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Farmacocinética é o estudo quantitativo do movimento de entrada, disposição e saída de

fármacos do organismo, que pode ser descrita por meio dos processos de absorção, distribuição,
metabolização e excreção conhecido como sistema ADME, que determina o início, intensidade e a
duração da ação do fármaco. A farmacocinética estuda o que o organismo faz com o fármaco. A
compreensão desses processos e de suas inter-relações e aplicação dos princípios na
farmacocinética aumentam as chances de sucesso do tratamento e reduzem a ocorrência de
reações adversas aos fármacos dessa forma, usando os princípios da medicação segura (fármaco
certo, paciente certo, dose certa, via de administração certa e tempo certo). Usando o
conhecimento das variáveis farmacocinéticas os clínicos podem eleger condutas terapêuticas
ideais, incluindo via de administração, dose, frequência e duração do tratamento, considerando o
perfil do paciente, ou seja, a posologia ideal.
Os processos farmacocinéticos de absorção, distribuição, metabolização e excreção
determinam com que rapidez e por quanto tempo o fármaco aparecerá no plasma e no órgão alvo.
A concentração do fármaco no sítio de ação e sua ação no organismo determinam a magnitude do
efeito que é a farmacodinâmica, sendo que a maioria dos fármacos exerce seus efeitos desejados
ou indesejados interagindo com receptores, isto é, macromoléculas alvo especializadas presentes
na superfície ou no interior das células. Portanto, a concentração do fármaco no plasma e no
tecido alvo no sítio de ação fornece a ligação entre farmacocinética e farmacodinâmica. Esses
eventos ocorrem simultaneamente, mas por questões didáticas são estudados de forma separada.
Após a administração do fármaco por via oral ocorre o processo de absorção, distribuição,
metabolização e excreção onde o fármaco e/ou metabólitos são eliminados. Entretanto, na
administração de fármacos algumas outras vias, como a intravenosa, não ocorre o processo de
absorção, isso porque os fármacos são administrados diretamente em líquido corporal, em geral
circulação sistêmica, sendo distribuído após a sua administração. Outros fármacos chamados de
pró-fármacos não são ativos, precisam ser metabolizados para gerar o metabólito ativo que será
distribuído e exercerá sua ação farmacológica. Posteriormente, esse metabólito ativo será
metabolizado e eliminado. Muitos fármacos também podem não sofrer totalmente o processo de
metabolização e serem eliminados na sua forma inalterada. Como vocês podem notar, esses
processos não são fixos na sua ordem. Essa sequência lógica é utilizada para fins didáticos
podendo sofrer variações. Lembrando que durante os processos farmacocinéticos também ocorre
os processos farmacodinâmicos que veremos em aulas futuras.
Aqui temos um esquema geral dos processos envolvidos na farmacocinética. O corpo
humano limita o acesso de moléculas estranhas por essa razão, para alcançar seu alvo interior do
corpo produzir o efeito terapêutico, moléculas de um fármaco precisam atravessar algumas
barreiras restritas em seu caminho até seu local de ação. Depois da administração do fármaco,
este precisa ser absorvido e então distribuído, geralmente através dos vasos do sistema
circulatório linfático. Embora as barreiras físicas à passagem de um fármaco possam ser
construídas de uma camada única de células, por exemplo no epitélio intestinal ou várias camadas
de células e suas proteínas extracelulares associadas, por exemplo na pele, a membrana
plasmática é a barreira principal. Na circulação sistêmica, o fármaco pode se ligar reversivelmente
a proteínas plasmáticas, mas apenas um fármaco livre consegue atravessar as barreiras
biológicas e chegar aos tecidos e órgãos por meio dos líquidos corporais, podendo exercer assim
efeito terapêutico e outros efeitos. Além de atravessar as barreiras das membranas os fármacos
precisam resistir ao metabolismo que ocorre principalmente no fígado e a eliminação, que pode
ocorrer pelos rins, principalmente, mas também via sistema biliar, fezes. Entretanto, os pró-
fármacos, lembrando bem que eles precisam ser transformados, que eles precisam ser
biotransformados, ou seja, metabolizados para gerar um efeito terapêutico, gerar o metabólito
ativo exercerá a ação terapêutica. Muitos fármacos ainda podem se depositar e tecidos os quais
funcionam como reservatório, por exemplo gordura, osso. Como anteriormente mencionado, a
depender da via de administração, os fármacos não sofrem o processo de absorção, eles são
administrados em um líquido corporal, plasma ou líquido cefalorraquidiano, sem passar pela
membrana plasmática, mas mesmo por essas vias eles precisam atravessar a membrana
plasmática nos outros processos, ou seja, durante a distribuição, metabolização e excreção dos
fármacos.
O transporte de fármacos através das membranas celulares constituídas de uma bicamada
fosfolipídica ocorre principalmente por mecanismos passivos de difusão lipídica. Além desse
mecanismo, a difusão mediada por transportadores desempenha um papel importante, não
somente na absorção mas também em outros processos como na distribuição e na secreção renal
e biliar, podendo ser transporte ativo ou difusão facilitada. Outros mecanismos de transporte de
fármacos são a difusão aquosa de moléculas de fármacos, que ocorrem, em geral, dirigida pelo
gradiente de concentração do fármaco sendo a difusão, através das aquaporinas, provavelmente
importante na transferência de gases como o dióxido de carbono, mas os poros tem diâmetro
muito pequeno para possibilitar a passagem da maioria das moléculas de fármacos que,
geralmente, excedem o seu diâmetro. E por endocitose e exocitose, não mostrada na figura, que
considera o processo de inclusão de substâncias para o interior das células e exclusão para o
outro lado. Na absorção, dentro desse mecanismo de endocitose e exocitose, o transporte por
pinocitose é o mais importante. Algumas substâncias são tão grandes ou impermeáveis que só
podem entrar nas células por meio de endocitose. A pinocitose envolve a invaginação de parte da
membrana celular e a captação dentro da célula de uma vesícula contendo constituintes
extracelulares. O conteúdo da vesícula pode então ser liberado dentro da célula ou expulso por
exocitose no outro lado dessa. Esse mecanismo parece ser importante para o transporte de
algumas macromoléculas, por exemplo insulina, que cruza a barreira hematoencefálica por esse
processo, mas não para moléculas pequenas. Vamos detalhar um pouco mais sobre a difusão
lipídica, que o principal mecanismo de transporte dos fármacos pela membrana celular e
posteriormente o transporte mediato por carreadores, transporte ativo e difusão facilitada.
