicos venosos 3
chamado de meia-vida do fármaco e esse é um útil parâmetro clínico diretamente
proporcional ao volume de distribuição e inversamente proporcional à depuração
(clearance) da droga.
Dito isto, saberemos que a potência dos anestésicos intravenosos é definida co-
mo a concentração plasmática necessária para evitar uma resposta nervosa em 50%
de sujeitos a um estímulo específico, tudo isso tem analogia quando estudamos
os anestésicos inalatórios em que o uso da concentração alveolar mínima (CAM)
serve para evitar uma resposta em 50% dos indivíduos (Veja o supermaterial de
“Anestésicos Inalatórios”).
Mas vamos lá, se estamos falando de mecanismos que bloqueiam respostas que
seriam fisiologicamente esperadas, como sabemos quais são as células-alvo na
anestesia venosa?
Esse questionamento nos permite dizer que os alvos primários dos agentes anes-
tésicos intravenosos são relativamente bem definidos, interagindo esses fármacos
com receptores para neurotransmissores endógenos. Ao recordar os conceitos da
bioquímica você há de lembrar que os receptores podem ser amplamente classifica-
dos como inotrópicos (ligados a um canal iônico) ou metabotrópicos (ligados a uma
proteína G). Com isso, temos que a maioria dos neurotransmissores no SNC tem o
potencial de ativar essas classes de receptores.

Conceito: Os receptores inotrópicos para γ-aminobutírico, ácido


(GABA), e glutamato e o metabotrópico α2-adrenérgico receptor para catecola-
minas são os principais alvos para a maioria dos anestésicos intravenosos.

A ideia por trás do mecanismo de ação dos anestésicos venosos é que o receptor
GABA seja o alvo dos efeitos anestésicos. Esses efeitos são de sedação, ansiólise,
hipnose e amnésia. São todos efeitos secundários à ação das drogas anestésicas.
Vale destacar que esses efeitos são de todos os anestésicos e sedativos intraveno-
sos, exceto cetamina e os agonistas α2-adrenérgicos.

Anestésicos venosos 4
FLUXOGRAMA 1. ANESTÉSICO VENOSO IDEAL

ANESTÉSICO VENOSO IDEAL

Compatibilidade da Ausência de depressão Relação dose-resposta


droga e estabilidade em aguda cardiovascular e estrita
solução respiratória

Ausência de dor à ↓ Metabolismo Ausência de náuseas/


injeção, venoirritação cerebral e PIC* vômitos, reações
ou lesão tecidual por psicomiméticas, tontura,
extravasamento cefaleia, sedação
prolongada

Baixo potencial de
liberar histamina,
diminuindo reações de Retorno rápido e suave à
Metabolismo rápido
hipersensibilidade consciência

*PIC = Pressão intracraniana.

Fonte: Acervo do autor.

Se pelo que entendemos não há um anestésico ideal, como poderíamos usar


com segurança os anestésicos conhecidos? Adiante, você irá aprender conosco
conceitos básicos sobre os anestésicos mais utilizados na prática médica e pode-
rá escolher com segurança qual fármaco usar na individualidade da fisiopatologia
do seu paciente.

Saiba mais! Alexandre Wood (1817-1884) foi o primeiro médico


a administrar medicamentos por meio de uma seringa hipodérmica. Entretanto,
foi só em 1872 que Pierre Cyprian Oré de Lyons serviu-se do novo instrumento,
uma seringa, a fim de produzir anestesia através da injeção intravenosa de hi-
drato de cloral.

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1. PROPOFOL

Qual a sua composição química e formulação?


O propofol (2,6-di-isopropilfenol) é um fenol alquilado aquiral, lipofílico, esteri-
camente impedido. Mas para que serve saber disso? É importante saber que ele é
lipofílico e que se comporta como um ácido muito fraco, de modo semelhante com
nosso pH fisiológico. Além disso, ele se apresenta em formato de óleo à temperatura
ambiente e é muito insolúvel em água. Mas o que isso quer dizer? Quer dizer que ele
vai ter baixa solubilidade em água e por isso a sua preparação deve ser em conteúdo
lipofílico, o que pode ser perfeito para absorção.

