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2022

FARMACOLOGIA GERAL
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jornada para dentro de si, que vocês possam atingir seu mais alto conhecimento
na anestesiologia com mais este capítulo em suas mãos.

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e arquivo da videoaula.

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fórum de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhe-
cimento, além de propiciar contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta
como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.

Bons estudos!
PRINCIPAIS CONCEITOS

• A compreensão dos conceitos de farmacologia é muito importante para a


prática da medicina, mas é essencial para prática da Anestesiologia.
• Apesar da divisão didática entre o estudo da farmacocinética e da farmaco-
dinâmica, esses processos devem ser entendidos de forma simultânea e comple-
mentar na prática clínica.
• A farmacocinética descreve a relação entre a dose de fármaco e a concen-
tração de fármaco no plasma ou na biofase (local do efeito), ao longo do tempo.
Isso engloba os processos de absorção, distribuição, metabolização e excreção das
drogas.
• Uma vez na circulação, as drogas vão se distribuir preferencialmente para
os órgãos mais perfundidos, como cérebro e pulmões, e depois para os menos
perfundidos, como os músculos e gorduras. A redistribuição explica a curta dura-
ção de ação de drogas lipossolúveis como o propofol.
• O fígado é o órgão mais importante para o metabolismo das drogas. A
depuração hepática do fármaco depende de três fatores: capacidade do fígado
para metabolizar, fluxo sanguíneo hepático e a extensão da ligação do fármaco aos
componentes do sangue.
• Os rins eliminam as drogas hidrofílicas e metabólitos hidrofílicos de fárma-
cos lipofílicos.
• O volume de distribuição quantifica a extensão da distribuição de fárma-
cos. É um volume aparente, ou seja, não representa o volume real que irá diluir a
dose do fármaco administrada.
• O clearance de eliminação é o parâmetro que caracteriza a capacidade dos
órgãos para remover irreversivelmente drogas do corpo. A eficiência do corpo para
remover a droga é proporcional ao clearance de eliminação.
PRINCIPAIS CONCEITOS

• A biofase é o local onde a droga se liga ao receptor, promovendo alterações


da função celular e efeitos farmacológicos. O propofol age no sistema nervoso
central promovendo a hipnose.
• A constante Ke0 descreve a velocidade de equilíbrio entre o fármaco exis-
tente no plasma e na biofase. Quanto maior Ke0, mais rápido é o início de ação
dessa droga.
• Tempo de equilíbrio Ke0 é o tempo decorrido entre a administração do
fármaco e sua concentração máxima na biofase.
• Tempo de meia vida Ke0 é o tempo transcorrido para que ocorra a metade
do equilíbrio entre o plasma e a biofase. São consumidas 4 meia-vidas Ke0 antes
que seja atingido o completo equilíbrio.
• Histerese é o tempo para que um fármaco atinja o equilíbrio entre a
concentração plasmática e a biofase. Representa 4 X T1/2 Ke0.
• A constante Ke0 é inversamente proporcional a meia vida Ke0; drogas rápi-
das possuem valores altos de Ke0 e baixos de meia vida Ke0.
• A infusão contínua de um fármaco é programada para manter sua concen-
tração plasmática constante por um determinado período de tempo. Ao término
de uma infusão, podemos estimar o tempo de redução da concentração desse
fármaco no compartimento central através da meia vida contexto sensitiva.
• Meia vida contexto sensitiva é o tempo requerido para que a concentração
plasmática de um fármaco caia pela metade no compartimento central, após o
término de um regime de infusão.
• A definição mais simples de farmacodinâmica descreve a relação entre a
concentração da droga e seu efeito farmacológico.
• A maioria dos agentes farmacológicos produzem os seus efeitos fisiológi-
cos pela ligação a um receptor específico que provoca uma alteração na função
celular.
PRINCIPAIS CONCEITOS

• A ligação da droga a receptores, como a ligação de drogas a proteínas plas-


máticas, é normalmente reversível, e segue a lei da ação de massas.
• Potência descreve a quantidade de droga necessária para provocar um
efeito. A CE50 é um parâmetro utilizado para descrever a potência. A eficácia é uma
medida da efetividade da droga na produção de um efeito, uma vez que ela ocupa
um receptor.
• Drogas que atingem efeito máximo são conhecidas como agonistas com-
pletos, e aquelas que têm um efeito menor que o máximo são conhecidos como
agonistas parciais.
• Compostos que se ligam a receptores sem produzir quaisquer alterações na
função celular são referidas como antagonistas, bloqueando o sítio de ligação
impedindo a ligação dos agonistas aos receptores. Antagonistas podem ser com-
petitivos e não competitivos.
• Levando-se em conta a pré-medicação, antibióticos durante o perioperató-
rio e agentes usados para indução ou manutenção, anestésicos inalatórios, opioi-
des, relaxantes musculares, as drogas usadas para restaurar a transmissão neuro-
muscular e analgésicos no pós-operatório, dez ou mais drogas podem ser utiliza-
das durante uma anestesia. Devemos estudar a interação dessas drogas e obter
vantagens na sua associação.
• As interações entre os anestésicos podem ser caracterizadas como antago-
nistas, aditivas ou sinérgicas. Quando as drogas têm um efeito aditivo, sua adminis-
tração conjunta provoca a soma dos seus efeitos individuais enquanto que intera-
ções sinérgicas propiciam maior efeito quando associados do que elas teriam isola-
damente. Com interações antagônicas, o efeito geral é menor que a soma dos
efeitos das drogas isoladas.
FARMACOLOGIA
FARMACOLOGIA GERAL
GERAL
Introdução
Compreender os princípios básicos da farmacologia é fundamental para a prática da medici-
na em geral, mas é essencial para a prática da anestesiologia. Farmacocinética e farmacodi-
nâmica formam os dois principais ramos da farmacologia.

A farmacocinética descreve a relação entre a dose de fármaco e a concentração de fármaco


no plasma ou no local do efeito ao longo do tempo. Isso engloba os processos de absorção,
distribuição, metabolização e excreção das drogas. Farmacocinética é o nosso organismo
agindo sobre o fármaco.

Farmacodinâmica engloba a relação entre a concentração de uma droga e o seu efeito. Repre-
senta os efeitos que o fármaco irá produzir no nosso organismo.

O conhecimento dos processos farmacocinéticos permite prever a duração do efeito de de-


terminada droga em uma população específica de pacientes. A farmacodinâmica aplicada
nos ajuda a entender a interação da droga ao receptor e seus efeitos biológicos. O anestesiolo-
gista deve dominar a farmacologia básica e aplicá-la da melhor forma na sua prática clínica.

Membrana Plasmática
O fármaco precisa atravessar
as membranas plasmáticas de
muitas células até alcançar seu
local de ação (biofase). A es-
trutura básica da membrana
plasmática é uma bicamada li-
pídica com proteínas inseridas.
Os fosfolipídios são os lipídios
mais abundantes na célula e
possuem uma porção solúvel
em água (hidrofílica) e uma
porção que é solúvel apenas em gorduras (hidrofóbica). As porções hidrofóbicas estão vira-
das umas para as outras, enquanto as porções hidrofílicas estão viradas para as duas superfí-
cies da membrana em contato com o líquido intersticial circundante e o citoplasma celular.
Essa membrana é altamente permeável às substâncias lipossolúveis como oxigênio, dióxido
de carbono e álcool, mas age como uma barreira para as substâncias hidrossolúveis, como
íons e glicose. Flutuando na bicamada lipídica estão as proteínas que funcionam como ân-

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coras estruturais, receptores, canais iônicos ou transportadores para a transdução dos sinais
elétricos ou químicos, atuando como alvos seletivos para a ação dos fármacos.

Representação esque-
mática da estrutura e
componentes da mem-
brana plasmática. Ob-
serve a bicamada lipídi-
ca típica.

Transporte através da membrana


A difusão é o movimento contínuo de moléculas através da membrana celular e pode ser
dividida em dois subtipos: a simples ou passiva e a facilitada.
Na difusão passiva as moléculas
se movem através da membra-
na sem se ligarem a proteínas
transportadoras. Essa difusão
pode ocorrer através dos in-
terstícios da bicamada lipídica
ou através de canais proteicos
aquosos que ficam espalhados
na membrana celular. A molé-
cula do fármaco, em geral, penetra por meio de difusão seguindo um gradiente de concen-
tração, em virtude da sua solubilidade na bicamada lipídica. Essa transferência é diretamente
proporcional à amplitude do gradiente de concentração através da membrana, ao coeficiente
de partição hidrolipídico do fármaco e à área da membrana exposta ao fármaco. Quanto
maior for o coeficiente de partição, maior será a concentração do fármaco na membrana e

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mais rápida a sua difusão.
A difusão facilitada exige uma
proteína transportadora espe-
cífica que auxilia a passagem
de moléculas maiores através
da membrana. É um proces-
so de transporte mediado por
carreador, no qual não há gas-
to de energia e, portanto, segue
um gradiente; este processo é
exemplificado pela penetração da glicose na membrana da célula muscular, a qual é mediada
por um transportador de glicose sensível à insulina.
A difusão facilitada é diferente da difusão passiva. A taxa de difusão passiva aumenta pro-
porcionalmente com a concentração da substância a ser difundida. Na difusão facilitada, a
taxa de difusão se aproxima do valor máximo a medida que a concentração da substância
aumenta, uma vez que depende da alteração conformacional de uma proteína carreadora. É
um transporte que pode ser saturado e também inibido por compostos que competem pelo
transportador.
A taxa de difusão de uma substância através da membrana celular é diretamente proporcio-
nal a sua lipossolubilidade. A água e outras moléculas pequenas insolúveis em lipídios, prin-
cipalmente íons, difundem-se através de canais proteicos aquosos, as aquaporinas.
Os canais proteicos têm permeabilidade seletiva para o transporte de moléculas específicas.
Essa seletividade resulta de características do próprio canal como diâmetro, forma e nature-
za das cargas elétricas ao longo de sua superfície interna. As comportas dos canais proteicos
fornecem uma forma de controle de suas permeabilidades. A abertura e fechamento das
comportas são controladas por voltagem ou por controle químico.
No controle por voltagem, a conformação molecular da comporta é controlada pelo potencial
elétrico da membrana celular. A carga negativa normal no lado interno da membrana celular
faz com que as comportas de sódio permaneçam fechadas. Quando o interior da membrana
perde sua carga negativa (isto é, torna-se menos negativa), essas comportas se abrem permi-
tindo o influxo de sódio através desses canais. A abertura das comportas dos canais de sódio
dá início a potenciais de ação nas fibras nervosas. Tal compreensão facilita o entendimento
dos mecanismos de ação dos anestésicos locais nos canais de sódio voltagem dependentes.
No controle químico, algumas comportas de canais proteicos são abertas pela ligação de ou-
tra molécula com a proteína. Essa ligação causa alterações conformacionais na proteína de
membrana que abre ou fecha sua comporta. Esse processo é também chamado de controle
por ligante. Um dos mais importantes exemplos de controle químico é o efeito da acetilcoli-

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na sobre o receptor nicotínico na junção neuromuscular e que será estudado no capítulo de
bloqueadores neuromusculares.
O transporte ativo depende de proteínas transportadoras que estão espalhadas na membrana
celular. Move uma substância contra um gradiente eletroquímico e, por isso, envolve gasto
de energia. Um gradiente eletroquímico é a soma de todas as forças de difusão que atuam
na membrana (diferenças de concentração, elétrica e de pressão). O transporte ativo satura
da mesma forma que a difusão facilitada, ou seja, a taxa de transporte é limitada pelas taxas
nas quais as reações químicas de ligação, liberação e alterações conformacionais na proteína
transportadora podem ocorrer. Os sistemas de transporte ativo são seletivos e podem ser
inibidos competitivamente por outras substâncias cotransportadas.
No transporte ativo primário, a energia deriva da quebra de trifosfato de adenosina (ATP) ou
outro fosfato de alta energia. Um exemplo desse mecanismo é a bomba de sódio e potássio,
presente em todas as células do corpo, responsável pela manutenção das diferenças de sódio
e potássio através da membrana celular, assim como pelo estabelecimento de um potencial
elétrico negativo dentro das células. A bomba opera da seguinte forma: três íons sódio se
ligam a proteína transportadora no interior da célula e dois íons potássio se ligam a proteína
transportadora no exterior da célula. A proteína transportadora tem atividade da adenosina
trifosfatase (ATPase) que é ativada pela ligação simultânea de sódio e potássio. A ATPase cli-
va a molécula de ATP e libera energia. Essa energia causa uma alteração conformacional na
proteína transportadora gerando o efluxo de 3 íons sódio e o influxo de 2 íons potássio. Dessa
forma, a bomba sódio-potássio também controla o volume celular, uma vez que inicia uma
força osmótica movendo água para fora da célula com a perda contínua de íons do interior
celular. Por isso que no inchaço celular a bomba sódio-potássio é ativada.
O transporte ativo secundário pode ser co-transporte ou contra-transporte. O transporte
ativo primário com gasto de energia cria um gradiente de concentração iônica através da
membrana. Quando os íons sódio são transportados para fora da célula por transporte ativo
primário, forma-se um grande gradiente de concentração de sódio. Esse gradiente é a for-
ma de armazenamento de energia, pois o excesso de sódio fora da membrana está sempre
tentando se difundir para o interior celular. A reabsorção da glicose pelo túbulo renal é um
exemplo de transporte ativo secundário.
No co-transporte, a energia da difusão do sódio pode levar outras substancias junto, na mes-
ma direção, através da membrana celular utilizando uma proteína transportadora. A glicose
e os aminoácidos podem ser transportados para dentro da maioria das células através do
co-transporte com o sódio. As proteínas transportadoras tem dois locais de ligação em seu
lado externo - uma para o sódio e outra para glicose ou aminoácidos. A concentração de íons
sódio é relativamente baixa no interior da célula e alta no lado externo, o que fornece energia
para o transporte. A alteração conformacional na proteína transportadora que permite o in-
fluxo do sódio só ocorre quando há ocupação simultânea dos locais de ligação para o sódio
e glicose ou aminoácido.
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No contra-transporte, os íons cálcio e hidrogênio podem ser transportados para fora da célu-
la através do mecanismo de contra-transporte do sódio. Contra-transporte do cálcio ocorre
na maioria das membranas celulares com influxo dos íons sódio e efluxo dos íons cálcio,
ambos se ligam na mesma proteína transportadora. Contra-transporte de hidrogênio ocorre
especialmente nos túbulos proximais dos rins, onde os íons sódio se movem do lúmen do
túbulo para o interior das células tubulares e os íons hidrogênio são contra-transportados
para o lúmen.