Na difusão lipídica, o fármaco foi transferido de um compartimento para o outro através de
uma membrana biológica bilipídica por difusão a favor de um gradiente de concentração, desse
modo a velocidade de absorção depende do coeficiente de permeabilidade do fármaco na camada
bilipídica e do gradiente de concentração. A difusão lipídica é um fator limitante mais importante
para a permeação do fármaco por causa do grande número de barreiras lipídicas que separam os
compartimentos do corpo. Importante, portanto, não são na absorção, mas também na
distribuição, metabolização e excreção do fármaco. As moléculas apolares de fármacos nas quais
os elétrons estão distribuídos uniformemente dissolvem-se livremente na camada lipídica da
membrana difundindo-se, prontamente, através das membranas celulares. Como dito
anteriormente, a velocidade de absorção depende do gradiente de concentração e do coeficiente
de permeabilidade do fármaco. O coeficiente de permeabilidade do fármaco é determinado pela
difusibilidade, sendo que a velocidade de difusão de uma substância depende, principalmente, de
seu tamanho molecular, pois o coeficiente de difusão é inversamente proporcional a raiz quadrada
do peso molecular. Depende também da lipossolubilidade que pode ser expressa como o
coeficiente de partição para substância distribuída entre a fase da membrana (fase lipídica) e o
ambiente aquoso, ou seja, o coeficiente de partição óleo/água. E o grau de ionização que depende
do pKa do fármaco e do pH do meio. Portanto, fármacos com permeabilidade limitada, as
membranas biológicas limitam sua passagem em virtude do seu peso molecular, lipossolubilidade
ou grau de ionização. Neste gráfico podemos observar no eixo X e coeficiente de partição
óleo/água e no eixo Y a permeabilidade. Mas o que vem a ser coeficiente de partição óleo/água?
Esse parâmetro descreve o equilíbrio de partição de um soluto -fármaco- entre a água e um
solvente orgânico e imissível, geralmente octanol, ou seja, descreve a lipossolubilidade. É um
parâmetro importante uma vez que a difusão lipídica é o principal mecanismo de transporte de
fármacos através das membranas biológicas, assim certo grau de lipossolubilidade é necessário
para que ocorra uma adequada difusão das moléculas do fármaco através dos fosfolipídios das
membranas biológicas, permitindo a sua entrada na circulação sanguínea no caso do processo de
absorção ou aos tecidos e órgãos, no caso, do processo de distribuição. De forma simples, é o
quanto o fármaco é dissolvido em óleo e em água. Imaginem um recipiente contendo metade do
volume água e metade do volume óleo. Se adicionarmos, por exemplo 1g de fármaco e 990mg se
dissolver no óleo e 10 mg na água, dizemos que o coeficiente de partição é 990/10, isto é, o
coeficiente de partição é 99. Quanto maior o coeficiente de partição mais lipossolúvel é o fármaco
e mais rapidamente será a difusão pela membrana plasmática. Voltando para o gráfico,
observamos que quanto maior o coeficiente de partição óleo/água maior a permeabilidade para
todos os fármacos exemplificadas pelas retas coloridas. Como as barreiras lipídicas separam
compartimentos aquosos, o coeficiente de partição óleo/água de um fármaco determina quão
rapidamente a molécula se move entre os meios aquoso e lipídico. Também podemos notar neste
gráfico, que os fármacos exemplificados possuem peso moleculares diferentes e quanto menor o
peso molecular maior a permeabilidade. Entretanto, quero chamar atenção que a variação com
peso molecular é pouco significativa, pois varia muito pouco entre os fármacos convencionais
usados na clínica.
Foi dito anteriormente que o grau de ionização também influencia a permeabilidade do
fármaco, através da membrana plasmática, na difusão lipídica. Em geral, os fármacos são bases
ou ácidos fracos e, por essa razão, apresentam-se em solução aquosa como espécies químicas
ionizadas e não ionizadas. Apenas as espécies não ionizadas são lipossolúveis o suficiente para
atravessar as membranas biológicas e serem absorvidas. Por essa razão, a constante de
ionização pKa apresenta um papel determinante na capacidade do fármaco de atravessar as
membranas. Quando o pH do meio for igual ao pKa do fármaco, teremos 50% do fármaco na
forma ionizada e 50% na forma não ionizada. Dependendo do pH do meio, uma fração maior ou
menor de moléculas do fármaco estará no estado não ionizado passível de passar pela membrana
e, consequentemente, de ser absorvido isso porque a espécie ionizada apresenta a solubilidade
lipídica muito baixa sendo virtualmente incapaz de difunde-se através de membrana, exceto onde
existe um mecanismo específico de transporte. A lipossolubilidade de uma espécie sem carga
apolar é suficientemente lipossolúvel para permitir uma rápida difusão através da membrana, mas
existem exceções. Bases fortes com pKa acima de 10 ou ácidos fortes com pKa abaixo de 3 são
mal absorvidos quando administrados por via oral, isso porque, em qualquer porção do sistema
gastrointestinal, essas substâncias estão na sua forma ionizada. A Tubocurarina, uma base forte,
é um exemplo de fármaco que devido a não absorção por via oral é administrado por via
parenteral. Outro exemplo são os antibióticos aminoglicosídeos com alta polaridade que são
administradas por via oral para agirem contra microrganismos no trato gastrointestinal e não para
serem absorvidos. Nessa tabela temos alguns exemplos de pKa de fármacos, ácidos fracos e
bases fracas. A relação entre pKa, pH do meio e lipossolubilidade do fármaco dita as
características de absorção e compõem a teoria de partição do pH.
A razão da forma lipossolúvel para forma hidrossolúvel de um ácido fraco ou base fraca é
expressa pela equação de Henderson-Hasselbach. De acordo com a teoria de partição do pH,
fármacos que são ácidos fracos, tendem a atravessar as membranas celulares em
compartimentos fluidos ácidos enquanto fármacos que são bases fracas, em compartimentos
alcalinos, consequentemente, fármacos ácidos fracos tendem a se acumular em compartimentos
fluidos básicos, enquanto fármacos bases fracas em compartimentos ácidos, ou seja, apresentam
dificuldade em atravessar as barreiras celulares, isso porque a carga elétrica diminui a
permeabilidade das substâncias na membrana biológica. A molécula na forma ionizada não
poderá escapar desse compartimento com facilidade acumulando-se nele. A extensão de
ionização de um ácido fraco ou base fraca, desse modo, dependerá destes dois fatores: pH e pKa.
Temos aqui um exemplo para demonstrar o que foi dito. Não se preocupem com a fórmula, mas
tentem entender o raciocínio. Aspirina é um ácido fraco com pKa de 3,5. Usando a equação de
Henderson-Hasselbalch para ácidos fracos, vamos imaginar este fármaco no estômago com pH de
1,5 e no intestino com pH de 6,5. Em parênteses, está demonstrado a variação do pH nos dois
locais. Usei valores de pH que facilitasse a interpretação dos resultados. Substituindo os valores
na fórmula:
[ Ionizada]
( pH= pKa+log 10( ¿ )¿ ),observem que, no estômago, para cada molécula
[ Nãoionizada ]
ionizada teremos 100 moléculas não ionizadas de aspirina. E, no intestino, teremos 1000
moléculas ionizadas para 1 molécula não ionizável, portanto a aspirina que é um ácido fraco será
mais bem absorvida em meio ácido do estômago, onde a relação é maior de moléculas não
ionizadas. No intestino, meio básico, onde haverá maior número de moléculas ionizadas, a
aspirina ficará retida no lado básico e não atravessará membranas biológicas pois ocorrerá o que
se chama de retenção iônica. Agora nosso exemplo é a Codeína, uma base fraca com pKa de 8,2.
