Você está na página 1de 54

Farmacologia clínica

Prof. Pedro Leite Azevedo

Descrição

Princípios da farmacocinética clínica, as considerações farmacodinâmicas para a farmacoterapia,


modelagens farmacocinéticas, regime posológico, suporte laboratorial à farmacoterapia e
farmacogenômica.

Propósito

Os princípios da farmacocinética clínica e dos parâmetros farmacodinâmicos são essenciais a todo


profissional de saúde, uma vez que esse conhecimento é aplicado na prática da farmacoterapia utilizada no
tratamento de diversas doenças. Além disso, reconhecer as modelagens farmacocinéticas, a importância
do regime posológico adequado e do suporte laboratorial garantirá uma terapia medicamentosa mais
segura e eficaz para cada paciente.

Objetivos
Módulo 1

Princípios da farmacologia clínica


Reconhecer os princípios da farmacocinética clínica e da farmacodinâmica para a farmacoterapia.

Módulo 2

Modelagem farmacocinética
Analisar as modelagens farmacocinéticas.

Módulo 3

Regime posológico e suporte laboratorial à


farmacoterapia
Identificar a importância do regime posológico adequado e do suporte laboratorial à farmacoterapia.

meeting_room
Introdução
Por definição, a farmacologia é uma ciência que estuda os fármacos e que incorpora o conhecimento de
noções bioquímicas, fisiológicas, patológicas e mais recentemente da biologia molecular. De forma geral, a
farmacologia possui como objetivo relacionar a dose dos fármacos administrados e o seu efeito biológico,
seu sítio de ação, seu mecanismo de ação, e a relação entre estrutura química e atividade biológica. Além
disso, é estudado todo o percurso do fármaco no organismo, desde a sua absorção, distribuição,
biotransformação, até ser excretado.

Neste conteúdo, abordaremos especificamente o ramo da farmacologia clínica, a qual se baseia em


parâmetros importantes para otimizar o tratamento do paciente e avaliar aspectos como as doses
necessárias e os esquemas terapêuticos ideais para cada indivíduo. O intuito é tornar a farmacoterapia
mais efetiva e segura para o paciente, reduzindo os possíveis efeitos tóxicos. Veremos, também, como os
principais parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos podem estar associados em casos clínicos e
situações práticas. Identificaremos as três modelagens farmacocinéticas mais descritas na literatura e as
suas diferenças.

Por fim, vamos entender, por exemplo, o impacto na farmacoterapia quando um paciente esquece de
administrar uma dose do seu medicamento, ou até mesmo o risco de um paciente administrar duas doses
juntas. Vamos entender por que o medicamento em algumas situações demora para apresentar efeito
clínico, e o que podemos fazer para evitar esse atraso. Em seguida, abordaremos como atualmente é
possível utilizar das análises laboratoriais, como por exemplo exames genéticos e avaliação de enzimas
hepáticas, para dar suporte e melhorar a farmacoterapia do paciente.

1 - Princípios da farmacologia clínica


Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer os princípios da
farmacocinética clínica e da farmacodinâmica para a farmacoterapia.

Conceitos iniciais e biodisponibilidade

Resposta farmacológica (efeito) e a


concentração plasmática
Inicialmente, precisamos relembrar e entender um dos objetivos gerais da farmacologia, que é o de
relacionar a concentração do fármaco e a sua resposta farmacológica. Conforme os princípios
farmacodinâmicos, o efeito do fármaco está diretamente relacionado à sua concentração e à sua
disponibilidade no sítio de ação, para que ele possa se ligar ao receptor e induzir os efeitos. Mas na prática,
determinar a concentração do fármaco nesses locais é muito difícil. Então, como identificá-la em nosso
organismo?

De forma geral, após a administração, a concentração do fármaco é avaliada a


partir do plasma. Baseado nessa medida, é possível prever a relação dose-
resposta, ou seja, uma relação entre a dose administrada, a concentração
plasmática do fármaco, a concentração nos tecidos e no sítio receptor, o que
culminará na resposta farmacológica.

Assim, conforme ilustrado na imagem a seguir, é extremamente importante o estabelecimento das


dosagens a serem administradas e a correlação com as faixas de concentrações plasmáticas terapêuticas,
subterapêuticas (dose insuficiente, sem resposta farmacológica) e tóxicas (acima da dose máxima
terapêutica, que causa efeitos adversos) para cada fármaco, definidas durante os ensaios clínicos. Assim,
na prática clínica, o paciente necessita receber uma dosagem ideal para que o fármaco alcance uma
concentração mínima terapêutica e induza seu efeito.
Faixas de concentrações plasmáticas.

Vamos agora relembrar e descrever os principais parâmetros da farmacocinética clínica


(biodisponibilidade, volume de distribuição, depuração e o tempo de meia-vida de eliminação) que podem
ser utilizados na prática clínica. Vários desses parâmetros já foram estabelecidos para muitos
medicamentos administrados em adultos e estão disponíveis na literatura. No entanto, eles podem ser
calculados individualmente para cada paciente conforme abordaremos a seguir.

Discutiremos cada um desses parâmetros por meio de situações clínicas. Vamos lá?

Biodisponibilidade
Você lembra o que é biodisponibilidade? A biodisponibilidade é a quantidade de um fármaco que atinge a
circulação sistêmica após a sua administração.

border_color
Atividade discursiva
Durante a fase de investigação farmacológica do Propranolol (fármaco betabloqueador utilizado como anti-
hipertensivo), foram empregados, por via oral, doses progressivamente crescentes de 5mg a 120mg, sem
que houvesse a ocorrência de efeitos adversos nos voluntários que se submeteram ao estudo. Entretanto,
quando apenas 5mg foram administrados por via intravenosa aos mesmos indivíduos, alguns
manifestaram reações tóxicas ao fármaco. Consultando o parâmetro farmacocinético de biodisponibilidade
do Propranolol, qual seria o motivo para a discrepância dos efeitos descritos?
Digite sua resposta aqui

Exibir soluçãoexpand_more

A biodisponibilidade do Propranolol, ao ser administrado por via oral, é de 26%, ou seja, somente 26%
do fármaco administrado alcança a circulação sistêmica. Dessa forma, como já está bem
estabelecido, a maioria dos medicamentos administrados por via oral sofre o metabolismo de
primeira passagem e a extensão incompleta da absorção através da parede intestinal. Assim, uma
pequena quantidade do fármaco intacto é disponibilizada na corrente sanguínea.

Vias de administração e o metabolismo de primeira passagem após a administração VO.

No entanto, ao utilizar a via intravenosa (IV), que apresenta 100% de biodisponibilidade, todos os 5mg
de Propranolol foram entregues de forma intacta e imediata na corrente sanguínea, sendo assim
responsáveis por produzir significativa elevação na concentração, capaz de alcançar concentrações
tóxicas e levar a reações indesejáveis no organismo, o que não ocorreu com a administração da
mesma dose (5mg) por via oral.

Observe que conhecer a biodisponibilidade dos medicamentos é importante para calcular a dose de
fármaco para outras vias de administração que não sejam a via intravenosa, de modo que o medicamento
seja entregue em quantidades suficientes para alcançar as doses terapêuticas.

Diferentemente da via oral, outras vias de administração como subcutânea ou intramuscular geralmente
apresentam maiores biodisponibilidades, alcançando a circulação plasmática em maior extensão.
Mas de que maneira a biodisponibilidade é importante para a clínica?

Ela é essencial na escolha das vias de administração e influencia na escolha das doses necessárias para
que o fármaco induza o efeito farmacológico.

Situações clínicas que alteram a farmacocinética também podem modificar a biodisponibilidade, como por
exemplo quadros de doenças hepáticas ou de insuficiência cardíaca.

A forma farmacêutica utilizada na terapia também é um elemento fundamental que afeta a


biodisponibilidade, uma vez que os graus de desintegração e dissolução podem alterá-la. Substâncias de
uso sublingual, intravenosas e intramusculares apresentam melhor biodisponibilidade quando comparadas
às formas farmacêuticas comprimidos, cápsulas ou drágeas, por exemplo.

Atenção!
Mesmo os fármacos que apresentem baixa biodisponibilidade quando administrados por via oral podem
alcançar o sucesso do tratamento, embora a dose administrada do fármaco por quilograma seja maior que
a necessária quando aplicada por via intravenosa.

Volume de distribuição (Vd)

border_color
Atividade discursiva
Para entendermos a importância prática desse parâmetro, discutiremos outra situação clínica:

Paciente de 70kg inicia a terapia farmacológica administrando 500µg do glicosídeo cardíaco digoxina. Após
a administração do medicamento, o paciente apresenta uma concentração plasmática de 0,75ng/mL.
É possível calcular o volume de distribuição do medicamento neste paciente?

Digite sua resposta aqui

Exibir soluçãoexpand_more

Precisamos relembrar que o de volume de distribuição (Vd) representa o volume de líquido necessário
para conter a quantidade total do fármaco administrado no corpo. É um fator matemático que
descreve a relação entre a quantidade total de fármaco administrado e a quantidade existente no
plasma, conforme equação a seguir.