Representação esque-
mática dos diversos
tipos de transporte no
túbulo renal envolvendo
íons como o sódio e o
potássio.

As características de um fármaco que preveem seu transporte e sua disponibilidade nos locais
de ação são: peso molecular e a conformação estrutural, o grau de ionização, a lipossolubili-
dade relativa dos seus compostos ionizados e não ionizados e sua ligação às proteínas séricas
e teciduais. Para cruzar membranas é necessário que a droga apresente alta lipossolubilidade.
Além disso, a ionização, a ligação proteica e peso molecular devem ser baixos.
Muitos fármacos são ácidos ou bases fracas, presentes em
solução sob as formas ionizada e não ionizada. Em geral,
as moléculas não ionizadas são mais lipossolúveis e po-
dem difundir-se facilmente pela membrana celular. Já as
moléculas ionizadas em geral são menos capazes de pene-
trar na membrana lipídica. Por essa razão, a concentração
do fármaco no interstício é influenciada pelo seu pKa e
pelo pH do meio em que o fármaco está diluído.
O pKa é o pH no qual a metade do fármaco (ácido ou base fraca) está em sua forma ionizada
(hidrossolúvel) e a outra metade está na forma não ionizada (lipossolúvel). Quanto menor o

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pKa de um medicamento, mais ácido ele é. Por outro lado, quanto maior a pKa, mais básica
é a droga.
O ácido, por exemplo, é um doador de prótons que, quando libera o seu hidrogênio, forma
um ânion carregado negativamente (ionizado/polarizado). Então, um ácido ionizado (com
carga) tem dificuldade para atravessar a bicamada lipídica. Por esse motivo, drogas ácidas
são mais lipossolúveis em meio com pH ácido, uma vez que não conseguem doar seu próton
para um meio ácido já com alta concentração de hidrogênio. Como resultado, o ácido fraco
permanece não ionizado e, assim, lipossolúvel. Esse efeito do pH ácido pode ser visto no
estômago e contrabalança sua pequena área de superfície e o rápido esvaziamento gástrico,
quando são administradas drogas ácidas por via oral.
Vamos ver esse conceito na prática. Se ingerir-
mos ácido acetil salicílico que é um ácido fra-
co com pKa 3,5, ele irá direto para nosso estô-
mago onde o pH é extremamente ácido. Nesse
meio, o AAS é incapaz de doar seu próton, logo,
permanece não ionizado e lipossolúvel, conse-
quentemente, cruza rapidamente para a corren-
te sanguínea. No plasma, o pH do meio é 7,4
proporcionando a liberação do próton e ionização da molécula, gerando um maior confina-
mento. Após o equilíbrio, a aspirina estará em maior concentração na urina. O pH alcalino
da urina ainda mais alcalino facilita a eliminação do AAS, pois as moléculas ionizadas não
são reabsorvidas do túbulo renal para a corrente sanguínea. A alcalinização da urina é um
método de aumentar a excreção de substancias ácidas.
Já a base é um receptor de prótons. Exemplos de drogas básicas utilizadas diariamente na
rotina do anestesiologista são os anestésicos locais e opioides. Pelo mesmo motivo, drogas
básicas são mais lipossolúveis em meio alcalino. Se a base recebe o hidrogênio, ela fica car-
regada positivamente (ionizada/polarizada) e, dessa forma, tem dificuldade de atravessar as
membranas.
A droga básica digerida no estômago fica ioni-
zada e não é absorvida pela corrente sanguínea.
É excretada e perde seu efeito. Outro exemplo
prático é a drágea, um comprimido revestido
com uma capa protetora para impedir que as
drogas básicas sejam digeridas na passagem
pelo estômago e cheguem intactas ao duodeno
para serem absorvidas. Se quebrarmos uma drágea não sulcada antes de ingerir, perderemos
o efeito dessa medicação.
Resumindo: drogas básicas que tem pKa igual ao pH apresentam igual quantidade de formas

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ionizadas e não-ionizadas. Em meio ácido há predomínio das formas ionizadas e em meio
básico das formas não-ionizadas. Para as drogas ácidas o raciocínio é inverso.
A ionização afeta a distribuição dos fármacos entre os compartimentos com diferenças de
pH (partição do pH). Após estabelecido o equilíbrio, os fármacos ácidos se concentram e
ficam aprisionados em compartimentos alcalinos, pois com a ionização não conseguem atra-
vessar as membranas celulares.
O movimento contrário acontece com as bases. Um exemplo é o aprisionamento de anestési-
cos locais no feto. O pH fetal é mais ácido se comparado ao pH materno. Após o equilíbrio, as
bases se concentram em compartimento com pH baixo. Logo, esse gradiente causa aumento
da fração ionizada dos anestésicos locais no sangue fetal, aumentando o risco de intoxicação.
No caso dos anestésicos locais, a utilização de infiltração com lidocaína para a drenagem de
um abscesso resulta em uma anestesia ineficaz e de latência muito prolongada. Isso é expli-
cado pela acidez do meio (abscesso) onde o anestésico local é utilizado, que resulta em uma
grande proporção de frações ionizadas, que são hidrossolúveis e penetram mal nas membra-
nas celulares dos neurônios, dessa forma piorando a qualidade e a latência da infiltração.

Farmacocinética
Absorção
Absorção é a transferência do fármaco do seu local de administração para o compartimento
central.
Algumas generalizações podem ser feitas a respeito da absorção de fármacos. Primeiro, fár-
macos lipofílicos são absorvidos mais rapidamente do que fármacos hidrofílicos porque a
difusão através de barreiras lipídicas é mais rápida. Além disso, os veículos ou apresentações
do fármaco podem ser desenhados de forma a reduzir a velocidade de absorção do fármaco
por tais mecanismos, como a ligação física à molécula para diminuir sua lipofilicidade (pí-
lulas com formulações de liberação lenta do fármaco) ou a adição de barreiras de difusão
(adesivos transdérmicos em camadas). Por fim, a perfusão do tecido em que o fármaco é
administrado pode alterar significativamente seu perfil de absorção. Por exemplo, o fentanil
inalado por meio de equipamento de microvaporização tem um perfil de concentração plas-
mática que é similar ao de administração endovenosa do fármaco. Isso ocorre porque quase
todos os fármacos atingem o alvéolo, onde há uma barreira de difusão mínima e boa perfu-
são vascular. Em contraste, na administração oral do fármaco há um retardo de tempo até o
pico de concentração devido à limitada perfusão da mucosa gastrintestinal e ao metabolismo
do fármaco no fígado antes de entrar na circulação sistêmica, assim limitando a velocidade e
a extensão da absorção, respectivamente.
A absorção determina a intensidade e duração do efeito da droga, pois uma absorção incom-

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pleta limita a quantidade de droga que alcança a biofase. Dependendo da porcentagem da
dose administrada que alcança o compartimento central, teremos uma determinada concen-
tração plasmática. Porém, é a concentração da droga no receptor da biofase que ocasiona o
efeito clínico.
Biodisponibilidade é a fração da dose total de fármaco administrada que alcança a corrente
sanguínea. Por exemplo, se uma dose de 100 mg de um medicamento é administrada por via
oral e 70 mg são absorvidos inalterados, a biodisponibilidade é de 0,7 ou 70%. A determi-
nação da biodisponibilidade é importante para o cálculo de doses de fármacos para rotas de
administração não-intravenosas.
São fatores relacionados à biodisponibilidade: metabolismo hepático, captação pulmonar,
perda no TGI e a forma química da droga. A instabilidade química também está relacionada
com a biodisponibilidade. Algumas drogas como a penicilina G, são instáveis no pH do con-
teúdo gástrico. Outras, como a insulina, são destruídas por enzimas no trato gastrointestinal.
Um fármaco administrado por via oral passa pelo fígado, onde podem ocorrer metabolismo
e excreção biliar antes que ele chegue à circulação sistêmica. Por essa razão, uma fração da
dose administrada e absorvida do fármaco será inativada ou desviada no fígado, antes que
chegue à circulação sistêmica e seja distribuída para seus locais de ação. Se a capacidade me-
tabólica ou excretora do fígado for grande para o fármaco, a biodisponibilidade será reduzi-
da significativamente. Esse é o efeito de primeira passagem.
As drogas com metabolismo de primeira passagem elevado devem ser administradas em do-
ses suficientes para garantir que quantidade adequada de fármaco ativo atinja o local de ação
desejado. Por outro lado, a biodisponibilidade de fármacos administrados via oral pode estar
aumentada na insuficiência hepática ou na inibição das enzimas hepáticas.
Duas formulações de fármacos são bioequivalentes se mostrarem biodisponibilidade com-
parável e tempos semelhantes para atingir as concentrações máximas no sangue. A eficácia
clínica geralmente depende da concentração máxima de fármaco no plasma e do tempo
necessário (após a administração) para atingir a concentração máxima. Portanto, dois medi-
camentos que são bioequivalentes podem não ser terapeuticamente equivalentes.

Vias de administração
Quando o fármaco é injetado rapidamente, a administração endovenosa resulta em aumen-
tos rápidos na concentração sanguínea, rápida transferência para os tecidos do sítio efetor e
rápido início de ação do seu efeito. Em geral, o efeito máximo é proporcional à concentração
plasmática máxima atingida.
Vias de administração de fármacos como oral, intramuscular e subcutânea geralmente resul-
tam em um início de ação mais lento e um pico de efeito mais baixo.

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A via oral é o método mais comumente utilizado para administrar os fármacos. Também é
o mais seguro, conveniente e econômico. Superfície total disponível para absorção e tempo
de contato com essa superfície influenciam a absorção de fármacos no TGI. Suas desvanta-
gens são a absorção limitada de alguns fármacos em função de suas características, vômitos
causados pela irritação da mucosa gástrica, destruição de alguns fármacos pelas enzimas di-
gestivas ou pelo pH gástrico baixo, irregularidades na absorção ou propulsão na presença de
alimentos ou outros fármacos e necessidade de contar com a colaboração do paciente. Além
disso, os fármacos presentes no trato gastrointestinal podem ser metabolizados por enzimas
da flora ou mucosa intestinais ou do fígado, antes que possam alcançar a circulação sistêmica
(metabolismo de primeira passagem).
A via parenteral dos fármacos tem algumas vantagens inequívocas em comparação com a ad-
ministração oral. Em alguns casos, a administração parenteral é essencial para que o fármaco
seja liberado em sua forma ativa. Em geral, a biodisponibilidade é mais rápida, ampla e previ-
sível quando o fármaco for administrado por via injetável. Por essa razão, a dose eficaz pode
ser administrada com maior precisão. No tratamento de emergência e quando o paciente
estiver inconsciente, impossibilitado de colaborar ou incapaz de reter alguma coisa por via
oral, o tratamento parenteral pode ser necessário. Entretanto, a injeção de fármacos tem suas
desvantagens; a assepsia deve ser mantida e isto é muito importante quando os fármacos são
administrados repetidamente.
Os fatores limitantes da absorção são anulados pela via intravenosa, porque a biodisponi-
bilidade é completa e rápida. Além disso, a liberação do fármaco é controlada e assegurada
com precisão e rapidez, o que não é possível por qualquer outra via. Em alguns casos, como
na indução da anestesia, a dose do fármaco não é predeterminada, mas ajustada de acordo
com a resposta do paciente. A administração intravenosa dos fármacos exige monitorização
cuidadosa da resposta do paciente.
A absorção pela mucosa oral, na via sublingual, tem importância especial para alguns fárma-
cos. A drenagem venosa da boca dirige-se à veia cava superior e isto provoca um desvio da
circulação porta e, deste modo, protege o fármaco do metabolismo rápido causado pela pri-
meira passagem pelos intestinos e pelo fígado. Por exemplo, a nitroglicerina é eficaz quando
retida sob a língua porque não é iônica e tem lipossolubilidade muito alta. Por essas razões,
esse fármaco é absorvido muito rapidamente. A nitroglicerina também é muito potente; a
absorção de uma quantidade relativamente pequena produz o efeito terapêutico desejado.
Nem todos os fármacos penetram facilmente pela pele intacta. Na absorção transdérmica
daqueles que o fazem depende da superfície sobre a qual são aplicados e de sua lipossolubi-
lidade, pois a epiderme comporta-se como uma barreira lipídica. A absorção pela pele pode
ser ampliada pela suspensão do fármaco em um veículo oleoso e pela fricção da preparação
na pele. Produz efeito estável e de início lento, proporcionando concentração plasmática te-
rapêutica sustentada (lenta absorção). A disponibilidade de adesivos transdérmicos tópicos
de liberação controlada tem aumentado, incluindo-se as de nicotina para interrupção do
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tabagismo; escopolamina para cinetose; nitroglicerina para angina do peito; testosterona e
estrogênio para terapia de reposição hormonal; vários estrogênios e progestagênios utiliza-
dos como anticoncepcionais; e fentanil utilizado em analgesia.
Cerca de 50% do fármaco administrado via retal é absorvido pela mucosa do reto e passará
pelo fígado; por esta razão, a amplitude do metabolismo hepático da primeira passagem é
menor do que com a preparação oral. Entretanto, a absorção retal pode ser irregular e incom-
pleta e alguns fármacos podem causar irritação da mucosa retal.
A injeção por via subcutânea pode ser realizada apenas com os fármacos que não causam
irritação aos tecidos; caso contrário, pode provocar dor intensa, necrose e descamação. Em
geral, a taxa de absorção após a injeção subcutânea de um fármaco é suficientemente cons-
tante e lenta para produzir um efeito prolongado. Via reservada para alguns medicamentos
(heparina baixo peso molecular) e que deve ser evitada pela imprevisibilidade de início de
ação, principalmente nos pacientes em choque. Pouco frequente seu uso em anestesia.
Os fármacos em solução aquosa são absorvidos muito rapidamente pela via intramuscular,
mas isto depende da taxa de fluxo sanguíneo no local da injeção. Apresenta muitas variações
em relação ao paciente, tipo de droga e local de aplicação. Relação importante com o fluxo
sanguíneo tecidual local, o que limita seu uso em anestesia.
A administração inalatória apresenta uma captação alvéolo-sangue muito rápida devido
ao baixo peso molecular e alta lipossolubilidade dos fármacos administrados por essa via,
exemplo são os anestésicos inalatórios. Além disso, apresenta elevada superfície de absorção
e fluxo sanguíneo semelhante ao débito cardíaco. Porém, o desbalanço ventilação-perfusão
resulta em algum retardo na captação e biodisponibilidade.
Para as vias neuroaxiais, as propriedades físico-químicas do fármaco e do veículo de admi-
nistração determinam a velocidade com a qual o fármaco se difunde localmente nos tecidos
adjacentes. No espaço intratecal e o espaço peridural, a perfusão tissular não afeta o início de
ação porque o fármaco é fornecido adjacente ao local de ação.

