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Descrição
Propósito
Objetivos
Módulo 1
Módulo 2
Modelagem farmacocinética
Analisar as modelagens farmacocinéticas.
Módulo 3
meeting_room
Introdução
Por definição, a farmacologia é uma ciência que estuda os fármacos e que incorpora o conhecimento de
noções bioquímicas, fisiológicas, patológicas e mais recentemente da biologia molecular. De forma geral, a
farmacologia possui como objetivo relacionar a dose dos fármacos administrados e o seu efeito biológico,
seu sítio de ação, seu mecanismo de ação, e a relação entre estrutura química e atividade biológica. Além
disso, é estudado todo o percurso do fármaco no organismo, desde a sua absorção, distribuição,
biotransformação, até ser excretado.
Por fim, vamos entender, por exemplo, o impacto na farmacoterapia quando um paciente esquece de
administrar uma dose do seu medicamento, ou até mesmo o risco de um paciente administrar duas doses
juntas. Vamos entender por que o medicamento em algumas situações demora para apresentar efeito
clínico, e o que podemos fazer para evitar esse atraso. Em seguida, abordaremos como atualmente é
possível utilizar das análises laboratoriais, como por exemplo exames genéticos e avaliação de enzimas
hepáticas, para dar suporte e melhorar a farmacoterapia do paciente.
Discutiremos cada um desses parâmetros por meio de situações clínicas. Vamos lá?
Biodisponibilidade
Você lembra o que é biodisponibilidade? A biodisponibilidade é a quantidade de um fármaco que atinge a
circulação sistêmica após a sua administração.
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Atividade discursiva
Durante a fase de investigação farmacológica do Propranolol (fármaco betabloqueador utilizado como anti-
hipertensivo), foram empregados, por via oral, doses progressivamente crescentes de 5mg a 120mg, sem
que houvesse a ocorrência de efeitos adversos nos voluntários que se submeteram ao estudo. Entretanto,
quando apenas 5mg foram administrados por via intravenosa aos mesmos indivíduos, alguns
manifestaram reações tóxicas ao fármaco. Consultando o parâmetro farmacocinético de biodisponibilidade
do Propranolol, qual seria o motivo para a discrepância dos efeitos descritos?
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A biodisponibilidade do Propranolol, ao ser administrado por via oral, é de 26%, ou seja, somente 26%
do fármaco administrado alcança a circulação sistêmica. Dessa forma, como já está bem
estabelecido, a maioria dos medicamentos administrados por via oral sofre o metabolismo de
primeira passagem e a extensão incompleta da absorção através da parede intestinal. Assim, uma
pequena quantidade do fármaco intacto é disponibilizada na corrente sanguínea.
No entanto, ao utilizar a via intravenosa (IV), que apresenta 100% de biodisponibilidade, todos os 5mg
de Propranolol foram entregues de forma intacta e imediata na corrente sanguínea, sendo assim
responsáveis por produzir significativa elevação na concentração, capaz de alcançar concentrações
tóxicas e levar a reações indesejáveis no organismo, o que não ocorreu com a administração da
mesma dose (5mg) por via oral.
Observe que conhecer a biodisponibilidade dos medicamentos é importante para calcular a dose de
fármaco para outras vias de administração que não sejam a via intravenosa, de modo que o medicamento
seja entregue em quantidades suficientes para alcançar as doses terapêuticas.
Diferentemente da via oral, outras vias de administração como subcutânea ou intramuscular geralmente
apresentam maiores biodisponibilidades, alcançando a circulação plasmática em maior extensão.
Mas de que maneira a biodisponibilidade é importante para a clínica?
Ela é essencial na escolha das vias de administração e influencia na escolha das doses necessárias para
que o fármaco induza o efeito farmacológico.
Situações clínicas que alteram a farmacocinética também podem modificar a biodisponibilidade, como por
exemplo quadros de doenças hepáticas ou de insuficiência cardíaca.
Atenção!
Mesmo os fármacos que apresentem baixa biodisponibilidade quando administrados por via oral podem
alcançar o sucesso do tratamento, embora a dose administrada do fármaco por quilograma seja maior que
a necessária quando aplicada por via intravenosa.
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Atividade discursiva
Para entendermos a importância prática desse parâmetro, discutiremos outra situação clínica:
Paciente de 70kg inicia a terapia farmacológica administrando 500µg do glicosídeo cardíaco digoxina. Após
a administração do medicamento, o paciente apresenta uma concentração plasmática de 0,75ng/mL.
É possível calcular o volume de distribuição do medicamento neste paciente?
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Precisamos relembrar que o de volume de distribuição (Vd) representa o volume de líquido necessário
para conter a quantidade total do fármaco administrado no corpo. É um fator matemático que
descreve a relação entre a quantidade total de fármaco administrado e a quantidade existente no
plasma, conforme equação a seguir.
500μg
Vd =
0,75ng/mL
500.000ng
Vd =
0,75ng/mL
V d = 666.666mL ≅ 667L
Não se assuste, o resultado está correto. Ou seja, são necessários aproximadamente 667L para
distribuir a dose de 500µg da digoxina. No entanto, sabemos que este valor é cerca de 15 vezes maior
que o volume corporal total de um homem de 70kg (normalmente 42L) e, por isso, o Vd também pode
ser denominado como volume aparente de distribuição, pois não necessariamente refletirá em um
valor fisiológico real. Tanto pode ser menor que o volume plasmático quanto maior que o volume do
próprio organismo, variando de medicamento para medicamento, e em cada paciente.
Em relação às variáveis do paciente, idade, peso, composição corporal, hemodinâmica, concentração
de proteínas plasmáticas, inúmeras patologias e até mesmo a genética podem alterar esse parâmetro
farmacocinético. Por exemplo, os idosos apresentam uma redução da massa muscular esquelética e
um aumento da gordura corporal e, consequentemente, um aumento do volume de distribuição dos
fármacos altamente lipofílicos.
