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Farmacologia

Farmacocinética

Pode ser definida como a medida e interpretação formal de alterações temporais nas
concentrações de um fármaco em uma ou mais regiões do organismo em relação à dose
administrada. Em outras palavras, “o que o organismo faz com o fármaco” (≠ farmacodinâmica
– “o que o fármaco faz com o organismo”).

Os estudos farmacocinéticos só se tornaram possíveis com o desenvolvimento de


técnicas analíticas físico-químicas sensíveis, específicas e acuradas, especialmente a
cromatografia e espectrometria de massa, para a medida das concentrações do fármaco nos
fluidos biológicos, o que só ocorreu na segunda metade do século XX.

A farmacocinética tem como foco as concentrações do fármaco no plasma sanguíneo,


pois, assume-se que, as concentrações plasmáticas apresentem uma relação clara com as
concentrações do fármaco no líquido extracelular que envolve as células que expressam
receptores e outros alvos com os quais as moléculas do fármaco interagem. Isso baseia a
estratégia de concentração-alvo. As concentrações do fármaco em outros líquidos corporais
podem trazer informações adicionais e úteis em situações específicas.

A variação individual em resposta a uma dose de fármaco é frequentemente maior que


a variabilidade da concentração plasmática àquela dose. Assim, as concentrações plasmáticas
são úteis nos estágios iniciais do desenvolvimento de um fármaco e na prática clínica de rotina
para individualizar a dose (para maximizar o efeito terapêutico e minimizar os efeitos adversos
– monitoração terapêutica do fármaco).

A interpretação dos dados farmacocinéticos consiste em colocar graficamente os dados


de concentração x tempo em um modelo teórico e determinar os parâmetros que descrevem o
comportamento observado. Esses parâmetros podem, então, ser usados para ajudar o esquema
posológico para atingir uma concentração plasmática alvo estabelecida experimentalmente.

Algumas características farmacocinéticas descritivas podem ser observadas


diretamente ao se inspecionar a evolução temporal da concentração do fármaco no plasma após
a sua administração, como:

 Concentração plasmática máxima


 Volume de distribuição
 Taxa de depuração ou clearance

Aplicações da farmacocinética

 Desenvolvimento de fármacos, tanto para se entender os testes pré-clínicos de


toxicidade e toda a farmacologia animal, quanto para decidir sobre o esquema
posológico apropriado para ser empregado em ensaios clínicos para testar a sua eficácia
 Concessão de licenças para versões genéricas do fármaco após o término da proteção
da patente: as agências reguladoras do uso de fármacos precisam das informações
farmacocinéticas detalhadas para isso
 Prática clínica: entendimento das recomendações de dosagens
 Prática clínica: identificação e previsão das possíveis interações medicamentosas
 Prática clínica: monitoramento terapêutico do fármaco e ajuste posológico

Eliminação de fármacos expressa em termos de depuração


A depuração de um fármaco corresponde ao volume de plasma do qual todas as
moléculas do fármaco precisariam ser removidas por unidade de tempo para alcançar a taxa
global de eliminação do fármaco do organismo.

A depuração total de um fármaco (CLtot) é um parâmetro farmacocinético fundamental


que descreve a eliminação de um fármaco. Ela é definida como o volume de plasma que contém
a quantidade total do fármaco que foi removido do organismo por todas as vias em uma dada
unidade de tempo. A depuração total corresponde à soma das taxas de depuração por cada
mecanismo envolvido na eliminação do fármaco, usualmente depuração renal e metabólica
mais qualquer outra via de eliminação adicional (fezes, respiração, etc). Ela relaciona a taxa de
eliminação de um fármaco (em unidades de massa/unidade de tempo) com a concentração de
substância no plasma (Cp).

Taxa de eliminação do fármaco = Cp x CLtot

A depuração de um fármaco pode ser determinada para um único indivíduo pela medida
da concentração plasmática do fármaco (mg/L) em intervalos preestabelecidos durante uma
infusão intravenosa constante (X mg/h) até que um estado de equilíbrio seja alcançado.