Na prática! Depois de aberto, o propofol deve ser descartado


em 6 horas.

No mercado encontramos as formulações recentes e estas incluem o quelante


de metal etilenodiamina ácido tetra-acético (EDTA) ou metabissulfito de sódio para
impedir crescimento microbiano. A depuração do propofol é maior que a do sangue
hepático fluxo, compatível com o metabolismo extra-hepático. Já quanto à farmaco-
cinética, o propofol é um anestésico de ação rápida que induz anestesia dentro de
um tempo de circulação do braço até o cérebro após injeção.
Além disso, é visto que após injeção intravenosa em bolus, a concentração plas-
mática diminui rapidamente devido aos efeitos combinados de redistribuição e
eliminação. Quando as concentrações plasmáticas são ajustadas a um modelo far-
macocinético de três compartimentos, a meia-vida é menor que à do tiopental.
Temos que destacar que a depuração do propofol também é extremamente alta.
O propofol age rápido e é completamente metabolizado pelo fígado para ser ina-
tivado e eliminado pelo rim. Apesar de seu metabolismo ser predominantemente
no fígado, a depuração do propofol não é prejudicada em pacientes com cirrose. A
depuração dele também não afeta e nem causa insuficiência renal. Embora a meia-
-vida seja longa, a recuperação é rápida como o intervalo terminal, que é influenciado
principalmente pela lenta mobilização a partir de tecido lipofílico. É importantíssimo
destacarmos que a alta lipofilicidade do propofol contribui para sua rápida absorção
no cérebro e redistribuição, e sua depuração muito alta resulta em uma curta dura-
ção de ação. Isso muda em crianças, pois elas têm aumento da taxa de depuração

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e requerem uma maior dose de indução (cerca de 1,5 vezes do que adultos) e ma-
nutenção da taxa de infusão, respectivamente. Propofol é extensivamente (98% da
dose aplicada) vinculado à albumina plasmática.

Se liga! A anestesia com propofol tem uma indução rápida, seme-


lhante ao tiopental, mas o metabolismo do propofol é 10 vezes mais veloz e
está associada com mínima confusão pós-operatória. Apenas o desflurano tem
um tempo de recuperação mais rápido do que o do propofol, mas está associa-
do a náuseas/vômitos.

Qual o mecanismo de ação e os efeitos do uso do


propofol?
Sabemos que após um bolus endovenoso, há equilíbrio rápido entre o plasma e o
tecido ricamente vascularizado do cérebro. Os níveis plasmáticos caem rapidamente
como resultado da redistribuição e posteriormente se segue um período mais prolon-
gado de metabolismo hepático e clearance renal. A meia-vida de redistribuição inicial
está entre 2 e 4 minutos.

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FLUXOGRAMA 2. EFEITOS DO USO DE PROPOFOL

EFEITOS DO USO DE PROPOFOL

SISTEMA SISTEMA
SNC
RESPIRATÓRIO CARDIOVASCULAR

Ocorre diminuição do Depressão respiratória, Maior decréscimo


fluxo sanguíneo cerebral, que é uma diminuição da da PA
podendo ser usado em respiração
neurocirurgias

Redução da
contratilidade cardíaca
Efeito primariamente no OUTROS EFEITOS
receptor GABA, estudos
in vitro sugerem ação em
receptor NMDA, inibindo Maior redução da
ação do glutamato Também diminui FSR e resistência arteriolar e
aumenta ADH venosa

Diminui TMC O2, PIC.


Também parece ser Atenua reflexo
neuroprotetor. Reduz Dor durante injeção baroreceptor: diminui
mais a PA, podendo resposta taquicárdica à
diminuir PPC hipotensão

Pode produzir amnésia


em [ ] usual;
Diminui responsividade
de VA

GABA = ácido gama-aminobutírico;


NMDA = N-metil D-Aspartato;
TMC = Transporte mucociliar;
PIC = Pressão intracraniana;
PA = Pressão arterial;
PPC = Pressão de perfusão cerebral;
[ ] = Concentração;
VA = Via aérea;
FSR = Fluxo sanguíneo renal;
ADH = hormônio antidiurético.