De acordo com a lipossolubilidade, polaridade, ionização e ligação com proteínas, o Vd do fármaco pode
ser alterado. Por exemplo, fármacos não lipofílicos (polares) ficam confinados predominantemente no
plasma ou no líquido intersticial por não conseguirem atravessar as paredes dos capilares como a
Cefalexina (Vd = 18L/70kg) e a Gentamicina (Vd = 20L/70kg), no entanto, fármacos lipossolúveis (apolares)
chegam a todos os compartimentos e podem se acumular no tecido adiposo, consequentemente
apresentando um maior Vd, como a Cloroquina (Vd = 13.000 L/70kg). Os fármacos que se ligam de forma
extensa a proteínas plasmáticas terão Vd menores (próximos ao volume plasmático), uma vez que ficam
“aprisionados” na corrente sanguínea e não conseguem atravessar os capilares, como a Varfarina (Vd = 9,8
L/70kg). Em resumo, a maioria dos medicamentos são distribuídos de forma desigual no organismo,
conforme podemos comprovar com a ajuda da tabela a seguir:
Exemplo de
Vd (L/kg) Compartimento de distribuição
Fármacos
Tabela: Volume de distribuição (L/Kg) para alguns fármacos e os principais compartimentos de distribuição.
Adaptado de Katzung; Trevor, 2017, tabelas 3-1 e 3-2, pp. 43 e 45.
Quanto menor o Vd
Maior será a concentração plasmática do fármaco, e menor será a sua distribuição aos tecidos.
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Quanto maior o Vd
Menor será a sua concentração plasmática, e mais extensa será a sua distribuição tecidual.
No caso da digoxina, por ser utilizada no tratamento da insuficiência cardíaca, aumentando a força de
contração, a distribuição ao tecido cardíaco é extremamente útil e eficaz para a farmacoterapia. Outro
exemplo é o anticoagulante Heparina, que apresenta baixo Vd, ou seja, concentra-se principalmente na
corrente sanguínea. Mas como possui como sítio de ação o próprio compartimento vascular, não há
necessidade de se distribuir para outros tecidos.
No dia a dia da prática clínica, a identificação do Vd é extremamente importante, pois auxilia o médico a
estimar a distribuição do fármaco no corpo, ou seja, se ele será capaz de chegar ao sítio alvo com uma
concentração adequada para induzir a resposta farmacológica. Além disso, o Vd pode ser utilizado em
outras situações que serão estudadas a frente.
O Vd do fármaco, em conjunto com a concentração plasmática desejada, pode ser utilizado para determinar
a dose do medicamento a ser administrado, conforme equação abaixo:
Vd pode ser muito útil para avaliar a praticabilidade de se utilizar a diálise. Nesse sentido, ao analisar o Vd
de distribuição do fármaco, é possível estimar onde ele será distribuído, nos tecidos ou no plasma, e para
que seja eliminado pela diálise, ele necessariamente precisa estar disponível no plasma. Assim, quanto
menor o Vd, maior será a fração do medicamento no plasma, sendo, portanto, esses fármacos removidos
com mais eficiência por meio de mecanismos extracorpóreos (diálise).
Depuração ou clearance
A importância clínica da depuração dos fármacos também será discutida a partir do caso clínico a seguir:
Um senhor de 74 anos foi ao consultório médico por conta de dificuldade de respiração, cansaço e
aparecimento de edema periférico. O paciente recebeu diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva.
Ao paciente foi prescrita a digoxina (cardiotônico) na dose de 0,250mg ao dia e recomendou-se diminuir a
ingestão de sal. Dez dias após a consulta, o paciente queixou-se de palpitações, pois estava sentindo
períodos de batimentos cardíacos irregulares várias vezes ao dia, o que foi confirmado por
eletrocardiograma (ECG).
O paciente foi encaminhado ao cardiologista de plantão no hospital e os exames clínicos mostraram que a
creatinina sérica estava duas vezes acima do normal. Os níveis plasmáticos da digoxina eram 3,8 nmol/L,
sendo que a faixa terapêutica é de 1,0 a 2,5 nmol/L. O cardiologista retirou a digoxina e internou o paciente
no hospital para monitorização do ECG. Após 6 dias, as arritmias ventriculares desapareceram e os níveis
de digoxina estavam em 1,8 nmol/L. O paciente recebeu alta com 0,125mg de digoxina diariamente, e a
velocidade dos batimentos cardíacos foram normalizados.
Inicialmente, precisamos relembrar que a depuração ou clearance é o parâmetro que integra todos os
fenômenos farmacocinéticos da metabolização e excreção de um fármaco, e é capaz de predizer a medida
de eliminação de um fármaco.
Sabemos que muitos fármacos utilizados na clínica são eliminados do organismo por meio da
depuração renal e hepática. Logo, no caso de pacientes com insuficiência renal ou hepática, pode
haver aumento da concentração plasmática em consequência de menor depuração das drogas
excretadas por essas vias. Assim, nesses casos, esse parâmetro nos fornece importante
compreensão da potencial necessidade de ajustes de doses.
Por exemplo, no caso apresentado, temos um paciente idoso de 74 anos que já possui uma
diminuição de 40% a 50% da função renal devido à idade. Além disso, ele apresenta o quadro de
insuficiência cardíaca, o que contribuiu com a redução do seu fluxo sanguíneo renal.
Você lembra do clearance de creatinina? Ele foi analisado no caso clínico citado e é frequentemente
utilizado para avaliar a velocidade e a eficiência da filtração renal. Nesse caso, foi observada uma
elevação na creatinina sérica, e como esse metabólito é filtrado pelos rins e excretado na urina, o
seu acúmulo é um indicativo de que a função renal está prejudicada. Portanto, qualquer alteração no
seu clearance pode resultar no acúmulo dos fármacos no organismo, principalmente os fármacos
polares (Ex.: digoxina), ultrapassando as doses terapêuticas e induzindo os efeitos tóxicos.
Essas alterações exigem o ajuste de doses dos fármacos. Na situação do paciente idoso, o ajuste
pode ser feito pela redução das doses usualmente empregadas ou pelo aumento do intervalo entre
a sua administração para fármacos com ampla margem de segurança.
No caso da depuração hepática, a eliminação ocorre por meio de biotransformação do fármaco precursor
em um ou mais metabólitos, excreção do fármaco não modificado na bile, ou ambas. Assim, se o paciente
apresenta qualquer alteração nas enzimas hepáticas ou quadros de cirrose, o mesmo esquema de ajuste
descrito anteriormente pode ser necessário.