Usamos agora a equação de Henderson-Hasselbalch para bases
[ Não ionizada ]
pH= pKa+log 10( ). No estômago, meio ácido, temos para cada molécula não
[ Ionizada ]
ionizadas temos um milhão de moléculas ionizadas. No intestino, para cada molécula não
ionizadas temos 10 moléculas ionizadas. Portanto, a codeína que é um analgésico opioide, uma
base fraca, irá se acumular no lado do ácido devido a maior proporção de moléculas ionizadas.
Como comentado, um grande número de fármacos são bases fracas. A maioria dessas
bases é de moléculas que contém aminas. O nitrogênio de uma amina neutra tem três átomos
associadas mais um par de elétrons não compartilhados. Os três átomos consistem em um
carbono designado por R e dois hidrogênios, uma mina primária, dois carbonos e um hidrogênio
na minha secundária ou três átomos de carbono na amina terciária. Cada uma dessas três formas
pode se ligar, de forma reversível, a um próton com os elétrons não compartilhados. Alguns
fármacos tem uma quarta ligação carbono-nitrogênio que são as aminas quaternárias contudo, a
amina quaternária é permanentemente carregada e não tem elétrons não compartilhados com os
quais se ligará a um próton de modo reversível. Portanto, as aminas primárias, secundárias e
terciárias podem sofrer protonação reversível e variar sua solubilidade lipídica com o pH, mas as
aminas quaternárias sempre estão na forma carregada pouco lipossolúvel.
O estômago e o intestino delgado apresentam diferenças importantes em termos
anatômicos e fisiológicos, além do pH, a área superficial, espessura da membrana e fluxo
sanguíneo. Portanto, a partição pelo pH não é o principal determinante do local de absorção de
fármacos no trato gastrointestinal inclusive, o pH ácido estomacal pode, em alguns casos,
promover degradação local de fármacos contribuindo para a redução da disponibilidade do
fármaco após a administração oral. A enorme área de absorção das vilosidades e microvilosidades
do intestino delgado ampliam muito a área superficial absortiva, comparando com a área de
absorção do estômago que é muito menor. Além disso o estômago não apresenta espessura
epitelial que facilite a transferência de fármacos para circulação, diferente do intestino delgado.
Outro fator importante a se considerar é que os intestinos recebem um fluxo de sangue muito
maior que o estômago de modo que a absorção é favorecida. Desse modo, o principal local de
absorção de fármacos a partir do trato gastrointestinal é o intestino delgado, em particular o
duodeno. Independente do fármaco ser uma base fraca ou um ácido fraco, a absorção ocorre no
intestino delgado devido a esses fatores que superaram a teoria de partição do pH, mas é possível
levar vantagem com efeito do pH na partição transmembrana de forma a alterar a excreção de um
fármaco. Desse modo, a urina alcalina facilita a excreção de ácidos fracos, enquanto a urina ácida
favorece a excreção das bases fracas devido ao fenômeno de retenção iônica. Observem que
para facilitar a excreção, fármacos ácidos fracos são retidos em meio alcalino e fármacos bases
fracas retidos em meio ácido, o oposto ao que ocorre para aumentar absorção. Por exemplo, o
aumento do pH urinário após administração de bicarbonato de sódio em dextrana a 5%, simula
excreção urinária de ácidos fracos como ácido acetilsalicílico com pKa de 3,5. Outra consequência
útil do fato de um fármaco estar ionizado em pH fisiológico é ilustrado pela escassez relativa de
efeitos sedativos dos antagonistas dos receptores H1 da histamina de segunda geração, como por
exemplo a Loratadina. Os anti-histamínicos de segunda geração são moléculas ionizadas, menos
lipossolúveis e mais hidrofílicas que não atravessam a barreira hematoencefálica facilmente. Esse
conhecimento tem consequências práticas no tratamento de uma intoxicação causada por
superdosagem fazendo com que haja aceleração na taxa de eliminação. A associação de
fármacos pode alterar o pH e consequentemente a eliminação, exemplo é da Ranitidina, um
antiácido que aumenta o pH gastrointestinal e favorece a eliminação de fármacos ácidos fracos.
Vamos falar agora da difusão mediada por transportadores. Os transportadores intestinais
representam um importante mecanismo de absorção. É importante ressaltar que esses mesmos
transportadores, além de outros, estão localizados em diferentes barreiras, plasma, tecido no
organismo influenciando diretamente, além da absorção, a distribuição tecidual, a metabolização e
eliminação de fármacos, como podemos observar na figura superior. Os transportadores,
representados por T, de membrana desempenham várias funções nas vias farmacocinéticas,
estabelecendo assim os seus níveis sistêmicos. Os níveis dos fármacos frequentemente
determinam os efeitos farmacológicos terapêuticos e adversos. Esses transportadores estão
ilustrados na figura inferior para o transporte através do intestino delgado (absorção), nos rins
fígado envolvido com metabolização e eliminação, e células endoteliais capilares cerebrais que
formam a barreira hematoencefálica. Quando consideram o transporte dos fármacos, os
farmacologistas geralmente enfatizam os transportadores que fazem parte de duas super famílias
principais: transportadores ABC e transportadores LSC. As proteínas ABC, em sua maioria,
pertencem à família de transportadores ativos primários que dependem da hidrólise do ATP para
bombear ativamente os seus substratos através das membranas. Entre os transportadores da
superfamília ABC, mais bem conhecidos, estão as glicoproteínas P também denominado MDR1,
mas também a bomba de sódio-potássio-ATPase, que é alvo farmacológico de fármacos
digitálicos com Digoxina utilizada na insuficiência cardíaca. A superfamília LSC inclui os genes que
codificam portadores facilitadores, onde não há necessidade de energia e também transportadores
ativos secundários que são acoplados a íons. Como transporte ativo secundário, o transporte de
um soluto através de uma membrana biológica contra o seu gradiente de concentração é
energeticamente impulsionado pelo transporte de outro soluto, que segue seu gradiente de
concentração. Dependendo da direção de transporte do soluto, os transportadores ativos
secundários são classificados em simportes ou antiportes. Entre os transportadores da
superfamília SLC mas amplamente conhecidos estão transportadores de captação de serotonina
(SERT), o transportador de captação de dopamina (DAT), o transportador de captação de
noradrenalina (NET). Muitos desses transportadores são alvos farmacológicos como SERT,
transportador de captação de serotonina, alvo dos antidepressivos inibidores seletivos da
recaptação de serotonina. Os transportadores ABC realizam apenas o efluxo unidirecional
expulsando as moléculas de fármaco, enquanto os transportadores SLC realizam a captação ou a
expulsão dos fármacos. O processo ativo requer energia metabólica, transporta moléculas contra o
gradiente de concentração e é um processo saturável porque depende de moléculas
transportadoras, é seletivo para estrutura química de um fármaco e pode ser inibido com o uso de
antagonista competitivo. As moléculas transportadoras que participam do transporte ativo dos
fármacos pertencem a superfamília ABC, que são os transportadores ativos primários que
requerem energia da hidrólise do ATP e a super família SLC, os transportadores ativos
secundários, que utilizam a energia armazenada em um gradiente de íons e realizam simporte e
antiporte, como mostrado na figura. Entre os transportadores, destaca-se a Glicoproteína P ou