Fonte: Acervo do autor.

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Disfunções hepáticas ou renais leves não alteram a farmacocinética do propofol.
Dentre todos os anestésicos endovenosos, o propofol causa a redução mais proe-
minente na pressão arterial. Isso ocorre devido à vasodilatação sistêmica que pro-
voca. Pode haver discreto aumento reflexo da frequência cardíaca. A diminuição na
pressão arterial é dose-dependente e acontece com maior magnitude em idosos e
pacientes em choque. Esse efeito pode ser minimizado pela injeção lenta da medica-
ção, evitando superdosagem inadvertida.

Se liga! TODOS os agentes de indução anestésica agem sobre o


centro respiratório causando depressão ventilatória (EXCETO A CETAMINA).

Saiba mais! O Rei do Pop, Michael Jackson, faleceu em 25 de ju-


nho de 2009, em consequência da injeção de altas doses de propofol, cursando
com depressão respiratória, que levou a uma parada respiratória.

Sabemos que, com exceção da cetamina, todos os agentes de indução anes-


tésica agem sobre o centro respiratório causando depressão ventilatória. Esse
efeito é mais pronunciado com o propofol, portanto geralmente se observa um
período de apneia. Além disso, o propofol reduz marcadamente os reflexos farín-
geos e de via aérea, característica que o torna ideal para a inserção de máscara
laríngea. Há relatos de associação do propofol com a ocorrência de movimentos
epileptiformes durante a indução e recuperação, porém esses movimentos não
devem ser confundidos com atividade epiléptica verdadeira – em doses habitu-
ais, o propofol é anticonvulsivante.
Há também redução no fluxo sanguíneo cerebral, na taxa metabólica cerebral e
na pressão intracraniana. O propofol pode ser utilizado em infusão contínua para
sedação de pacientes adultos para procedimentos de pequeno porte, bem como na
Unidade de Terapia Intensiva (UTI). É também a droga mais empregada para aneste-
sia intravenosa total, Total Intravenous Anaesthesia (TIVA).

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Na prática! A infusão de propofol está CONTRAINDICADA para
sedação em crianças devido à sua segurança. Uma “síndrome da infusão de
propofol” foi descrita e as crianças afetadas desenvolveram acidose metabóli-
ca, hiperlipidemia, arritmias cardíacas, com aumento na mortalidade.

2. ETOMIDATO

Composição química
Inicialmente devemos destacar que o etomidato é um éster imidazólico. Sua apre-
sentação é geralmente como emulsão lipídica ou como solução cristalina, contendo
propilenoglicol numa concentração de 2 mg/mL. Dor à injeção é comum e a taxa de
tromboflebite no período pós-operatório é alta.

Qual a farmacocinética do etomidato?


O início da ação do etomidato é rápido e isso ocorre devido à sua alta lipofilici-
dade que facilita penetração nos tecidos cerebrais. Ele tem sua duração dose-de-
pendente, e é geralmente de 3 a 5 minutos com uma dose média (0,3 mg/kg). O
despertar após uma única injeção de etomidato é rápido por causa da extensa redis-
tribuição para periféricos tecidos. A farmacocinética do etomidato mostra que suas
concentrações após bolus intravenoso tem uma rápida distribuição (intervalo de 1
minuto) e lenta eliminação (meia-vida de 5,4 horas). O etomidato é rápido e comple-
tamente metabolizado no plasma e no fígado por éster hidrólise para o inativo deri-
vado de seu ácido carboxílico.
A depuração do etomidato é relativamente alta (18-24 mL/min/kg), semelhante à
do propofol. A meia-vida do etomidato é mais longa se comparada à do propofol.