Existem outras formas de eliminação de fármacos (além da renal e hepática), como a pulmonar. Assim,
para obtermos a taxa total de eliminação do fármaco no organismo, deve-se levar em consideração a soma
de todas as depurações dos órgãos eliminadores, incluindo seus dois principais componentes, hepático e
renal.
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Atividade discursiva
Para isso, defina com as suas palavras o que significa dizer:o medicamento A possui um tempo de meia-
vida de 4 horas.
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Você acertou caso tenha afirmado que o fármaco A será 50% eliminado do corpo em 4 horas. Ou seja,
o tempo de meia-vida (T ½) é o tempo necessário para que a concentração plasmática do fármaco
seja reduzida à metade do valor inicial, conforme ilustrado na imagem a seguir.
(0,693×V d)
Tempo de meia-vida de eliminação (T 1/2) =
Cl
0,693 = Taxa constante de eliminação, que reflete a fração do fármaco removida do compartimento por
unidade de tempo (é uma aproximação de ln 2).
O T1/2 é diretamente proporcional ao volume de distribuição (Vd). Assim, também precisamos levar
em consideração algumas alterações fisiológicas que alterem o Vd. Por exemplo, com o processo de
envelhecimento, a massa muscular esquelética em idosos diminui, o que pode refletir em uma redução
do Vd e, consequentemente, uma redução do tempo de meia-vida, sendo o fármaco eliminado mais
rápido e, assim, tendo as faixas subterapêuticas alcançadas.
A relação descrita também ocorre para os fármacos lipofílicos, como o Diazepam, medicamento
tranquilizante e ansiolítico, que apresentam um alto Vd devido ao seu acúmulo no tecido adiposo e,
consequentemente, reflete em um elevado tempo de meia-vida.
O aumento do metabolismo hepático, ocasionado pela indução das enzimas do citocromo P450, devido ao
uso concomitante com outros fármacos, pode eliminar o fármaco mais rapidamente, e assim também
diminuir o tempo de meia-vida do fármaco.
O tempo de meia-vida também pode ser utilizado para prever quanto tempo é necessário para que um
fármaco seja eliminado do plasma. Ou seja, caso o paciente tenha administrado uma grande quantidade de
fármaco no organismo, o médico pode calcular qual o tempo necessário para que todo aquele fármaco seja
eliminado. Durante esse tempo, deve-se manter a monitorização do paciente para evitar qualquer efeito
tóxico da medicação.
Podemos prever quanto tempo se gasta para que a concentração de uma droga decline de um valor
específico para outro.
Exemplo
O consumo do MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina, principal componente do ECSTASY) tem sido
frequentemente observado por jovens, devido às suas propriedades estimulantes. No entanto, o seu uso em
altas doses está associado a efeitos muito prejudiciais e até mesmo letais. O tempo de meia-vida do
MDMA é de 7,6 horas e, em casos de intoxicação, são necessárias 6 a 8 meias-vidas para a completa
eliminação da droga. No entanto, na clínica uma redução dos níveis plasmáticos de 8mg/L (considerados
tóxicos graves) para 1mg/L já induziria efeitos menos tóxicos ao paciente.
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Considerações farmacodinâmicas para a
farmacoterapia
Confira agora as considerações farmacodinâmicas para a farmacoterapia. Vamos lá!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(UNIFESP - 2014) Paciente DAF, 72 anos, internado na Unidade de Terapia Intensiva devido a uma
insuficiência cardíaca. Recebe vários medicamentos. Tendo histórico de insuficiência renal, quais serão
os cuidados na administração de medicamentos para esse paciente?
O paciente polimedicado que apresenta um quadro de insuficiência cardíaca e renal deve ser atendido
com muito cuidado pelo clínico, uma vez que possivelmente as doses dos fármacos utilizados deverão
ser ajustadas devido à sua reduzida depuração e consequente aumento do tempo de meia-vida.
Questão 2
(Adaptado de UNIFESP - 2018) Considerando as relações estabelecidas entre farmacocinética e
farmacodinâmica, quais seriam as aplicações práticas dos conceitos envolvidos em farmacocinética?
Assinale com V (verdadeiro) ou com F (falso) as seguintes afirmações sobre essas aplicações.
A V, F, F, V.
B F, V, V, F.
C V, F, V, V.
D V, V, F, V.
E V, V, V, V.
Considerações gerais
Neste módulo, discutiremos sobre os modelos matemáticos que são utilizados para explicar a
transferência do fármaco dentro do organismo, ou seja, explicar todo o percurso do fármaco desde a sua
absorção até a sua eliminação. Nesse sentido, estudaremos os modelos farmacocinéticos para interpretar
os dados obtidos após a administração de um medicamento ao organismo.
Inicialmente, para entendermos os modelos farmacocinéticos que serão propostos neste módulo,
precisamos considerar a via de administração do medicamento que o paciente utilizará e todos os
processos farmacocinéticos que o fármaco sofre até a sua eliminação.
Para isso, utilizaremos frequentemente o termo compartimento ou modelos compartimentais, termos que
foram introduzidos para explicar a transferência do fármaco dentro do organismo. Esses compartimentos
não se constituem como um espaço definido no organismo, não há uma identidade anatômica ou
fisiológica, mas sim uma representação que auxilia na interpretação do destino do fármaco no organismo,
permitindo o cálculo dos parâmetros farmacocinéticos de interesse já apresentados anteriormente. Em
resumo, os compartimentos agrupam os locais em que o fármaco consegue atingir.
A distribuição para qualquer tecido dentro do compartimento depende do fluxo sanguíneo, do volume
de sangue, das características de partição e de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas dos
tecidos.
Resumindo
Em outras palavras, os modelos farmacocinéticos que iremos descrever possuem o intuito de estabelecer
uma hipótese simples para explicar um sistema biológico complexo de tal forma que se possa desenvolver
equações matemáticas que relacionam a evolução temporal da concentração de um fármaco (e dos seus
metabólitos) no corpo.
Monocompartimental
Ou compartimento único.