Proteína de Resistência a Múltiplos Fármacos tipo 1 (MDR1). Transportador de refluxo altamente
expresso na membrana apical dos enterócitos ao longo do trato gastrointestinal na membrana dos
canalículos biliares, dos hepatócitos, nas células tubulares renais e outras importantes barreiras
plasma, tecidos, como cérebro, testículos e placenta. A glicoproteína P desempenha um papel
fisiológico importante na proteção de tecidos contra substâncias tóxicas e metabólitos endógenos
e como moduladora do processo de absorção, distribuição, metabolização e excreção de fármacos
que são seus substratos. A maioria dos transportadores ABC transporta compostos do citoplasma
para o exterior da célula, ou seja, realizam efluxo ou para dentro de algum compartimento
intracelular, retículo endoplasmático, mitocôndrias e peroxissomos. Mutações de genes que
codificam esses transportadores, causam ou contribuem para doenças genéticas humanas além
de conferir resistência a vários fármacos. Como a glicoproteína P é expressa em muitos tecidos e
tem um grande número de substratos, esse transportador é comumente associado a interação
fármaco-fármaco e fármaco-alimento. Diversos fármacos podem inibir a glicoproteína P e, como
exemplos, podemos citar o Verapamil, um antagonista de canal de cálcio, Espironolactona,
antagonista de aldosterona, Ritonavir, um antirretroviral utilizado no tratamento do HIV ou ainda
podem induzir a expressão da glicoproteína P, como por exemplo, a Rifampicina, um antibiótico
utilizado no tratamento da tuberculose. Essa figura, de forma simples, está demonstrando a
glicoproteína e realizando transporte de fármacos do citoplasma para o exterior da célula, ou seja,
realizado efluxo. A glicoproteína P reconhece e transporta para fora da célula vários fármacos
como antineoplásicos (tamoxifeno), imunossupressores, como a Ciclosporina A, hormônios
esteroidais, como cortisol, os bloqueadores de canais de cálcio, como Verapamil, os
betabloqueadores, como Propanolol e vários outros fármacos.
A difusão facilitada é outro tipo de processo especializado envolvendo os transportadores,
mas a favor de um gradiente de concentração, sem requerer energia. É um processo saturável
porque depende de transportadores e seletiva para estrutura química de um fármaco. Pode
transportar fármacos para dentro da célula ou para o exterior das células. As moléculas
transportadoras, que participam da difusão facilitada dos fármacos, pertencem a super família
SLC, os transportadores facilitadores. Nessa figura temos um resumo dos principais mecanismos
de transporte pela membrana celular. À esquerda temos o transporte passivo que ocorre a favor
de um gradiente de concentração. Temos aqui representado a difusão passiva lipídica através da
membrana celular e a difusão facilitada que utiliza o transportador da superfamília SLC, não
requerendo energia. À direita, temos o transporte ativo que ocorre contra um gradiente de
concentração e requer energia. Observem o sentido das setas. Nesse grupo tem os
representantes da superfamília ABC, que realizam transporte ativo primário dependente da
hidrólise de ATP, e os representantes da superfamília SLC, que realizam transporte ativo
secundário simporte e antiporte. Voltando àquele esquema geral do percurso do fármaco no
organismo, agora que já sabemos quais são os mecanismos pelos quais os fármacos atravessam
as membranas celulares, mecanismos estes utilizado em todos os processos da farmacocinética,
vamos detalhar um pouco mais cada um dos processos envolvidos na absorção, distribuição,
metabolização e excreção. Vamos inicialmente falar da absorção. Como já mencionado
anteriormente, absorção pode ou não ocorrer a depender da via de administração. Quando ocorre
absorção, as membranas celulares são as barreiras limitantes de ação do fármaco. Aqui temos
relacionadas várias vias de administração:
a) vias enterais: que são as vias que realizam algum contato com trato gastrointestinal como
a oral, sublingual, retal.
b) vias tópicas: com respiratória (nasal, inalação), cutânea (pele), geniturinária (vagina,
uretra), ocular (olho), otológica.
c) vias parenterais: como intravenosa, intramuscular, subcutânea, intraperitoneal,
intradérmica, intra-arterial, intratecal.
Na maioria das vias de administração ocorre o processo de absorção, entretanto nas vias onde
o fármaco é administrado em líquidos corporais sangue ou líquido cefalorraquidiano, não ocorre o
processo de abstração como na intravenosa, intra-arterial e intratecal. O fármaco administrado por
essas vias sem o processo de absorção apresenta biodisponibilidade de 100%. Nem sempre o
local de administração do fármaco é o local onde ocorre o processo de absorção, como por
exemplo na administração oral, a absorção ocorre prioritariamente na mucosa intestinal.
Embora não sejam vias de administração, mas a presença de cáries, lesões cutâneas podem
aumentar o processo absortivo de fármacos a depender da via de administração . Portanto, a
absorção envolve a passagem das moléculas do fármaco através de barreiras existentes entre os
sítios de administração e o compartimento vascular, circulação local, como por exemplo as veias
mesentéricas para absorção intestinal e não ocorrendo por vias de administração onde o fármaco
é administrado diretamente nos líquidos corporais sangue ou líquido cefalorraquidiano.
Vimos que para a maioria dos fármacos, os que realizam difusão passiva, a permeabilidade é
fator importante determinada pela difusibilidade, lipossolubilidade, grau de ionização, mas outros
fatores acabam possuindo uma relevância maior com espessura da membrana, área e fluxo
sanguíneo na superfície absortiva, concentração do fármaco no local de absorção, diferenças
entre os gradientes de concentração, além do estado físico e solubilidade do fármaco no local de
absorção, esvaziamento gástrico e presença de alimentos. Neste gráfico, temos o resultado de um
experimento demonstrando que a absorção ocorre principalmente no intestino delgado. No eixo X
temos o tempo e no eixo Y a porcentagem de fármaco que resta para ser absorvida. O ácido
salicílico é um ácido fraco com pKa de 3. Observem que após administração do fármaco por via
oral ele foi mais rapidamente absorvido no intestino, em roxo, e não estômago com pH ácido em
azul, isso porque, como comentado, a área de absorção do intestino é maior devido as
vilosidades, menor espessura da membrana e, também, o maior fluxo sanguíneo. Além disso, no
estômago, há uma camada de muco que cobre o epitélio gástrico e, no intestino, temos a
presença de moléculas transportadoras. Sendo assim, o grau de ionização tem importância menor
na absorção, mas de grande valia na intoxicação. Aqui um outro experimento mostrando a
absorção de Ranitidina, um antiácido. No eixo X temos o tempo e no eixo Y a concentração
plasmática de Ranitidina. As bolinhas azuis indicam que a Ranitidina foi administrada no
estômago, portanto a curva de concentração representa a somatória da absorção ocorrida no
estômago, intestino delgado e intestino grosso. O triângulo indica que a Ranitidina foi administrada
diretamente no intestino delgado, portanto a curvas de concentração plasmática do fármaco
representa a somatória da absorção que ocorreu no intestino delgado e intestino grosso. E o
quadrado representa administração diretamente no intestino grosso portanto representa a curva de
concentração relacionada à absorção ocorrida apenas neste local, intestino grosso. Como
podemos notar a maior absorção ocorreu no intestino delgado.