No estado de equilíbrio, a taxa de entrada no organismo é igual à taxa de eliminação (Ceq


= concentração plasmática no estado de equilíbrio e CLtot está em unidades de volume/tempo):

X = Ceq x CLtot ou CLtot = X / Ceq

Para muitos fármacos, a depuração em um dado indivíduo é a mesma para doses


diferentes (pelo menos, para as doses usadas terapeuticamente). Logo, o conhecimento da
depuração permite calcular a velocidade de administração necessária para atingir a
concentração plasmática no estado de equilíbrio (“alvo”) desejada a partir da equação. Notar
que estimativas de CLtot (diferentemente das estimadas baseadas na constante de velocidade ou
na meia-vida) não dependem de nenhum modelo compartimental específico.

Etapas da farmacocinética

A disponibilização do fármaco é dividida em 4 estágios:

 Absorção
 Distribuição
 Metabolização
 Excreção

Translocação das moléculas do fármaco

As moléculas do fármaco movem-se pelo organismo de duas maneiras:

 Fluxo de massa: corrente sanguínea, fluido linfático ou LCR


 Difusão: molécula a molécula

A natureza química de um fármaco não importa para sua transferência por fluxo de
massa. O sistema cardiovascular proporciona um sistema rápido de distribuição a longa
distância. Por outro lado, as características de difusão diferem muito entre os fármacos, sendo
a lipossolubilidade uma característica favorável por conferir às moléculas habilidade de
atravessar as barreiras hidrofóbicas.

A difusão aquosa faz parte do mecanismo geral de transporte dos fármacos, pois é um
processo que aproxima ou afasta as moléculas dos fármacos de barreiras não aquosas. A
velocidade de difusão também depende do tamanho da molécula, pois o coeficiente de difusão
de moléculas pequenas é inversamente proporcional à raiz quadrada do peso molecular.

Considerando o organismo como uma série de compartimentos interligados, de


conteúdo homogeneizado, é o movimento entre os compartimentos, geralmente envolvendo a
passagem por barreiras não aquosas, que determina onde e por quanto tempo um fármaco
estará presente no organismo depois de administrado.

Movimento dos fármacos através das barreiras celulares

As membranas celulares formam barreiras entre os compartimentos aquosos do


organismo.

 Mucosa gastrointestinal, túbulo renal: camada de células estreitamente conectadas, de


modo que as moléculas devem atravessar pelo menos duas membranas celulares para
passar de um lado a outro
 Endotélio vascular: permeabilidade e disposição anatômica varia de um tecido para
outro. A matriz extracelular atua como um filtro, retendo moléculas maiores e
permitindo a passagem das menores
 SNC e placenta: células são unidas por junções oclusivas
 Fígado e baço: endotélio não contínuo (capilar sinusoide), permitindo a passagem livre
entre as células
 Glândulas endócrinas: endotélio fenestrado, para facilitação da transferência de
hormônios e outras moléculas

As moléculas pequenas atravessam as membranas celulares de 4 maneiras principais:

 Por difusão direta através dos lipídios: importante para a farmacocinética


 Por aquaporinas: gases
 Por difusão facilitada, com um transportador: importante para a farmacocinética
 Por pinocitose: invaginação de parte da membrana celular e a captação interna de uma
vesícula. Importante para o transporte de macromoléculas (insulina)

Difusão lipídica

As moléculas apolares (elétrons distribuídos uniformemente) dissolvem-se livremente


na camada lipídica da membrana, difundindo-se prontamente através das membranas celulares,
a favor do gradiente de concentração. As moléculas permeantes devem estar presentes em
número suficiente na membrana e serem móveis dentro dela para que ocorra uma passagem
rápida. Consequentemente, existe uma correlação entre a lipossolubilidade e a permeabilidade
da membrana à diversas substâncias. Por isso, a lipossolubilidade é um dos determinantes mais
importantes das características farmacocinéticas de um fármaco, permitindo prever diversas
propriedades:

 Taxa de absorção intestinal


 Penetração no cérebro e outros tecidos
 Eliminação renal

Um fator importante em relação à permeação diz respeito ao pH e ionização. Muitos


fármacos são ácidos ou bases, existindo, portanto, tanto na forma não ionizada quanto na forma
ionizada. A espécie ionizada apresenta uma solubilidade lipídica muito baixa, sendo incapaz de
se difundir através das membranas, exceto onde haja uma molécula transportadora. A espécie
não-ionizada, no entanto, apresenta uma solubilidade lipídica muito alta, difundindo-se
através das membranas com facilidade.
A ionização não afeta apenas a velocidade com a qual os fármacos atravessam as
membranas, mas também a distribuição de equilíbrio das moléculas dos fármacos entre
compartimentos aquosos, se houver uma diferença de pH entre eles.