Quantidade de fármaco administrada


Volume de distribuição (V d) =
Concentra ção do f ármaco no plasma

Unidade: Volume (L, L/kg de massa corpórea)

Assim, podemos calcular o Vd do caso acima:

500μg
Vd =
0,75ng/mL

500.000ng
Vd =
0,75ng/mL

V d = 666.666mL ≅ 667L

Não se assuste, o resultado está correto. Ou seja, são necessários aproximadamente 667L para
distribuir a dose de 500µg da digoxina. No entanto, sabemos que este valor é cerca de 15 vezes maior
que o volume corporal total de um homem de 70kg (normalmente 42L) e, por isso, o Vd também pode
ser denominado como volume aparente de distribuição, pois não necessariamente refletirá em um
valor fisiológico real. Tanto pode ser menor que o volume plasmático quanto maior que o volume do
próprio organismo, variando de medicamento para medicamento, e em cada paciente.
Em relação às variáveis do paciente, idade, peso, composição corporal, hemodinâmica, concentração
de proteínas plasmáticas, inúmeras patologias e até mesmo a genética podem alterar esse parâmetro
farmacocinético. Por exemplo, os idosos apresentam uma redução da massa muscular esquelética e
um aumento da gordura corporal e, consequentemente, um aumento do volume de distribuição dos
fármacos altamente lipofílicos.

De acordo com a lipossolubilidade, polaridade, ionização e ligação com proteínas, o Vd do fármaco pode
ser alterado. Por exemplo, fármacos não lipofílicos (polares) ficam confinados predominantemente no
plasma ou no líquido intersticial por não conseguirem atravessar as paredes dos capilares como a
Cefalexina (Vd = 18L/70kg) e a Gentamicina (Vd = 20L/70kg), no entanto, fármacos lipossolúveis (apolares)
chegam a todos os compartimentos e podem se acumular no tecido adiposo, consequentemente
apresentando um maior Vd, como a Cloroquina (Vd = 13.000 L/70kg). Os fármacos que se ligam de forma
extensa a proteínas plasmáticas terão Vd menores (próximos ao volume plasmático), uma vez que ficam
“aprisionados” na corrente sanguínea e não conseguem atravessar os capilares, como a Varfarina (Vd = 9,8
L/70kg). Em resumo, a maioria dos medicamentos são distribuídos de forma desigual no organismo,
conforme podemos comprovar com a ajuda da tabela a seguir:

Exemplo de
Vd (L/kg) Compartimento de distribuição
Fármacos

0,05 Plasma Heparina

0,1-0,3 Líquido extracelular Gentamicina

A droga se distribui do sangue para o fluido intra


0,6 Metotrexato Etanol
e extracelular

Distribuição intracelular e alta ligação com


>>0,6 Amiodarona
tecidos

Tabela: Volume de distribuição (L/Kg) para alguns fármacos e os principais compartimentos de distribuição.
Adaptado de Katzung; Trevor, 2017, tabelas 3-1 e 3-2, pp. 43 e 45.

Mas como é possível aplicar esse parâmetro?


Com esse parâmetro, conseguimos medir a extensão da distribuição, obter quanto do fármaco
administrado foi distribuído aos tecidos e quanto está contido na corrente sanguínea. Ou seja:

Quanto menor o Vd

Maior será a concentração plasmática do fármaco, e menor será a sua distribuição aos tecidos.

close
Quanto maior o Vd

Menor será a sua concentração plasmática, e mais extensa será a sua distribuição tecidual.

No caso da digoxina, por ser utilizada no tratamento da insuficiência cardíaca, aumentando a força de
contração, a distribuição ao tecido cardíaco é extremamente útil e eficaz para a farmacoterapia. Outro
exemplo é o anticoagulante Heparina, que apresenta baixo Vd, ou seja, concentra-se principalmente na
corrente sanguínea. Mas como possui como sítio de ação o próprio compartimento vascular, não há
necessidade de se distribuir para outros tecidos.

No dia a dia da prática clínica, a identificação do Vd é extremamente importante, pois auxilia o médico a
estimar a distribuição do fármaco no corpo, ou seja, se ele será capaz de chegar ao sítio alvo com uma
concentração adequada para induzir a resposta farmacológica. Além disso, o Vd pode ser utilizado em
outras situações que serão estudadas a frente.

O Vd do fármaco, em conjunto com a concentração plasmática desejada, pode ser utilizado para determinar
a dose do medicamento a ser administrado, conforme equação abaixo:

Dose a ser administrada = Vd × Concentração desejada

Rotacione a tela. screen_rotation


Vamos supor que um paciente precisa receber eritromicina intravenosa para tratamento de pneumonia.
Sabe-se que a concentração plasmática mínima para prevenir o crescimento bacteriano é de 20mg/L. O
volume de distribuição dessa droga nesse paciente é de 40L. Qual deve ser a dose intravenosa a ser
administrada nele?
Dose a ser administrada=40L×20mg/L
Dose a ser administrada=800mg

Rotacione a tela. screen_rotation


O Vd em conjunto com a concentração plasmática do fármaco pode ser útil para estimar a quantidade total
do medicamento no organismo (conforme equação abaixo) em situações de “overdoses”, além de ser útil
em certos casos médico-legais.

Quantidade do medicamento no organismo = Vd × Concentração plasmática

Rotacione a tela. screen_rotation


Sabe-se que a mensuração da quantidade total do fármaco no organismo nessas situações é crucial, uma
vez que a partir dela o manejo clínico pode ser alterado, além de descartar se a quantidade de fármaco
presente no organismo poderia ocasionar algum efeito tóxico e em algumas situações determinar se
superdosagem foi acidental, por desconhecimento ou proposital.

Vd pode ser muito útil para avaliar a praticabilidade de se utilizar a diálise. Nesse sentido, ao analisar o Vd
de distribuição do fármaco, é possível estimar onde ele será distribuído, nos tecidos ou no plasma, e para
que seja eliminado pela diálise, ele necessariamente precisa estar disponível no plasma. Assim, quanto
menor o Vd, maior será a fração do medicamento no plasma, sendo, portanto, esses fármacos removidos
com mais eficiência por meio de mecanismos extracorpóreos (diálise).

Depuração ou clearance
A importância clínica da depuração dos fármacos também será discutida a partir do caso clínico a seguir:

Um senhor de 74 anos foi ao consultório médico por conta de dificuldade de respiração, cansaço e
aparecimento de edema periférico. O paciente recebeu diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva.

Ao paciente foi prescrita a digoxina (cardiotônico) na dose de 0,250mg ao dia e recomendou-se diminuir a
ingestão de sal. Dez dias após a consulta, o paciente queixou-se de palpitações, pois estava sentindo
períodos de batimentos cardíacos irregulares várias vezes ao dia, o que foi confirmado por
eletrocardiograma (ECG).

O paciente foi encaminhado ao cardiologista de plantão no hospital e os exames clínicos mostraram que a
creatinina sérica estava duas vezes acima do normal. Os níveis plasmáticos da digoxina eram 3,8 nmol/L,
sendo que a faixa terapêutica é de 1,0 a 2,5 nmol/L. O cardiologista retirou a digoxina e internou o paciente
no hospital para monitorização do ECG. Após 6 dias, as arritmias ventriculares desapareceram e os níveis
de digoxina estavam em 1,8 nmol/L. O paciente recebeu alta com 0,125mg de digoxina diariamente, e a
velocidade dos batimentos cardíacos foram normalizados.

Inicialmente, precisamos relembrar que a depuração ou clearance é o parâmetro que integra todos os
fenômenos farmacocinéticos da metabolização e excreção de um fármaco, e é capaz de predizer a medida
de eliminação de um fármaco.

A seguir, vejamos algumas soluções para duas possíveis dúvidas:

Quando utilizá-lo na clínica? expand_more

Sabemos que muitos fármacos utilizados na clínica são eliminados do organismo por meio da
depuração renal e hepática. Logo, no caso de pacientes com insuficiência renal ou hepática, pode
haver aumento da concentração plasmática em consequência de menor depuração das drogas
excretadas por essas vias. Assim, nesses casos, esse parâmetro nos fornece importante
compreensão da potencial necessidade de ajustes de doses.

Por exemplo, no caso apresentado, temos um paciente idoso de 74 anos que já possui uma
diminuição de 40% a 50% da função renal devido à idade. Além disso, ele apresenta o quadro de
insuficiência cardíaca, o que contribuiu com a redução do seu fluxo sanguíneo renal.

Como é possível avaliar? expand_more

Você lembra do clearance de creatinina? Ele foi analisado no caso clínico citado e é frequentemente
utilizado para avaliar a velocidade e a eficiência da filtração renal. Nesse caso, foi observada uma
elevação na creatinina sérica, e como esse metabólito é filtrado pelos rins e excretado na urina, o
seu acúmulo é um indicativo de que a função renal está prejudicada. Portanto, qualquer alteração no
seu clearance pode resultar no acúmulo dos fármacos no organismo, principalmente os fármacos
polares (Ex.: digoxina), ultrapassando as doses terapêuticas e induzindo os efeitos tóxicos.
Essas alterações exigem o ajuste de doses dos fármacos. Na situação do paciente idoso, o ajuste
pode ser feito pela redução das doses usualmente empregadas ou pelo aumento do intervalo entre
a sua administração para fármacos com ampla margem de segurança.

Quando há riscos elevados de toxicidade ou quando o fármaco é ineficaz diante de comprometimento da


função renal, é preferível excluir o seu uso a reajustar os seus esquemas posológicos. A outra possibilidade
é a redução da dose, permanecendo a frequência usual da sua administração.