O esvaziamento gástrico é um processo fisiológico que regula o deslocamento do fármaco do
estômago em direção ao duodeno também é importante para absorção de fármacos. Como o
duodeno é o principal local de absorção de fármacos, para fármacos absorvidos por difusão,
quanto mais rápido for o trânsito do estômago para o duodeno, ou seja, quanto menor tempo de
esvaziamento gástrico mais rápida será a absorção. Observe no gráfico a curva de tempo vezes a
concentração plasmática do Acetaminofeno ou Paracetamol em condições normais na linha roxa.
Quando Metoclopramida, um fármaco que acelera o esvaziamento gástrico, é administrada na
dose de 10 mg, intravenosamente, em associação com paracetamol, observem que houve uma
aceleração no processo de absorção com Cmáx superior e quando Propantelina, fármaco que
retarda o esvaziamento gástrico, foi administrada na dose de 30 mg/kg intravenosamente em
associação com paracetamol, houve um retardo no processo de absorção, demonstrando que o
tempo de esvaziamento gástrico pode interferir na velocidade de absorção. Qualquer retardo no
transporte do fármaco do estômago para o intestino, reduz a sua velocidade de absorção.
Entretanto, se um fármaco se desloca muito rapidamente ao longo do trato gastrintestinal, como
pode ocorrer em uma diarreia intensa, ele não é bem absorvido. Estrogênio retarda o
esvaziamento gástrico, por isso mulheres na pré-menopausa e durante a reposição hormonal
estrogênica apresentam os vazamentos gástrico mais lento. Aproveito para chamar atenção que
dose é diferente de concentração. Dose é a quantidade da substância administrada a um
organismo vivo, por exemplo em mg, e concentração é um indicativo de composição de uma
mistura, geralmente expressa como sendo a razão entre a quantidade de uma substância, o
fármaco, e o volume da solução então, por exemplo, mg/L.
A forma farmacêutica também influencia o processo de absorção. Para que o medicamento
administrado por via oral seja absorvido, é necessário que seja liberado e dissolvido da forma
farmacêutica. Variações na atividade biológica de um fármaco podem ser ocasionadas por
diferenças na velocidade na qual ele se torna disponível no organismo. Muitas vezes, a velocidade
de dissolução nos fluidos biológicos é a etapa limitante para absorção e, consequentemente, pode
afetar o início, a intensidade e a duração de resposta do fármaco. Após administrado por via oral,
uma forma farmacêutica sólida sofre o processo de desintegração, onde o fármaco é liberado de
sua forma farmacêutica e passa a se apresentar em partículas menores, seguido por uma etapa
de desagregação, onde ocorre a redução das partículas e, por fim, a dissolução que é a
solubilização do fármaco no meio. Na produção de medicamentos, os fármacos são adicionados
de excipientes a fim de se obter a forma farmacêutica para administração. Embora geralmente
inertes, os excipientes são capazes de influenciar muitas vezes a velocidades e/ou extensão de
absorção de um fármaco. Temos nessa figura alguns exemplos de formas farmacêuticas,
velocidade de absorção e concentrações plasmáticas do fármaco após administração oral. As
formas farmacêuticas aqui exemplificadas são cápsulas, comprimido revestido, cápsula com
pellets revestidos e comprimido tipo matriz. As cápsulas geralmente são feitas de gelatina que
contém o fármaco em seu interior. Geralmente a liberação do fármaco ocorre rapidamente, ou
seja, de liberação imediata disponibilizando um fármaco mais rapidamente para sua absorção.
Como podemos observar, após administração oral, o fármaco na forma de cápsulas começa a ser
absorvido rapidamente. Os comprimidos são produzidos por compressão mecânica de substância
ativa, portanto sua dissolução é mais lenta e, os comprimidos revestidos, contém uma camada
adicional de revestimento, como cera, os tornando de liberação retardada. Para que este
revestimento se dissolva precisa entrar em contato com o meio menos ácido do intestino delgado
ou com as enzimas digestivas ali presentes, isso pode retardar seu processo de absorção e os
níveis plasmáticos do fármaco só são observados após um tempo, como podemos observar na
figura. A cápsula com pellets revestidos de fármaco e o comprimido tipo matriz são exemplos de
formas farmacêuticas de liberação prolongada que liberam o fármaco paulatinamente ao longo do
dia sendo, portanto, um processo de absorção continua durante o dia proporcionando um efeito
mais duradouro. Na cápsula com pellets de fármacos revestidos os pellets são revestidos com
filme seroso, de espessura graduada, liberando o fármaco como mini bombas e, no comprimido,
tipo matriz, o fármaco é incorporado em uma malha inerte da qual é liberado por difusão ao ser um
e umedecido nos fluidos gastrintestinais. Neste gráfico, podemos observar os níveis plasmáticos
do analgésico Tramadol após administração oral em voluntários sadios. Notem que a forma
farmacêutica de liberação imediata, em azul, alcançou níveis plasmáticos rapidamente com maior
pico de concentração, maior Cmáx. A forma farmacêutica de liberação prolongada, em amarelo,
mantém níveis plasmáticos adequados ao longo do dia requer administração menos frequente se
comparada à imediata aumentando, consequentemente, a adesão do paciente ao tratamento,
também reduz as oscilações na concentração sanguínea do fármaco evitando níveis
subterapêuticos ou tóxicos. Notem que a dose administrada para manter os níveis plasmáticos
adequados ao longo do dia é maior que a liberação imediata. Normalmente os efeitos dos
fármacos estão diretamente relacionados com as concentrações plasmáticas, portanto, quando se
deseja uma resposta imediata, usa-se uma forma farmacêutica de liberação imediata, mas no
tratamento de manutenção pode-se usar uma forma farmacêutica de liberação prolongada.
Na absorção oral, destaca-se o metabolismo pré-sistêmico, também denominada de efeito de
primeira passagem, como um processo importante na modulação da disponibilidade biológica do
fármaco. Para acessar a circulação sistêmica é necessário que o fármaco administrado por via oral
vença o pH estomacal, as bactérias presentes na flora intestinal e enzimas que podem inativa-lo
na parede intestinal. As moléculas de fármacos que são absorvidas no duodeno são então
transportadas pelos vasos mesentéricos em direção a veia porta hepática e acessam o fígado
antes de chegar a circulação sistêmica o que pode reduzir de forma importante a quantidade de
fármaco que chega, ou seja, a fração biodisponível do fármaco, já que essa primeira passagem
pelo fígado pode ocasionar metabolização do fármaco. Apesar de ter sido absorvido, o fármaco
não se torna disponível para exercer efeito farmacológico pois as concentrações plasmáticas no
fármaco intacto na circulação sistêmica e nos tecidos são baixas. Também não podemos deixar de
mencionar, que mesmo após absorção por ação de transportadores de efluxo nos enterócitos, a
disponibilidade do fármaco é diminuída. Para compensar a perda de parte da dose administrada,
fármacos que sofrem efeito de primeira passagem, importante, são administrados em doses
maiores pela via oral para assegurar a obtenção de concentrações suficientes para o efeito
farmacológico pretendido, mas vale ressaltar, que para os pró-fármacos, essa passagem pelo
fígado é importante visto que são fármacos inativos que necessitam na metabolização para gerar o
metabólito com atividade farmacológica. Quando o fármaco é administrado pela via intravenosa,
como aqui demostrado, não ocorre esse efeito pré-sistêmico, sendo sua biodisponibilidade de
100%.