Distribuição
Depois da absorção ou administração sistêmica, o fármaco se encontra na circulação central.
Ele segue o fluxo sanguíneo intravascular para os leitos capilares teciduais e distribui-se para
os líquidos intersticiais e intracelulares. Esse processo depende de alguns fatores fisiológicos
e das propriedades físico-químicas específicas de cada fármaco. Drogas hidrossolúveis, como
os bloqueadores neuromusculares, ficam limitados ao espaço extracelular. Já as drogas lipos-
solúveis atingem as membranas celulares.
Débito cardíaco, fluxo sanguíneo regional, diferenças na permeabilidade capilar (capilares
hepáticos X barreira hematoencefálica), volume tecidual, grau de ligação às proteínas plas-
máticas/tissulares e a lipossolubilidade da droga determinam a taxa de liberação e a quanti-

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dade potencial do fármaco distribuído aos tecidos.
O cérebro e os rins se equilibram em questão de minutos devido a seu alto fluxo sanguíneo
e volume tissular relativamente baixo. Em contraste, os músculos e os tecidos esplâncnicos
bem-perfundidos levam horas para atingir o equilíbrio devido a seus grandes volumes tissu-
lares em relação ao fluxo sanguíneo. A despeito de ter o maior coeficiente de solubilidade do
sangue em relação ao tecido, o tecido adiposo corporal é relativamente pouco perfundido e,
portanto, não se aproxima do equilíbrio com o plasma por dias.
A distribuição das drogas no sistema nervoso central é peculiar, pois os capilares cerebrais
têm pequena quantidade de canais aquosos, logo, a difusão de drogas hidrossolúveis torna-se
limitada. Já as drogas lipossolúveis têm sua distribuição limitada apenas pelo fluxo sanguí-
neo cerebral.
O transporte do fármaco, quer seja para o tecido ou a partir dele, geralmente não é saturável,
de modo que a captação do fármaco pelo tecido é limitada principalmente pelo fluxo sanguí-
neo para o tecido (captação do fármaco limitada pelo fluxo).
A distribuição tecidual é determinada pelo fracionamento do fármaco entre o sangue e os te-
cidos específicos. A lipossolubilidade e os gradientes de pH transmembrana são importantes
na distribuição de fármacos como ácidos ou bases fracas.

O fator mais importante do fracionamento entre o sangue e os tecidos


é a ligação relativa do fármaco às proteínas plasmáticas, que limita a
concentração do fármaco livre. A ligação reversível às proteínas plas-
máticas sequestra os fármacos no plasma e retarda a sua transferência
para fora do compartimento vascular.

Alguns fármacos circulam na corrente sanguínea ligados às proteínas plasmáticas. A albumi-


na é o principal carreador dos fármacos ácidos, enquanto a alfa 1 glicoproteína ácida liga-se
aos fármacos básicos. Somente a fração livre está prontamente disponível para atravessar as
membranas.
A albumina por ser a principal proteína de ligação pode atuar como um reservatório de dro-
gas (à medida que a concentração de droga livre diminui devido à eliminação, o fármaco li-
gado se dissocia da proteína). Isso mantém a concentração de drogas livres como uma fração
constante do fármaco total no plasma.
A fração de todo o fármaco presente no plasma ligado às proteínas é determinada pela con-
centração do fármaco, pela afinidade com aquela proteína e pelo número de locais de ligação.
Temperatura e pH também interferem na ligação. Exemplo, variações no pH alteram a fração

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de cálcio ligado à albumina. Como o cálcio e o hidrogênio competem pelo mesmo sítio de
ligação na albumina, a acidose irá elevar a quantidade de cálcio livre. Lembrar que droga
livre é droga ativa.
A redução das proteínas plasmáticas aumenta a potência do fármaco com alta ligação pro-
teica somente imediatamente após sua administração. Como o fármaco se distribui para os
tecidos, onde se liga às proteínas tissulares, ocorre redução na concentração de droga livre.
Logo, não ocorre uma alteração significativa da potência após o equilíbrio.
Muitas drogas se ligam a proteínas tissulares, levando a maiores concentrações do fármaco
nos tecidos do que no líquido extracelular e no sangue. As drogas também podem ser ati-
vamente transportadas para os tecidos. Os reservatórios de tecido podem servir como fonte
principal da droga e prolongar suas ações.
A amplitude da ligação às proteínas plasmáticas pode ser afetada por fatores relacionados
com a doença. Na hipoalbuminemia secundária à doença hepática grave ou à síndrome ne-
frótica, há diminuição da ligação proteica e aumento da fração livre. A insuficiência renal
pode reduzir a fração da droga ligada às proteínas mesmo na ausência de alterações na con-
centração de albumina e outras proteínas.

Alterações na ligação proteica são importantes para drogas


com alta ligação às proteínas: warfarin, propranolol, feni-
toína e o diazepam. A concentração de albumina é menor
em idosos, mas de pequena repercussão na ligação proteica
quando comparada às nefropatias e às hepatopatias. Uma
redução das proteínas ocorre em neonatos, resultando em
aumento da fração livre de drogas como o diazepam, pro-
pranolol, sufentanil e lidocaína.

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FIXANDO CONHECIMENTO
Um pesquisador procura métodos para reduzir o tempo entre a ad-
ministração intravenosa de rocurônio e a redução de 95% da força
de contração do músculo adutor do polegar (estímulo simples de
1 Hz). Dentre as medicações abaixo, qual tem o maior potencial de
alcançar esse objetivo?

A) Efedrina.
B) Fenilefrina.
C) Fentolamina
D) Nitroglicerina
Resposta: A

Modelos compartimentais tem como presunção que um bolus intravenoso


de determinada medicação se mistura instantaneamente com o volume
-
te não é real. Um fármaco injetado em uma veia do braço aparecerá na
concentração arterial entre 30 a 40 segundos após sua injeção. Este re-
tardo representa o tempo necessário para um fármaco passar do volume
venoso do braço, para o coração, para os grandes vasos e para os tecidos
-
xo sanguíneo do sistema no qual o fármaco foi injetado, representado pelo

mais rápida a distribuição de fármacos ao seu sítio efetor.

Referência: Kim TK, Obara S, Johnson KB. Basic Principles of Pharmacolo-


gy, em: Miller RD, Cohen NH, Eriksson LI, Fleisher LA, et al. Miller’s Anesthe-
sia. 8a Ed, Philadelphia, Elsevier Saunders, 2015.

Redistribuição
A não ser que o tecido metabolize ou excrete o fármaco, o transporte entre o sangue e os teci-
dos é um processo bidirecional governado pela lei de ação das massas. Quando a concentra-
ção do fármaco nos tecidos se torna maior do que a concentração no plasma, o movimento
global do fármaco ocorre na direção dos tecidos para o plasma, ou seja, o fármaco deixa a
biofase e retorna para o plasma.

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O despertar rápido após dose única é explicado por essa redistribuição da droga favorecendo
sua saída do SNC. A diminuição da concentração do fármaco abaixo do limiar terapêutico
na biofase interrompe o seu efeito.

Atenção: o término de ação clínica do fármaco não é mesmo que meta-


bolismo e eliminação completa do fármaco, mas reflete o decaimento
da concentração na biofase. Lembrar sempre que é a concentração do
fármaco no receptor da biofase que determina o efeito clínico.

É importante observar que o cérebro pode redistribuir um fármaco minutos após o bolus ter
sido administrado. Entretanto, leitos tissulares como o músculo, que são mais lentos para se
equilibrar devido à grande capacidade de captação do fármaco, irão continuar a captá-lo até
que a concentração plasmática caia abaixo da concentração tissular à medida que o fármaco
é metabolizado, excretado e distribuído por todo o corpo.
Observe o exemplo da
Esquema representativo
figura ao lado. A con-
da infusão em bolus de centração plasmática de
fentanil em relação ao fentanil diminui rapida-
tempo e a concentração mente após a adminis-
plasmática. tração enquanto aumenta
rapidamente no tecido de
equilíbrio rápido. A partir
do ponto em que a con-
centração no tecido de
equilíbrio rápido excede
a concentração no plasma
(seta preta), haverá uma
transferência contínua de
fármaco a partir do tecido
de equilíbrio rápido para o plasma (redistribuição). Durante todo esse tempo, há uma capta-
ção lenta e contínua do fármaco pelos tecidos de equilíbrio lento e não há redistribuição do
fármaco a partir desses tecidos para o plasma.
Veja na primeira figura, que a droga primeiramente atinge o cérebro (mais perfundido).
Num segundo instante, a droga também vai para os tecidos menos perfundidos, como os
músculos e a gordura, dessa forma deixando a concentração sanguínea mais baixa. Assim,
podemos observar a saída da droga do cérebro na figura do meio, pois ocorre uma diferença
de concentração entre o cérebro e o compartimento sanguíneo que produz uma movimenta-

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ção de droga do mais concentrado (cérebro) em direção ao menos concentrado (sangue). Na
figura da direita não há mais droga na biofase.

Perfusão preferen- Distribuição para ór- Ausência de droga


cial para os órgãos gãos menos perfun- no cérebro, ocorren-
mais perfundidos, didos, com redução do assim a redistri-
como o cérebro. da concentração no buição.
plasma.
Saída da droga do
cérebro.

Dose única de drogas lipossolúveis tem duração diminuída pela redistribuição e doses repe-
tidas causam acúmulo. Fentanil, propofol e tiopental são exemplos.
Com injeções repetidas ou uma infusão do fármaco, a captação tissular irá continuar desde
que a concentração do fármaco no sangue permaneça acima da concentração tissular. Assim,
quando a administração do fármaco é suspensa ou a velocidade é reduzida, esses tecidos co-
meçam a agir como depósitos, causando transferência do fármaco para o sangue e reduzindo
ainda mais a velocidade de diminuição da concentração plasmática.
Se órgãos menos perfundidos forem saturados por doses repetidas ou infusão contínua do
fármaco, impossibilitará a redistribuição e o término de efeito (despertar) do fármaco, e de-
penderá da sua metabolização e eliminação.

Metabolização
A única forma de reduzir a quantidade total de fármaco no corpo é eliminá-la do organismo.
Alguns fármacos são suficientemente hidrofílicos para serem excretados por meio de filtra-
ção passiva ou transporte ativo de forma inalterada pelos rins, mas a maioria dos opioides
e hipnóticos são lipofílicos (motivo pelo qual atravessam a barreira hematoencefálica com
facilidade), de modo que precisam ser metabolizados em uma forma mais hidrofílica. Esse
metabolismo é essencial à sua eliminação do organismo, bem como à cessação das suas ati-
vidades biológica e farmacológica.
Metabolismo ou biotransformação é a conversão de drogas farmacologicamente ativas lipos-

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solúveis em metabólitos farmacologicamente inativos hidrossolúveis. A biotransformação é
importante no término de ação das drogas que não sofrem significativa redistribuição ou são
administradas em largas doses, doses repetidas ou infusão contínua prolongadas.
Em geral, as reações do metabolismo geram metabólitos inativos mais polares, facilmente
excretados pelo organismo. Entretanto, em alguns casos, o organismo produz metabólitos
com atividade biológica potente ou propriedades tóxicas. O diazepam e o propranolol são
metabolizados em compostos ativos.
O metabolismo dos fármacos é classificado em dois tipos: reações de funcionalização da fase
I e reações de biossíntese da fase II (conjugação). As reações de fase I declinam com a idade.
Reações de fase I: oxidação, redução e hidrólise causam o aumento da polaridade da droga
e a preparam para a fase II. Introduzem ou expõem um grupo funcional no composto origi-
nal, como ocorre nas reações de hidrólise. Em geral, as reações da fase I resultam na perda
da atividade farmacológica, embora existam exemplos de conservação ou ampliação desta
atividade (pró-fármacos).

· Hidrólise: insere molécula de água transfor-


mando-a em composto instável que se divide; passo
inicial enzimaticamente mediado.
· Oxidação: remove elétrons e insere grupo OH
transformando-a em composto instável; passo inicial
enzimaticamente mediado.
· Redução: alteram elétrons.