Presume-se que a forma não ionizada possa atravessar a membrana e


consequentemente atingir concentrações iguais em cada compartimento e que a forma ionizada
não consegue atravessá-la. O resultado é que, no equilíbrio, a concentração total (ionizada +
não ionizada) do fármaco será diferente nos dois compartimentos, com um fármaco ácido sendo
concentrado no compartimento com pH alto (aprisionamento iônico) e vice-versa.

Transporte mediado por transportadores

Muitas membranas celulares possuem mecanismos especializados de transporte que


regulam a entrada e a saída de moléculas fisiologicamente importantes (açúcares, aminoácidos,
neurotransmissores e íons metálicos). São transportadores carregadores (mediadores de
movimentação passiva de solutos a favor do gradiente eletroquímico) e as bombas de ATP
(mediadores de movimentação ativa de solutos contra o gradiente eletroquímico).

Ligação de fármacos a proteínas plasmáticas

Em concentrações terapêuticas no plasma, muitos fármacos encontram-se


principalmente na forma ligada. A fração de fármaco livre em solução aquosa pode ser menor
do que 1%, estando o restante associado a proteínas plasmáticas. A porção livre do fármaco é
que constitui a forma farmacologicamente ativa.

A albumina, por exemplo, que liga muitos fármacos ácidos (varfarina, anti-inflamatórios
não esteroidais, sulfonamidas) e um pequeno número de fármacos básicos (clorpromazina) é a
proteína plasmática mais importante no que concerne à ligação de fármacos. Outras proteínas
incluem: β-globulina e quinina (proteína ácida elevada nas doenças inflamatórias).

A quantidade de ligação de um fármaco a proteínas depende de 3 fatores:

 Concentração do fármaco livre


 Afinidade do fármaco pelos sítios de ligação
 Concentração das proteínas

Inicialmente, a reação de ligação pode ser vista como uma associação simples das
moléculas do fármaco com uma população finita de sítios de ligação, de modo análogo à ligação
fármaco-receptor. Para a maioria dos fármacos, a concentração plasmática total necessária para
que haja um efeito clínico é muito pequena. Assim, com as doses terapêuticas usadas
normalmente, os sítios de ligação estão longe de estarem saturados e a concentração de
fármaco ligado é quase diretamente proporcional à concentração de fármaco livre.

Se dois fármacos, A e B, competirem por um sítio de ligação, a administração do fármaco


B pode reduzir a ligação proteica do fármaco A, aumentando a concentração plasmática da sua
forma livre. Para que isso ocorra, B precisa ocupar uma fração considerável de sítios de ligação.

Absorção de fármacos

A absorção é definida como a passagem de um fármaco de seu local de administração


para o plasma. Portanto, ela é importante para todas as vias de administração, exceto para a
intravenosa, onde ela está completa por definição. Existem casos (administração tópica de
pomada esteroide ou inalação de broncodilatador na forma de aerossol) em que a absorção não
é necessária para a atuação do fármaco, mas na maioria dos casos, o fármaco deve entrar no
plasma para chegar no seu local de ação.
As principais vias de administração são:

 Oral
 Sublingual
 Retal
 Tópica: aplicação em superfícies epiteliais (pele, córnea – colírios, vagina, mucosa nasal
– spray nasal)
 Inalação
 Injeção: subcutânea, intramuscular, intravenosa, intratecal, intravítrea

Administração oral

Os fármacos são administrados pela boca e deglutidos. Ocorre pouca absorção até que
o fármaco chegue ao intestino delgado. Como esperado, bases e ácidos fortes são pouco
absorvidos, porque estão totalmente ionizados.