Como podemos notar nessa figura, a quantidade de fármaco que chega a circulação sistêmica
é inferior a dose administrada devido ao efeito de primeira passagem diminuindo a disponibilidade
do fármaco, mas o que é disponibilidade? A biodisponibilidade mede a velocidade e extensão com
as quais um fármaco atinge a circulação sistêmica. Em farmacocinética, o que se leva em
consideração é apenas a extensão, ou seja, a quantidade do fármaco que chega à circulação
sistêmica sendo avaliado, portanto o fator de biodisponibilidade cujo o símbolo é “F”. Quando se
compara a biodisponibilidade por via oral com a via intravenosa temos um fator de
biodisponibilidade entre 0 e 1 ou 0 e 100% já que na via intravenosa a biodisponibilidade é 1, ou
seja, de 100%. Na clínica, vários são os exemplos de fármacos com baixo fator de
biodisponibilidade, exemplo o Alisquireno, inibidor da renina, com fator de biodisponibilidade de
0,026 ou seja 2,6% apenas do fármaco está biodisponível na circulação sistêmica, entretanto, este
fármaco é eficaz quando administrado por via oral apesar da baixa biodisponibilidade. O efeito de
primeira passagem pode ser evitado em grande extensão pelo uso de comprimidos sublinguais e,
em menor extensão, pelo uso de fármacos por via retal. A absorção pela mucosa oral após a
administração sublingual tem importância especial para alguns fármacos apesar do fato da
superfície disponível para absorção ser pequena a drenagem venosa da boca é realizada pela
veia cava superior que, desse modo, escapa da circulação porta. Por essa razão, um fármaco
administrado por via sublingual é absorvido nesse local e protegido do metabolismo rápido no
intestino e na primeira passagem pelo fígado. Cerca de 50% do fármaco que é absorvido pelo reto
também não passa pelo fígado e assim o metabolismo de primeira passagem é menor. Entretanto,
a absorção retal pode ser irregular e incompleta e alguns fármacos podem causar irritação na
mucosa retal.
Outro aspecto importante que pode afetar a disponibilidade de fármacos é a presença de
alimentos, uma vez que eles podem alterar o pH intestinal e a solubilidade do fármaco. Enquanto a
absorção de alguns fármacos é reduzida com os alimentos e outros fármacos são mais bem
absorvidos quando administrado com dietas ricas em gordura em virtude do aumento da
solubilidade. Assim, é importante conhecer o efeito dos alimentos na absorção desses fármacos
para garantir sua adequada utilização clínica. Neste gráfico, observamos a curva de concentração
plasmática em função do tempo de dois medicamentos de liberação prolongada de Nifedipina, que
são antagonistas dos canais de cálcio, em jejum e após a refeição. Observem que as
concentrações plasmáticas após a administração do medicamento Adalat em jejum e após
refeição, linhas azul escuro e verde, não apresentaram diferenças significativas, portanto não
sofrendo interferência dos alimentos na sua absorção, mas a concentração plasmática do
medicamento Coral aumentou significativamente após refeição quando comparado ao jejum.
Temos aqui um outro exemplo, a Gliclazida, um fármaco utilizado no tratamento da diabetes não
apresentou variações na concentração plasmática, o que denota que não houve alteração na sua
absorção quando administrada em jejum ou com alimentos. Outro exemplo, podemos observar
neste gráfico, a presença de alimento gorduroso aumentou o processo de absorção do antifúngico
pois Posaconazol em suspensão e sua biodisponibilidade sistêmica, quando comparada
administração com alimento pouco gorduroso ou em jejum. Temos ainda uma outra comparação
nesse gráfico demonstrando a interferência da forma farmacêutica. Notem que a absorção foi
maior após administração do medicamento com alimento gorduroso na forma farmacêutica de
suspensão, quando comparado a forma farmacêutica em cápsula.
Alguns parâmetros farmacocinéticos estão demonstrados no gráfico inferior à direita. Após
administração oral, os fármacos começam a ser absorvidos até atingir uma concentração máxima
denominada de Cmáx e, posteriormente, começa a decair esses níveis plasmáticos devido a uma
maior metabolização que absorção. O tempo que leva para atingir C máx ser denominado de Tmáx e
a área sob a curva ASC representa a extensão da absorção. Com base nesse conhecimento,
podemos agora analisar os demais gráficos. Paracetamol foi administrado em jejum, com café da
manhã Continental, que é um café leve com pão, manteiga e leite, e com café da manhã em
inglês, que é um café gorduroso com bacon e ovos. Observem que o paracetamol apresenta um
Cmáx maior e um Tmáx menor em jejum, ou seja, sua absorção foi mais rápida com nível plasmático
máximo superior em comparação a administração com café continental, bem como superior em
comparação à administração do fármaco com café inglês. Entretanto, observamos que a área sob
a curva não foi alterada com nenhuma forma de administração do fármaco, demonstrando que a
extensão de absorção foi a mesma. Nessa figura, temos a demonstração da concentração
plasmática da Teofilina, para utilizado no tratamento da asma, administrado com volume pequeno
de água, com alimentos e com grande volume de água. O alimento não interferiu na absorção do
fármaco quando comparado ao pequeno volume de água, mas grande volume de água aumentou
a taxa de absorção. Aqui temos a demonstração que a dissolução do antifúngico Itraconazol foi
aumentada quando o fármaco foi administrado com coca-cola em comparação a água. Esses
dados são apenas experimentais e não indicação, OK? Até porque o aumento da concentração
plasmática nem sempre é desejado, pois as concentrações plasmáticas precisam estar dentro da
janela terapêutica, que é a faixa de concentrações plasmáticas ideais para se ter o efeito
terapêutico desejado. Concentrações inferiores a janela terapêutica não costumam produzir efeito
farmacológico e acima produzem efeitos tóxicos. E, por fim, temos mais um exemplo da influência
de alimentos na absorção da Tetraciclina, um antibiótico. Observem que a administração do
fármaco com antiácido ou com leite reduziu significativamente a absorção desse antibiótico,
resultado de fenômenos de complexação com cátions divalentes, como o cálcio presente no leite.
Portanto, podemos dizer que não existe regra no processo de absorção do fármaco quando este é
administrado em jejum ou com alimentos. Cada fármaco tem um perfil farmacocinético diferente
necessitando de estudos que demonstrem a melhor forma de administração para obter melhor
absorção. Assim, é importante conhecer o efeito dos alimentos na absorção desses fármacos para
garantir a sua adequada utilização clínica.