Multicompartimental
A partir de dois compartimentos.
Dentre eles, a escolha do modelo farmacocinético ideal depende da finalidade do estudo, de suas
características e do tipo de resultado desejado. No caso de infusão intravascular, utiliza-se o modelo de
compartimento único ou monocompartimental, em que apenas o plasma é o foco da análise. Na
administração extravascular, são utilizados modelos bicompartimentais, em que um compartimento
representa o local de administração e o outro o plasma. Uma extensão disso é o modelo de três
compartimentos, em que além do local de administração há um compartimento relacionado ao tecido, por
onde a substância se difundirá.
Modelo de compartimento único ou
monocompartimental
Características do modelo de
compartimento único
O modelo de compartimento único ou monocompartimental aberto é considerado o modelo
farmacocinético mais simples, em que o organismo é simplificado a um compartimento representado por
bloco único bem homogeneizado, conforme esquematizado na imagem seguinte.
Representação do modelo monocompartimental. X= Quantidade de fármaco (varia em função do tempo); C= Concentração plasmática do
fármaco; V= Volume do compartimento central; K= Constante de velocidade de eliminação de primeira ordem.
Os processos desse modelo podem ser interpretados como entrada, distribuição e eliminação do fármaco
do sistema biológico. No entanto, corresponde a uma simplificação extrema, ou seja, ao modelo mais
simples possível, uma vez que, na realidade, o organismo é um conjunto de muitos compartimentos
representados por órgãos, sistemas ou tecidos. Portanto, deve-se observar que a concentração plasmática
do fármaco no compartimento (C) se relaciona com sua quantidade (X) e o volume em que foi distribuído
(V). A partir das observações obtidas por esse modelo, pode-se calcular o volume de distribuição do
fármaco, ou até mesmo a sua concentração plasmática.
Propõe-se que toda a administração do fármaco ocorra diretamente no compartimento central, e a sua
absorção (após administração IV) e distribuição é considerada instantânea e homogênea por todos os
líquidos e tecidos do organismo, uma vez que a taxa de transferência e a respectiva meia-vida associada ao
processo de distribuição não podem ser medidas. Esse modelo monocompartimental considera apenas a
concentração do fármaco presente na corrente sanguínea, como mostra a imagem:
Representação da administração e distribuição dos fármacos após administração intravenosa no modelo monocompartimental.
Nesse modelo, os fármacos sofrem eliminação de primeira ordem, ou seja, uma fração constante é
eliminada por uma unidade de tempo, em que a taxa de eliminação é diretamente proporcional à
concentração do fármaco e não sofre o processo de saturação. Esse tipo de eliminação depende da
concentração plasmática, pois com o aumento da administração do medicamento, mais fármaco será
eliminado. A maioria das substâncias obedece a essa cinética. De acordo com as condições descritas,
entende-se que o decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco no organismo não é um
processo linear, mas exponencial, como mostra a imagem.
Gráfico concentração versus tempo após administração da dose de um fármaco segundo o modelo monocompartimental.
Gráfico concentração vs. tempo após administração da dose segundo o modelo monocompartimental (escala logarítmica).
É possível estimar os parâmetros da eliminação, isto é, a meia-vida biológica e a taxa de distribuição,
ambos associados ao processo de perda do fármaco administrado.
Na imagem que mostra o gráfico concentração vs. tempo após administração da dose, segundo o modelo
monocompartimental, podemos observar que o fármaco é eliminado de um único compartimento por um
processo de primeira ordem e apresenta o tempo de meia-vida de eliminação de 4 horas, em que há uma
redução da sua concentração de 16mcg/mL para 8mcg/mL.
Comentário
Esse modelo, que pode ser caracterizado por uma fase de distribuição tão rápida e homogênea, na prática
não é viável para quantificação e cálculo da constante de velocidade de distribuição. Esse padrão
homogêneo de distribuição não significa que a concentração do fármaco seja a mesma em todos os
tecidos do corpo, indica apenas que as distintas concentrações encontradas estão em equilíbrio.
Na realidade, esse modelo não é aceito em muitas situações, pois ele considera que toda a administração
do fármaco ocorre diretamente no compartimento central e que a distribuição do fármaco é instantânea e
homogênea por todo o volume. Na maioria das situações, essa hipótese é errônea, pois o fluxo de sangue
não é igual para todos os tecidos. Por outro lado, alguns fármacos não se distribuem por todo o corpo e
apresentam dificuldade em penetrar amplamente nos tecidos extravasculares, como é o caso dos
aminoglicosídeos, e assim, nessas situações, as cinéticas podem ser descritas pelo modelo
monocompartimental.
De forma interessante, alguns fármacos, como o ácido acetilsalicílico, o etanol e a fenitoína, são eliminados
a partir da cinética de ordem zero ou cinética não linear, em que há uma saturação enzimática. Assim, a
enzima responsável pelo metabolismo é saturada pela concentração elevada de fármaco livre, e a
velocidade da biotransformação permanece constante no tempo.
CC; X2 = quantidade de fármaco no CP; C2 = concentração de fármaco no CP; V2 = volume do CP; KA e KB = constantes de primeira ordem
Representação da administração e distribuição dos fármacos após administração intravenosa no modelo bicompartimental.
Com esse modelo, podemos diferenciar os tecidos mais perfundidos, como fígado, rins, pulmões, cérebro e
coração, daqueles menos perfundidos, como músculo, pele, tecido adiposo e ossos. Portanto, após uma
administração intravenosa, o fármaco se distribui primeiro para o compartimento central e posteriormente
para os compartimentos finais.
Um fator importante a ser considerado neste modelo é que as moléculas do
fármaco só podem entrar ou sair do compartimento tecidual por meio do
compartimento central. Em uma alteração do fluxo sanguíneo como, por exemplo,
na cirrose hepática, pode haver um acúmulo de fármaco em outros tecidos já que o
fluxo de sangue no fígado está prejudicado. E em casos de hipoperfusão tecidual
(redução do fluxo sanguíneo), o compartimento periférico vai receber menos
fármaco e haverá uma maior concentração de fármaco no compartimento central,
pois ele é mais irrigado.