No caso da depuração hepática, a eliminação ocorre por meio de biotransformação do fármaco precursor
em um ou mais metabólitos, excreção do fármaco não modificado na bile, ou ambas. Assim, se o paciente
apresenta qualquer alteração nas enzimas hepáticas ou quadros de cirrose, o mesmo esquema de ajuste
descrito anteriormente pode ser necessário.

Existem outras formas de eliminação de fármacos (além da renal e hepática), como a pulmonar. Assim,
para obtermos a taxa total de eliminação do fármaco no organismo, deve-se levar em consideração a soma
de todas as depurações dos órgãos eliminadores, incluindo seus dois principais componentes, hepático e
renal.

Tempo de meia-vida de eliminação


O quarto e último parâmetro farmacocinético que discutiremos neste módulo será o tempo de meia-vida
(T1/2)!

border_color
Atividade discursiva
Para isso, defina com as suas palavras o que significa dizer:o medicamento A possui um tempo de meia-
vida de 4 horas.
Digite sua resposta aqui

Exibir soluçãoexpand_more

Você acertou caso tenha afirmado que o fármaco A será 50% eliminado do corpo em 4 horas. Ou seja,
o tempo de meia-vida (T ½) é o tempo necessário para que a concentração plasmática do fármaco
seja reduzida à metade do valor inicial, conforme ilustrado na imagem a seguir.

Tempo de meia-vida de eliminação (T1/2).

Para relembrar, o T1/2 é um parâmetro secundário e depende de outros parâmetros farmacocinéticos,


como o volume de distribuição e a depuração, conforme equação abaixo:

(0,693×V d)
Tempo de meia-vida de eliminação (T 1/2) =
Cl

Rotacione a tela. screen_rotation


Unidade = Tempo (minuto, hora, dia)

0,693 = Taxa constante de eliminação, que reflete a fração do fármaco removida do compartimento por
unidade de tempo (é uma aproximação de ln 2).

Mas na prática clínica, como podemos utilizar o tempo de meia-vida ?


Conforme equação anterior:

O T1/2 é inversamente proporcional à depuração, e assim é preciso levar em consideração as


alterações fisiológicas que ocorrem numa situação clínica, por exemplo, em um paciente com
insuficiência renal crônica que apresenta uma depuração (clearance) diminuída. Nesses casos, com o
clearance reduzido, consequentemente, há um aumento do tempo de meia-vida e a concentração do
fármaco permanece elevada por mais tempo, podendo alcançar níveis tóxicos ao paciente. Na clínica,
o que se orienta é acompanhar o paciente para garantir que esse aumento não ocorra, e se é
necessário realizar o ajuste de dose, como discutido anteriormente.

O T1/2 é diretamente proporcional ao volume de distribuição (Vd). Assim, também precisamos levar
em consideração algumas alterações fisiológicas que alterem o Vd. Por exemplo, com o processo de
envelhecimento, a massa muscular esquelética em idosos diminui, o que pode refletir em uma redução
do Vd e, consequentemente, uma redução do tempo de meia-vida, sendo o fármaco eliminado mais
rápido e, assim, tendo as faixas subterapêuticas alcançadas.

A relação descrita também ocorre para os fármacos lipofílicos, como o Diazepam, medicamento
tranquilizante e ansiolítico, que apresentam um alto Vd devido ao seu acúmulo no tecido adiposo e,
consequentemente, reflete em um elevado tempo de meia-vida.

O aumento do metabolismo hepático, ocasionado pela indução das enzimas do citocromo P450, devido ao
uso concomitante com outros fármacos, pode eliminar o fármaco mais rapidamente, e assim também
diminuir o tempo de meia-vida do fármaco.

Um exemplo é a utilização da ciclosporina A (imunossupressor) em associação à Rifampicina (antibiótico).


A Rifampicina induz a enzima CYP3A4, eliminando de forma acelerada a ciclosporina A, reduzindo o seu
tempo de meia-vida no organismo.

O tempo de meia-vida também pode ser utilizado para prever quanto tempo é necessário para que um
fármaco seja eliminado do plasma. Ou seja, caso o paciente tenha administrado uma grande quantidade de
fármaco no organismo, o médico pode calcular qual o tempo necessário para que todo aquele fármaco seja
eliminado. Durante esse tempo, deve-se manter a monitorização do paciente para evitar qualquer efeito
tóxico da medicação.
Podemos prever quanto tempo se gasta para que a concentração de uma droga decline de um valor
específico para outro.

Exemplo
O consumo do MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina, principal componente do ECSTASY) tem sido
frequentemente observado por jovens, devido às suas propriedades estimulantes. No entanto, o seu uso em
altas doses está associado a efeitos muito prejudiciais e até mesmo letais. O tempo de meia-vida do
MDMA é de 7,6 horas e, em casos de intoxicação, são necessárias 6 a 8 meias-vidas para a completa
eliminação da droga. No entanto, na clínica uma redução dos níveis plasmáticos de 8mg/L (considerados
tóxicos graves) para 1mg/L já induziria efeitos menos tóxicos ao paciente.

De forma contrária e muito interessante, a relação entre o tempo de meia-vida e o intervalo de


administração entre as doses pode ser utilizada para prever o grau de acúmulo de uma droga no
organismo. Ou seja, podemos prever quanto tempo é necessário a partir de uma dose inicial para alcançar
o estágio de equilíbrio estável, em que a quantidade de droga que está sendo eliminada é proporcional à
dose administrada. Veremos melhor esse conceito no módulo 3 deste conteúdo.

video_library
Considerações farmacodinâmicas para a
farmacoterapia
Confira agora as considerações farmacodinâmicas para a farmacoterapia. Vamos lá!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1

(UNIFESP - 2014) Paciente DAF, 72 anos, internado na Unidade de Terapia Intensiva devido a uma
insuficiência cardíaca. Recebe vários medicamentos. Tendo histórico de insuficiência renal, quais serão
os cuidados na administração de medicamentos para esse paciente?

A Aumento da dose, pois pode haver aceleração da eliminação.

Diminuição da dose, pois pode haver acúmulo no tempo de distribuição do


B
medicamento.

Diminuição da dose, pois pode haver diminuição no tempo de redistribuição do


C
medicamento.

D Ajuste da dose devido ao aumento da biodisponibilidade do fármaco.

E Ajuste de dose, pois pode haver aumento da meia-vida de eliminação.

Parabéns! A alternativa E está correta.

O paciente polimedicado que apresenta um quadro de insuficiência cardíaca e renal deve ser atendido
com muito cuidado pelo clínico, uma vez que possivelmente as doses dos fármacos utilizados deverão
ser ajustadas devido à sua reduzida depuração e consequente aumento do tempo de meia-vida.

Questão 2
(Adaptado de UNIFESP - 2018) Considerando as relações estabelecidas entre farmacocinética e
farmacodinâmica, quais seriam as aplicações práticas dos conceitos envolvidos em farmacocinética?
Assinale com V (verdadeiro) ou com F (falso) as seguintes afirmações sobre essas aplicações.

( ) Determinação adequada da posologia com base na forma farmacêutica e via de administração.

( ) Ajuste da posologia de acordo com resposta clínica.

( ) Interpretação de ausência de resposta terapêutica ao tratamento.

( ) Melhor compreensão da ação das drogas administradas, incluindo efeitos e toxicidade.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

A V, F, F, V.

B F, V, V, F.

C V, F, V, V.

D V, V, F, V.

E V, V, V, V.

Parabéns! A alternativa E está correta.

A partir dos parâmetros farmacocinéticos biodisponibilidade, depuração, volume de distribuição e o


tempo de meia-vida, é possível avaliar se a posologia com base na forma farmacêutica e via de
administração estão corretas, bem como se é necessária a indicação do ajuste de dose devido, por
exemplo, a um quadro de insuficiência hepática, ou até mesmo presença ou ausência da resposta
farmacológica e dos efeitos tóxicos, ocasionados por concentrações elevadas dos fármacos.
2 - Modelagem farmacocinética
Ao final deste módulo, você será capaz de analisar as modelagens
farmacocinéticas.

Características dos modelos


farmacocinéticos

Considerações gerais
Neste módulo, discutiremos sobre os modelos matemáticos que são utilizados para explicar a
transferência do fármaco dentro do organismo, ou seja, explicar todo o percurso do fármaco desde a sua
absorção até a sua eliminação. Nesse sentido, estudaremos os modelos farmacocinéticos para interpretar
os dados obtidos após a administração de um medicamento ao organismo.

Inicialmente, para entendermos os modelos farmacocinéticos que serão propostos neste módulo,
precisamos considerar a via de administração do medicamento que o paciente utilizará e todos os
processos farmacocinéticos que o fármaco sofre até a sua eliminação.

Para isso, utilizaremos frequentemente o termo compartimento ou modelos compartimentais, termos que
foram introduzidos para explicar a transferência do fármaco dentro do organismo. Esses compartimentos
não se constituem como um espaço definido no organismo, não há uma identidade anatômica ou
fisiológica, mas sim uma representação que auxilia na interpretação do destino do fármaco no organismo,
permitindo o cálculo dos parâmetros farmacocinéticos de interesse já apresentados anteriormente. Em
resumo, os compartimentos agrupam os locais em que o fármaco consegue atingir.