O citocromo P450 (CYP) é uma superfamília de enzimas constitutivas indutíveis que catali-
sam a maioria das reações de fase I. CYP3A4 é a enzima mais importante, respondendo por
40% a 45% de toda a capacidade de metabolizar as drogas do CYP. As enzimas do CYP estão
incorporadas no retículo endoplasmático liso dos hepatócitos e nas membranas dos enteró-
citos do intestino delgado. Enzimas do CYP também são encontradas nos pulmões, rins e na
pele, mas em quantidades muito menores.
As enzimas P450 apresentam uma considerável variabilidade genética entre indivíduos e
grupos raciais. A CYP2D6, em particular, mostrou exibir polimorfismo genético. As muta-
ções da CYP2D6 resultam em capacidades muito baixas para metabolizar substratos. Alguns
indivíduos, por exemplo, não obtêm nenhum benefício analgésico com o uso da codeína,

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porque eles não têm a enzima CYP2D6 que ativa o fármaco.
Polimorfismos semelhantes ocorrem com a subfamília CYP2C das isoenzimas. Por exemplo,
o clopidogrel traz um aviso de que os pacientes que são metabolizadores pobres da CYP2C19
têm maior incidência de eventos isquêmicos cardiovasculares, como AVC ou infarto do mio-
cárdio, ao tomar este medicamento. Clopidogrel é um pró-fármaco, e a atividade CYP2C19
é necessária para convertê-lo no metabolito ativo.
Várias enzimas constitutivas do CYP estão envolvidas na produção de compostos endóge-
nos, tais como colesterol, esteroides, prostaglandinas e eicosanoides. Além das formas cons-
titutivas, a produção de várias enzimas do CYP pode ser induzida por uma ampla variedade
de drogas, a chamada indução enzimática. Ou seja, a exposição a determinadas drogas deter-
mina um aumento reversível da capacidade intrínseca das enzimas hepáticas de metabolizar.
Certas drogas como o fenobarbital, a rifampicina e a carbamazepina são capazes de aumen-
tar a síntese de uma ou mais isoenzimas CYP. Isso resulta em aumento da biotransformação
de drogas e pode levar a diminuições significativas nas concentrações plasmáticas de fárma-
cos metabolizados por estas isoenzimas CYP, com perda simultânea do efeito farmacológico.
As biotransformações podem ser inibidas se substratos diferentes competem pelo mesmo
sítio de ligação no CYP. O efeito dos dois substratos concorrentes sobre o metabolismo do
outro depende das suas afinidades relativas com a enzima. Biotransformação do composto
com a afinidade menor é inibida pela de maior afinidade. Este é o mecanismo pelo qual a
cimetidina inibe o metabolismo de muitos fármacos, incluindo meperidina, propranolol e
diazepam. Esta informação permite prever quais combinações de drogas são mais propensas
a levar a interações clinicamente significativas.
Numerosos medicamentos demonstraram inibir uma ou mais vias de biotransformação de-
pendentes de CYP de warfarina. Por exemplo, o omeprazol é um potente inibidor de três
das isoenzimas do CYP responsáveis pelo metabolismo da warfarina. Se os dois fármacos
forem tomados em conjunto, as concentrações plasmáticas de warfarina aumentam, o que
leva a um maior efeito anticoagulante e aumento do risco de hemorragia. Os inibidores de
CYP mais importantes são eritromicina, cetoconazol e ritonavir, porque cada um inibe várias
isoenzimas do CYP.
Indução e inibição do citocromo P450 altera o clearance intrínseco hepático. Altera a bio-
transformação de fármacos com baixa taxa de extração hepática, ou seja, que são clearance
dependentes das enzimas hepática.
As reações de conjugação da fase II resultam na formação de uma ligação covalente entre um
grupo funcional do composto original ou do metabólito da fase I com ácido glicurônico, sul-
fato, glutationa, aminoácidos ou acetato formados pelos processos endógenos. Em geral, es-
ses conjugados altamente polares são inativos e excretados rapidamente na urina e nas fezes.
Muitos fármacos não têm um grupo químico polar adequado para conjugação, de modo que
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a fase II ocorre somente depois de uma reação de fase I. Alguns fármacos, como o propofol
e a morfina, podem ser conjugados diretamente ao glicuronídeo sem reações de fase I. Inde-
pendentemente de haver uma etapa de fase I, as conjugações são chamadas de reações de fase
II e ocorrem no citosol dos hepatócitos (e outras células). Glicuronídeos e outros conjugados
podem, então, serem eliminados pela urina ou no trato gastrintestinal pela bile. Já o tiopen-
tal não sofre reação de fase II.

Tiopental → Reação de fase I → tiopental carboxilácido → excreção renal

Tal como o sistema do citocromo P450, as enzimas que catalisam as reações de fase II são in-
dutíveis. As reações da fase II produzem conjugados que são polares, compostos solúveis em
água. Isto facilita a excreção final da droga através dos rins ou secreção hepatobiliar. Como
CYP, existem diferentes famílias e superfamílias de enzimas que catalisam as biotransforma-
ções da fase II.

Clearance das drogas


Depuração ou Clearance é capacidade de eliminar uma droga do sangue. É o volume teórico
de sangue do qual a droga é completa e irreversivelmente removida em um certo tempo.
Se um órgão remove perfeitamente todo o fármaco do sangue à medida que ele flui pelo
órgão, o clearance (ou limpeza) seria igual ao fluxo sanguíneo para aquele órgão. Se apenas
uma fração do fármaco presente no sangue para o órgão for removido no tempo da passagem
ditado pelo fluxo sanguíneo, então o clearance é a fração removida em uma passagem mul-
tiplicada pelo fluxo sanguíneo do órgão. A fração de extração (FE) do fármaco pelo órgão
será a subtração entre a concentração plasmática arterial e a concentração plasmática venosa,
sendo o resultado dividido pela concentração plasmática arterial:

FE = Cp arterial - Cp veia / Cp arterial


Clearance = Fração de extração do órgão x Fluxo Sanguíneo do órgão

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Anestesia
Os fármacos são eliminados pelo processo de excreção sem qualquer alteração, ou são con-
vertidos em metabólitos. Com exceção dos pulmões, os órgãos excretores eliminam mais
eficazmente os compostos polares do que as substâncias altamente lipossolúveis. Por essa
razão, os fármacos lipossolúveis não são facilmente eliminados até que sejam metabolizados
em compostos mais polares. O rim é o órgão mais importante para a excreção dos fármacos
e seus metabólitos. A excreção pulmonar é importante principalmente para a eliminação dos
gases anestésicos.

Quando se fala de eliminação de drogas, sabemos que existem duas for-


mas, a cinética de primeira ordem e a cinética de ordem zero.

Na cinética de primeira ordem ou cinética linear, a taxa de metabolismo e eliminação do


fármaco é diretamente proporcional à concentração de drogas livres, pois a capacidade me-
tabólica é maior que a concentração do fármaco. Uma fração constante é eliminada por uma
unidade de tempo, ou seja, com cada meia-vida, a concentração plasmática diminui em 50%.
Então, com o aumento da administração do medicamento, mais fármaco será eliminado.
Continua eliminando 50%, mas este 50% representa um valor (quantidade) maior. A con-
centração do fármaco diminui exponencialmente. Pense em uma sala com 200 portas e 10
pessoas, mesmo se dobrar, triplicar, o número de pessoas na sala tem portas suficientes para
evacuar a área rapidamente.
A meia vida de eliminação (tempo para eliminar) na cinética de primeira ordem é constante,
ou seja, não adianta aumentar a dose do fármaco para durar mais o efeito, pois o tempo será
o mesmo. A taxa de remoção da droga aumenta com o aumento da sua concentração plas-
mática e, assim, não altera o tempo.
Na cinética de ordem zero a capacidade metabólica é excedida e difere da anterior, pois não
segue um padrão exponencial de eliminação. Isso ocorre com algumas drogas, como aspiri-
na, etanol e fenitoína, pois as doses são muito grandes. A enzima está saturada por uma con-
centração elevada de fármaco livre e a taxa de metabolismo permanece constante ao longo
do tempo. A taxa de eliminação é constante e não depende da concentração do fármaco. Por
exemplo, no caso do etanol, a enzima álcool desidrogenase atinge seu funcionamento máxi-
mo/velocidade de oxidação em baixas concentrações do etanol. Se a concentração ingerida
for maior que a oxidada haverá acúmulo de álcool no sangue. Assim, a dose tem um efeito
muito importante na duração da ação do medicamento já que uma quantidade constante é
eliminada.
DICA = ZERO ÁLCOOL para poder dirigir. Uma dose de vinho é eliminada em 3hs, mas
duas doses de vinho são eliminadas em 6hs.

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Anestesia
Na cinética de ordem zero, portanto, a concentração plasmática no estado de equilíbrio é di-
retamente proporcional à dose, a velocidade de queda da concentração plasmática do fárma-
co não depende da dose e a interrupção da administração leva à eliminação lenta até chegar
à depuração de primeira ordem, momento em que a enzima não está mais saturada.

Clearance hepático
É o produto do fluxo sanguíneo hepático pela fração ou taxa de extração. A extração hepática
é classificada conforme o fluxo sanguíneo hepático.
Fármacos com alta taxa de extração hepática (FE>70% ou 0,7): clearance dependerá do flu-
xo sanguíneo hepático (alterações da atividade enzimática terão pouca influência), ou seja,
eliminação dependente da perfusão. Elevada capacidade hepática de metabolizar o fármaco,
logo, a taxa de depuração será limitada apenas pelo aporte (perfusão) de fármaco ao fígado,
pois capacidade enzimática ele tem.
Bupivacaína, lidocaína, cetamina, fentanil, sufentanil, morfina, propofol, nifedipina, propra-
nolol e verapamil são fármacos de alta taxa de extração hepática. Propranolol promove a di-
minuição do fluxo sanguíneo hepático o que resulta na diminuição da sua própria depuração.

Atenção: os anestésicos inalatórios, cirurgias abdómen superior e hipo-


tensão são fatores que reduzem o fluxo sanguíneo hepático, prejudican-
do a depuração de drogas com alta taxa de extração hepática.

Drogas com bavixa extração hepática (FE<30% ou 0,3): dependentes do sistema enzimático,
ou seja, a eliminação depende da capacidade metabólica e não do fluxo sanguíneo hepático.
Diazepam, fenitoína, rocurônio e tiopental são fármacos de baixa extração hepática.
Drogas com intermediária extração hepática: dependem do sistema enzimático e do fluxo
sanguíneo hepático; são exemplos: alfentanil, midazolam, vecurônio e rapacurônio.
A cirrose causa diminuição do flu-
xo sanguíneo hepático o que leva a
uma diminuição da depuração de
drogas com alta extração hepática.
A cirrose também causa diminui-
ção da função hepática, resultando
em diminuição da depuração de
drogas de baixa extração hepática.

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Anestesia
Excreção biliar
A maioria dos metabólitos das drogas produzido pelo fígado são excretados pela bile no trato
gastrointestinal. Frequentemente são reabsorvidos do trato gastrointestinal para a circulação
com eliminação final pela urina.
Algumas drogas como a morfina, fentanil, cloranfenicol participam do ciclo entero-hepático.
A droga é metabolizada pelo fígado e excretada pela bile no TGI. Sofre hidrólise e volta a ser
droga ativa sendo reabsorvida.

Clearance renal
Rins são importantes para a eliminação de drogas na forma inalterada ou seus metabólitos. A
excreção dos fármacos e metabólitos na urina inclui três processos independentes: filtração
glomerular, secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva. Em geral, as alterações da
função renal global afetam esses três processos na mesma extensão.
A solubilidade lipídica e o pH não influenciam a passagem de fármacos para o filtrado glo-
merular. No entanto, as variações na TFG e na ligação proteica de drogas afetam esse pro-
cesso.
A secreção tubular ocorre principalmente nos túbulos proximais por sistemas de transporte
ativo que requerem energia e apresentam baixa especificidade, podendo transportar muitos
compostos. Assim, existe vários fármacos que competem pelo mesmo sítio de ligação na
proteína transportadora. Os bebês prematuros e neonatos possuem um mecanismo secretor
tubular incompletamente desenvolvido e, portanto, podem apresentar dificuldade para eli-
minar certas drogas.
No túbulo distal ocorre a reabsorção para circulação sistêmica de compostos não ionizados.
Manipular o pH da urina para aumentar a fração do fármaco ionizado no lúmen pode ser
feito para aumentar a depuração de um medicamento indesejável.
Como regra geral, os ácidos fracos podem ser eliminados por alcalinização da urina, en-
quanto que a eliminação de bases fracas pode ser aumentada pela acidificação da urina. Este
processo é chamado de sequestro ou aprisionameto de íons. Por exemplo, um paciente que
apresenta uma overdose de fenobarbital (ácido fraco) pode receber bicarbonato, que alcali-
niza a urina e mantém o fármaco ionizado, diminuindo assim sua reabsorção.
A queda do débito cardíaco afeta tanto a TFG como a secreção tubular, prejudicando o cle-
arance renal.
Quando uma droga apresenta uma fração de extração (FE) renal maior que 70%, indica que
ela é eliminada predominantemente pelos rins e sofrerá acúmulo na insuficiência renal. Se
FE renal for menor que 30%, a insuficiência renal terá pouco efeito sobre a eliminação dessa
medicação.

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Anestesia
Nos recém-nascidos, a função renal é baixa, em comparação com a massa corporal, mas
se desenvolve rapidamente nos primeiros meses após o nascimento. Na vida adulta, há um
declínio lento da função renal (cerca de 1% ao ano) e, por esta razão, os indivíduos idosos
podem ter graus significativos de limitação funcional.
Compostos hidrossolúveis são excretados mais eficientemente pelos rins que compostos com
alta lipossolubilidade. A eliminação de drogas pelos rins é correlacionada com o clearance de
creatinina ou a concentração sérica de creatinina e a magnitude da alteração desses parâme-
tros demanda ajuste na dosagem.

Drogas anestésicas com importante clearance renal: Pancurônio, Doxa-


cúrio, Pipecurônio, Rocurônio, Neostigmina, Edrofônio, Atenolol, Digo-
xina, Cefalosporina, Penicilina, Aminoglicosídeos.

A quantidade da droga que entra no lúmen tubular renal depende da fração da droga ligada
à proteína e à taxa de filtração glomerular. A secreção tubular ativa pode ser seletiva para
certas drogas e metabólitos, incluindo compostos ligados à proteína.
A reabsorção passiva é mais proeminente para drogas lipossolúveis. A reabsorção é influen-
ciada pelo pH e ritmo do fluxo tubular renal.