Cerca de 75% de um fármaco administrado oralmente é absorvido em 1 a 3 horas, mas


numerosos fatores influenciam nessa absorção:

 Motilidade GI: estase gástrica (↓ absorção) – neuropatia diabética, ↑ motilidade GI (↓


absorção) – diarreia
 Fluxo sanguíneo esplâncnico: propranolol atinge uma concentração plasmática mais
alta se tomado após uma refeição porque o alimento aumenta o fluxo sanguíneo
esplâncnico
 Tamanho da partícula e formulação: os produtos farmacêuticos são formulados de
modo a produzir as características de absorção desejadas. As cápsulas podem ser
projetadas para permanecer intactas por algumas horas após a ingestão para retardar a
absorção com um revestimento resistente. Pode-se fazer uma mistura de partículas de
liberação lenta e rápida na mesma cápsula para promover uma absorção rápida, mas
sustentada. Os sistemas farmacêuticos mais elaborados incluem diversas preparações
de liberação modificada que permitem administração menos frequente e menos efeitos
colaterais (já que não haverá um alto pico de concentração plasmática)
 Fatores físico-químicos: inclui as interações medicamentosas. A tetraciclina, que liga-se
fortemente ao cálcio, não pode ser administrada junto à laticínios

Biodisponibilidade e bioequivalência

O termo biodisponibilidade é usado para indicar a fração de uma dose oral que chega à
circulação sistêmica na forma de fármaco intacto, levando em consideração tanto a absorção
como a degradação metabólica local. Essa fração é medida determinando-se a concentração
plasmática x curvas de evolução temporal em um grupo de indivíduos após administração oral
e intravenosa.

A biodisponibilidade só se relaciona com a proporção total de fármaco que chega à


circulação sistêmica, negligenciando a velocidade de absorção. Se um fármaco é absorvido
completamente em 30 minutos, ele atingirá uma concentração plasmática muito maior e terá
um efeito mais acentuado, do que se for absorvido mais lentamente. Os serviços de vigilância
requerem evidência de bioequivalência para licenciar “produtos genéricos”.

Administração sublingual

É útil quando o fármaco não tem um sabor ruim e quando se deseja um efeito rápido,
especialmente quando o fármaco é instável no pH gástrico ou rapidamente metabolizado pelo
fígado. Os fármacos absorvidos na boca passam diretamente para a circulação sistêmica sem
entrar no sistema porta, escapando, assim, do metabolismo de primeira passagem da parede
intestinal e hepática. Exemplos: trinitrato de glicerila.

Administração retal

É usada para fármacos que devem produzir um efeito local (anti-inflamatório para colite
ulcerativa) ou efeitos sistêmicos. A absorção por essa via não é confiável, mas pode ser útil em
pacientes em quadro emético ou incapazes de tomar medicamento pela via oral. Exemplo:
diazepam para crianças epilépticas.

Administração cutânea

É usada quando é necessário um efeito local na pele. Entretanto, pode haver uma
absorção apreciável, causando efeitos sistêmicos. Exemplo: esteroides tópicos, adesivos de
estrógeno e testosterona para reposição hormonal.

Administração por inalação

A via inalatória é usada para anestésicos voláteis e gasosos, servindo o pulmão tanto
como via de administração quanto de eliminação. A troca rápida resultante da grande área e do
fluxo sanguíneo permite a obtenção de ajustes rápidos na concentração plasmática. Alguns
fármacos utilizados pelos seus efeitos nos pulmões, como corticoides e brocodilatores, também
são administrados por inalação, geralmente na forma de aerossol e minimizam os efeitos
colaterais sistêmicos.

Administração por injeção

A injeção intravenosa é a via mais rápida e confiável de administração de um fármaco.


A concentração máxima alcançada nos tecidos depende criticamente da velocidade da injeção.
As injeções por via subcutânea ou intramuscular geralmente produz um efeito mais rápido do
que a administração oral, mas a velocidade de absorção depende muito do local da injeção e do
fluxo sanguíneo local. Os fatores limitantes da velocidade de absorção no local da injeção são:

 Difusão pelo tecido


 Remoção pelo fluxo sanguíneo local

Distribuição dos fármacos no organismo

 Água
 Líquido extracelular: plasma, líquido intersticial (soma do conteúdo líquido de todas as
células) e linfa
 Líquido transcelular: LCR, intraocular, peritoneal, pleural, sinovial e secreções digestivas

Dentro de cada um desses compartimentos aquosos, as moléculas de fármacos estão


presentes tanto livres em solução quanto na forma ligada. Além disso, os fármacos que são
ácidos ou bases fracas existem como uma mistura em equilíbrio das formas com carga e sem
carga, sendo que a posição do equilíbrio depende do pH.