Efeitos clínicos do uso de etomidato


O etomidato causa o menor grau de depressão miocárdica entre os anestésicos
endovenosos, com redução mínima no débito cardíaco e na pressão arterial. No pas-
sado, era utilizado amplamente para a indução anestésica em pacientes chocados,

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idosos ou com comprometimento da função cardiovascular. Todavia, essa droga tem
se tornado menos popular.
Acontece apneia transitória com o seu uso, porém em menor grau do que com ou-
tros fármacos. Podem ocorrer tosse ou soluços. Por isso o etomidato, assim como
o tiopental, não é ideal para a inserção de máscara laríngea. Náuseas e vômitos pós-
-operatórios são comuns após sua administração.
O etomidato inibe a 11-β-hidroxilase, uma importante enzima na via de produção
esteroidal adrenal. Uma dose única de indução bloqueia por 4 a 8 horas o aumento
na síntese de cortisol que ocorre como resposta normal ao estresse e esse tempo
pode se prolongar até 24 horas em pacientes idosos ou debilitados.
Há evidência de aumento na mortalidade com o uso de infusão contínua de eto-
midato para sedação em pacientes criticamente enfermos. Apesar de não ter sido
demonstrado aumento de mortalidade após dose única para a indução anestésica,
o uso do etomidato tem diminuído nos últimos anos devido à percepção de morbi-
dade aumentada.

Se liga! Etomidato tem efeitos cardiovasculares mínimos devido


à sua pouca ação simpática e nos barorreceptores, e causa menos depressão
respiratória que outros anestésicos.

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FLUXOGRAMA 3. EFEITOS DO USO DE ETOMIDATO

EFEITOS DO USO DE ETOMIDATO

SISTEMA SISTEMA
SNC
RESPIRATÓRIO CARDIOVASCULAR

Age em receptores Notável por sua falta de


GABA A para produzir Efeito depressor
ventilatório menor que efeitos CV
inconsciência
tiopental e propofol,
mas pode causar
apneia após indução.
Tem efeito breve, similar Seu efeito depressor Pouco efeito em tônus
ao tiopental e propofol não aumenta em vascular arterial e
pacientes com DPOC venoso, PA e FC

Não tem propriedades Estabilidade


analgésicas OUTROS EFEITOS
preservada em
pacientes com
disfunção cardíaca
Indução geralmente Diminui TMC O2 e PIC. prévia ou hipovolemia
acompanha-se Não diminui, e pode
de movimentos aumentar, PPC
mioclônicos

Pode causar soluços


e movimentos
mioclônicos na
indução e dor
durante injeção

GABA = ácido gama-aminobutírico;


DPOC = Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica;
TMC = Transporte mucociliar;
PIC = Pressão intracraniana;
CV = Cardiovascular;
PA = Pressão arterial;
FC = Frequência Cardíaca.

Fonte: Acervo do autor.

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Saiba mais! O etomidato é um agente venoso de ação rápida
que foi introduzido na prática clínica em 1970. Em comparação com outros
agentes de indução tem efeitos mínimos sobre o sistema cardiovascular.

3. CETAMINA

Qual a composição química da cetamina?


A cetamina é um derivado da fenilciclidina, uma droga dissociativa utilizada no
passado como agente anestésico, que exibia efeitos alucinógenos e neurotóxicos.

Conceito: Droga dissociativa é aquela que reduz as sinapses vin-


das de outras áreas cerebrais, principalmente as sensoriais.

A cetamina existe na forma de dois estereoisômeros, R (dextro) e S (levo) cetami-


na. Estereoisômeros são moléculas em que os mesmos átomos estão ligados entre
si na mesma ordem, porém mostram diferentes arranjos tridimensionais, resultando
em imagens em espelho uma da outra, que não podem ser superpostas.
A cetamina é apresentada normalmente como uma mistura racêmica dos dois
estereoisômeros, porém tem-se disponibilizado a cetamina S devido ao seu perfil
farmacológico mais vantajoso. Trata-se de uma solução levemente ácida (pH 3,5-5,5)
contendo 10, 50 ou 100 mg de cetamina por mL. Ampolas padronizadas também
contêm um conservante que impede o uso subaracnoide ou epidural. Está disponível,
ainda, como pó liofilizado para reconstituição.