Princípios farmacocinéticos
Os quatro parâmetros mais importantes que governam a disposição dos fármacos são os
seguintes: biodisponibilidade, ou fração do fármaco absorvido na forma original para a cir-
culação sistêmica; volume de distribuição, que é uma medida do espaço aparentemente dis-
ponível no organismo para conter o fármaco, de acordo com a quantidade administrada e a
concentração presente na circulação sistêmica; depuração, que é uma medida da eficiência
do organismo para eliminar o fármaco da circulação sistêmica; e meia-vida de eliminação,
que é a taxa de remoção do fármaco da circulação sistêmica.

Volume de Distribuição
O processo de distribuição de um fármaco pode ser quantificado pelo conceito de compar-
timento, através do volume de distribuição, que avalia a extensão da distribuição da subs-
tância. Assumindo que o corpo consiste de um único compartimento, e conhecendo-se a
dose administrada por via endovenosa e sua concentração dosada no sangue, o volume do
compartimento, denominado volume aparente de distribuição (Vd), pode ser determinado
por substituição nos termos da equação que se segue:

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Anestesia
Tudo que limita a distribuição do fármaco, reduz o seu volume aparente de distribuição:
baixa lipossolubilidade, alta ionização, elevado peso molecular e alta ligação às proteínas
plasmáticas. Os volumes de distribuição de fármacos podem variar de um valor abaixo do
volume de líquido extracelular do corpo (para fármacos que não entram nas células) a volu-
mes que são muitas vezes maiores do que o peso do paciente (para fármacos que penetram
nos tecidos devido a transporte ativo, ligação ou preferência físico-química pelos constituin-
tes lipídicos das células em relação ao ambiente aquoso do plasma).
Se um fármaco tem um peso molecular elevado ou é extensamente ligado a proteínas plas-
máticas, ele apresenta dificuldade para passar pelas junções da fenda dos capilares e, portan-
to, fica restrito ao plasma. Como resultado, o fármaco tem um VD baixo que se aproxima do
volume do plasma ou cerca de 4 L em um indivíduo de 70 kg. A heparina mostra esse tipo
de distribuição.
Se um fármaco tem um baixo peso molecular, mas é hidrofílico, ele pode passar pelas jun-
ções da fenda endotelial no sentido dos capilares para o fluido intersticial. No entanto, os
fármacos hidrofílicos não podem se mover através das membranas lipídicas das células para
entrar no fluido intracelular. Portanto, esse medicamento se distribui em um volume que é
a soma do volume plasmático e do fluido intersticial, que juntos constituem o fluido extra-
celular (cerca de 20% do peso corporal ou 14 L em um indivíduo de 70 kg). Exemplo são os
aminoglicosídeos.
Se um medicamento tem um baixo peso molecular e é lipofílico, ele pode se mover para o
interstício e também passar pelas membranas celulares para o fluido intracelular. Esse medi-
camento se distribui em um volume de cerca de 60% do peso corporal ou cerca de 42 L em
um indivíduo de 70 kg. O etanol exibe esse VD aparente.
Drogas com volume de distribuição maior que o volume de água corporal total (42L) se con-
centram em determinados tecidos, como a gordura. Quanto maior a afinidade do fármaco
pela gordura, maior será sua captação pelo tecido gorduroso, resultando em uma menor
concentração plasmática.

Clearance ou Depuração
Clearance é um termo inglês usado para indicar a remoção completa de determinada subs-
tância de um volume específico de sangue na unidade de tempo. Em português utilizamos
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Anestesia
depuração. A depuração de um fármaco do organismo pode ser compreendida como a taxa
de eliminação por todas as vias, normalizada para a concentração do fármaco no plasma.
Uma vez que uma droga entra no corpo, o processo de eliminação começa. As três principais
rotas de eliminação são o metabolismo hepático, a eliminação biliar e a eliminação urinária.
Juntos, esses processos de eliminação diminuem a concentração plasmática.

Onde t1/2 é a meia-


-vida de eliminação
e VD é o volume de
distribuição

Quando um paciente tem uma anormalidade no clearance que altera a meia-vida de um


medicamento, é necessário um ajuste na dosagem. Os pacientes que podem ter um aumento
na meia-vida do fármaco incluem aqueles com fluxo sanguíneo renal ou hepático diminuído
(choque cardiogênico, insuficiência cardíaca ou hemorragia), diminuição da capacidade de
extração de fármaco do plasma (doença renal) e diminuição do metabolismo (medicamento
concomitante inibe o metabolismo ou a insuficiência hepática).
O conhecimento dos conceitos básicos de volume de distribuição e depuração permitem o
entendimento da infusão venosa contínua, que engloba a administração de uma dose de ata-
que e uma taxa de infusão de manutenção.

Biofase
O plasma (compartimento central) não é o sítio de ação dos anestésicos venosos. Mesmo
que seja conhecida a precisa concentração sérica do fármaco necessária para a obtenção de
determinado efeito, somente com o cálculo da dose em bolus, não é possível avaliar a sua
concentração no sítio efetor.
Biofase é o local onde os fármacos exercem as suas ações, sejam elas desejadas ou não. Esses
locais, em geral, são receptores com barreiras biológicas determinadas por membranas pro-
teicas. Isso faz com que os anestésicos venosos, em sua maioria, sejam lipossolúveis a fim de
ultrapassarem essas barreiras com mais rapidez para exercer a ação.
Para que um fármaco atinja a biofase, é necessário que haja sua distribuição do plasma para o
tecido que abriga o referido receptor. Concomitantemente, o fármaco também é distribuído
em outros tecidos ou compartimentos do organismo. Dessa forma, a dose administrada em
bolus, com o objetivo da obtenção de um determinado efeito, não pode ser calculada empre-
gando o volume de distribuição inicial (Vd1), que inclui somente o volume plasmático, mas
deverá ser calculada com base no volume dentro do qual o fármaco esta sendo distribuído
no momento em que atinge uma situação de equilíbrio com a biofase.
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Anestesia
Existe uma latência entre a administração inicial de um fármaco e o aparecimento dos pri-
meiros efeitos. Isso ocorre porque o fármaco precisa sair do plasma, local onde é depositado
por meio de uma veia periférica, e chegar até o receptor na biofase. Quando se correlacionam
a concentração plasmática de propofol após uma rápida infusão venosa e a monitorização
simultânea, através do traçado de eletroencefalograma (EEG), observa-se que a rápida ele-
vação na concentração plasmática desse fármaco não é acompanhada de uma concomitante
alteração no EEG, o que caracteriza uma histerese entre concentração plasmática e efeito do
fármaco. Entretanto, existe um tempo em que os dois, concentração e efeito, serão igualados.
Este é o chamado ponto de equilíbrio, e ocorre depois de igualadas as concentrações entre
plasma e local efetor.
Esse tempo será maior quanto menor a velocidade de passagem do medicamento do plasma
para o receptor. Daí o termo Ke0 (constante de velocidade)
De todas as variáveis de velocidade de passagens entre um compartimento e outro, o Ke0 é a
mais importante, pois ele determina a velocidade na qual um fármaco deixa o compartimen-
to central (V1), onde foi administrado, e entra no compartimento de ação (biofase). Ou seja,
determina o pico de ação do fármaco.
T1/2 Ke0 é o tempo decorrido para que ocorra metade do equilíbrio entre o plasma e a bio-
fase, em outras palavras, é o tempo para a biofase atingir 50% da concentração plasmática do
fármaco.
Quanto maior o Ke0, maior a velocidade de entrada de um fármaco no compartimento de
ação. Por conseguinte, menor será o tempo gasto para que isso ocorra. Assim, fármacos com
T1/2 Ke0 curtos possuem Ke0 altos e rápido início de ação.
Por meio da manipulação do valor de Ke0 atribuído a um modelo farmacocinético de um
medicamento é possível alterar o tempo de início de ação deste.
A maioria dos modelos farmacocinéticos de fármacos venosos busca descrever um Ke0 den-
tro do limite da razoabilidade, ou seja, algo que ofereça indução rápida associada a menor
incidência possível de efeitos colaterais resultantes da dose de indução calculada.

Histerese
É o retardo ou latência, entre a administração do fármaco e o aparecimento do efeito clíni-
co. Por definição farmacológica, o equilíbrio entre os compartimentos plasmático e o local
efetor, para fármacos venosos, corresponde a 4,32 meias-vidas do fármaco. Assim, o produto
T1/2Ke0 × 4,32 corresponde ao tempo de equilíbrio entre o compartimento plasmático e o
local efetor. Independe da dose.

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Anestesia
O tempo de histerese do propofol pode ser calculado de acordo com a
T1/2Ke0 (meia-vida de equilíbrio) que é de 2,4 minutos. Significa que
as concentrações plasmáticas e no local efetor de propofol estarão em
equilíbrio, após um regime de administração contínuo, em torno de
12 minutos.

Meia-vida
A disposição da maioria das drogas segue uma cinética de primeira ordem. Um processo
de cinética de primeira ordem é aquele em que uma fração constante da droga é removida
durante um período de tempo finito, independentemente da quantidade de droga ou sua
concentração. Esta fração é equivalente à da constante de velocidade do processo. Uma vez
que uma fração constante é removida por unidade de tempo na cinética de primeira ordem,
a quantidade absoluta de droga removida é proporcional à concentração do fármaco. Daqui
resulta que, na cinética de primeira ordem, a taxa de variação da quantidade de fármaco,
em qualquer dado momento, é proporcional à concentração do fármaco naquele momento.
Quando é elevada, mais droga vai ser removida do que quando a concentração é baixa. Ciné-
tica de primeira ordem se aplica não só a eliminação, mas também a absorção e distribuição.
Em vez de utilizar as constantes de velocidade, a rapidez de processos farmacocinéticos é
frequentemente descrita como meia-vida que é o tempo necessário para a concentração cair
pela metade.
Cinética de primeira ordem é um processo que se aproxima de um final, porque uma fração
constante da droga, não um valor absoluto, é removida por unidade de tempo. No entanto,
depois de cinco meias-vidas, o processo será quase 97% completo. Para fins práticos, este é
essencialmente 100% e, por conseguinte, há uma pequena quantidade de fármaco que per-
manece no corpo.

Porcentagem de droga
removida em função do
tempo. Observe que após
5 meia-vidas praticamente
não existe mais droga no
organismo.

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Anestesia
Se administrarmos 1g IV de um deter-
minado fármaco, após 5 meias vidas
(5T1/2), esse fármaco alcançará o equi-
líbrio. Isso quer dizer que a dose admi-
nistrada será igual a dose eliminada.
Esse mesmo raciocínio pode ser usado
quando interrompemos a administra-
ção do fármaco, ou seja, após 5 meias-
-vidas podemos considerar a droga to-
talmente e eliminada do organismo.
Embora o clearance seja o parâ-
Após bolus da droga, obser-
metro farmacocinético que me-
ve que a porção reta da cur-
va extrapolada (A) informa lhor descreve o processo fisio-
a concentração plasmática lógico de eliminação da droga,
no tempo zero. A letra B é a a variável mais frequentemente
meia vida de eliminação. relatada nos livros de texto é a
meia-vida de eliminação de uma
droga (t1/2 ß). A meia-vida de eli-
minação é o tempo durante o qual
a quantidade de droga no organis-
mo diminui em 50%. Embora este
parâmetro parece ser um simples
resumo da fisiologia de elimina-
ção da droga, isto é, na verdade,
um parâmetro complexo, influen-
ciado pela distribuição e a elimi-
nação da droga.
Quanto maior o clearance, menor
é o tempo necessário para elimi-
nar a droga do organismo. Um elevado Vd representa extensa distribuição tecidual da droga
com pequena fração disponível no compartimento central para ser eliminada, ou seja, não
está disponível para os órgãos excretores. Portanto, qualquer fator que aumenta Vd pode
aumentar a meia-vida e prolongar a duração da ação do medicamento. Um Vd excepcional-
mente grande indica um sequestro considerável do fármaco em alguns tecidos (ex. gordura).

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Anestesia
‘’Quanto maior for o apartamento (Vd), mais
tempo (t1/2 ß) demora a limpeza (clearance)’’

Meia Vida Contexto Dependente


Em 1992, Hughes propôs o conceito de meia vida contexto dependente observando que os
conceitos farmacológicos de dose única eram diferentes de quando se fazia uma infusão ve-
nosa contínua.
O efeito da distribuição sobre a concentração plasmática das drogas varia com o tempo e
depende do gradiente de concentração da droga entre compartimentos. A meia-vida sensível
ao contexto considera os efeitos combinados da distribuição e metabolismo assim como a
duração da administração contínua endovenosa sobre a farmacocinética da droga.
De uma forma ou de outra, todos os tecidos corporais agem como depósitos de fármacos.
As velocidades com que os tecidos acumulam os fármacos à medida que equilibram suas
concentrações com as concentrações sanguíneas variam com o fluxo sanguíneo para o tecido
em relação à massa tissular e com sua propensão a sequestrar o fármaco (i.e., o coeficiente
de partição sangue-tecido). Esses depósitos continuam a acumular o fármaco até que seja
atingido um estado de equilíbrio. Para grandes depósitos com fluxo sanguíneo relativamente
baixo, é necessário um dia ou mais para atingir um estado de equilíbrio.
A meia-vida contexto sensível determina o tempo para que ocorra a diminuição da concen-
tração plasmática de um fármaco, para a metade do valor em que este se encontrava durante
a infusão, a partir do momento em que a administração for interrompida. Esse conceito é
muito importante em infusão alvo controlada, pois faz com que um sistema dotado das va-
riáveis farmacológicas necessárias para esse cálculo possa inferir o tempo de despertar ou de
retorno à ventilação espontânea, de acordo com o cálculo da concentração prevista a cada
momento. As limitações desse cálculo variam diretamente com a margem de erro do mode-
lo, uma vez que este não mede a concentração diretamente no plasma, apenas faz uma infe-
rência com base em cálculos matemáticos. Ainda, características do fármaco e do paciente,
bem como a associação com outros fármacos, podem alterar o resultado clínico observado
ou esperado.
Dentre os hipnóticos em uso, o propofol é o que melhor preenche as características para in-
fusão venosa contínua, pois apresenta a menor meia vida contexto dependente. Barbitúricos
e o midazolam quando utilizados dessa forma tendem a apresentar perfil acumulativo, con-
forme figura a seguir.
Observe que o etomidato também apresenta um potencial de ser utilizado em infusão con-

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Anestesia
tínua, mas isso não é indicado pois essa droga promove a inibição da 11 beta hidroxilase e
consequente supressão cortical.