O padrão do equilíbrio de distribuição entre os diversos compartimentos depende,


portanto, da:

 Permeabilidade através das barreiras teciduais


 Ligação dentre dos compartimentos
 Partição pelo pH
 Partição óleo/água
Para passar do compartimento extracelular para os compartimentos transcelulares, o
fármaco precisa atravessar uma barreira celular. A barreira hematoencefálica é um exemplo
particularmente importante.

A barreira consiste em uma camada contínua de células endoteliais unidas por junções
de oclusão e cercada por pericitos. Por causa dessa estrutura, o cérebro é inacessível para a
maioria dos fármacos, incluindo muitos antineoplásicos e alguns antibióticos cuja
lipossolubilidade é insuficiente para permitir sua passagem pela barreira. A inflamação pode
romper a integridade dessa barreira, permitindo a entrada de substâncias no cérebro que
normalmente não a atravessam.

Volume de distribuição

O volume de distribuição aparente é definido como o volume de líquido necessário para


conter a quantidade total do fármaco no organismo na mesma concentração presente no
plasma.

Metabolismo e eliminação

A eliminação de um fármaco representa sua exclusão irreversível do corpo. Ela ocorre


através de 2 processos: metabolismo e eliminação. O metabolismo consiste em anabolismo e
catabolismo, ou seja, a construção e degradação de substâncias, respectivamente, pela
conversão enzimática de uma entidade química em outra dentro do organismo. A eliminação
consiste na saída do fármaco quimicamente inalterado ou seus metabólitos do organismo.

Metabolismo dos fármacos

Os animais desenvolveram sistemas complexos para destoxificar substâncias químicas


estranhas (xenobióticos), como os carcinogênicos e toxinas. Os fármacos são um caso especial
de xenobióticos e normalmente exibem uma quiralidade distinta (mais de um esteroisômero)
que afeta o seu metabolismo global.

O metabolismo dos fármacos envolve 2 tipos de reação. Essas reações podem ocorrer
de modo sequencial ou não e ambas diminuem a lipossolubilidade, aumentando a eliminação
renal:

 Reações de fase 1: são catabólicas (oxidação, redução, hidrólise) e seus produtos


geralmente são quimicamente mais reativos, podendo se apresentar às vezes mais
tóxicos ou carcinogênicos do que o fármaco original. Essas reações normalmente fazem
a introdução de um grupo reativo, como o grupo hidroxila – processo da
“funcionalização”. Esse grupo servirá de ponto de ataque para que o sistema de
conjugação ligue um substituinte (como glicuronídeo). A fase 1 ocorre principalmente
no fígado, onde muitas das enzimas, incluindo CYP, estão no REL. Para chegarem a essas
enzimas, os fármacos devem atravessar a membrana plasmática. As moléculas polares
o fazem mais lentamente do que as lipossolúveis, exceto onde existem mecanismos
específicos de transporte e, por isso, o metabolismo intracelular é importante para
fármacos lipossolúveis, enquanto fármacos polares são pelo menos parcialmente
eliminados na forma inalterada na urina
 Reações de fase 2: são sintéticas, anabólicas, e envolvem a conjugação, o que resulta
em produtos inativos (exceções: metabólito sulfatado ativo do minoxidil é ativador de
canais de potássio). Também acontecem principalmente no fígado. Se a molécula de um
fármaco tem um “gancho” adequado (grupo hidroxila, tiol ou amino) na molécula
original ou em um produto resultante do metabolismo de fase 1, ela é suscetível à
conjugação, ligação de um grupo substituinte. Os grupamentos envolvidos com mais
frequência são o glicuronil, sulfato, metil e acetil. A conjugação do glicuronil é
semelhante aos processos da conjugação da bilirrubina e dos corticosteroides
suprarrenais

Sistema mono-oxigenase P450

As enzimas do citocromo P450 são hemeproteínas abrangendo uma grande família de


enzimas relacionadas, mas diferentes (cada uma é chamada de CYP + conjunto de números e
letras). Elas se diferenciam entre si pela sequência de aminoácidos, sensibilidade a inibidores e
agentes indutores, especificidade das reações que catalisam, etc. Os diferentes membros da
família apresentam especificidades de substrato distintas, mas que frequentemente se
sobrepõem, com algumas enzimas atuando no mesmo substrato mas em velocidades
diferentes.