Mas o que caracteriza esses compartimentos?

De acordo com a abordagem clássica, devemos levar em consideração:

A homogeneidade de distribuição e um equilíbrio instantâneo das concentrações após a


administração do fármaco. No entanto, embora os tecidos de um compartimento apresentem-se
homogêneos do ponto de vista da cinética do fármaco, as concentrações desse fármaco dentro do
compartimento podem ser diferentes, uma vez que sua afinidade pelas estruturas dos diversos tecidos
pode variar.

A distribuição para qualquer tecido dentro do compartimento depende do fluxo sanguíneo, do volume
de sangue, das características de partição e de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas dos
tecidos.

As barreiras entre os compartimentos são limitadas pelas velocidades de difusão do fármaco e


podem representar o transporte entre membranas, uma conversão metabólica ou mesmo o transporte
para dentro e para fora em grupos de tecidos.

Resumindo
Em outras palavras, os modelos farmacocinéticos que iremos descrever possuem o intuito de estabelecer
uma hipótese simples para explicar um sistema biológico complexo de tal forma que se possa desenvolver
equações matemáticas que relacionam a evolução temporal da concentração de um fármaco (e dos seus
metabólitos) no corpo.

Lembrando que, conforme já discutido anteriormente, é extremamente importante a correlação do tempo,


da concentração plasmática e da ação de um fármaco no organismo após a administração do
medicamento.

Mas como é possível realizar essas análises?


Em geral, as análises compartimentais farmacocinéticas são desenvolvidas por meio do estudo contínuo
das concentrações plasmáticas do fármaco. E a partir da obtenção do gráfico das concentrações
plasmáticas versus tempo, é possível conhecer, com razoável grau de precisão, o provável número de
compartimentos pelos quais se distribui o fármaco em estudo. Assim, os modelos são baseados em
curvas da transformação logarítmica das concentrações plasmáticas do fármaco ao longo do tempo.

Por meio dos modelos matemáticos, é possível:

Simular os processos de absorção, distribuição e eliminação do fármaco do organismo em função do


tempo, com o objetivo de predizer as concentrações do fármaco no plasma, nos tecidos e na urina.

Estabelecer o esquema terapêutico ótimo para cada paciente.

Estimar o possível acúmulo de um fármaco ou de seus metabólitos.

Descrever como as alterações fisiológicas podem modificar esses processos.

Explicar casos de interações medicamentosas quando possível.

Sendo assim, consideram-se em farmacocinética os modelos de um compartimento também denominado


como:

Monocompartimental
Ou compartimento único.

Multicompartimental
A partir de dois compartimentos.

Dentre eles, a escolha do modelo farmacocinético ideal depende da finalidade do estudo, de suas
características e do tipo de resultado desejado. No caso de infusão intravascular, utiliza-se o modelo de
compartimento único ou monocompartimental, em que apenas o plasma é o foco da análise. Na
administração extravascular, são utilizados modelos bicompartimentais, em que um compartimento
representa o local de administração e o outro o plasma. Uma extensão disso é o modelo de três
compartimentos, em que além do local de administração há um compartimento relacionado ao tecido, por
onde a substância se difundirá.
Modelo de compartimento único ou
monocompartimental

Características do modelo de
compartimento único
O modelo de compartimento único ou monocompartimental aberto é considerado o modelo
farmacocinético mais simples, em que o organismo é simplificado a um compartimento representado por
bloco único bem homogeneizado, conforme esquematizado na imagem seguinte.

Representação do modelo monocompartimental. X= Quantidade de fármaco (varia em função do tempo); C= Concentração plasmática do
fármaco; V= Volume do compartimento central; K= Constante de velocidade de eliminação de primeira ordem.

Os processos desse modelo podem ser interpretados como entrada, distribuição e eliminação do fármaco
do sistema biológico. No entanto, corresponde a uma simplificação extrema, ou seja, ao modelo mais
simples possível, uma vez que, na realidade, o organismo é um conjunto de muitos compartimentos
representados por órgãos, sistemas ou tecidos. Portanto, deve-se observar que a concentração plasmática
do fármaco no compartimento (C) se relaciona com sua quantidade (X) e o volume em que foi distribuído
(V). A partir das observações obtidas por esse modelo, pode-se calcular o volume de distribuição do
fármaco, ou até mesmo a sua concentração plasmática.

Propõe-se que toda a administração do fármaco ocorra diretamente no compartimento central, e a sua
absorção (após administração IV) e distribuição é considerada instantânea e homogênea por todos os
líquidos e tecidos do organismo, uma vez que a taxa de transferência e a respectiva meia-vida associada ao
processo de distribuição não podem ser medidas. Esse modelo monocompartimental considera apenas a
concentração do fármaco presente na corrente sanguínea, como mostra a imagem:
Representação da administração e distribuição dos fármacos após administração intravenosa no modelo monocompartimental.

Nesse modelo, os fármacos sofrem eliminação de primeira ordem, ou seja, uma fração constante é
eliminada por uma unidade de tempo, em que a taxa de eliminação é diretamente proporcional à
concentração do fármaco e não sofre o processo de saturação. Esse tipo de eliminação depende da
concentração plasmática, pois com o aumento da administração do medicamento, mais fármaco será
eliminado. A maioria das substâncias obedece a essa cinética. De acordo com as condições descritas,
entende-se que o decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco no organismo não é um
processo linear, mas exponencial, como mostra a imagem.

Gráfico concentração versus tempo após administração da dose de um fármaco segundo o modelo monocompartimental.

No entanto, para facilitar a visualização, a curva de decaimento exponencial (Concentração vs Tempo) é


simplificada em escala logarítmica a uma reta, conforme pode ser visto seguir.

Gráfico concentração vs. tempo após administração da dose segundo o modelo monocompartimental (escala logarítmica).
É possível estimar os parâmetros da eliminação, isto é, a meia-vida biológica e a taxa de distribuição,
ambos associados ao processo de perda do fármaco administrado.

Conforme já discutimos, quando se realiza um experimento na prática clínica visando ao estudo da


farmacocinética de determinado fármaco, geralmente são obtidos os valores de concentrações
plasmáticas em função do tempo. Nessa situação, caso os dados após a plotagem em escala logarítmica
da concentração plasmática versus tempo apresentem um gráfico como uma única reta, pode-se inferir que
tal disposição cinética é monocompartimental.

Na imagem que mostra o gráfico concentração vs. tempo após administração da dose, segundo o modelo
monocompartimental, podemos observar que o fármaco é eliminado de um único compartimento por um
processo de primeira ordem e apresenta o tempo de meia-vida de eliminação de 4 horas, em que há uma
redução da sua concentração de 16mcg/mL para 8mcg/mL.

Comentário
Esse modelo, que pode ser caracterizado por uma fase de distribuição tão rápida e homogênea, na prática
não é viável para quantificação e cálculo da constante de velocidade de distribuição. Esse padrão
homogêneo de distribuição não significa que a concentração do fármaco seja a mesma em todos os
tecidos do corpo, indica apenas que as distintas concentrações encontradas estão em equilíbrio.

Na realidade, esse modelo não é aceito em muitas situações, pois ele considera que toda a administração
do fármaco ocorre diretamente no compartimento central e que a distribuição do fármaco é instantânea e
homogênea por todo o volume. Na maioria das situações, essa hipótese é errônea, pois o fluxo de sangue
não é igual para todos os tecidos. Por outro lado, alguns fármacos não se distribuem por todo o corpo e
apresentam dificuldade em penetrar amplamente nos tecidos extravasculares, como é o caso dos
aminoglicosídeos, e assim, nessas situações, as cinéticas podem ser descritas pelo modelo
monocompartimental.

De forma interessante, alguns fármacos, como o ácido acetilsalicílico, o etanol e a fenitoína, são eliminados
a partir da cinética de ordem zero ou cinética não linear, em que há uma saturação enzimática. Assim, a
enzima responsável pelo metabolismo é saturada pela concentração elevada de fármaco livre, e a
velocidade da biotransformação permanece constante no tempo.

Modelo de dois compartimentos ou modelo


bicompartimental
Características do modelo
bicompartimental
O modelo de dois compartimentos ou modelo bicompartimental considera a corrente sanguínea como um
compartimento central, no entanto inclui um compartimento periférico além do plasma. Veja a
representação desse modelo na imagem a seguir:

Representação do modelo bicompartimental. CC ou 1 = Compartimento central ou 1 (sangue e órgãos muito irrigados); CP ou 2 =


compartimento periférico ou 2 (demais tecidos); X1 = quantidade de fármaco no CC; C1 = concentração de fármaco no CC; V1 = volume do

CC; X2 = quantidade de fármaco no CP; C2 = concentração de fármaco no CP; V2 = volume do CP; KA e KB = constantes de primeira ordem

que regulam a transferência intercompartimental; KC = representa a saída do fármaco do CC.

No modelo bicompartimental, o organismo é representado por dois compartimentos, onde se avaliam


fundamentalmente a distribuição do fármaco do sangue e órgãos altamente irrigados (compartimento
central) para os tecidos (compartimento periférico) e seu retorno para o sangue. A imagem a seguir ilustra
a administração dos fármacos após a administração intravenosa no modelo bicompartimental.