Dois pontos, que quero chamar a atenção. O primeiro é que a circulação local influencia a taxa
de absorção. Fármacos solúveis em lipídios ou que facilmente penetram os poros aquosos da
membrana, são altamente dependentes do fluxo sanguíneo pois ele contribui para o gradiente de
concentração entre o lúmen intestinal e a circulação sistêmica. Dessa maneira, doenças como
insuficiência cardíaca congestiva, hemorragias por trauma ou cirurgia ou choque, podem reduzir a
disponibilidade biológica de fármacos fluxo dependentes. E o segundo ponto a se considerar, é
que nem sempre se desejam processo de absorção. Algumas vezes, o fármaco é administrado por
via oral, mas espera-se que não haja absorção para que possa atuar no trato gastrointestinal, por
exemplo temos a Mesalazina, utilizada no tratamento de doenças inflamatórias intestinais, como a
doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa Inespecífica, e aminoglicosídeos usados no tratamento
de microrganismos do sistema gastrointestinal. Após a chegada do fármaco à circulação sistêmica,
ele precisará sair deste local e ser distribuído para os diferentes tecidos do organismo para chegar
aos sítios alvos e efetivamente exercer seu efeito terapêutico. Distribuição é, portanto, o processo
de transferência reversível do fármaco da circulação sistêmica em direção aos tecidos. Após a
chegada a circulação sistêmica, de acordo com afinidade das proteínas plasmáticas, o fármaco
estabelecerá equilíbrio dinâmico entre a fração livre e a fração ligada neste compartimento.
Apenas a fração livre será capaz de ultrapassar as membranas vasculares e de chegar aos
tecidos. Na fração plasmáticas do sangue, a albumina é a proteína presente em maior
concentração. A albumina tem afinidade por fármacos de caráter ácido com os anti-inflamatórios
não esteroidais, os AINEs. Contudo, o grau de ligação às albuminas pode ser afetado por fatores
relacionados com a doença como por exemplo, a hipoalbuminemia. Também é possível a
ocorrência de ligações inespecíficas da Albumina à fármacos de caráter básicos, os quais, em
geral, têm maior afinidade pela glicoproteína Alfa 1 ácida. As outras proteínas plasmáticas com as
quais os fármacos podem se ligar, são as Beta globulinas com afinidade por esteroides
androgênicos e estrogênicos, as lipoproteínas com afinidade por fármacos lipossolúveis e a
Transcortina com afinidade pelo cortisol, por exemplo. A maioria dos fármacos mantém uma
amplitude de ligação e fração livre relativamente constantes.
A ligação às proteínas plasmáticas influencia não só os processos de distribuição e
eliminação, mas também a resposta farmacológica. Fármacos com elevada ligação às proteínas
como Furosemida e Propranolol, em geral, apresentam distribuição tecidual lenta, ao contrário,
fármacos que apresentam elevada fração livre no plasma podem ser distribuir rapidamente pelos
tecidos, como heparina que não se liga as proteínas plasmáticas. Pode ocorrer competição entre
os fármacos pela mesma proteína plasmática, com deslocamento do fármaco de menor afinidade
e, consequentemente, aumento da fração livre do fármaco deslocado e aumento na resposta
farmacológica podendo, teoricamente, levar à toxicidade. Entretanto, poucos fármacos
terapêuticos afetam a ligação de outros fármacos, pois em concentrações plasmáticas
terapêuticas ocupam apenas uma diminuta fração dos pontos de ligação disponíveis, as
sulfonamidas são uma exceção. Já se deu muita importância a esse tipo de interação como fonte
de efeitos adversos de fármacos em clínica médica, mas esse tipo de competição é menos
importante do que se pensava. As proteínas plasmáticas são aceptoras de fármacos. A ligação de
um fármaco uma molécula não reguladora, como Albumina plasmática, não resulta em alguma
mudança detectável na função do sistema biológico, razão pela qual essa molécula endógena é
chamada de sítio de ligação inerte ou aceptor. Para funcionar com um receptor, uma molécula
endógena deve, em primeiro lugar, ser seletivo na escolha dos ligantes, ou seja, nas moléculas de
fármacos aos quais pretende se associar e, em segundo lugar, deve mudar sua função ao se ligar,
de maneira que a função do sistema biológico seja alterada, ou seja, causar efeito farmacológico.
Entretanto, essa ligação não é completamente sem significado as proteínas plasmáticas, ou seja,
aos aceptores, porque ela afeta a distribuição do fármaco dentro do corpo e determina a
quantidade de fármaco livre na circulação tendo importância farmacocinética.
Uma vez na circulação sistêmica, o fármaco na forma livre é distribuído aos líquidos intersticial
e intracelular. Um homem de 70 kg tem 60% de seu peso corporal total ou 42 kg sobre a forma de
água. Cada quilograma de água tem volume de 1L, então seu total de água corporal é de 42 L
distribuídos no plasma sanguíneo, líquido intersticial e líquido intracelular. Quando chegamos os
volumes relativos os compartimentos do corpo, o compartimento intracelular contém 2/3,
aproximadamente 67%, da água corporal. O terço restante, 33%, é dividido entre o líquido
intersticial que contém cerca de 75% da água extracelular e o plasma, que contém cerca de 25%
da água extracelular. A linfa e o líquido transcelular contém quantidades menores de água
corporal. É através desse líquido corporal que os fármacos se distribuem. Chamo atenção para o
fato desse ser o volume de distribuição real de um indivíduo, isso porque em aula futura falaremos
do volume de distribuição aparente, que é um parâmetro farmacocinético. Vários são os fatores
que afetam as taxas de liberação e a quantidade do fármaco distribuído aos tecidos coeficiente de
partição óleo/água para poderem ultrapassar as membranas celulares, o débito cardíaco, o fluxo
sanguíneo regional, permeabilidade capilar, volume do tecido, conteúdo de lipídios no tecido e a
ligação às proteínas plasmáticas. Na distribuição, inicialmente o fígado, os rins, o encéfalo e outros
órgãos bem perfundidos recebem a maior parte do fármaco. A liberação aos músculos, à maioria
dos órgãos internos, à pele e à gordura é mais lenta. Essa segunda fase de distribuição pode
demorar de minutos a horas, antes que a concentração do fármaco nos tecidos esteja em
equilíbrio com seu nível sanguíneo. A segunda fase também envolve uma fração muito maior de
massa corporal, por exemplo músculo que é a fase inicial e, em geral, representa a maior parte da
distribuição extravascular. É importante ressaltar que transportadores estão localizados em
diferentes barreiras, plasma, tecidos no organismo influenciando diretamente na distribuição
tecidual e eliminação de fármacos. Em geral, a sensação do efeito farmacológico depois da
interrupção do uso de um fármaco é atribuída ao metabolismo e excreção, mas também pode ser
causada pela redistribuição do fármaco do seu local de ação para outros tecidos ou locais. A
redistribuição é um fator importante para a interrupção do efeito farmacológico, principalmente
quando um composto altamente lipossolúvel que atua no encéfalo, o sistema cardiovascular, é
administrado rapidamente por injeção intravenosa ou inalação. Esse é o caso do anestésico
intravenoso Tiopental, que é um fármaco lipossolúvel. Como o fluxo sanguíneo para o encéfalo é
grande e o Tiopental bastante lipossolúvel, ele atravessa facilmente a barreira hematoencefálica e
esse fármaco alcança a sua concentração encefálica máxima pouco depois de sua injeção
intravenosa. Em seguida as concentrações plasmáticas e encefálicas diminui à medida que o
Tiopental é redistribuído aos tecidos, como músculo e tecido adiposo, como demonstrado na
figura. Essa redistribuição é o mecanismo pelo qual a anestesia com o Tiopental é interrompida
porque sua eliminação é muito mais lenta. A concentração do fármaco no encéfalo mantém-se
proporcional ao nível plasmático porque há pouca ligação dos Tiopental aos componentes
encefálico. Desse modo, tanto o início quanto a sensação do efeito anestésico do Tiopental são
relativamente rápidos e estão diretamente relacionadas com a concentração do fármaco no
encéfalo, mas sua eliminação é lenta porque ocorre redistribuição e acumulo em outros locais. A
taxa de acumulação nos diversos compartimentos do corpo depende do fluxo sanguíneo regional.