Esse modelo é o mais próximo da realidade, pois em, muitas vezes, é difícil garantir que a distribuição de
um fármaco no organismo seja homogênea em todos os tecidos (conforme o modelo
monocompartimental). Na verdade, ela depende de vários fatores, como o fluxo sanguíneo, devido à
existência de órgãos altamente perfundidos. Outros fatores são o volume ou a massa tecidual e as próprias
características físico-químicas do fármaco (coeficiente de partição óleo/água, afinidade pelas proteínas
teciduais, pH do meio e pKa do fármaco).
Gráfico concentração vs. tempo após administração da dose segundo o modelo bicompartimental (escala logarítmica).
Caso o processo de eliminação possa ser descrito por mais de uma reta, tal cinética é considerada
multicompartimental. A cinética de fármacos como amiodarona, benazepril, ciclosporina e digoxina é
descrita na literatura por meio de modelos bicompartimentais.
Esse modelo indica que a cinética de múltiplos compartimentos pode passar despercebida quando se
desprezam as amostras coletadas nas primeiras horas. Suas principais características se baseiam em uma
absorção instantânea (intravenosa), com eliminação de primeira ordem e uma distribuição lenta.
Conforme ilustrado na imagem a seguir, a curva de decaimento exponencial em escala logarítmica é
simplificada a duas retas, uma representativa de cada processo. Na fase distributiva, as concentrações
decaem rapidamente em função do tempo, seguida pela fase de eliminação, quando as concentrações
plasmáticas decaem mais lentamente em função do tempo, consequência da retirada irreversível do
fármaco mediante a depuração plasmática por biotransformação e/ou excreção urinária.
quantidade de fármaco no CP; C2 e C3 = concentração de fármaco no CP; V2 e V3 = volume do CP; KA, KB, KC e KD, = constantes de primeira
De forma interessante, ao analisarmos o gráfico da concentração plasmática do fármaco vs. tempo (em
escala logarítmica) do modelo de três compartimentos, é possível identificar três retas de decaimento
plasmático. Conforme ilustrado na imagem a seguir, após a administração do fármaco por injeção
intravenosa, ocorre uma fase inicial de distribuição rápida, já caracterizada no modelo anterior
(bicompartimental), mas, neste modelo, é acrescida uma fase de distribuição lenta, seguindo-se a fase de
eliminação.
Fase de distribuição rápida, distribuição lenta e de eliminação no modelo de três compartimentos (escala logarítima).
Esse decaimento mais lento das concentrações plasmáticas em função do tempo, conhecido por
eliminação lenta, é decorrente da transferência do fármaco do sangue para os compartimentos periféricos,
onde ele tende a se armazenar num tecido específico. A disposição cinética de fármacos empregados
como anestésicos (ex.: propofol) é descrita na literatura por meio do modelo tricompartimental.
Ao compararmos esse modelo (três compartimentos) com outros modelos discutidos anteriormente, ele é
o mais complexo. Mas de forma geral, ele objetiva analisar os tempos imediatamente posteriores à
administração da dose ao organismo. Entretanto, na prática, somente no modelo monocompartimental há
um rápido equilíbrio das concentrações plasmáticas, uma vez que se entende que o fármaco é
administrado em um único compartimento, diferentemente da realidade fisiológica.
Modelo não compartimental
De modo diferente dos modelos descritos até aqui, os modelos não compartimentais se aproximam mais
da realidade fisiológica do organismo por descrever a disposição do fármaco em cada tecido ou órgão
específico. Entretanto, perdem a universalidade devido à complexidade do tratamento matemático aplicado
aos modelos. Assim, do ponto de vista da aplicação dos princípios farmacocinéticos às situações clínicas,
utiliza-se, na maioria dos casos, o modelo bicompartimental.
Modelo bicompartimental
É mais utilizado quando o medicamento é administrado por outra via que não seja a intravenosa, por
exemplo, pela via oral, inalação, retal, entre outras.
Os modelos apresentados podem ainda ser utilizados para simulações de inúmeras condições. Vejamos
algumas situações:
Situação 1
Gallo Neto (2012) realizou várias simulações com diferentes modelos. Dentre as análises realizadas, o
autor utilizou do modelo bicompartimental para simular alterações na posologia da paroxetina. Por
exemplo, a partir do modelo, verificou-se que o fármaco alcança o regime permanente na corrente
sanguínea após 7 dias, com uma concentração adequada.
Em seguida, o mesmo autor simulou uma situação em que o indivíduo não administra o medicamento no
oitavo dia, ou seja, interrompendo o tratamento, e assim a concentração no equilíbrio de acúmulo leva
aproximadamente mais 6 dias para ser atingida novamente. Ou seja, quando ocorre a interrupção, é como
se o paciente necessitasse iniciar o tratamento novamente.
Situação 2
Na prática, o que alguns pacientes fazem quando interrompem o tratamento é administrar dois fármacos
ao mesmo tempo. Nesse sentido, o mesmo autor simulou essa administração e foi possível identificar um
pico de concentração e que o equilíbrio de acúmulo demoraria cerca de 6 dias para ser novamente
alcançado. Dessa forma, não é aconselhável a administração de dois comprimidos no dia seguinte, pois na
posologia normal (1 comprimido) a concentração retorna dentro do mesmo intervalo de tempo (seis dias),
mas sem que ocorra o risco de alcançar concentrações tóxicas.
Situação 3
Outra situação abordada por Gallo Neto (2012) foi em relação à dosagem de analgésicos, quando simulou a
administração de comprimidos consecutivos e verificou a concentração atingida. No exemplo, ele utilizou
os parâmetros farmacocinéticos da nimesulida (anti-inflamatório), em que cada comprimido continha
100mg do fármaco.
A dosagem máxima permitida é de 200mg/dia. No entanto, o autor simulou o uso de 400mg/dia com o
intuito de avaliar o risco da sobredosagem. Conforme pode ser observado na imagem, com o uso de
400mg/dia a concentração atingiu um valor de 3500ng/mL, sendo que a concentração máxima permitida (a
concentração efetiva mínima adversa) é cerca de 2860ng/mL.
Sobredosagem da nimesulida.