Representação da administração e distribuição dos fármacos após administração intravenosa no modelo bicompartimental.

Com esse modelo, podemos diferenciar os tecidos mais perfundidos, como fígado, rins, pulmões, cérebro e
coração, daqueles menos perfundidos, como músculo, pele, tecido adiposo e ossos. Portanto, após uma
administração intravenosa, o fármaco se distribui primeiro para o compartimento central e posteriormente
para os compartimentos finais.
Um fator importante a ser considerado neste modelo é que as moléculas do
fármaco só podem entrar ou sair do compartimento tecidual por meio do
compartimento central. Em uma alteração do fluxo sanguíneo como, por exemplo,
na cirrose hepática, pode haver um acúmulo de fármaco em outros tecidos já que o
fluxo de sangue no fígado está prejudicado. E em casos de hipoperfusão tecidual
(redução do fluxo sanguíneo), o compartimento periférico vai receber menos
fármaco e haverá uma maior concentração de fármaco no compartimento central,
pois ele é mais irrigado.

Esse modelo é o mais próximo da realidade, pois em, muitas vezes, é difícil garantir que a distribuição de
um fármaco no organismo seja homogênea em todos os tecidos (conforme o modelo
monocompartimental). Na verdade, ela depende de vários fatores, como o fluxo sanguíneo, devido à
existência de órgãos altamente perfundidos. Outros fatores são o volume ou a massa tecidual e as próprias
características físico-químicas do fármaco (coeficiente de partição óleo/água, afinidade pelas proteínas
teciduais, pH do meio e pKa do fármaco).

Os modelos multicompartimentais seriam mais adequados para interpretar as transferências da maioria


dos fármacos no organismo e, dentre eles, o modelo mais empregado é o bicompartimental. Da mesma
forma como ilustrado no modelo anterior, na prática, é realizada a transformação logarítmica dos dados de
concentração plasmática, plotando-os em função do tempo, como mostra a imagem a seguir.

Gráfico concentração vs. tempo após administração da dose segundo o modelo bicompartimental (escala logarítmica).

Caso o processo de eliminação possa ser descrito por mais de uma reta, tal cinética é considerada
multicompartimental. A cinética de fármacos como amiodarona, benazepril, ciclosporina e digoxina é
descrita na literatura por meio de modelos bicompartimentais.

Esse modelo indica que a cinética de múltiplos compartimentos pode passar despercebida quando se
desprezam as amostras coletadas nas primeiras horas. Suas principais características se baseiam em uma
absorção instantânea (intravenosa), com eliminação de primeira ordem e uma distribuição lenta.
Conforme ilustrado na imagem a seguir, a curva de decaimento exponencial em escala logarítmica é
simplificada a duas retas, uma representativa de cada processo. Na fase distributiva, as concentrações
decaem rapidamente em função do tempo, seguida pela fase de eliminação, quando as concentrações
plasmáticas decaem mais lentamente em função do tempo, consequência da retirada irreversível do
fármaco mediante a depuração plasmática por biotransformação e/ou excreção urinária.

Fase de distribuição e de eliminação no modelo de dois compartimentos.

Segundo o modelo bicompartimental, observa-se que a variação das concentrações plasmáticas do


fármaco após administração da dose por via intravascular depende de dois processos exponenciais: a
distribuição e a eliminação, ou seja, ambos os processos contribuem para a redução das concentrações
plasmáticas do fármaco. Além disso, deve-se considerar que, logo após a administração do medicamento,
os dois processos (distribuição e eliminação) ocorrem ao mesmo tempo, ou seja, ambos contribuem para o
decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco.

Modelo de três compartimentos e não


compartimental

Modelo de três compartimentos


Na forma mais simplificada do modelo, assume-se que o fármaco seja administrado por infusão
intravenosa e, portanto, a incorporação no compartimento central é imediata, representando o plasma, e,
em seguida, o fármaco é transferido a outros dois compartimentos ditos “periféricos”, um capaz de
metabolizar o fármaco mais lentamente e o outro, mais rapidamente.
Representação do modelo de três compartimentos. CC = Compartimento central (sangue e órgãos muito irrigados); CP = compartimento
periférico (demais tecidos); X1 = quantidade de fármaco no CC; C1 = concentração de fármaco no CC; V1 = volume do CC; X2 e X3 =

quantidade de fármaco no CP; C2 e C3 = concentração de fármaco no CP; V2 e V3 = volume do CP; KA, KB, KC e KD, = constantes de primeira

ordem que regulam a transferência intercompartimental; KE = representa a saída do fármaco do CC.

De forma interessante, ao analisarmos o gráfico da concentração plasmática do fármaco vs. tempo (em
escala logarítmica) do modelo de três compartimentos, é possível identificar três retas de decaimento
plasmático. Conforme ilustrado na imagem a seguir, após a administração do fármaco por injeção
intravenosa, ocorre uma fase inicial de distribuição rápida, já caracterizada no modelo anterior
(bicompartimental), mas, neste modelo, é acrescida uma fase de distribuição lenta, seguindo-se a fase de
eliminação.

Fase de distribuição rápida, distribuição lenta e de eliminação no modelo de três compartimentos (escala logarítima).

Esse decaimento mais lento das concentrações plasmáticas em função do tempo, conhecido por
eliminação lenta, é decorrente da transferência do fármaco do sangue para os compartimentos periféricos,
onde ele tende a se armazenar num tecido específico. A disposição cinética de fármacos empregados
como anestésicos (ex.: propofol) é descrita na literatura por meio do modelo tricompartimental.

Ao compararmos esse modelo (três compartimentos) com outros modelos discutidos anteriormente, ele é
o mais complexo. Mas de forma geral, ele objetiva analisar os tempos imediatamente posteriores à
administração da dose ao organismo. Entretanto, na prática, somente no modelo monocompartimental há
um rápido equilíbrio das concentrações plasmáticas, uma vez que se entende que o fármaco é
administrado em um único compartimento, diferentemente da realidade fisiológica.
Modelo não compartimental
De modo diferente dos modelos descritos até aqui, os modelos não compartimentais se aproximam mais
da realidade fisiológica do organismo por descrever a disposição do fármaco em cada tecido ou órgão
específico. Entretanto, perdem a universalidade devido à complexidade do tratamento matemático aplicado
aos modelos. Assim, do ponto de vista da aplicação dos princípios farmacocinéticos às situações clínicas,
utiliza-se, na maioria dos casos, o modelo bicompartimental.

Exemplo prático sobre a utilização de


modelos farmacocinéticos
Conforme discutido anteriormente, os modelos farmacocinéticos são muito importantes, pois permitem
prever a concentração de medicamentos em diferentes tecidos do organismo humano. Resumidamente,
cada um deles é utilizado para determinada finalidade, conforme veremos a seguir:

Modelo farmacocinético monocompartimental


É utilizado para prever concentrações de substâncias no sangue, no caso de infusões intravasculares.

Modelo bicompartimental
É mais utilizado quando o medicamento é administrado por outra via que não seja a intravenosa, por
exemplo, pela via oral, inalação, retal, entre outras.

Os modelos apresentados podem ainda ser utilizados para simulações de inúmeras condições. Vejamos
algumas situações:

Situação 1

Gallo Neto (2012) realizou várias simulações com diferentes modelos. Dentre as análises realizadas, o
autor utilizou do modelo bicompartimental para simular alterações na posologia da paroxetina. Por
exemplo, a partir do modelo, verificou-se que o fármaco alcança o regime permanente na corrente
sanguínea após 7 dias, com uma concentração adequada.

Em seguida, o mesmo autor simulou uma situação em que o indivíduo não administra o medicamento no
oitavo dia, ou seja, interrompendo o tratamento, e assim a concentração no equilíbrio de acúmulo leva
aproximadamente mais 6 dias para ser atingida novamente. Ou seja, quando ocorre a interrupção, é como
se o paciente necessitasse iniciar o tratamento novamente.

Interrupção no tratamento da paroxetina.

Situação 2

Na prática, o que alguns pacientes fazem quando interrompem o tratamento é administrar dois fármacos
ao mesmo tempo. Nesse sentido, o mesmo autor simulou essa administração e foi possível identificar um
pico de concentração e que o equilíbrio de acúmulo demoraria cerca de 6 dias para ser novamente
alcançado. Dessa forma, não é aconselhável a administração de dois comprimidos no dia seguinte, pois na
posologia normal (1 comprimido) a concentração retorna dentro do mesmo intervalo de tempo (seis dias),
mas sem que ocorra o risco de alcançar concentrações tóxicas.

Dosagem da paroxetina dobrada para recuperar concentração de regime permanente.

Situação 3

Outra situação abordada por Gallo Neto (2012) foi em relação à dosagem de analgésicos, quando simulou a
administração de comprimidos consecutivos e verificou a concentração atingida. No exemplo, ele utilizou
os parâmetros farmacocinéticos da nimesulida (anti-inflamatório), em que cada comprimido continha
100mg do fármaco.

A dosagem máxima permitida é de 200mg/dia. No entanto, o autor simulou o uso de 400mg/dia com o
intuito de avaliar o risco da sobredosagem. Conforme pode ser observado na imagem, com o uso de
400mg/dia a concentração atingiu um valor de 3500ng/mL, sendo que a concentração máxima permitida (a
concentração efetiva mínima adversa) é cerca de 2860ng/mL.
Sobredosagem da nimesulida.

video_library
Vantagens da utilização da farmacocinética
Você conhece as vantagens da modelagem farmacocinética? É exatamente sobre isso que o vídeo a seguir
comentará, baseando-se em exemplos.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?