Foram descritas 74 famílias de genes CYP, das quais as 3 principais, CYP1, CYP2 e CYP3
estão envolvidas no metabolismo de fármacos no fígado humano. A oxidação dos fármacos
pelo sistema mono-oxigenase P450 requer fármaco, enzima P450, oxigênio molecular, NADPH
e uma flavoproteína (NADPH-P450 redutase).

O mecanismo envolve um ciclo complexo, mas o resultado final da reação é bem


simples: a adição de um átomo de oxigênio ao fármaco para formar um grupamento hidroxila,
enquanto o outro átomo do oxigênio é convertido em água.

Existem variações importantes entre as espécies na expressão e na regulação das


enzimas P450. As diferenças entre as espécies apresentam implicações cruciais para o tipo de
espécie a ser usada em testes de toxicidade e potencial carcinogênico durante o
desenvolvimento de novos fármacos a serem usados em humanos.

Nas populações humanas existem fontes importantes de variação interindividual nas


enzimas P450, que se revestem de grande importância terapêutica. Essas fontes incluem
polimorfismos genéticos (sequencias alternativas em um locus dentro da fita de DNA que
persistem em uma população ao longo de diversas gerações). Os fatores ambientais também
são importantes uma vez que inibidores e indutores enzimáticos estão presentes na dieta e no
meio ambiente (exemplo: suco de toranja inibe o metabolismo de fármacos, couve-de-bruxelas
e fumaça do cigarro induzem enzimas P450).

Vias alternativas

Nem todas as reações de oxidação aos fármacos envolvem o sistema P450. Muitos
fármacos são metabolizados no:

 Plasma (hidrólise do suxametônio pela colinesterase plasmática)


 Pulmão (prostanoides)
 Intestino (tiramina, salbutamol)

Esterosseletividade

Muitos fármacos (solatol, varfarina, ciclofosfamida) são misturas de esteroisômeros


cujos componentes se diferenciam não apenas por seus efeitos farmacológicos, mas também
por seu metabolismo, que pode seguir vias diferentes. Diversas interações medicamentosas
clinicamente importantes de fármacos envolvem inibição esteroespecífica do metabolismo de
um fármaco por outro.

Em alguns casos, a toxicidade de um fármaco está ligada principalmente a um de seus


esteroisômeros, e não necessariamente ao farmacologicamente ativo. Quando possível, as
autoridades reguladoras insistem para que novos fármacos consistam em esteroisômeros puros
para evitar tais complicações.

Inibição do P450

Os inibidores do P450 diferem em sua seletividade para as diversas isoformas da enzima,


sendo classificadas pelo seu mecanismo de ação. Alguns fármacos competem pelo sítio ativo,
mas não são, em si, substratos (quinidina). Os inibidores não competitivos incluem fármacos
como o cetoconazol.

Os inibidores baseados no mecanismo requerem oxidação por uma enzima P450


(gestodeno, dietilcarbamazina). Um produto da oxidação liga-se covalentemente à enzima, a
qual depois se destrói (“inibição suicida”). Muitas interações clinicamente importantes entre
fármacos resultam de inibição das enzimas P450.

Metabolismo de primeira passagem (pré-sistêmico)

Alguns fármacos são eliminados com tanta eficácia pelo fígado ou intestino que a
quantidade que chega à circulação sistêmica é consideravelmente menor do que a absorvida.
A isso se chama metabolismo de primeira passagem ou pré-sistêmico, que reduz a
biodisponibilidade do fármaco, mesmo quando ele é bem absorvido no intestino.

O metabolismo pré-sistêmico é importante para muitos fármacos terapêuticos, uma vez


que é necessária uma dose muito maior do fármaco quando administrado oralmente do que por
via parental e por ocorrer grandes variações individuais na extensão do metabolismo da primeira
passagem.