Meia vida contexto


sensível para os hipnó-
ticos. Observe o perfil
favorável do propofol.

Dentre os opioides, o remifentanil surgiu como a droga de escolha para infusão contínua
pois apresenta como característica uma meia vida contexto independente, ou seja, mesmo
com longos períodos de infusão ocorre queda rápida dos seus níveis plasmáticos. Veja a se-
guir o perfil vantajoso do remifentanil.

Meia vida contex-


to sensível para os
opioides. Observe o
perfil favorável do
remifentanil.

Modelos compartimentais
O conceito de compartimento em farmacocinética é essencial e foi desenvolvido para forne-
cer as bases para quantificação dos processos farmacocinéticos; ele representa uma maneira
simplificada, mas extremamente útil na abordagem dos processos de distribuição dos medi-
camentos no organismo.
O modelo unicompartimental é simples demais e seu uso não é adequado para a maioria das

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Anestesia
drogas utilizadas em anestesia venosa total, que utilizam modelos com dois ou três compar-
timentos.
No modelo tricompartimental, os compartimentos são didaticamente divididos em V1 (re-
presentado pelo sangue e órgãos ricamente vascularizados – compartimento central), V2
(vísceras e músculos) e V3 (tecido adiposo). À medida que ocorre passagem do fármaco
entre um compartimento e outro, por diferença de concentração, pode-se determinar cons-
tantes de trânsito entre um compartimento e outro (constante k). As taxas de transferências
entre dois compartimentos são representadas pela constante K. Exemplificando, K13 seria
a constante de transferência de V1 para V3 e K31 o contrário. Já K10 representa a taxa de
eliminação do fármaco e Ke0 a velocidade com que a droga deixa V1 em direção à biofase.
O propofol, por exemplo, é uma droga lipossolúvel que se distribui pelos diferentes compar-
timentos corporais após ser infundido por via endovenosa. Por isso, seu comportamento é
mais bem descrito pelo modelo farmacocinético tricompartimental. No caso do propofol,
seu efeito hipnótico é atingido pela ação no sistema nervoso central e, para isso, devem ser li-
pofílicos para atravessarem a barreira hematoencefálica. Assim, os efeitos não são imediatos,
mas precisam de um tempo para surgirem, e são proporcionais a essa taxa de transferência
entre esses compartimentos.
Esse tempo será maior quanto menor a velocidade de passagem do medicamento do plasma
para o receptor. Essa velocidade de transferência é chamada de Ke0. O T1/2 Ke0 representa
o tempo necessário para que a concentração na biofase seja a metade da concentração no
plasma. Assim, fármacos com T1/2 Ke0 curtos possuem Ke0 altos e início de ação rápido. Em
determinado momento, ocorrerá o equilíbrio entre as concentrações do plasma e da biofase.
O tempo necessário para que isso ocorra é chamado de histerese.
A anestesia venosa alvo-controlada incorpora os conceitos explicitados anteriormente. Após
um bolus inicial da droga, que serve para atingir o alvo desejado de forma mais rápida, ocorre
a infusão contínua para se manterem estáveis as concentrações no plasma e na biofase, com o
menor acúmulo possível em V2 e V3. Quando se administra um fármaco por via endovenosa
com uma dose/massa conhecida, ocorrerá diluição dessa massa no volume do compartimen-
to onde ela é colocada. Matematicamente, massa sobre volume fornecerá uma concentração
que pode ser medida. Assim, com massa conhecida e concentração aferida, pode-se estimar
o volume teórico de distribuição de uma droga de cada compartimento, V1, V2 e V3.
O compartimento central é o local onde o fármaco é depositado inicialmente. É responsável
pela determinação da concentração plasmática, quando uma dose ou massa de um anesté-
sico é utilizada. Quanto maior o compartimento central, menor a concentração final, desde
que mantida a mesma dose. Crianças tem compartimento central maior que adultos e maior
ainda que idosos. Esse é o motivo pelo qual se recomenda a utilização de doses maiores na
criança, quando comparadas com o adulto e com o idoso.
O terceiro compartimento é o responsável pela captação do anestésico, em geral lipossolúvel,
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Anestesia
pois esse compartimento é representado pela gordura. Principal responsável por elevar a
probabilidade de acúmulo de fármacos após infusão contínua. Compartimento pouco vascu-
larizado apresenta lento equilíbrio com o plasma, influenciando no término de ação.
O propofol possui um elevado volume de distribuição no terceiro compartimento e tem forte
tendência a acumular-se durante infusão contínua. Esse problema é minimizado pela alta
velocidade de metabolismo que o propofol apresenta. O fármaco ideal para infusão contínua,
entre outras características, deve ter um pequeno volume no terceiro compartimento.
A distribuição rápida é considerada a saída da droga do sangue para os tecidos mais vascula-
rizados e a distribuição lenta para o tecido adiposo. E, ainda, o termo redistribuição refere-se
ao retorno das drogas dos tecidos para a circulação sanguínea (V1)

Infusão Contínua Endovenosa


Com infusão contínua, a taxa de entrada dos fármacos no corpo é constante. A maioria das
drogas exibe eliminação de primeira ordem. Portanto, a taxa de eliminação de drogas au-
menta proporcionalmente à medida que a concentração plasmática aumenta. Após o início
de uma infusão contínua, a concentração plasmática de um fármaco aumenta até atingir um
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estado de equilíbrio (a taxa de eliminação do fármaco é igual à taxa de administração do fár-
maco), em que a concentração plasmática do fármaco permanece constante.
A concentração plasmática no estado de equilíbrio (Css) é diretamente proporcional à taxa
de infusão. Por exemplo, se a taxa de infusão for duplicada, a Css é duplicada. Uma taxa de
infusão mais rápida não altera o tempo necessário para atingir o estado de equilíbrio (esse
sempre acontece após 4-5 t1/2), apenas altera a concentração alcançada no equilíbrio. Assim,
qualquer fator que diminua a depuração, como doença hepática ou renal, aumenta o Css de
um medicamento infundido (se Vd permanece constante). Fatores que aumentam a depura-
ção, como o aumento do metabolismo, diminuem o Css.
A concentração das drogas é de 87,5% do Css em 3 meia-vidas e 90% em 3.3 meias-vidas.

Infusão contínua da droga. Em A te-


mos a meia-vida e sabemos que após
5 meia-vidas ocorre a eliminação
quase total da droga do organismo.
Em B temos que 50% da concentra-
ção plasmática em estado de equilí-
brio é alcançada com uma meia-vida.
Em C temos 90% da concentração
plasmática em estado de equilíbrio é
alcançada com 3.3 meia-vidas.

Assim, uma droga atinge o estado de equilíbrio em cerca de quatro a cinco meia-vidas. A
eliminação do organismo com a interrupção da infusão contínua também acontece dessa
forma, ou seja, após 4-5 meia-vidas.
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Anestesia
Na infusão contínua podemos fazer uma dose bolus para preencher o compartimento central
(V1) no início da indução. A dose de manutenção é administrada para compensar a distri-
buição e a eliminação é calculada com base nos compartimentos V2 e V3.

Doses Fixas
As doses fixas, sejam endovenosas ou orais, geram concentrações plasmáticas flutuantes o
que contrasta com a subida suave da concentração do fármaco observada com a infusão
contínua. Quando um medicamento é administrado repetidamente em intervalos regulares,
a concentração plasmática aumenta até atingir um estado de equilíbrio. Como a maioria
dos fármacos são administrados a intervalos menores que suas meia-vidas e são eliminados
exponencialmente com o tempo, alguns medicamentos da primeira dose permanecem no
corpo quando a segunda dose é administrada, alguns da segunda dose permanecem quan-
do a terceira dose é administrada, e assim por diante. Portanto, o fármaco acumula até que,
dentro do intervalo de dosagem, a taxa de eliminação do fármaco seja igual à taxa de admi-
nistração do fármaco e um estado de equilíbrio seja alcançado.

Farmacodinâmica
A definição mais simples de farmacodinâmica descreve a relação entre a concentração da
droga e seu efeito farmacológico. O complexo fármaco-receptor inicia alterações na ativida-
de bioquímica e/ou molecular de uma célula por um processo chamado transdução de sinal.
As drogas atuam como sinais e seus receptores atuam como detectores desse sinal.
A maioria dos agentes farmacológicos produzem os seus efeitos fisiológicos pela ligação a
um receptor específico que provoca uma alteração na função celular. Por exemplo, quando a
dobutamina se liga aos receptores beta 1 do miocárdio, ocorre um aumento da contratilidade
das células do miocárdio, produzindo aumento do inotropismo cardíaco. A maioria dos re-
ceptores farmacológicos são proteínas ligadas à membrana celular, embora alguns receptores
possam estar localizados no citoplasma ou no nucleoplasma da célula.
As proteínas constituem a maior classe de receptores de drogas, mas também outras biomo-
léculas podem ser utilizadas como tais. Esses receptores podem existir num número de dife-
rentes estados conformacionais. Pela simplicidade, utilizaremos apenas as conformações de
receptores ativos e inativos. No caso de um canal iônico, por exemplo, a conformação ativa é
uma conformação aberta que permite a entrada de íons através da membrana, e a conforma-
ção inativa é o canal iônico fechado.

Ligação droga ao receptor


A ligação da droga a receptores, como a ligação de drogas a proteínas plasmáticas, é normal-
mente reversível, e segue a lei da ação de massas:

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Anestesia
Esta relação mostra que quanto maior a concentração do fármaco livre ou do receptor não
ocupado, maior será a tendência para formar o complexo fármaco-receptor. Determinação
da percentagem de receptores ocupada por um fármaco em função do logaritmo da concen-
tração da droga produz uma curva sigmoide.
À medida que a concentração de um fármaco aumenta, seu efeito farmacológico também
aumenta gradual-
mente até que to-
dos os receptores
estejam ocupados
(o efeito máxi-
mo).
Um modelo farmaco- A área em amare-
dinâmico para o efeito lo na figura repre-
analgésico do fentanil.senta o intervalo
dinâmico, ou seja,
o intervalo de
concentração em
que as alterações
na concentração
levam a uma alte-
ração no efeito. As concentrações acima ou abaixo do intervalo dinâmico (área cinza) não
levam a alterações no efeito do fármaco. O C50 representa a concentração associada com
50% de probabilidade de analgesia. Ângulo gama (γ) representa a inclinação da curva no
intervalo dinâmico
A parte íngreme da curva de concentração na biofase x efeito = pequenas alterações na con-
centração da droga, levam a grandes alterações no seu efeito. A inclinação da curva entre 20-
80% do efeito máximo indica a taxa de crescimento do efeito quando se aumenta a concen-
tração. Logo, não existe vantagem em se manter na parte plana superior, pois concentrações
maiores não vão alterar o efeito máximo.
A percentagem de receptores ocupados por uma droga não é equivalente a percentagem de
efeito máximo produzido pela droga. De fato, a maioria dos sistemas receptores têm mais
receptores do que o necessário para obter o efeito máximo da droga. A presença de recepto-
res extras desocupados irá promover a formação do complexo receptor-fármaco, portanto,
efeitos quase máximos de drogas podem ocorrer em concentrações baixas de drogas.

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Este processo permite respostas extremamente eficientes para drogas e ainda oferece uma
grande margem de segurança, pois um número extremamente grande de receptores de dro-
gas deve estar ligado a um antagonista para que a droga seja incapaz de produzir o seu efeito
farmacológico. Por exemplo, na junção neuromuscular, apenas 20% a 25% dos receptores
colinérgicos nicotínicos pós-juncionais ocupados pela acetilcolina são necessários para pro-
duzir contração de todas as fibras do músculo, enquanto que 75% dos receptores devem
estar bloqueados por um bloqueador neuromuscular não despolarizante para produzir uma
queda significativa na força muscular. Isso explica a margem de segurança da transmissão
neuromuscular.

Tipos de ligação
A ligação das drogas aos receptores e as consequentes alterações na função celular são os dois
últimos passos na série complexa de eventos entre a administração do fármaco e a produção
dos seus efeitos farmacológicos. A maioria dos receptores são proteínas que transduzem si-
nais extracelulares em respostas intracelulares. Existem dois esquemas primários pelos quais
a ligação de um agonista-receptor altera a função celular: canais iônicos de membrana ligada
ao receptor chamado ionóforos, e proteínas de ligação, referidas como proteínas-G.
Receptor - ionóforo: o canal geralmente está fechado até o receptor ser ativado por um ago-
nista que abre o canal brevemente por alguns milissegundos. Dependendo do íon conduzido
através desses canais, os receptores podem mediar diversas funções, incluindo neurotrans-
missão e contração cardíaca ou muscular.
O receptor colinérgico nicotínico na membrana pós-sináptica neuromuscular é um exemplo
de um complexo receptor-ionóforo. A ligação de acetilcolina abre o canal ionóforo, levando
a um influxo de íons sódio, a propagação de um potencial de ação, e, em última análise, con-
tração muscular. O GABA é um complexo ionóforo também exemplo desse tipo de mecanis-
mo. A ligação de neurotransmissores endógenos (GABA) ou agonistas exógenos (benzodia-
zepínicos, propofol, etomidato, álcool) aumenta a condutância ao cloro, o qual hiperpolariza
o neurônio e diminui sua excitabilidade.
Receptor acoplado à proteína G: o domínio extracelular deste receptor contém o sítio de li-
gação, e o domínio intracelular interage (quando ativado) com uma proteína G ou molécula
efetora. Existem muitos tipos de proteínas G (Gs, Gi e Gq), mas todas são compostas por três
subunidades de proteínas. A subunidade α liga o trifosfato de guanosina (GTP) e as subuni-
dades β e γ ancoram a proteína G na membrana celular. A ligação de um agonista ao receptor
aumenta a ligação do GTP à subunidade α, provocando a dissociação do complexo α-GTP
do complexo βγ. Esses dois complexos podem então interagir com outros efetores celulares,
geralmente uma enzima, uma proteína ou um canal iónico, que são responsáveis por novas
ações dentro da célula. Às vezes, os efetores ativados produzem segundos mensageiros que
ativam outros efetores na célula, causando um efeito cascata que amplifica o sinal.