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Na prática! Os efeitos clínicos observados após a administração
de cetamina incluem elevação da pressão arterial e do tônus muscular, abertura
dos olhos (geralmente acompanhada de nistagmo), aumento do consumo de
oxigênio pelo miocárdio e depressão respiratória mínima.

Qual a farmacocinética e propriedades clínicas com o


uso da cetamina?
A cetamina apresenta propriedades hipnóticas, analgésicas e de anestésico local.
Seus efeitos são mediados principalmente pelo antagonismo não competitivo dos
receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) no cérebro e medula espinhal.
Outros mecanismos de ação da cetamina podem incluir interação com recepto-
res opioides, contudo, o naloxone não antagoniza os efeitos analgésicos da ceta-
mina em humanos. A anestesia produzida pela cetamina é denominada “anestesia
dissociativa”. Esse estado clínico único é exemplificado pela catalepsia, em que os
olhos permanecem abertos com olhar fixo com nistagmo e os reflexos corneanos e
fotomotores permanecem intactos. Podem ocorrer graus variáveis de hipertonia e
ocasionalmente movimentos intencionais não relacionados a estímulos dolorosos,
mesmo durante anestesia cirúrgica adequada. Sensações psíquicas que incluem
alterações de humor, sensação de flutuação, sonhos vívidos e alucinações são co-
muns com a cetamina.
Geralmente, esses efeitos desaparecem com a recuperação completa da consciência.
A pré-medicação com benzodiazepínicos diminui essa síndrome confusional aguda.
A molécula de cetamina existe em dois estereoisômeros – Cetamina S e R. Esses
isômeros exibem diferenças farmacológicas e clínicas. A cetamina-S é três vezes
mais potente que a cetamina-R e o tempo de recuperação e sequelas psicomiméti-
cas são reduzidos. No entanto, isso pode ser consequência da redução na dose ne-
cessária com o uso da S-cetamina, que é mais potente.
A cetamina é única entre os agentes de indução anestésica por ser passível de
administração endovenosa, intramuscular, oral, nasal, renal e epidural (na sua formu-
lação sem conservante). A dose depende da via de administração e do efeito tera-
pêutico desejado. Para indução da anestesia, uma dose de 0,5 a 1,5 mg/kg pode ser
administrada EV, ou 4 a 10 mg/kg IM. A latência é maior que a das outras drogas de
indução (inconsciência em 1-2 minutos para uso EV) e o parâmetro clínico de avalia-
ção pode ser difícil de determinar em pacientes com o olhar fixo por curtos períodos.
A duração de ação de uma dose única é aproximadamente 5 a 10 minutos. A cetami-
na é metabolizada no fígado, e metabólitos conjugados são excretados na urina. A
meia-vida de eliminação é aproximadamente 2,5 horas.

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Se liga! A cetamina é única entre os agentes de indução anesté-
sica por ser passível de administração endovenosa, intramuscular, oral, nasal,
renal e epidural.

A combinação de efeitos cardiovasculares da cetamina é única. A sua adminis-


tração, ao contrário dos outros agentes, é associada a taquicardia, aumento da
pressão arterial e aumento do débito cardíaco. Esse perfil torna a cetamina útil no
paciente chocado.
O efeito da cetamina sobre o drive respiratório é mínimo, apesar de poder
ocorrer diminuição transitória na ventilação após administração em bolus. Isso,
combinado ao fato de que os reflexos de proteção da via aérea permanecem re-
lativamente preservados, torna a cetamina o anestésico ideal para uso no âmbito
pré-hospitalar. Há aumento da salivação, que pode levar à obstrução de via aérea
superior, porém esse efeito pode ser diminuído pela pré-medicação com antimus-
carínicos, como o glicopirrolato.
A cetamina é um relaxante da musculatura lisa bronquial e, portanto, tem um pa-
pel especial no manuseio da asma grave. No passado, pensava-se que a cetamina
aumentasse o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana, consequentemen-
te limitando seu uso em pacientes com traumatismo crânio-encefálico. Contudo, as-
segurando-se que hipoventilação e hipercapnia sejam evitadas, isso não ocorre e há
alguma evidência de que a cetamina pode ter efeitos neuroprotetores devido à sua
ação nos receptores NMDA. A cetamina parece ser segura para uso nas porfirias.

