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FARMACOCINÉTICA I
Princípios básicos
da farmacologia
Tuane Bazanella Sampaio
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A farmacologia compreende o estudo das substâncias que interagem com sistemas
vivos por meio de processos químicos, especialmente por meio de moléculas
reguladoras e ativação ou inibição de processos corporais normais ou patológi-
cos. Essas substâncias químicas administradas com o intuito de obter um efeito
terapêutico benéfico sobre algum processo no paciente nada mais são do que
os chamados fármacos.
Neste capítulo, você estudará os princípios da farmacocinética e da farmaco-
dinâmica, compreendendo por que o estudo dessas áreas da farmacologia é tão
importante para a prática clínica. Além disso, acompanhará as etapas pelas quais
um protótipo de fármaco precisa passar para ser aprovado para comercialização
como medicamento, desde os primeiros passos para a seleção de uma molécula
e a escolha do alvo farmacológico até os testes de desenvolvimento da pesquisa
pré-clínica e as três fases principais de um estudo clínico.
2 Princípios básicos da farmacologia
Farmacocinética e farmacodinâmica
Os efeitos da maioria dos fármacos são atribuídos à sua interação com os
componentes macromoleculares do organismo, como as proteínas, por exem-
plo. Essa teoria está incorporada há mais de um século ao termo receptor ou
alvo farmacológico. O receptor, portanto, é a macromolécula com a qual o
fármaco interage para produzir uma resposta celular, ou seja, uma resposta
farmacológica. Em sua maioria, os receptores estão localizados na superfície
das células, acoplados à membrana plasmática, e são macromoléculas protei-
cas. Entretanto, também se encontram receptores intracelulares, a exemplo
dos receptores nucleares, e constituídos por outras macromoléculas, como
os ácidos nucleicos que agem como receptores de agentes quimioterápicos
(KATZUNG; TREVOR, 2017).
Essa interação fármaco-receptor e os efeitos desencadeados a partir dela
são a base do estudo da farmacodinâmica, enquanto a farmacocinética irá se
preocupar em como o fármaco chega até esse receptor e como será eliminado
posteriormente pelo organismo. Vamos compreender melhor esses conceitos?
Farmacocinética
A farmacocinética é o ramo da farmacologia que estuda o movimento dos
fármacos no organismo, sendo constituída por quatro processos principais
(também chamados de ADME): (A) absorção, (D) distribuição, (M) metabolismo
ou biotransformação e (E) excreção de fármacos. Uma vez que a farmacociné-
tica é fundamental para a decisão da via de administração, dose e regime de
dose de um medicamento, a compreensão e a aplicação dos seus princípios
ampliam a possibilidade de sucesso terapêutico e reduzem a ocorrência de
efeitos adversos dos fármacos no organismo (RITTER et al., 2020).
O processo de absorção diz respeito à transferência de um fármaco do
seu local de administração para a corrente sanguínea e a amplitude com que
isso ocorre. Já a velocidade e a eficiência da absorção dependerão da via de
administração escolhida e da forma farmacêutica do medicamento. Desse
modo, a biodisponibilidade de um fármaco — fração do fármaco administrado
que chega à circulação sistêmica na forma química inalterada — é de maior
relevância do que a absorção em si.
Há duas vias principais para a administração de fármacos: a enteral e a
parental. A via entérica engloba as administrações oral, sublingual e retal,
enquanto a parental inclui as vias intravenosa, intramuscular, subcutânea
e intradérmica. A ingestão oral é o método mais comumente usado para a
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Por fim, a eliminação dos fármacos pode ocorrer sem qualquer alteração
ou após eles serem convertidos em metabólitos. Como dito anteriormente,
em geral substâncias polares são mais facilmente excretadas, sendo neces-
sária a etapa de metabolização. A depuração é uma medida da eficiência do
organismo em eliminar um fármaco, e a meia-vida de eliminação representa a
taxa com que esse fármaco é retirado da circulação sistêmica. Essas medidas
são essenciais para o planejamento de um esquema racional de administração
prolongada de um fármaco.
Nesse contexto, o rim se destaca como o órgão mais importante para a
excreção de fármacos e seus metabólitos. As substâncias eliminadas nas
fezes são predominantemente fármacos que não foram absorvidos no trato
gastrointestinal ou metabólitos excretados na bile que não foram reabsor-
vidos. A excreção pelo leite materno é importante devido aos efeitos no
lactente, assim como a excreção pulmonar é importante para a eliminação
de gases anestésicos.
Farmacodinâmica
A farmacodinâmica é a vertente da farmacologia que se dedica ao estudo
dos efeitos bioquímicos e fisiológicos dos fármacos e seus mecanismos de
ação. Mediante esse estudo, é possível racionalizar o uso de fármacos e
ajudar a desenvolver novos agentes terapêuticos. Portanto, em essência
podemos considerar que a farmacodinâmica estuda os efeitos provocados
pelo fármaco ao organismo.