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Vantagens da utilização da farmacocinética
Você conhece as vantagens da modelagem farmacocinética? É exatamente sobre isso que o vídeo a seguir
comentará, baseando-se em exemplos.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Assinale a alternativa que faz referência ao modelo farmacocinético altamente simplificado de um ser
humano, consistindo em um único compartimento bem homogeneizado, no qual uma quantidade de
fármaco é introduzida rapidamente por injeção intravenosa, e do qual ele pode escapar sendo
metabolizado ou excretado.
C Modelo bicompartimental.
D Modelo multicompartimental.
E Modelo monocompartimental.
Questão 2
Os desenvolvimentos dos modelos farmacocinéticos são essenciais porque por meio deles é possível
simular o comportamento do fármaco no organismo humano. Assinale com V (verdadeiro) ou com F
(falso) as seguintes afirmações sobre o modelo bicompartimental.
( ) Nesse modelo, o fármaco pode entrar ou sair do compartimento tecidual para o compartimento
central.
A F, V, F, V, V.
B F, V, F, V, F.
C F, F, F, V, F.
D V, V, V, V, V.
E F, F, V, V, V.
O regime posológico é definido como a maneira com que o fármaco é administrado na forma de
medicamento. Nesse sentido, de acordo com o alvo terapêutico, são determinadas a duração do
tratamento e a posologia (regime de dose).
Conforme discutimos anteriormente, o fármaco precisa estar disponível em uma concentração terapêutica
para que de fato induza o seu efeito. Neste módulo, abordaremos o papel do intervalo de administração
entre as doses e o impacto na resposta farmacológica.
Existem dois cenários em relação ao regime posológico e ao intervalo de administração. O primeiro deles
ocorre quando o paciente necessita realizar um tratamento prolongado (em doses fixas e em intervalos
constantes), também denominado de farmacoterapia de múltiplas doses, e nesse cenário é exigido um
monitoramento da garantia da eficácia e minimização da toxicidade do fármaco ao longo do tratamento.
Além desse, a mesma preocupação deve ocorrer com aquele paciente que recebe uma ou poucas doses de
determinado medicamento, por exemplo, durante a administração de um analgésico para o alívio da
cefaleia (dor de cabeça) ou dose única de um fármaco indutor do sono, como o zolpidem. Portanto, o que
diferencia esses pacientes é a duração do tratamento farmacológico.
Na prática, mesmo quando há administração de várias doses, não se observa nenhum ou pouco resíduo do
medicamento da primeira dose sobre a segunda, da segunda sobre a terceira, e assim por diante. Nesse
caso, mesmo após a administração de inúmeras doses, podemos considerar que nesse regime posológico
não ocorre acúmulo do fármaco no organismo, resultando sempre em curvas plasmáticas similares, como
mostra o gráfico a seguir.
Concentração plasmática do fármaco em função do tempo e com dosificações regulares em terapia de dose única.
No entanto, se o intervalo entre as doses consecutivas for inferior a 10 vezes o tempo de meia-vida , há o
acúmulo do fármaco no organismo e a curva das concentrações médias cresce em função do tempo de
tratamento até atingir um platô, como mostra o gráfico a seguir.
Nessas situações, a segunda dose é administrada antes mesmo que a primeira seja completamente
eliminada, portanto há um acúmulo da nova dose somada ao resíduo da dose anterior, que ocorre ao longo
das administrações consecutivas até alcançar o platô. Essa curva com as concentrações médias em
função do tempo de tratamento é conhecida como curva de acúmulo ou estado de equilíbrio (CSS).
Gráfico da concentração do fármaco no sangue em função do tempo e com dosificações regulares em terapia de múltipla dose.
Após o segundo tempo de meia-vida, haverá 75% de concentração do fármaco no organismo, uma vez
que metade da concentração anterior foi eliminada. Na terceira administração, será obtido então 75%
da concentração restante + 100% da dose nova, totalizando 175%. Com o terceiro tempo de meia-vida,
haverá 87,5% da concentração.
Somente após a quinta administração do fármaco será alcançado o estado de equilíbrio, quando
permanecerá no organismo aproximadamente 97% da concentração do medicamento, isto é, a dose
administrada irá repor praticamente a dose anterior eliminada, conforme mostra a tabela e a imagem
seguinte.
Primeiramente, vamos observar a tabela que apresenta informações sobre a terapia de múltiplas doses de
um fármaco administrado em intervalos de dose iguais à sua meia-vida de eliminação:
1 100% 50%
Terapia de múltiplas doses (administração contínua) de um fármaco administrado em intervalos de dose iguais à sua meia-vida de eliminação.
Na literatura, como regra geral, é definido que o tempo requerido para se atingir o CSS é de cinco vezes o
tempo de meia-vida.
Esse estado de equilíbrio (platô) deve ser alcançado dentro da faixa terapêutica para que a concentração
presente no organismo não ocasione efeitos tóxicos nem seja insuficiente para induzir o efeito esperado.
Além disso, o conhecimento do tempo de meia-vida de eliminação de cada fármaco é essencial para
determinar quanto tempo levará para o organismo entrar no estado de equilibro e de fato induzir a resposta
farmacológica.
Relembrando
Conforme discutimos anteriormente, esse mesmo raciocínio é aplicado em relação à eliminação de
fármacos. Quando a administração do fármaco é suspensa após uma meia-vida, restará no organismo 50%
de fármaco; após duas meias-vidas, 25%; após 3, 12,5%; e assim subsequentemente. Considera-se
clinicamente que, após cinco meias-vidas, todo o fármaco é praticamente eliminado pelo organismo.
Regime posológico na prática clínica
Na imagem anterior, é possível perceber que o esquecimento de apenas uma dose (identificada com uma
interrogação) pode ser suficiente para que a concentração decaia até a faixa subterapêutica. Além disso, é
necessária uma sequência de novas administrações corretas para que seja alcançado novamente o nível
plasmático desejado (platô), equivalente a cinco vezes a meia-vida biológica.
Além disso, durante a terapia de dose múltipla, sabemos que, quanto maior o intervalo de administração
entre as doses do medicamento e consequentemente a concentração administrada, maior será a flutuação
(variação) da concentração na corrente sanguínea. Veja agora o comportamento da concentração do
fármaco nessa situação.