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FLUXOGRAMA 4. EFEITOS DO USO DE CETAMINA

EFEITOS DO USO DE CETAMINA

SISTEMA SISTEMA
SNC
RESPIRATÓRIO CARDIOVASCULAR

Bloqueio de receptor 1. Efeito pequeno no Costuma apresentar


NMDA drive ventilatório; aumento de PA, FC, DC e
2. Produz contratilidade cardíaca.
broncodilatação, São efeitos indiretos
Estado anestésico reflexos de proteção de devido ao aumento do
produzido é chamado de VA não costumam ser tônus simpático central e
anestesia dissociativa abolidos; aumento da liberação de
(pacientes podem 3. Produz bastante catecolamina
verbalizar, se mexer, salivação, sendo pela adrenal
manter olhos abertos; usada com drogas
não respondem aos anticolinérgicas.
estímulos dolorosos e Em pacientes críticos,
não lembram devido à [] circulante
do ocorrido) OUTROS EFEITOS de catecolaminas ser
máxima, pode ocorrer
diminuição do DC e PA,
pois a Cetamina possui
Produz aumento na TMC
Os efeitos adversos efeito inotrópico
O2 e PIC
como alucinações e negativo direto
disforia podem ser
atenuados com uso
concomitante de
propofol ou BZD. Pode aumentar a
Diminui FSR e demanda miocárdica
aumenta ADH de oxigênio mais que o
fornecimento, levando
pacientes com DAC
NMDA = N-metil D-Aspartato; prévia à isquemia
TMC = Transporte mucociliar;
PIC = Pressão intracraniana;
BZD = Benzodiazepínico;
PA = Pressão arterial;
FC = Frequência Cardíaca;
DC = Débito cardíaco;
[ ] = Concentração;
DAC = Doença arterial coronariana.

Fonte: Acervo do autor.

Anestésicos venosos 16
4. MIDAZOLAM

Galerinha, sabemos que o midazolam é um benzodiazepínico, ele é hidrossolúvel,


de ação curta, com potência duas a três vezes maior que o diazepam. Possui meia-
-vida de distribuição (t1/2) de 5 a 10 minutos e de eliminação (t1/2) de 2 a 4 horas.
Além de tudo isso, é importante destacar que o anel imidazólico em sua estrutura
contribui para seu rápido metabolismo e estabilidade em solução aquosa.
Ele é tão importante que tem sido relatado como efetivo na medicação ansiolítica
no período pré-anestésico e pré-procedimento imediato e também como agente de
indução anestésica em situações clínicas específicas. Como os demais benzodia-
zepínicos, o midazolam tem sido usado para produzir sedação e amnésia, assim co-
mo para tratar convulsões, tendo propriedades comparáveis às do diazepam.

Na prática! O midazolam reduz o metabolismo cerebral e o fluxo


sanguíneo, porém, não chega a produzir supressão no EEG, pois possui uma
dose teto diferente do observado com o propofol e barbitúricos. Não parece ter
atividade neuroprotetora, mas pode ser usado como anticonvulsivante.

As vias de administração incluem a venosa, a intramuscular, a oral, a intranasal e


a retal. Em solução, o midazolam é tamponado para o pH de 3,5 que permite ao anel
imidazólico permanecer aberto e manter a hidrossolubilidade. Após injeção paren-
teral, o anel imidazólico fecha-se, permitindo que o midazolam torne-se altamente
lipossolúvel, resultando no rápido início de seus efeitos centrais.

Na prática! As preparações de midazolam são compatíveis com


as soluções cristaloides, com os opioides e com as drogas anticolinérgicas.

O midazolam tem alta ligação proteica, e aproximadamente 96% da dose adminis-


trada liga-se à albumina. Tal ligação não parece depender da concentração plasmá-
tica. Entretanto, na presença de hipoalbuminemia acentuada, podem surgir efeitos
rápidos e profundos no sistema nervoso central (SNC) em virtude da maior concen-
tração de droga livre.