Tais efeitos, que podem ser terapêuticos ou tóxicos, são provenientes da
interação entre o fármaco e o receptor do organismo. Por meio dessa intera-
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Interação fármaco-receptor
A interação fármaco-receptor é muito mais dinâmica do que a sugerida pelo
modelo de receptor rígido. Atualmente, sabe-se que a ligação de pequenas
moléculas pode levar a alteração conformacional nas estruturas terciárias ou
quaternárias da macromolécula. Assim, acredita-se que, quando um fármaco
F se liga a um receptor R, formando um complexo F-R, ocorrem variações na
conformação do receptor, e esse rearranjo já pode constituir por si o fenômeno
que desencadeia o efeito e/ou o estímulo necessário para o favorecimento
da interação do receptor com outras moléculas efetoras (RITTER et al., 2020).
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Desenvolvimento de fármacos
Com o desenvolvimento da indústria farmacêutica no fim do século XIX, a
descoberta de fármacos tornou-se um processo altamente focado e geren-
ciado, deixando de ser realizada por pesquisadores e passando a ser feita por
cientistas contratados com esse propósito. Grosseiramente, o processo de
desenvolvimento de novos fármacos pode ser dividido em três componentes
principais:
Uma vez que o alvo molecular está decidido e a viabilidade do projeto foi
avaliada, inicia-se a busca pela caracterização do alvo farmacológico e pelos
chamados compostos-guia. A seleção dos compostos-guia se dá pela previsão
das interações dos compostos hipotéticos ou existentes em bibliotecas de
compostos com a estrutura proteica validada do alvo farmacológico. A partir
desse ponto, os compostos-guia selecionados são usados como base para
preparar grupos de homólogos por meio de química combinatória e para
estabelecer as características estruturais críticas para a ligação seletiva
com o alvo.
Apenas um em cada quatro projetos é bem-sucedido na produção de
um fármaco candidato, e somente esta etapa pode levar até cinco anos.
O problema mais comum ocorre quando a otimização do guia se mostra
impossível. Em outros casos, os candidatos principais, embora produzam os
efeitos desejados na molécula-alvo in vitro e não tenham efeitos adversos
evidentes, não conseguem produzir os efeitos esperados nos modelos ani-
mais da doença, evidenciando que o alvo provavelmente também não seria
adequado para a abordagem terapêutica em humanos. Uma minoria virtuosa
de fármacos progride para a fase seguinte, o desenvolvimento pré-clínico.
Desenvolvimento pré-clínico
O objetivo do desenvolvimento pré-clínico é satisfazer todas as exigências
experimentais antes que um novo composto seja considerado pronto para
ser testado pela primeira vez em seres humanos. Sendo assim, os labora-
tórios credenciados para realização de desenvolvimento pré-clínico são
regularmente monitorados quanto a adesão aos padrões de boa prática
laboratorial (BPL, ou good laboratory practice — GLP). O objetivo da BPL é
eliminar o erro humano tanto quanto possível e assegurar a confiabilidade
dos dados submetidos às autoridades reguladoras, tornando todo o processo
de desenvolvimento rastreável (INMETRO, 2011).
Sendo assim, a fase de desenvolvimento pré-clínico ou não clínico é di-
vidida em quatro etapas principais: testes farmacológicos para avaliação de
segurança; testes toxicológicos; testes de farmacocinética e farmacodinâmica;
e desenvolvimento químico e farmacêutico (GOLAN et al., 2021). Dependendo
do estudo em questão, os resultados de uma etapa serão decisivos para a
continuidade nas etapas seguintes ou poderão ser obtidos paralelamente,
através da realização dessas etapas de modo simultâneo.
A primeira etapa, de testes farmacológicos, visa descartar qualquer efeito
agudo que possa interferir na segurança do possível fármaco, sendo chamada
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Desenvolvimento clínico
Uma vez que a pesquisa pré-clínica tenha estabelecido a eficácia e a se-
gurança potenciais de um composto, sua aprovação é solicitada, a fim de
iniciar a investigação em ensaios clínicos. Esse pedido deve conter os dados
de análises pré-clínicas submetidos na forma de um relatório detalhado às
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Referências
ANVISA. Guia para a condução de estudos não clínicos de toxicologia e segurança
farmacológica necessários ao desenvolvimento de medicamentos. Brasília: Anvisa, 2013.
GOLAN, D. et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia.
3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman &
Gilman. 2. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. E-book.
INMETRO. Norma n. NIT-DICLA-035: princípios das boas práticas de laboratório — BPL.
Brasília: Inmetro, 2011.
KATZUNG, B. G.; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH,
2017.
RITTER, J. M. et al. Rang & Dale farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2020.