Flutuação do nível plasmático e os intervalos de administração entre as doses do medicamento.
Essa flutuação, de forma geral, encontra-se muito próxima à concentração plasmática desejada, mas, em
alguns momentos, ela ultrapassa a concentração plasmática tóxica, conforme ilustrado na curva rosa da
imagem anterior. O ideal, quando possível, é realizar o fracionamento da dose ao longo do dia, conforme
ilustrado na curva verde. Ou seja, quanto menor e mais frequente forem as doses, menor será a oscilação
na concentração plasmática.
Em algumas situações, faz-se necessário a administração múltipla intravascular (bólus) de fármacos com
curta meia-vida e elevada flutuação das concentrações plasmáticas entre os intervalos de dose. Nesses
casos, realiza-se a administração por bomba de infusão, mediante um gotejamento ou bombeamento da
solução contendo o medicamento durante tempo suficiente para atingir o estado de equilíbrio.
Em situações emergenciais, em que o objetivo é atingir a faixa terapêutica no menor período possível, pode-
se realizar também a infusão rápida. Além disso, alguns fármacos apresentam uma meia-vida longa, como
por exemplo a femprocumona, 160 horas, e a digitoxina, 120 a 126 horas. Nesse caso, na prática clínica os
pacientes demorariam um tempo elevado para alcançar o estado de equilíbrio, considerando que eles só
alcançariam após cinco meias-vidas.
Nas situações em que esses fármacos precisam ser administrados de forma emergencial, por exemplo em
infeções graves ou arritmias, é possível obter o estado de equilíbrio mais rapidamente aumentando a
dosagem inicial em uma única dose, utilizando o que chamamos de dose de ataque. Vamos conferir!
A dose de ataque, utilizada para atingir de forma rápida a concentração-alvo, pode ser obtida pela razão da
concentração plasmática desejada, multiplicada pelo volume de distribuição (Vd) e de sua
biodisponibilidade (F):
Paciente, 70kg, é encaminhado a uma unidade de emergência por apresentar quadro de asma brônquica.
Após análise do caso, no intuito de aliviar a asma brônquica do paciente, foi determinada a utilização da
teofilina em uma concentração-alvo plasmática de 10mg/L.
O paciente utilizará a teofilina oral (Foral = 0,96) a cada 12 horas, usando uma formulação de liberação
prolongada. Considerando que o paciente apresenta uma depuração média de 2,8L/h/70 kg, calcule a dose
de ataque e a dose de manutenção. Vd da teofilina= 0,5L/kg.
0,5L
Vd =
kg
× 70kg = 35 Litros
10mg
×35L
Dose de ataque = L
0,96
= 364, 6mg
10mg/L×2,8L/h 29,17mg
Dose de manu. = 0,96
=
h
× 12 horas = 350mg de Teofilina
Na prática clínica, caso o equilíbrio de acúmulo esteja fora da janela terapêutica, é necessário realizar o
ajuste da dose a ser administrada, conforme exemplifica os gráficos a seguir.
Para fármacos com faixa terapêutica definida, a concentração é mensurada para ajustar a dosagem e a
frequência, de modo a obter e manter os níveis desejados de acordo com esta equação:
Conc. Desejada
Nova dose = Conc. Medida
× Dose Velha
Os exames bioquímicos em relação à função hepática, renal, proteínas plasmáticas, eletrólitos são
exemplos de suporte laboratorial, pois a redução da capacidade metabólica ou renal pode alterar a ligação
às proteínas plasmáticas, bem como influenciar na depuração dos fármacos. Além disso, os exames
hematológicos também são muito importantes, uma vez que alterações hematológicas podem influenciar
no resultado da análise de medicamentos que se ligam às hemácias. A identificação de uma possível
infecção também pode ser importante, uma vez que pode levar ao aumento da permeabilidade celular e
ocasionar mudanças no mecanismo de excreção.
Em algumas situações, a efetividade farmacológica pode ser avaliada a partir de exames laboratoriais.
Exemplo
Durante o uso dos anticoagulantes orais, como a varfarina, é necessário acompanhar a RNI (Relação
Normatizada Internacional) do medicamento, por meio de exames como o tempo de protrombina ou o
tempo de atividade da protrombina, garantindo uma dose segura e eficaz a fim de evitar trombose ou
sangramentos. Durante o uso dos anti-hipertensivos, pode ser aferida a pressão arterial. Durante o uso dos
diuréticos, pode ser avaliado o aumento da diurese e a redução da pressão arterial. O hemograma
convencional (contagem de hemácias e hemoglobina) e os níveis de ferro sérico são úteis para
acompanhar a resposta do tratamento das anemias. A medição dos triglicerídeos e do colesterol total são
úteis para a avaliação do tratamento da dislipidemia.
Para os fármacos que se ligam extensamente às proteínas plasmáticas (acima de 80%), podemos analisar
se o paciente apresenta alguma condição que altere a ligação do fármaco às proteínas plasmáticas, tal
como: insuficiência renal e hepática. A presença da insuficiência hepática pode ser avaliada por meio da
detecção dos níveis séricos das enzimas hepáticas, como as aminotransferases, bilirrubinas e a fosfatase
alcalina. A presença da insuficiência renal pode ser avaliada por meio de diversos marcadores bioquímicos,
tais como creatinina sérica, ureia sérica, cistatina C sérica, proteinúria, taxa de filtração glomerular e os
eletrólitos.
Hemoglobina glicada
Reflete os índices glicêmicos de até três meses anteriores, demonstrando o verdadeiro perfil glicêmico dos
pacientes.
Monitoramento terapêutico
2. O fármaco apresenta uma boa correlação entre o efeito farmacológico e efeito tóxico com a
concentração plasmática em um grande número de pacientes, uma vez que é possível prever a resposta
farmacológica ou os efeitos tóxicos com base na alteração do nível plasmático (Ex.: anticonvulsivantes).
3. A mesma dose de fármaco apresenta uma alta variabilidade de suas concentrações plasmáticas entre os
indivíduos (Ex.: fenitoína e antirretrovirais).