Anestésicos venosos 17
Nos estados fisiológicos normais, o composto altamente lipofílico é notável pelos
seus efeitos rápidos sobre o SNC e por seu grande volume de distribuição. O desapa-
recimento de seus efeitos sobre o SNC é devido, principalmente, pela redistribuição,
embora, após infusão extensa e prolongada, seja necessário aumentar a dosagem
devido ao clearance hepático progressivamente maior. A velocidade normal de depu-
ração do midazolam varia de 6 a 11 mL.kg-1.min-1, comparado com a do diazepam
que é de 0,2 a 0,5 mL.kg-1.min-1.

Se liga! O midazolam pode causar depressão respiratória dose-de-


pendente, que é observada principalmente em pacientes idosos e com a admi-
nistração concomitante de opioides.

Temos que destacar que os efeitos hemodinâmicos do midazolam relacionam-se


à dose; mas aparentemente existe um nível plasmático, acima do qual uma adminis-
tração adicional não resulta em respostas progressivamente mais pronunciadas.
Em pacientes com pressões de enchimento do ventrículo esquerdo elevadas, o
midazolam pode diminuí-las e elevar o débito cardíaco, mimetizando os efeitos en-
contrados com a administração de nitroglicerina. Por outro lado, o midazolam, quan-
do administrado em pacientes críticos, pode trazer instabilidade hemodinâmica.
A explicação para esse efeito parece estar relacionada à depressão direta do
miocárdio por efeito inotrópico e cronotrópico negativo do fármaco, e pela de-
pressão da atividade simpática reduzindo a liberação de catecolaminas. Alguns
estudos têm mostrado que o midazolam reduz o tônus venoso pela inibição da
liberação de noradrenalina da terminação nervosa simpática em ambos alfa-1 e
alfa-2 adrenoceptores.

Anestésicos venosos 18
FLUXOGRAMA 5. EFEITOS DO USO DE BENZODIAZEPÍNICOS | MIDAZOLAM

EFEITOS DO USO DE BENZODIAZEPÍNICOS | MIDAZOLAM

SISTEMA
SNC MIDAZOLAM
RESPIRATÓRIO

Ligam-se a um sítio Apesar de diminuírem MDZ possui metabólito


específico do receptor drive ventilatório, doses ativo (alfa-hidroxi-
GABA A. Não possuem subhipnóticas raramente midazolam), mas este é
efeito direto no receptor, causam apneia. Doses rapidamente conjugado
assim, apenas modulam de indução de MDZ com ácido glicurônico
o efeito do GABA. causam apneia em uma
Aumentam condutância frequência similar
do Cloro, hiperpolarizam ao tiopental.
MDZ é o sedativo mais
membranas neuronais. Sinergia na depressão
comumente usado no
Também possuem ventilatória quando
pré-op, substitui o DZP
atividade agonista no associados com opioides
por não causar dor
receptor de glicina ou etanol
durante a injeção.
MDZ pode ser usado
seguramente via IM
Álcool, barbitúricos e
OUTROS EFEITOS
BZD possuem
tolerância cruzada
Doenças hepáticas
podem aumentar a
intensidade e duração
Possuem efeitos Efeitos CV bem menores da sedação (mais
similares ao tiopental que tiopental e propofol. para o DZP).
quanto à PIC e TMC O2, Alguma dilatação da Doença renal pode
mas a magnitude dos capacitância venosa aumentar o efeito do
efeitos é bem menor. O leva à diminuição do MDZ (dificulta
efeito na PPC e no FSC é RV. Efeito final na PA eliminação
variável e relacionado ao depende do estado do metabólito).
efeito na PA do paciente

Bom efeito
anticonvulsivante, mas
limitado ao controle
inicial de convulsões e
não profilaxia NMDA = N-metil D-Aspartato;
TMC = Transporte mucociliar;
PIC = Pressão intracraniana;
BZD = Benzodiazepínico;
PA = Pressão arterial;
Não causam supressão FC = Frequência Cardíaca;
do EEG nem em DC = Débito cardíaco;
altas doses [ ] = Concentração;
DAC = Doença arterial

Fonte: Acervo do autor.