Metabólitos farmacologicamente ativos

Alguns fármacos só se tornam farmacologicamente ativos depois de metabolizados


(azatioprina, enalapril). Esses fármacos, nos quais o composto original não é ativo, são chamados
de pré-fármacos. Às vezes esses compostos são projetados deliberadamente para superar
problemas relacionados com seu suprimento ao organismo.

O metabolismo também pode alterar qualitativamente as ações farmacológicas de um


fármaco. A aspirina inibe algumas funções das plaquetas e possui ação anti-inflamatória. Ela é
hidrolisada a ácido salicílico, que possui ação anti-inflamatória, mas não antiplaquetária.

Em outros casos, os metabólitos possuem ações semelhantes às do fármaco original,


como os benzodiazepínicos (cujos metabólitos causam a persistência da sedação por mais
tempo depois da eliminação do fármaco original). Existem casos em que os metabólitos são
responsáveis pela toxicidade (hepatoxicidade do paracetamol, toxicidade para bexiga da
ciclofosfamida pelo metabólito acroleína).

Eliminação de fármacos e seus metabólitos

As principais vias de eliminação são rins, sistema hepatobiliar e pulmões (anestésicos


voláteis e/ou gasosos). A maior parte dos fármacos deixa o organismo pela urina, inalterados ou
na forma de metabólitos polares. Alguns fármacos são secretados na bile, através do fígado, mas
a maioria é reabsorvida no intestino. A eliminação pelos pulmões ocorre apenas com agentes
altamente voláteis ou gasosos.

Alguns fármacos também são eliminados em pequenas quantidades em secreções como


o leite ou o suor. A eliminação por essas vias é quantitativamente desprezível, se comparada
com as outras, mas a eliminação pelo leite pode ser importante pelos efeitos no lactente.
As substâncias lipofílicas não são eficientemente eliminadas pelos rins.
Consequentemente, a maioria dos fármacos lipofílicos é metabolizada a produtos mais polares,
que, então, são eliminados na urina. O metabolismo de fármacos ocorre predominantemente
no fígado, especialmente pelo sistema do citocromo P450 (CYP). Algumas enzimas do P450 são
extra-hepáticas e desempanham papel importante na biossíntese dos hormônios esteroides e
eicosanoides.

Eliminação biliar e circulação entero-hepática

As células hepáticas transferem diversas substâncias, incluindo fármacos, do plasma


para a bile por meio de sistemas de transporte semelhantes aos do túbulo renal
(transportadores de cátions e transportadores de ânions). Vários conjugados hidrofílicos de
fármacos são concentrados na bile e levados para o intestino, onde o glicuronídeo é hidrolisado,
liberando o fármaco ativo novamente. O fármaco livre pode então ser reabsorvido e o ciclo se
repete (circulação entero-hepática). Esse processo cria um “reservatório” de fármaco circulante
que pode representar até 20% do fármaco no organismo, prolongando sua ação.

Eliminação renal de fármacos e seus metabólitos

Existe muita diferença na velocidade de eliminação dos fármacos pelos rins (penicilina
– depuração rápida x diazepam – depuração lenta). A maioria dos fármacos tem velocidade
média e os metabólitos são quase sempre retirados mais rapidamente do que o fármaco
original. 3 processos fundamentais são responsáveis pela eliminação renal dos fármacos:

 Filtração glomerular: os capilares glomerulares permitem que micromoléculas, de baixo


peso molecular, se difundam para o filtrado glomerular. A maioria dos fármacos cruza
essa barreira livremente, exceto a heparina e outras macromoléculas. Se um fármaco
se liga à albumina plasmática, apenas o fármaco livre é filtrado
 Secreção tubular: os fármacos são transferidos para a luz do túbulo por 2 sistemas de
transportadores independentes e não seletivos, um que transporta ácidos e outros que
transporta bases. Como pelo menos 80% do fármaco que chega aos rins é apresentado
aos transportadores, a secreção tubular é potencialmente o mecanismo mais eficaz de
eliminação renal de fármacos. Diferentemente da filtração glomerular, a transferência
mediada por transportadores pode efetuar a depuração máxima de um fármaco,
mesmo quando a maior parte dele está ligada à proteínas plasmáticas
 Difusão passiva através do epitélio tubular: a água é reabsorvida conforme o líquido
atravessa o túbulo. Se o túbulo for livremente permeável às moléculas do fármaco, 99%
do fármaco filtrado será reabsorvido passivamente a favor do gradiente de
concentração resultante. Por isso, a eliminação dos fármacos lipossolúveis é mínima,
enquanto fármacos polares, cuja permeabilidade tubular é baixa, permanecem na luz
do túbulo, tornando-se progressivamente mais concentrados à medida que a água é
reabsorvida