Questão 1

Assinale a alternativa que faz referência ao modelo farmacocinético altamente simplificado de um ser
humano, consistindo em um único compartimento bem homogeneizado, no qual uma quantidade de
fármaco é introduzida rapidamente por injeção intravenosa, e do qual ele pode escapar sendo
metabolizado ou excretado.

A Modelo de três compartimentos.

B Modelo não compartimental.

C Modelo bicompartimental.

D Modelo multicompartimental.

E Modelo monocompartimental.

Parabéns! A alternativa E está correta.


Este é considerado o modelo farmacocinético mais simples, em que o organismo é considerado
apenas um compartimento homogêneo onde os fenômenos de distribuição e eliminação são
simultâneos. Na prática, não é um modelo que se aproxima da realidade fisiológica.

Questão 2

Os desenvolvimentos dos modelos farmacocinéticos são essenciais porque por meio deles é possível
simular o comportamento do fármaco no organismo humano. Assinale com V (verdadeiro) ou com F
(falso) as seguintes afirmações sobre o modelo bicompartimental.

( ) É baseado na distribuição do fármaco entre o compartimento central e mais dois compartimentos


periféricos.

( ) Nesse modelo, o fármaco pode entrar ou sair do compartimento tecidual para o compartimento
central.

( ) Diferente do modelo de compartimento único, o modelo bicompartimental é mais distante do que


acontece na realidade.

( ) As principais características do modelo bicompartimental de baseiam em absorção instantânea,


eliminação de primeira ordem e distribuição lenta.

( ) Segundo esse modelo, a concentração plasmática do fármaco depende da distribuição e da


eliminação.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

A F, V, F, V, V.

B F, V, F, V, F.

C F, F, F, V, F.

D V, V, V, V, V.
E F, F, V, V, V.

Parabéns! A alternativa A está correta.

O modelo bicompartimental é constituído de dois compartimentos, sendo um central (corrente


sanguínea) e um periférico. Esse modelo se aproxima mais da realidade quando comparado ao modelo
de único compartimento, uma vez que a distribuição homogênea para todos os tecidos é bastante
difícil de ser garantida.

3 - Regime posológico e suporte laboratorial


à farmacoterapia
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar a importância do
regime posológico adequado e do suporte laboratorial à farmacoterapia.
Regime posológico

O que é regime posológico?

O regime posológico é definido como a maneira com que o fármaco é administrado na forma de
medicamento. Nesse sentido, de acordo com o alvo terapêutico, são determinadas a duração do
tratamento e a posologia (regime de dose).

Conforme discutimos anteriormente, o fármaco precisa estar disponível em uma concentração terapêutica
para que de fato induza o seu efeito. Neste módulo, abordaremos o papel do intervalo de administração
entre as doses e o impacto na resposta farmacológica.

Existem dois cenários em relação ao regime posológico e ao intervalo de administração. O primeiro deles
ocorre quando o paciente necessita realizar um tratamento prolongado (em doses fixas e em intervalos
constantes), também denominado de farmacoterapia de múltiplas doses, e nesse cenário é exigido um
monitoramento da garantia da eficácia e minimização da toxicidade do fármaco ao longo do tratamento.

Além desse, a mesma preocupação deve ocorrer com aquele paciente que recebe uma ou poucas doses de
determinado medicamento, por exemplo, durante a administração de um analgésico para o alívio da
cefaleia (dor de cabeça) ou dose única de um fármaco indutor do sono, como o zolpidem. Portanto, o que
diferencia esses pacientes é a duração do tratamento farmacológico.

Precisamos entender inicialmente o papel do intervalo entre duas doses


consecutivas, denominado de intervalo entre doses, que é fundamental na
caracterização da dose única e da dose múltipla, além de possibilitar o acúmulo do
fármaco no organismo.
A terapia de dose única é caracterizada quando um intervalo de administração entre doses consecutiva é
muito maior (superior a 10 vezes) que o tempo de meia-vida do medicamento. Ou seja, todo o fármaco é
eliminado antes da próxima administração.

Na prática, mesmo quando há administração de várias doses, não se observa nenhum ou pouco resíduo do
medicamento da primeira dose sobre a segunda, da segunda sobre a terceira, e assim por diante. Nesse
caso, mesmo após a administração de inúmeras doses, podemos considerar que nesse regime posológico
não ocorre acúmulo do fármaco no organismo, resultando sempre em curvas plasmáticas similares, como
mostra o gráfico a seguir.

Concentração plasmática do fármaco em função do tempo e com dosificações regulares em terapia de dose única.

No entanto, se o intervalo entre as doses consecutivas for inferior a 10 vezes o tempo de meia-vida , há o
acúmulo do fármaco no organismo e a curva das concentrações médias cresce em função do tempo de
tratamento até atingir um platô, como mostra o gráfico a seguir.

Terapia de múltiplas doses e o estado de equilíbrio.

Na prática, o fármaco administrado não é completamente eliminado no intervalo de administração, fazendo


com que alcance um equilíbrio entre as quantidades de fármaco administrada e eliminada.

Nessas situações, a segunda dose é administrada antes mesmo que a primeira seja completamente
eliminada, portanto há um acúmulo da nova dose somada ao resíduo da dose anterior, que ocorre ao longo
das administrações consecutivas até alcançar o platô. Essa curva com as concentrações médias em

função do tempo de tratamento é conhecida como curva de acúmulo ou estado de equilíbrio (CSS).
Gráfico da concentração do fármaco no sangue em função do tempo e com dosificações regulares em terapia de múltipla dose.

O estado de equilíbrio ou platô é quando a taxa de eliminação é igual à taxa de administração de um


fármaco. No entanto, essa relação é dependente do tempo de meia-vida e, para melhor entendermos, segue
uma exemplificação:

Inicialmente, após a administração da primeira dose, possuímos 100% da concentração do fármaco


disponível na corrente sanguínea. Depois do primeiro tempo de meia-vida, 50% da dose administrada é
eliminada. Considerando que a administração será constante em intervalos de dose iguais à sua meia-
vida, após a administração da segunda dose haverá um somatório dos 50% do resquício da dose
anterior e 100% da nova dose disponibilizada, totalizando 150% de concentração total.

Após o segundo tempo de meia-vida, haverá 75% de concentração do fármaco no organismo, uma vez
que metade da concentração anterior foi eliminada. Na terceira administração, será obtido então 75%
da concentração restante + 100% da dose nova, totalizando 175%. Com o terceiro tempo de meia-vida,
haverá 87,5% da concentração.

Somente após a quinta administração do fármaco será alcançado o estado de equilíbrio, quando
permanecerá no organismo aproximadamente 97% da concentração do medicamento, isto é, a dose
administrada irá repor praticamente a dose anterior eliminada, conforme mostra a tabela e a imagem
seguinte.

Primeiramente, vamos observar a tabela que apresenta informações sobre a terapia de múltiplas doses de
um fármaco administrado em intervalos de dose iguais à sua meia-vida de eliminação:

Quantidade total de fármaco Quantidade de fármaco restante após


Dose
no organismo o tempo de meia-vida de eliminação

1 100% 50%

150% (100% da segunda dose


2 75%
+ 50% da primeira)
Quantidade total de fármaco Quantidade de fármaco restante após
Dose
no organismo o tempo de meia-vida de eliminação

175% (100% da terceira dose +


3 87,5%
75% da primeira)

187,5% (100% da quarta dose


4 93,8%
+ 87,5% da primeira)

193,8% (100% da quinta dose


5 96,9% (estado de equilíbrio)
+ 93,8% da primeira)

Terapia de múltiplas doses (administração contínua) de um fármaco administrado em intervalos de dose iguais à sua meia-vida de eliminação.

Vejamos agora a curva de acúmulo ou estado de equilíbrio:

Curva de acúmulo ou estado de equilíbrio.

Na literatura, como regra geral, é definido que o tempo requerido para se atingir o CSS é de cinco vezes o
tempo de meia-vida.

Esse estado de equilíbrio (platô) deve ser alcançado dentro da faixa terapêutica para que a concentração
presente no organismo não ocasione efeitos tóxicos nem seja insuficiente para induzir o efeito esperado.
Além disso, o conhecimento do tempo de meia-vida de eliminação de cada fármaco é essencial para
determinar quanto tempo levará para o organismo entrar no estado de equilibro e de fato induzir a resposta
farmacológica.

Relembrando
Conforme discutimos anteriormente, esse mesmo raciocínio é aplicado em relação à eliminação de
fármacos. Quando a administração do fármaco é suspensa após uma meia-vida, restará no organismo 50%
de fármaco; após duas meias-vidas, 25%; após 3, 12,5%; e assim subsequentemente. Considera-se
clinicamente que, após cinco meias-vidas, todo o fármaco é praticamente eliminado pelo organismo.
Regime posológico na prática clínica

Aplicação do regime posológico na prática


clínica
Como descrito anteriormente, a curva de acúmulo (ou estado de equilíbrio) deve ser alcançada dentro da
janela terapêutica. No entanto, sabemos que na prática clínica muitas variáveis podem ocorrer. Dentre elas,
frequentemente os pacientes comentam que esqueceram de administrar uma dose, ou até mesmo
administram duas doses do fármaco ao mesmo tempo. Esse tipo de prática é extremamente prejudicial
para a eficácia da terapia, uma vez que pode diminuir a concentração do fármaco para uma faixa
subterapêutica, ou seja, não capaz de induzir efeito ou até mesmo alcançar a faixa de concentração tóxica,
vide exemplo a seguir.