Anestésicos venosos 19
5. LIDOCAÍNA

Galerinha, sabemos que a lidocaína tem sido administrada por via intravenosa
desde a década de 1960 para diversos fins. Ela é administrada por via intravenosa, e
seu metabólito ativo interage com os canais de Na+ periféricos e centrais dependen-
tes de voltagem dentro das células da membrana. Tem maior afinidade pela abertura
de canais iônicos, estado criado durante a despolarização.

Canal de Na+ rápido, dependente de voltagem

Membrana da célula neuronal

Íon de sódio passando


através do canal

Sódio não consegue


passar pelo canal

Lidocaína
bloqueando o canal

Figura 1. Ilustração dos canais de sódio dependentes de voltagem (Nav).


Fonte: Blamb/Shutterstock.com

A localização preferida desse anestésico para penetrar na camada bifosfolipídica


da membrana celular é determinada pela hidrofobicidade e pelas propriedades de

Anestésicos venosos 20
impedimento do anestésico. A colocação de lidocaína (não polar) na membrana ce-
lular reduz o tempo quiescente e as alterações químicas temporárias da membrana,
indicando uma orientação específica dos anéis aromáticos e a liberdade rotacional
reduzida das moléculas na membrana.

Saiba mais! A lidocaína por via sistêmica é capaz de induzir re-


dução significativa e seletiva de vários componentes da dor causada por lesões
do sistema nervoso central (SNC), inclusive da dor espontânea.

Figura 2. Estrutura química da lidocaína, um anestésico local do tipo amida.


Fonte: grebeshkovmaxim/Shutterstock.com

Quando usada durante a fase de manutenção, a lidocaína é administrada em bolus


de 1 a 1,5 mg/kg, seguido de infusão contínua de 1 a 1,5 mg/kg por hora (ou 2 mg/
minuto em alguns estudos). Notavelmente, as doses calculadas devem ser baseadas
no peso corporal ou ajustado, e não no peso corporal real.
A infusão de lidocaína reduz a necessidade de opioides e sedativo-hipnóticos e me-
lhora o controle da dor pós-operatória após cirurgia abdominal aberta ou laparoscópi-
ca, principalmente se as técnicas anestésicas regionais não puderem ser empregadas,
além disso a lidocaína também pode melhorar o controle da dor e reduzir a reatividade
das vias aéreas em pacientes submetidos a procedimentos de cabeça e pescoço.
A lidocaína é frequentemente administrada durante a indução da anestesia ge-
ral. É um agente antiarrítmico de classe 1 B que funciona ligando reversivelmente
os canais de íons de sódio e mantendo-os abertos com um efeito líquido de preve-
nir a despolarização.

Anestésicos venosos 21
A ação da lidocaína durante a indução inalatória na anestesia geral causa supres-
são do reflexo de tosse e laringoespasmo durante a laringoscopia e intubação, além
disso causa diminuição da incidência de broncoespasmo devido à redução da res-
ponsividade das vias aéreas a estímulos nocivos e a drogas que causam broncoes-
pasmo, apesar do aumento do tônus das ​​ vias aéreas.
Vale destacar que a lidocaína é tipicamente mais eficaz do que um opioide para
mitigar a dor da injeção devido ao seu efeito anestésico local. No entanto, ela pode
causar alguns efeitos adversos como a exacerbação da hipotensão induzida pela ad-
ministração de agentes sedativo-hipnóticos, como propofol, que pode ser atenuada
pela redução da dose do sedativo-hipnótico e a possibilidade de aumento da frequ-
ência ventricular em pacientes com fibrilação ou flutter atrial em doses >50 mg.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Atheneu; 2006.
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Médica de Minas Gerais, v. 26, n. supl 7, p. 4–10, 2016.
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Lupton T, Pratt O. Fármacos endovenosos utilizados para indução anestésica. UK:
Salford Royal Hospitals NHS Foundation Trust, 2013.
Vale NB. Interações medicamentosas na anestesia venosa. Rev Bras Anestesiol,
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