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Um único complexo agonista-receptor pode interagir com muitas proteínas G, multiplican-
do assim o sinal original. Além disso, as proteínas G ativadas apresentam uma duração de
ação maior. A ligação do albuterol, por exemplo, só pode existir por alguns milissegundos,
mas as proteínas G ativadas subsequentes podem durar centenas de milissegundos.
Os receptores adrenérgicos também são exemplos de receptores acoplados à proteína G. As
proteínas G alteram as concentrações intracelulares de vários segundos mensageiros, tais
como Ca+2 e AMP cíclico, de modo a transduzir os sinais e modificar o comportamento
celular.

Alterações dos receptores


Os receptores não iniciam apenas a regulação das reações bioquímicas e da função fisiológi-
ca, mas também estão sujeitos a muitos controles reguladores e homeostáticos. Os estímu-
los moduladores podem provir direta ou indiretamente de outros receptores os quais quase
sempre estão sujeitos à regulação por retroalimentação gerada por seus próprios estímulos
sinalizadores.

Down regulation
A administração repetida ou contínua de um agonista (ou um antagonista) pode levar a mu-
danças na capacidade de resposta do receptor. Para evitar possíveis danos às células, vários
mecanismos evoluíram para proteger uma célula de estimulação excessiva. A dessensibiliza-
ção ou down regulation é definida como diminuição da capacidade de resposta fisiológica
a uma droga ao longo do tempo. Por exemplo, dessensibilização aguda, também chamada
taquifilaxia, ocorre tipicamente com o nitroprussiato de sódio. Assim é muitas vezes neces-
sário aumentar a taxa de infusão ao longo do tempo para manter a quantidade desejada de
vasodilatação. Outro exemplo é a resposta atenuada ao uso repetido de agonistas dos recep-
tores beta adrenérgico, inclusive broncodilatadores para o tratamento da crise asmática.
A estimulação contínua de um receptor fornece um mecanismo de retroalimentação negati-
va para a estimulação do receptor que resulta na dessensibilização. Embora se achasse que a
dessensibilização ocorresse apenas ao nível do receptor, sabe-se que as alterações nas prote-
ínas G e segundos mensageiros também ocorrerem em resposta à estimulação do agonista.
Os receptores podem ser regulados de forma que sejam internalizados e sequestrados dentro
da célula, indisponíveis para uma maior interação com o agonista. Estes receptores podem
ser reciclados para a superfície celular, restaurando a sensibilidade ou, alternativamente, po-
dem ser processados e degradados, diminuindo o número total de receptores disponíveis.
Dessensibilização do receptor é uma característica de muitas doenças presentes no envelhe-
cimento da população e é, portanto, relevante a considerar durante o período perioperatório.
Doenças comuns em que a dessensibilização é importante incluem a insuficiência cardíaca
congestiva e a hipertensão. A marca registrada de cada uma dessas doenças é a elevação das
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Anestesia
concentrações hormonais (agonista). No caso de insuficiência cardíaca congestiva, o débi-
to cardíaco pobre induz a estimulação compensatória do sistema nervoso simpático, o que
muitas vezes resulta numa duplicação da concentração de catecolaminas circulantes (nore-
pinefrina). A longo prazo, isso resulta em dessensibilização dos receptores β do miocárdio,
mais especificamente, a diminuição de densidade e da função dos receptores β1 com relativa
preservação dos receptores β2.

Up regulation
O oposto de dessensibilização ou up regulation é a sensibilidade aumentada do receptor.
A exposição a longo prazo a uma droga muitas vezes resulta em respostas compensatórias
por parte do receptor. Por exemplo, quando um antagonista do receptor é administrado a
longo-prazo, o número de receptores geralmente aumenta. Se o antagonista do receptor é
subitamente interrompido, uma resposta exagerada ao agonista pode ocorrer. Esta é a razão
para continuar betabloqueadores durante o período perioperatório. A suspensão abrupta
dessas drogas deixa o miocárdio vulnerável a uma frequência cardíaca exagerada e respostas
inotrópicas para procedimentos de rotina, tais como intubação traqueal, assim, potencial-
mente levando à isquemia e infarto do miocárdio. Finalmente, um exemplo anestésico muito
temido do aumento da sensibilidade do receptor é a supra regulação dos receptores nicotí-
nicos na junção neuromuscular em pacientes com lesões na medula espinhal, queimaduras
ou imobilização prolongada. Quando expostos a agonistas (succinilcolina), esses receptores
apresentam abertura prolongada com maior efluxo de potássio, podendo ocorrer parada car-
díaca hiperpotassêmica.

Dois conceitos importantes são relevantes para esta relação droga efeito: potência e eficácia.
Essas duas propriedades podem ser determinadas na curva dose-resposta.
A potência é uma medida da quantidade de medicamento necessário para produzir um efei-
to de uma dada magnitude. A concentração do medicamento que produz 50% do efeito má-
ximo (CE50) é geralmente usada para determinar a potência.
Para drogas que têm uma relação concentração-efeito que é deslocada para a esquerda (CE50
pequena), o fármaco é considerado mais potente. O contrário é verdadeiro para as drogas
que têm uma relação concentração-efeito deslocada para a direita com uma CE50 maior, e
dessa forma uma potência menor.
A potência dos fármacos pode ser comparada utilizando o CE50: quanto menor a CE50, mais
potente é a droga. Veja a diferença entre os agonistas forte, fraco e parcial.

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Anestesia
A eficácia é a magnitude da
resposta que uma droga cau-
sa quando interage com um
receptor. A eficácia depende
do número de complexos fár-
maco-receptor formados e da
atividade intrínseca do fárma-
co (sua capacidade de ativar o
receptor e causar uma resposta
celular).
A eficácia máxima de um fár-
maco (Emax) pressupõe que
todos os receptores são ocu-
pados pelo fármaco e não se
observa um aumento de resposta se for obtida maior concentração do fármaco. Portanto,
a resposta máxima difere entre agonistas completos e parciais, mesmo quando 100% dos
receptores são ocupados pelo fármaco. Quando um antagonista ocupa 100% dos receptores
locais, não ocorre ativação do receptor e a Emax é zero. A eficácia é uma característica mais
útil clinicamente do que a potência do fármaco, uma vez que um fármaco com maior eficácia
é mais terapeuticamente benéfico do que aquele que é mais potente.
A magnitude da resposta é proporcional à quantidade de receptores ocupados e a Emax
ocorre quando todos esses receptores estão ocupados.
Na figura ao lado, a CE50
é o 0,5 do eixo vertical.
Por exemplo, como ilus-
trado abaixo, a CE50 para
o sufentanil é pequena
(curva azul), média para
o fentanil (curva azul cla-
ra) e grande para o alfen-
tanil (curva vermelha).
Assim, sufentanil é mais
potente que o fentanil
que é mais potente que o
alfentanil.

Um agonista se liga a um receptor e produz uma resposta biológica com base na concentra-
ção do agonista e na fração de receptores ativados. A atividade intrínseca de um fármaco
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Anestesia
determina sua capacidade de ativar total ou parcialmente os receptores. As drogas podem ser
categorizadas de acordo com sua atividade intrínseca e os valores Emax resultantes.
Drogas que atingem efeito máximo são conhecidas como agonistas totais ou completos. To-
dos os agonistas totais para uma população de receptores devem produzir a mesma Emax.
Por exemplo, a fenilefrina é um agonista α1-adrenérgica, porque produz a mesma Emax do
que o ligante endógeno, a norepinefrina. Ao se ligar aos receptores α1 no músculo liso vas-
cular, a fenilefrina estabiliza o receptor em seu estado ativo.
Aquelas que têm um efeito menor que o máximo são conhecidos como agonistas parciais e
apresentam atividades intrínsecas maiores que zero, mas menores que um.
Mesmo se todos os receptores estiverem ocupados, os agonistas parciais não produzem a
mesma Emax que o agonista completo. No entanto, um agonista parcial pode ter uma afini-
dade maior, menor ou equivalente a um agonista total.
Quando um receptor é exposto a um agonista parcial e a um agonista total, o agonista parcial
pode atuar como antagonista do agonista total, pois ocupa o receptor e impede que o agonis-
ta total exerça sua eficácia máxima. Considere o que aconteceria com a Emax de um receptor
saturado com um agonista total na presença de concentrações crescentes de um agonista
parcial. À medida que o número de receptores ocupados pelo agonista parcial aumentasse, a
Emax diminuiria.
Os fármacos agonistas imitam a ação do agonista endógeno original para o receptor. O iso-
proterenol imita a norepinefrina nos receptores β1 do coração. A magnitude do efeito do
medicamento depende da concentração do fármaco no local do receptor, que, por sua vez, é
determinada tanto pela dose do fármaco administrado quanto pelo perfil farmacocinético do
medicamento, como taxa de absorção, distribuição, metabolismo e eliminação.
Tipicamente, os receptores
requerem interação com
um agonista para assumir
uma conformação ativa.
Entretanto, alguns recepto-
res mostram uma conver-
Atividade do re-
ceptor em relação
são espontânea do estado
a concentração inativo para o estado ativo
do agonista total, na ausência de um agonis-
parcial e inverso. ta. Os agonistas inversos
estabilizam a forma inati-
va e fazem a forma ativa se
converter para inativa.
Assim, os agonistas inver-

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Anestesia
sos têm uma atividade intrínseca inferior a zero, invertem a atividade dos receptores e exer-
cem o efeito farmacológico oposto dos agonistas.
Os antagonistas se ligam a um receptor com alta afinidade, mas possuem zero atividade in-
trínseca. Além disso, os antagonistas podem diminuir o efeito de um agonista quando pre-
sente, uma vez que ocupam o receptor e impedem o acesso do agonista ao sítio de ligação. O
antagonismo pode ocorrer bloqueando a capacidade do fármaco para se ligar ao receptor ou
bloqueando sua capacidade de ativar o receptor.
Os antagonistas competitivos se ligam de forma reversível aos receptores e o seu efeito de
bloqueio pode ser superado através de concentrações elevadas de um agonista. Consequen-
temente, os antagonistas competitivos produzem um deslocamento paralelo na curva de
dose-resposta para a direita (aumento da EC50), mas o efeito máximo não é alterado. Um
exemplo é o flumazenil, antagonista dos benzodiazepínicos. Outro que utilizamos muito na
prática clínica é o anticolinesterásico que produz um aumento da acetilcolina que compete
com o BNM, deslocando-o do receptor.
Antagonistas não competitivos se ligam irreversivelmente aos receptores, ou seja, o antago-
nismo não é revertido com o aumento na concentração do agonista. Induzem uma mudança
de conformação no receptor, de modo que o agonista não reconhece mais o seu local de
ligação. Isto tem o mesmo efeito que a redução do número de receptores, causando um des-
locamento para baixo da Emax, sem mudança de valores da CE50 (a menos que receptores
novos sejam sintetizados). O efeito de antagonistas não competitivos é invertido apenas por
síntese de novas moléculas receptoras.
Os antagonistas alostéricos também são antagonistas não competitivos. Eles se ligam a um
sitío (“sítio alostérico”) diferente do local de ligação do agonista e impede que o receptor seja
ativado pelo agonista.
Uma diferença fundamental entre antagonistas competitivos e não competitivos é que os an-
tagonistas competitivos reduzem a potência agonista (aumento EC50) e os antagonistas não
competitivos reduzem a eficácia agonista (diminuição de Emax).

Dose efetiva e letal


Dose efetiva (effective dose - ED50) é a dose de uma droga necessária para produzir um efei-
to específico em 50% dos indivíduos a quem é administrada. A dose letal (lethal dose - LD50)
é a dose de uma droga necessária para produzir a morte de 50% dos pacientes a quem ela é
administrada.
O índice terapêutico de um fármaco é a razão entre LD50 e ED50. Quanto maior for o índice
terapêutico de um fármaco, mais seguro ele é para a administração clínica.

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Anestesia
No gráfico ao lado,
podemos notar a dose
efetiva (ED50), a dose
letal (LD50) e o índice
terapêutico. A curva
azul representa a rela-
ção dose efetiva (ED50
= 1000mg), para um
hipnótico alcançar a
irresponsividade em
50% dos pacientes. A
curva vermelha repre-
senta a relação dose
efeito para o mesmo
hipnótico que pode
causar a morte (LD50
= 4000mg) em 50%
dos pacientes.
O índice terapêutico é
a razão LD50 / ED50,
que neste exemplo é 4. Também de interesse são O ED99 e LD1. A ED99 é a dose efetiva para
que 99% dos pacientes se tornem irresponsivos e a LD1 é a dose com a probabilidade de 1%
de morte entre os pacientes. Neste exemplo, o LD1 é menor que o ED99 o que é clinicamente
inaceitável.
Janela terapêutica, que pode ser quantificada pelo índice terapêutico, é a faixa de doses de
uma droga que produz uma resposta terapêutica, sem efeitos adversos inaceitáveis (toxicida-
de) numa população de pacientes. Margem de segurança é a margem entre as doses terapêu-
tica e letal de uma droga. A margem de segurança pode ser utilizada também para estimar
bloqueio vagal ou liberação de histamina dos BNM.