5. O fármaco apresenta um estreito índice terapêutico, ou seja, suas concentrações terapêuticas e tóxicas
são muito próximas (Ex.: digoxina). Pois quanto menor for a janela terapêutica, maior o risco de eventos
indesejados
7. Há a suspeita de eventos adversos ou surgimento de alguns sintomas como asma e crise epilética, com
o objetivo de promover maior segurança ao tratamento.
Para inúmeros fármacos, esse controle terapêutico é de grande utilidade, uma vez que alterações na sua
concentração podem estar relacionadas a alterações da farmacocinética, como nos parâmetros de
depuração e volume de distribuição, e assim o ajuste de dose é necessário. Na prática clínica, o
monitoramento é importante para individualizar a dose, de modo a obter o efeito terapêutico desejado
minimizando os efeitos adversos. Além disso, o monitoramento também é importante na detecção de
interações medicamentosas e no desmame de determinado fármaco, mas deve sempre ser utilizado como
uma ferramenta adicional à observação clínica.
De forma interessante, o monitoramento também pode ser utilizado para avaliar a aderência do paciente ao
tratamento, por exemplo, durante o uso do lítio no tratamento de condições psiquiátricas. Como o lítio
possui penetração lenta nas hemácias, se o paciente não seguir o tratamento corretamente e só
administrar o fármaco próximo à monitorização, as concentrações plasmáticas do lítio ficarão dentro dos
limites de normalidade, mas os valores encontrados no sangue total serão valores inferiores aos
esperados.
A realização desse monitoramento exige um custo e não deve ser utilizado de forma indiscriminada em
todos os pacientes, uma vez que os regimes posológicos são determinados durante as diversas fases de
desenvolvimento do medicamento. Porém, esses mesmos estudos utilizam populações limitadas
(pacientes pediátricos, geriátricos e criticamente enfermos não são contemplados nesses estudos) e
assim, na prática, outras variáveis farmacocinéticas, farmacodinâmicas, variação entre indivíduos e até
outras patologias podem estar presentes e impactar na terapia, justificando o uso do monitoramento como
ferramenta útil para otimizar a resposta terapêutica.
Saiba mais
Nem todos os fármacos apresentam uma correlação entre a concentração plasmática e a resposta
terapêutica, apenas 0,5% dos fármacos disponíveis no ambiente hospitalar é passível de monitorização.
Atualmente, o monitoramento plasmático é sugerido para alguns antibióticos (aminoglicosídeos),
anticonvulsivantes (fenitoína, fenobarbital), antirretrovirais, imunossupressores (ciclosporina A,
metotrexato), cardioativos (digoxina), antidepressivos (lítio) e outros.
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O monitoramento terapêutico e o papel da
farmacogenômica na terapia
Gostaria de conhecer os conceitos, a aplicação do monitoramento terapêutico (exemplo de ajuste de dose)
e como a farmacogenômica pode auxiliar na tomada de decisões terapêuticas? Confira a seguir!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Paciente de 55 anos, 64kg, apresenta ritmo cardíaco irregular e iniciará uma terapia emergencial com o
fármaco experimental W. Considerando que o volume de distribuição do fármaco W é de 1L/kg e a
concentração plasmática de equilíbrio desejada é de 2,5mg/L, assinale a alternativa que corresponde à
dose de ataque do fármaco W por via IV.
A 10mg.
B 64mg.
C 160mg.
D 16mg.
E 25mg.
Considerando que o volume de distribuição do fármaco, corrigido para a massa corporal do paciente, é
de 64 litros e que o fármaco foi administrado pela via intravenosa (biodisponibilidade de 100%), a dose
de ataque será de 160mg.
1L
Vd = × 64kg = 64 Litros
kg
1
= 160mg
Questão 2
Quando o tempo para se alcançar um estado de equilíbrio é significativo, como no caso de fármacos
com meias-vidas longas, talvez seja desejável administrar uma dose que eleve de imediato a
concentração do fármaco no plasma para a concentração-alvo. Um exemplo clínico é o de um paciente
diagnosticado com infecção por S. aureus resistente a meticilina. Nesse caso, o paciente precisa
receber uma dose de vancomicina que alcance a faixa terapêutica de forma imediata. Essa
administração é denominada:
A Dose de ataque.
B Dose de manutenção.
C Dose efetiva.
Considerações finais
Aprendemos sobre os principais parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos relacionados à terapia,
como eles podem ser utilizados com o intuito de otimizar o tratamento, melhorar a eficácia do fármaco e
minimizar os efeitos tóxicos, principalmente em condições fisiológicas ou patológicas importantes.
Além disso, abordamos os principais modelos farmacocinéticos utilizados para descrever os parâmetros
farmacocinéticos e discutimos a importância de os pacientes realizarem os regimes posológicos de forma
adequada. Por fim, abordamos como pode ser realizada a otimização da terapia por meio da monitorização
terapêutica e do suporte laboratorial. Mas não podemos esquecer que novos estudos e pesquisas são
realizados continuamente e que esse conhecimento é diariamente renovado e acrescido.
headset
Podcast
Ouça agora os principais conceitos da farmacologia clínica abordados no conteúdo.
Referências
BRUNTON, L. L.; HILAL-DANDAN, R.; KNOLLMAN, B. As Bases Farmacológicas da Terapêutica de Goodman
& Gilman. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019.
DE LUCIA, R. et al. Farmacologia Integrada: uso racional de medicamentos. vol. 2. São Paulo: Clube de
autores, 2014.
FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia clínica e terapêutica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2017.
KATZUNG, B. G.; TREVOR, A. J. Farmacologia Básica e Clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.
LÜLLMANN, H.; MOHR, K.; HEIN, L. Farmacologia: texto e atlas. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
RANG, H. P. et al. Rang & Dale Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
SILVA, P. Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
STORPIRTIS, S. et al. Farmacocinética básica e aplicada. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016
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produzido por Luciano Henrique Pinto e colaboradores, e publicado na revista Saúde coletiva em 2021.
Faça a leitura do artigo Modelagem farmacocinética e análise de sistemas lineares para a predição da
concentração de medicamentos no corpo humano, de Gallo Neto (2012), em que o autor discute as
variáveis idade (idosos) e obesidade na distribuição dos fármacos.