O grau de acumulação reflete as diferentes capacidades dos compartimentos e a lenta eliminação
em decorrência da baixa perfusão. Portanto, a finalização do efeito farmacológico dessa dose
única de tiopental depende de sua redistribuição e não se seu metabolismo. Portanto, alguns
fármacos acumulam-se nos tecidos em concentrações mais altas que as detectadas nos líquidos
extracelulares e o sangue. Em geral, a ligação tecidual do fármaco ocorre com os componentes
celulares e geralmente é reversível. Uma fração expressiva do fármaco no corpo pode estar
ligada, dessa forma, a tecidos que funcionam como reservatório prolongando a ação do fármaco
devido a liberação lenta. Essa ligação e acumulação nos tecidos também podem causar efeitos
tóxicos locais, por exemplo efeitos tóxicos renais e/ou toxicidade associadas aos antibióticos
aminoglicosídeos. Temos aqui vários exemplos de fármacos que podem se depositar em tecidos.
Muitos fármacos lipossolúveis são armazenados por solubilização física na gordura neutra. Nos
indivíduos obesos, o teor de gordura do corpo pode chegar a 50% e mesmo nas pessoas magras
a gordura constitui 10% do peso corporal, por essa razão o tecido adiposo pode funcionar como
reservatório dos fármacos lipossolúveis. O tecido adiposo é um reservatório muito estável porque
sua irrigação sanguínea é relativamente lenta. O depósito de fármaco na gordura corporal após
administração aguda é importante somente para alguns poucos fármacos altamente lipossolúveis
como anestésicos gerais, contudo quando fármacos lipossolúveis são administrados
cronicamente, o acúmulo no tecido adiposo é geralmente significativo como os Benzodiazepínicos,
que são fármacos ansiolíticos. Além disso, alguns fármacos e contaminantes ambientais como os
inseticidas, se ingeridos regularmente acumulam-se de maneira lenta, mas progressiva no tecido
adiposo. A Digoxina, um digitálico usado na insuficiência cardíaca, pode se acumular no músculo
esquelético devido à capacidade de se ligar as proteínas do músculo. As tetraciclinas acumulam-
se lentamente em ossos e dentes, pois apresentam alta afinidade pelo cálcio não devendo, por
isso, ser administrado em crianças. Entretanto, a absorção do fármaco a superfície do cristal
ósseo e sua incorporação à estrutura cristalina podem ser vantagens terapêuticas nos pacientes
com osteoporose. O uso pode funcionar como reservatório para liberação lenta de compostos
tóxicos como chumbo ou rádio, desse modo os seus efeitos podem persistir por muito tempo após
o término da exposição. A cloroquina, medicamento antimalárico, tem alta afinidade pela melanina
sendo captada por tecidos, como a retina, fica em grânulos de melanina responsável por sua
toxicidade ocular. Concentrações muito altas de Amiodarona, um fármaco usado no tratamento de
arritmia cardíacas, acumulam-se no fígado e pulmões podendo causar efeitos adversos como
hepatite e fibrose intersticial respectivamente e, como mencionado anteriormente, embora com
importância menor nas doses terapêuticas, pode ocorrer ligação as proteínas plasmáticas que
servem também de depósito, exceção as sulfonamidas, que ocupam cerca de 50% dos pontos de
ligação em concentrações terapêuticas podendo causar efeitos adversos ao deslocar outros
fármacos.
Para que um medicamento administrado por via oral por exemplo, produza um efeito no
sistema nervoso central, deve permear a barreira hematoencefálica. As células endoteliais dos
capilares do encéfalo têm junções compactas contínuas, por essa razão a penetração dos
fármacos no encéfalo depende da permeabilidade do fármaco ou de transportadores. A barreira
hematoencefálica é constituída por células epiteliais reunidas por junções compactas e pelos pés
dos astrócitos, desse modo a solubilidade lipídica das formas não ionizada e livre de um fármaco é
um determinante importante de sua captação pelo encéfalo, quanto mais lipofílico é um fármaco
maiores as chances de que ele atravesse a barreira hematoencefálica. Além disso, encontramos
na barreira hematoencefálica moléculas transportadoras da Super famílias ABC e SLC, lembrando
que representantes da família ABC realiza um efluxo, ou seja, expulsam moléculas do fármaco
para o exterior das células. Em geral, a função da barreira hematoencefálica está bem preservada.
Uma forma possível para transpor a barreira hematoencefálica é utilização da via intratecal para
administração dos fármacos, onde este é diretamente liberado no líquido cefalorraquidiano.
Contudo, a inflamação da meninge do encéfalo rompe a integridade da barreira hematoencefálica
e aumenta a permeabilidade local permitindo, por exemplo a administração do antibiótico
Penicilina por via intravenosa ao invés da via intratecal no tratamento da meningite. Na figura
temos um gráfico mostrando as concentrações plasmáticas do antibiótico Tienamicina,
administrado intravenosamente em coelhos. No plasma, em verde, e no líquido cefalorraquidiano
normal, em vermelho, como demonstrado, um fármaco não consegue atravessar a barreira
hematoencefálica quando essa está íntegra, mas na meningite, concentrações do fármaco são
encontradas no líquido cefalorraquidiano, em roxo, demonstrando que durante a inflamação da
meninge ocorre um aumento da permeabilidade devido ao rompimento de integridade da barreira.
A barreira placentária, embora possa limitar a entrada de inúmeros fármacos, não constitui um
bloqueio como observado na barreira hematoencefálica. Na placenta, encontramos moléculas
transportadoras da superfamília ABC, como a glicoproteína P, que realiza efluxo, e também várias
enzimas da família do citocromo p450 envolvidas na metabolização dos fármacos. Entretanto,
mesmo assim muitos fármacos vencem essas barreiras e causam toxicidade fetal. Ficamos por
aqui continuamos farmacocinética na próxima aula e bons estudos.

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