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Anestesia
FIXANDO CONHECIMENTO
O modelo farmacodinâmico a seguir retratado representa o efeito do
remifentanil conforme a concentração sérica do mesmo em adultos

curva em uma população de idosos é o(a):

B) deslocamento do ponto D
para baixo
C) deslocamento do ponto C
para a direita
D) deslocamento do ponto A
para a esquerda

Resposta: D
O idoso apresenta diminuição do requerimento anestésico, tanto de agentes

haveria um deslocamento da curva para a esquerda, necessitando uma menor


quantidade de remifentanil (2ng/mL) para produzir analgesia quando compa-
rado ao adulto jovem (4 ng/mL).

Referência: Miller RD Eriksson LI, Fleisher LA, Wiener-Kronish JP, Young WL –


Miller’s Anesthesia 8th Ed, Philadelphia, 2014.

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Anestesia
Interações medicamentosas
Levando-se em conta a pré-medicação, antibióticos perioperatório e agentes usados para
indução ou manutenção, anestésicos inalatórios, opioides, relaxantes musculares, as drogas
usadas para restaurar a transmissão neuromuscular e analgésicos no pós-operatório, dez ou
mais drogas podem ser utilizadas durante uma anestesia. Devemos estudar a interação dessas
drogas e obter vantagens na sua associação.
Consequentemente, a compreensão dos mecanismos de interação e conhecimento de intera-
ções específicas das drogas são essenciais para a prática segura de anestesiologia.

Interações físico-químicas
Alguns tipos de interações ocorrem já no preparo da droga – interações físico-químicas in
vitro. As preparações comerciais de anestésicos locais que contêm epinefrina têm um pH
menor devido à elevada acidez dos estabilizadores antioxidantes utilizados nas preparações
comerciais (bissulfito de sódio). A consequência disso é que o anestésico local parece ser
menos eficaz, devido ao aumento da concentração da forma do anestésico local ionizado que
existe em ambientes ácidos.
Interações físico-químicas in vivo podem ser exemplificadas através da ligação do sugamadex
ao rocurônio. O sugamadex é uma ciclodextrina que encapsula e liga-se eletrostaticamente
ao rocurônio, atuando como um quelante, que não só diminui rapidamente a concentração
no plasma de rocurônio livre, mas também promove a redistribuição de rocurônio da junção
neuromuscular (espaço extracelular) para o intravascular.

Interações farmacocinéticas
As drogas podem alterar umas às outras na absorção, distribuição e eliminação. A compreen-
são das alterações na farmacocinética permite evitar doses acima da terapêutica ou concen-
trações subterapêuticas e também o emprego das alterações na farmacocinética para atingir
o perfil de concentração desejado.
Alguns fármacos podem alterar a absorção de outras drogas ou por alterar a captação da dro-
ga ou alterando o fluxo sanguíneo local. Drogas como a ranitidina, que altera o pH gástrico
e a metoclopramida que acelera o esvaziamento gástrico, alteram a absorção a partir do trato
gastrointestinal. Vasoconstritores que diminuem o fluxo de sangue local e diminuem a ab-
sorção sistêmica de drogas podem ser benéficos quando adicionados a soluções de anestésico
locais porque prolongam a duração da ação do anestésico local e podem diminuir o risco de
toxicidade sistêmica por absorção rápida.
Drogas que alteram o fluxo sanguíneo hepático (drogas vasoativas, anestésicos voláteis) po-
dem proporcionalmente alterar o metabolismo hepático das drogas com alta extração he-
pática (dependentes do fluxo sanguíneo). Além disso, medicamentos que inibem ou indu-

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Anestesia
zem as enzimas que catalisam as reações de biotransformação podem afetar a depuração de
outros fármacos administrados concomitantemente. O uso concomitante de indutores do
citocromo P450 (CYP) geralmente pode ser superado pelo aumento da dose administrada.
Por exemplo, a fenitoína, anticonvulsivante, encurta a duração da ação de bloqueadores não
despolarizantes através da indução de CYP3A4 e, por conseguinte, o aumento da depuração
da droga. Em contraste, quando a inibição da isoenzima CYP está presente é mais difícil
ajustar a dose de droga.
As pró-drogas opioides como codeína, oxicodona, hidrocodona e tramadol requerem enzi-
ma CYP2D6 para a conversão para o opioide biologicamente ativo. Devido ao caráter po-
limórfico da enzima CYP2D6, é difícil determinar quais os pacientes que tomam inibidores
da recaptação da serotonina (fluoxetina e sertralina), que também inibem a atividade de
CYP2D6, irão receber uma analgesia adequada com estes opioides. Portanto, outros opioides
podem ter menor variabilidade de opioide dose-resposta e serem melhores escolhas do que
estas pró-drogas.
Veja abaixo tabela com drogas que inibem ou induzem as enzimas do CYP 450. Importante
saber que existem tanto indutores como inibidores. Na maioria das vezes só os indutores são
lembrados.

Interações farmacodinâmicas
Interações farmacodinâmicas se enquadram em duas classificações gerais. Os fármacos po-
dem interagir direta ou indiretamente com os mesmos receptores. Os antagonistas de opioi-
des deslocam diretamente opioides de receptores opiáceos. Os inibidores da colinesterase
indiretamente antagonizam os efeitos dos bloqueadores neuromusculares, aumentando a
quantidade de acetilcolina, que desloca o fármaco dos receptores nicotínicos. Interações far-
macodinâmicas também podem ocorrer se duas drogas afetam um sistema fisiológico em

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Anestesia
diferentes sítios.
O exemplo mais comum de interações farmacodinâmicas que são usados de uma forma
prática é a interação entre hipnóticos e opioides. Hipnóticos e opioides, cada um agindo em
seus próprios receptores específicos, parecem interagir sinergicamente. Utilizando alguns
gráficos que determinam diferentes concentrações de um hipnótico (inalatório, propofol,
midazolam) e um opioide (remifentanil, alfentanil, fentanil) que produzem anestesia ade-
quada, minimizando os efeitos colaterais indesejados.
Uma interação farmacodinâmica que se tornou mais comum com o uso generalizado de
medicamentos que modulam a via serotoninérgica é a síndrome da serotonina. Altas con-
centrações de serotonina no SNC podem produzir confusão, hiperatividade, problemas de
memória, espasmos musculares, sudorese excessiva, tremores e febre. Classicamente, ní-
veis excessivos de serotonina no SNC estão associados com a inibição da monoaminoxidase
(MAO), uma enzima responsável por quebrar a serotonina no cérebro. No entanto, os níveis
de serotonina excessivos devido a diminuição da recaptação de serotonina têm sido associa-
dos com outras medicações antidepressivas, incluindo os inibidores seletivos da recaptação
da serotonina (fluoxetina, sertralina) e inibidores da recaptação de serotonina e norepinefri-
na (venlafaxina).
A interação de meperidina com inibidores da MAO é o caso mais clássico de interação me-
dicamentosa associada à síndrome de serotonina. É importante saber que outras medicações
perioperatórias comuns, tais como azul de metileno, que é um potente inibidor reversível da
MAO e os derivados fenilpiperidina de opióides (fentanil, metadona, meperidina, tramadol)
atuam como inibidores da recaptação da serotonina.
Idealmente, a droga serotoninérgica deveria ser suspensa até desaparecer do organismo para
evitar qualquer interação. Como existem drogas com meia-vida que requerem mais do que
4 semanas para a eliminação adequada do SNC, deixar o paciente sem estas drogas pode
resultar em agravamento da depressão ou dor neuropática, dependendo da indicação para
a medicação serotoninérgica. Portanto, quando não pode suspender a medicação e azul de
metileno for administrado, a droga serotoninérgica deve ser suspensa e só voltar a ser utili-
zada após 24 horas da última dose do azul de metileno. Quando azul de metileno ou opióides
tipo fenilpiperidina forem administrados a doentes que tomam medicamentos psiquiátricos
serotoninérgicos, os médicos devem ter uma alta vigilância para o desenvolvimento de toxi-
cidade da serotonina.
Embora ciproheptadina, um antagonista do receptor de serotonina, seja o tratamento mais
comum da toxicidade da serotonina, só está disponível como uma formulação oral, limitan-
do assim a sua biodisponibilidade em pacientes cirúrgicos criticamente doentes. Clorproma-
zina é um antagonista do receptor de serotonina alternativo que tem sido usado com sucesso
com os cuidados de suporte concomitante.

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Anestesia
Interações medicamentosas em anestesiologia
A anestesia raramente consiste em apenas um fármaco, mas sim da combinação de fármacos
para atingir os níveis desejados de hipnose, analgesia e relaxamento muscular. Hipnóticos,
analgésicos e relaxantes musculares interagem entre si de tal forma que raramente um fárma-
co, quando administrado na presença de outros fármacos, se comporta como se fosse admi-
nistrado sozinho. Por exemplo, ao administrar um analgésico na presença de um hipnótico, a
analgesia é mais profunda com o hipnótico do que por si só e a hipnose é mais profunda que
com o analgésico do que por si só. Assim, a anestesia é a prática de interações medicamento-
sas aplicadas. Este fenômeno é provavelmente uma função de cada classe de fármaco exercer
um efeito sobre diferentes receptores.
A combinação de drogas pode aumentar e prolongar o efeito do fármaco, como a interação
entre inalatórios e opioides. Os opioides endovenosos reduzem a CAM dos inalatórios.
Interação aditiva (2 + 2 = 4) indica que com o aumento da droga A, proporcionalmente me-
nos droga B é necessária para atingir o mesmo grau de efeito. Figura A.
Interação sinérgica (2 + 2 = 8) indica que quando ambas as drogas são administradas, menor
concentração de ambas é necessária para alcançar o mesmo grau de efeito desejado. A maio-
ria das interações entre os anestésicos são sinérgicas. Figura B.
Interação antagônica (2 + 2 = 1) indica que quando ambas as drogas são administradas,
maior concentração de cada uma delas é necessária para alcançar o mesmo grau de efeito
desejado. Figura C.

Nos gráficos, os pontos A e B representam os fármacos sozinhos. Os pontos a e b represen-


tam as concentrações de ambas as drogas requeridas para alcançar o efeito semelhante aos
fármacos A e B separados. A linha que atravessa todos os possíveis pares de concentração
droga - droga e se conecta aos pontos A e B é o Isobolograma.

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PortalANESTESIA
Anestesia
Através de um isobolograma podemos entender as interações medicamentosas de forma
mais didática. Isobolograma representa pares de drogas que resultariam no mesmo efeito
do fármaco quando as 2 drogas são utilizadas em combinação. Um isobolograma comum
é o isóbolo 50% que representa todas as combinações de concentrações de duas drogas que
levaria a uma probabilidade de 50% de um determinado efeito clínico ocorrer. Outros isó-
bolos que são frequentemente utilizados são o 5% e 95%. O 95% representa a concentração
necessária para garantir uma probabilidade de 95% de perda de responsividade. De forma se-
melhante, a isóbolo 5% representa os pares de concentração em que a probabilidade de efeito
é baixa, ou seja, somente 5% dos pacientes perderiam a responsividade. Ao iniciar o uso de
dois agentes anestésicos, a dosagem da combinação dos anestésicos deve estar próxima do
isóbolo 95%.
O gráfico ao lado representa uma
interação sinérgica para a proba-
bilidade da combinação dessas
2 drogas resultar em ausência
de resposta a laringoscopia, por
exemplo. C50 e C95 são as con-
centrações na biofase das drogas
A e B.
A linha que divide a área azul cla-
ra com pontilhados e a área ama-
rela representa o isóbolo 50%. A
linha vermelha clara que divide a
área azul clara da vermelha escura
representa a isóbolo 95%. A área
à direita do isóbolo 95% (verme-
lho escura) representa os pares de
droga que são mais elevados que o isóbolo 95% - é provável que o paciente não responda ao
estímulo da laringoscopia e o aumento do alvo anestésico não aumentará a probabilidade
de efeito adequado, ou seja, administrar droga suplementar não fornecerá mais ausência de
resposta à laringoscopia, apenas prolongará o tempo necessário para o efeito se dissipar, es-
pecialmente se as concentrações resultantes ultrapassarem o isóbolo 95%.
A área à esquerda da isóbolo 50% (amarelo) representa os pares de droga que são menores
que o isóbolo 50%. Nessa região, os pacientes irão responder ao estímulo da laringoscopia.
A área contida dentro das isóbolos 50 e 95% (área azul com pontilhados) representa os pares
de droga que provavelmente vão cumprir o efeito desejado, embora alguns pacientes possam
responder ao estímulo da laringoscopia. Após o término da anestesia, o efeito irá se dissipar
rapidamente.

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Anestesia
A maioria das técnicas anestésicas tem pares que estão muito acima da isóbolo 95%, justifica-
do pela preocupação do anestesista em prevenir despertar e dor. Para evitar as consequências
indesejadas de um plano anestésico superficial, a maioria dos anestesistas tende a adminis-
trar doses excessivas. No entanto, em pacientes susceptíveis, essa conduta pode resultar em
efeitos indesejados como hipotensão, bradicardia e depressão respiratória.
Estudos mostram que em relação a perda de responsividade e imobilidade, os anestésicos
inalatórios quando combinados são aditivos, sugerindo um mecanismo de ação comum, ex-
ceto para o N2O. As interações entre drogas intravenosas e agentes inalatórios são sinérgicas,
exceto para óxido nitroso com os agonistas do GABA. Terceiro, as interações entre diferentes
classes de anestésicos como opióides e hipnóticos são também sinérgicas, exceto para a asso-
ciação cetamina e benzodiazepínicos.
Um modelo matemático alternativo que pode caracterizar o espectro de interação entre dois
fármacos para todos os níveis possíveis de concentração e efeitos é a superfície de resposta.
A morfologia de uma superfície de resposta não apenas demonstra se a interação é aditiva,
sinérgica ou antagônica, mas o próprio modelo pode quantificar o grau de interação entre os
dois fármacos. Modelos de superfície de resposta podem ser vistos como generalizações dos
métodos farmacológicos tradicionais de análise.

Atividade do re-
ceptor em relação
a concentração
do agonista total,
parcial e inverso.

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Anestesia
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Anestesia
/portalanestesia

/portal_anestesia

Portal Anestesia

Portal Anestesia
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