Concentração do fármaco no sangue em função do tempo e com dosificações irregulares.

Na imagem anterior, é possível perceber que o esquecimento de apenas uma dose (identificada com uma
interrogação) pode ser suficiente para que a concentração decaia até a faixa subterapêutica. Além disso, é
necessária uma sequência de novas administrações corretas para que seja alcançado novamente o nível
plasmático desejado (platô), equivalente a cinco vezes a meia-vida biológica.

Além disso, durante a terapia de dose múltipla, sabemos que, quanto maior o intervalo de administração
entre as doses do medicamento e consequentemente a concentração administrada, maior será a flutuação
(variação) da concentração na corrente sanguínea. Veja agora o comportamento da concentração do
fármaco nessa situação.
Flutuação do nível plasmático e os intervalos de administração entre as doses do medicamento.

Essa flutuação, de forma geral, encontra-se muito próxima à concentração plasmática desejada, mas, em
alguns momentos, ela ultrapassa a concentração plasmática tóxica, conforme ilustrado na curva rosa da
imagem anterior. O ideal, quando possível, é realizar o fracionamento da dose ao longo do dia, conforme
ilustrado na curva verde. Ou seja, quanto menor e mais frequente forem as doses, menor será a oscilação
na concentração plasmática.

No entanto, deve-se levar em consideração a aderência e o sucesso do tratamento,


uma vez que, se o paciente precisar administrar o medicamento várias vezes ao
dia, a possibilidade de ele realizar uma administração incorreta aumenta. Assim,
seria mais conveniente para o paciente receber uma dose maior menos
frequentemente; por outro lado, tal medida poderia resultar num aumento da
flutuação das concentrações plasmáticas, e consequentemente da incidência dos
efeitos tóxicos do fármaco.

Com o intuito de melhorar a conveniência do tratamento e reduzir as flutuações das concentrações,


existem disponíveis na indústria formas farmacêuticas de liberação lenta ou sustentada do fármaco que
liberam gradativamente o fármaco no organismo, mantendo-o mais próximo das concentrações ideais.

Em algumas situações, faz-se necessário a administração múltipla intravascular (bólus) de fármacos com
curta meia-vida e elevada flutuação das concentrações plasmáticas entre os intervalos de dose. Nesses
casos, realiza-se a administração por bomba de infusão, mediante um gotejamento ou bombeamento da
solução contendo o medicamento durante tempo suficiente para atingir o estado de equilíbrio.

Em situações emergenciais, em que o objetivo é atingir a faixa terapêutica no menor período possível, pode-
se realizar também a infusão rápida. Além disso, alguns fármacos apresentam uma meia-vida longa, como
por exemplo a femprocumona, 160 horas, e a digitoxina, 120 a 126 horas. Nesse caso, na prática clínica os
pacientes demorariam um tempo elevado para alcançar o estado de equilíbrio, considerando que eles só
alcançariam após cinco meias-vidas.
Nas situações em que esses fármacos precisam ser administrados de forma emergencial, por exemplo em
infeções graves ou arritmias, é possível obter o estado de equilíbrio mais rapidamente aumentando a
dosagem inicial em uma única dose, utilizando o que chamamos de dose de ataque. Vamos conferir!

Terapia de múltiplas doses a partir da administração de uma dose de ataque.

A dose de ataque, utilizada para atingir de forma rápida a concentração-alvo, pode ser obtida pela razão da
concentração plasmática desejada, multiplicada pelo volume de distribuição (Vd) e de sua
biodisponibilidade (F):

Conc. desejada no plasma ×V d


Dose de ataque (mg) =
F

Rotacione a tela. screen_rotation


Em seguida, o estado de equilíbrio próximo à faixa terapêutica pode ser mantido com uma dosagem menor,
denominada de dose de manutenção, obtida pela razão da concentração plasmática desejada, multiplicada
pela depuração do fármaco (Cl) e a sua biodisponibilidade (F), conforme equação a seguir.

Conc. desejada no plasma ×Cl


Dose de manutenção (mg/h) =
F

Rotacione a tela. screen_rotation


Segue exemplo de cálculo prático de dose de ataque e de manutenção:

Paciente, 70kg, é encaminhado a uma unidade de emergência por apresentar quadro de asma brônquica.
Após análise do caso, no intuito de aliviar a asma brônquica do paciente, foi determinada a utilização da
teofilina em uma concentração-alvo plasmática de 10mg/L.
O paciente utilizará a teofilina oral (Foral = 0,96) a cada 12 horas, usando uma formulação de liberação

prolongada. Considerando que o paciente apresenta uma depuração média de 2,8L/h/70 kg, calcule a dose
de ataque e a dose de manutenção. Vd da teofilina= 0,5L/kg.

0,5L
Vd =
kg
× 70kg = 35 Litros

10mg
×35L
Dose de ataque = L

0,96
= 364, 6mg

10mg/L×2,8L/h 29,17mg
Dose de manu. = 0,96
=
h
× 12 horas = 350mg de Teofilina

Rotacione a tela. screen_rotation


Na prática, a biodisponibilidade (F) poderia ser omitida do cálculo, já que é tão próxima de 1.

Na prática clínica, caso o equilíbrio de acúmulo esteja fora da janela terapêutica, é necessário realizar o
ajuste da dose a ser administrada, conforme exemplifica os gráficos a seguir.

Equilíbrio de acúmulo na faixa tóxica e na faixa subterapêutica.

Para fármacos com faixa terapêutica definida, a concentração é mensurada para ajustar a dosagem e a
frequência, de modo a obter e manter os níveis desejados de acordo com esta equação:

Conc. Desejada
Nova dose = Conc. Medida
× Dose Velha

Rotacione a tela. screen_rotation

Suporte laboratorial à farmacoterapia


O papel do suporte laboratorial na
farmacoterapia
O suporte laboratorial à farmacoterapia ocorre frequentemente com intuito de garantirmos que a terapia
ocorra da forma mais segura e eficaz possível. Logo, algumas situações específicas (como por exemplo
pacientes que apresentam insuficiência renal ou hepática, pacientes obesos, pediátricos) devem ser
acompanhadas de perto, uma vez que todos os processos farmacocinéticos e farmacodinâmicos podem
ser alterados. Nessas situações, deve-se considerar o suporte laboratorial para a individualização de
regimes posológicos.

Os exames bioquímicos em relação à função hepática, renal, proteínas plasmáticas, eletrólitos são
exemplos de suporte laboratorial, pois a redução da capacidade metabólica ou renal pode alterar a ligação
às proteínas plasmáticas, bem como influenciar na depuração dos fármacos. Além disso, os exames
hematológicos também são muito importantes, uma vez que alterações hematológicas podem influenciar
no resultado da análise de medicamentos que se ligam às hemácias. A identificação de uma possível
infecção também pode ser importante, uma vez que pode levar ao aumento da permeabilidade celular e
ocasionar mudanças no mecanismo de excreção.

Em algumas situações, a efetividade farmacológica pode ser avaliada a partir de exames laboratoriais.

Exemplo
Durante o uso dos anticoagulantes orais, como a varfarina, é necessário acompanhar a RNI (Relação
Normatizada Internacional) do medicamento, por meio de exames como o tempo de protrombina ou o
tempo de atividade da protrombina, garantindo uma dose segura e eficaz a fim de evitar trombose ou
sangramentos. Durante o uso dos anti-hipertensivos, pode ser aferida a pressão arterial. Durante o uso dos
diuréticos, pode ser avaliado o aumento da diurese e a redução da pressão arterial. O hemograma
convencional (contagem de hemácias e hemoglobina) e os níveis de ferro sérico são úteis para
acompanhar a resposta do tratamento das anemias. A medição dos triglicerídeos e do colesterol total são
úteis para a avaliação do tratamento da dislipidemia.
Para os fármacos que se ligam extensamente às proteínas plasmáticas (acima de 80%), podemos analisar
se o paciente apresenta alguma condição que altere a ligação do fármaco às proteínas plasmáticas, tal
como: insuficiência renal e hepática. A presença da insuficiência hepática pode ser avaliada por meio da
detecção dos níveis séricos das enzimas hepáticas, como as aminotransferases, bilirrubinas e a fosfatase
alcalina. A presença da insuficiência renal pode ser avaliada por meio de diversos marcadores bioquímicos,
tais como creatinina sérica, ureia sérica, cistatina C sérica, proteinúria, taxa de filtração glomerular e os
eletrólitos.

Outro exemplo do suporte laboratorial é o acompanhamento do tratamento com os hipoglicemiantes, que


pode ser realizado pela medição da glicemia e da hemoglobina glicada. Durante o uso dos hormônios
tireoidianos, como a levotiroxina, também podemos monitorar os hormônios T3, T4 e o TSH.

Hemoglobina glicada
Reflete os índices glicêmicos de até três meses anteriores, demonstrando o verdadeiro perfil glicêmico dos
pacientes.

Monitoramento terapêutico

Aplicações do monitoramento terapêutico


Conforme discutimos ao longo deste material, todo fármaco durante a terapia deve apresentar a sua
concentração plasmática dentro da janela terapêutica, ou seja, numa concentração ideal para induzir o
efeito desejado com a minimização dos efeitos tóxicos. Lembrando que as concentrações plasmáticas
encontradas estão em equilíbrio com aquelas que alcançam os tecidos-alvo.

Em alguns casos, o monitoramento terapêutico ou controle terapêutico é indicado, isto é, realizar a


determinação por ensaios laboratoriais das concentrações plasmáticas efetivas e seguras para cada
fármaco, e assim otimizar a terapia farmacológica para cada paciente. Isso ocorre quando:

1. A janela terapêutica não está bem definida.

2. O fármaco apresenta uma boa correlação entre o efeito farmacológico e efeito tóxico com a
concentração plasmática em um grande número de pacientes, uma vez que é possível prever a resposta
farmacológica ou os efeitos tóxicos com base na alteração do nível plasmático (Ex.: anticonvulsivantes).
3. A mesma dose de fármaco apresenta uma alta variabilidade de suas concentrações plasmáticas entre os
indivíduos (Ex.: fenitoína e antirretrovirais).

4. Há a formação de metabólitos de relevância clínica.

5. O fármaco apresenta um estreito índice terapêutico, ou seja, suas concentrações terapêuticas e tóxicas
são muito próximas (Ex.: digoxina). Pois quanto menor for a janela terapêutica, maior o risco de eventos
indesejados

6. Há uma suspeita de resposta subterapêutica ou ausência de resposta terapêutica, com o intuito de


promover maior efetividade ao tratamento.

7. Há a suspeita de eventos adversos ou surgimento de alguns sintomas como asma e crise epilética, com
o objetivo de promover maior segurança ao tratamento.

Para inúmeros fármacos, esse controle terapêutico é de grande utilidade, uma vez que alterações na sua
concentração podem estar relacionadas a alterações da farmacocinética, como nos parâmetros de
depuração e volume de distribuição, e assim o ajuste de dose é necessário. Na prática clínica, o
monitoramento é importante para individualizar a dose, de modo a obter o efeito terapêutico desejado
minimizando os efeitos adversos. Além disso, o monitoramento também é importante na detecção de
interações medicamentosas e no desmame de determinado fármaco, mas deve sempre ser utilizado como
uma ferramenta adicional à observação clínica.

De forma interessante, o monitoramento também pode ser utilizado para avaliar a aderência do paciente ao
tratamento, por exemplo, durante o uso do lítio no tratamento de condições psiquiátricas. Como o lítio
possui penetração lenta nas hemácias, se o paciente não seguir o tratamento corretamente e só
administrar o fármaco próximo à monitorização, as concentrações plasmáticas do lítio ficarão dentro dos
limites de normalidade, mas os valores encontrados no sangue total serão valores inferiores aos
esperados.

A realização desse monitoramento exige um custo e não deve ser utilizado de forma indiscriminada em
todos os pacientes, uma vez que os regimes posológicos são determinados durante as diversas fases de
desenvolvimento do medicamento. Porém, esses mesmos estudos utilizam populações limitadas
(pacientes pediátricos, geriátricos e criticamente enfermos não são contemplados nesses estudos) e
assim, na prática, outras variáveis farmacocinéticas, farmacodinâmicas, variação entre indivíduos e até
outras patologias podem estar presentes e impactar na terapia, justificando o uso do monitoramento como
ferramenta útil para otimizar a resposta terapêutica.

Saiba mais
Nem todos os fármacos apresentam uma correlação entre a concentração plasmática e a resposta
terapêutica, apenas 0,5% dos fármacos disponíveis no ambiente hospitalar é passível de monitorização.
Atualmente, o monitoramento plasmático é sugerido para alguns antibióticos (aminoglicosídeos),
anticonvulsivantes (fenitoína, fenobarbital), antirretrovirais, imunossupressores (ciclosporina A,
metotrexato), cardioativos (digoxina), antidepressivos (lítio) e outros.

video_library
O monitoramento terapêutico e o papel da
farmacogenômica na terapia
Gostaria de conhecer os conceitos, a aplicação do monitoramento terapêutico (exemplo de ajuste de dose)
e como a farmacogenômica pode auxiliar na tomada de decisões terapêuticas? Confira a seguir!
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?


Questão 1

Paciente de 55 anos, 64kg, apresenta ritmo cardíaco irregular e iniciará uma terapia emergencial com o
fármaco experimental W. Considerando que o volume de distribuição do fármaco W é de 1L/kg e a
concentração plasmática de equilíbrio desejada é de 2,5mg/L, assinale a alternativa que corresponde à
dose de ataque do fármaco W por via IV.

A 10mg.
B 64mg.

C 160mg.

D 16mg.

E 25mg.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Considerando que o volume de distribuição do fármaco, corrigido para a massa corporal do paciente, é
de 64 litros e que o fármaco foi administrado pela via intravenosa (biodisponibilidade de 100%), a dose
de ataque será de 160mg.

1L
Vd = × 64kg = 64 Litros
kg

Rotacione a tela. screen_rotation


2,5mg
×64L
Dose de ataque = L

1
= 160mg

Rotacione a tela. screen_rotation

Questão 2

Quando o tempo para se alcançar um estado de equilíbrio é significativo, como no caso de fármacos
com meias-vidas longas, talvez seja desejável administrar uma dose que eleve de imediato a
concentração do fármaco no plasma para a concentração-alvo. Um exemplo clínico é o de um paciente
diagnosticado com infecção por S. aureus resistente a meticilina. Nesse caso, o paciente precisa
receber uma dose de vancomicina que alcance a faixa terapêutica de forma imediata. Essa
administração é denominada:
A Dose de ataque.

B Dose de manutenção.

C Dose efetiva.

D Dose eficaz máxima.

E Dose tóxica mínima.

Parabéns! A alternativa A está correta.

A dose de ataque é aquela capaz de elevar rapidamente a concentração de um fármaco na corrente


sanguínea e assim obter o resultado terapêutico mais rapidamente. As doses de ataque podem ser
administradas como dose única ou em uma série de doses. As suas desvantagens são o aumento do
risco de toxicidade e a necessidade de um tempo maior para a concentração no plasma diminuir caso
se alcance uma concentração excessiva.

Considerações finais
Aprendemos sobre os principais parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos relacionados à terapia,
como eles podem ser utilizados com o intuito de otimizar o tratamento, melhorar a eficácia do fármaco e
minimizar os efeitos tóxicos, principalmente em condições fisiológicas ou patológicas importantes.

Além disso, abordamos os principais modelos farmacocinéticos utilizados para descrever os parâmetros
farmacocinéticos e discutimos a importância de os pacientes realizarem os regimes posológicos de forma
adequada. Por fim, abordamos como pode ser realizada a otimização da terapia por meio da monitorização
terapêutica e do suporte laboratorial. Mas não podemos esquecer que novos estudos e pesquisas são
realizados continuamente e que esse conhecimento é diariamente renovado e acrescido.

headset
Podcast
Ouça agora os principais conceitos da farmacologia clínica abordados no conteúdo.

Referências
BRUNTON, L. L.; HILAL-DANDAN, R.; KNOLLMAN, B. As Bases Farmacológicas da Terapêutica de Goodman
& Gilman. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019.

DE LUCIA, R. et al. Farmacologia Integrada: uso racional de medicamentos. vol. 2. São Paulo: Clube de
autores, 2014.

FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia clínica e terapêutica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2017.

GOLAN, D. E.; TASHJIAN, A. H.; ARMSTRONG, E. J. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da


farmacoterapia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.

KATZUNG, B. G.; TREVOR, A. J. Farmacologia Básica e Clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.

LÜLLMANN, H.; MOHR, K.; HEIN, L. Farmacologia: texto e atlas. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

RANG, H. P. et al. Rang & Dale Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
SILVA, P. Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

STORPIRTIS, S. et al. Farmacocinética básica e aplicada. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016

Explore +
Confira as indicações que separamos especialmente para você!

Entenda mais sobre a aplicação da farmacologia clínica no tratamento de pacientes diabéticos do tipo II a
partir da leitura de Farmacologia clínica e a falta de efetividade não quantitativa de fármacos para diabetes
mellitus II: avaliação de critérios relativos à química farmacêutica e aos hábitos de uso de medicamentos,
produzido por Luciano Henrique Pinto e colaboradores, e publicado na revista Saúde coletiva em 2021.

No artigo Modelos farmacocinéticos para infusão alvo-controlada de propofol, Weber e colaboradores


(2012) discutem o uso do propofol. Para saber mais, acesse o material.

Faça a leitura do artigo Modelagem farmacocinética e análise de sistemas lineares para a predição da
concentração de medicamentos no corpo humano, de Gallo Neto (2012), em que o autor discute as
variáveis idade (idosos) e obesidade na distribuição dos fármacos.

Como leitura complementar, confira também Modelação Matemática da Farmacocinética do Diclofenaco,


de Gonçalves (2018), que descreve o modelo farmacocinético para o diclofenaco (anti-inflamatório não
esteroidal).

Você também pode gostar