O nível de ionização de muitos fármacos – ácidos ou bases – é pH-dependente e isso


afeta profundamente sua eliminação renal. O efeito do aprisionamento iônico significa que uma
base é excretada mais rapidamente em urina ácida, que favorece a forma carregada e inibe a
reabsorção. Por outro lado, ácidos são eliminados mais rapidamente se a urina estiver alcalina.
A alcalinização da urina é usada para acelerar a eliminação de salicilato no tratamento de casos
de superdosagem de aspirina, por exemplo.

Depuração renal
A eliminação de fármacos pelos rins é mais bem quantificada pela depuração renal,
definida como o volume de plasma que contém a quantidade de substância removida pelos rins
na unidade de tempo. A depuração varia para muitos fármacos.

CL = Cu (concentração urinária) x Vu (velocidade do fluxo urinário) / Cp (concentração


plasmática)

Farmacodinâmica

“O que o fármaco faz com o organismo”.

Um dos princípios básicos da farmacologia afirma que as moléculas dos fármacos


precisam exercer alguma influência química sobre um ou mais constituintes das células para
produzir uma resposta farmacológica. As moléculas de um fármaco precisam ficar próximas dos
constituintes celulares a ponto de promover a interação química e alterar a função química de
ambas as moléculas.

O número de moléculas do organismo excede e muito o número de moléculas do


fármaco. Se elas fossem simplesmente distribuídas ao acaso, a probabilidade de ocorrer uma
interação entre o fármaco e uma classe específica de moléculas celulares seria desprezível.

Por isso, para que os efeitos farmacológicos ocorram, em geral, é preciso que haja uma
distribuição não uniforme das moléculas do fármaco dentro do organismo ou tecido. Ou seja, as
moléculas do fármaco precisam “se ligar” a constituintes específicos do organismo para produzir
um efeito. Paul Ehrlich resumiu esse pensamento na frase: “Corpora non agunt nisi fixata” – “um
fármaco não agirá, a menos que esteja ligado”.

Esses sítios de ligação são referidos como “alvos farmacológicos”. Os mecanismos pelos
quais a associação entre uma molécula de um fármaco e seu alvo leva a uma resposta fisiológica
constituem o foco principal da pesquisa farmacológica. A maioria dos alvos farmacológicos é
representada por moléculas proteicas. São exceções alguns antimicrobianos e antitumorais que
interagem diretamente com o DNA e bisfosfonatos que interagem com os sais de cálcio da
matriz óssea, tornando-a tóxica para os osteoclastos.

Alvos proteicos para ligação de fármacos

Existem 4 tipos principais de proteínas reguladores que atuam como alvos


farmacológicos:

 Receptores
 Enzimas
 Moléculas carregadoras (transportadoras)
 Canais iônicos

Observação: exceções: colchicina (interage com a proteína estrutural tubulina), ciclosporina (age
em proteínas citosólicas), anticorpos terapêuticos (agem sequestrando citocinas),
quimioterápicos (agem no material genético).

Receptores

Os receptores são os elementos sensores no sistema de comunicações químicas que


coordenam a função de todas as células do organismo. São seus mensageiros químicos os
hormônios, transmissores e outros mediadores. Muitos fármacos agem como agonistas ou
antagonistas neles.

Canais iônicos
São “portões” presentes nas membranas celulares, que seletivamente permitem a
passagem de determinados íons. Eles são induzidos a abrir ou fechar por vários mecanismos.
Dois tipos importantes são os canais controlados por ligantes (abrem quando uma ou mais
moléculas agonistas se ligam – são classificados como receptores) e os canais controlados por
voltagem (regulados por alterações no potencial transmembrana).

Em geral, os fármacos podem afetar a função do canal iônico através da ligação à própria
proteína do canal ou podem afetar a função do canal através de uma interação indireta,
envolvendo uma proteína G e outros intermediários. No caso mais simples, como o caso dos
anestésicos locais, o fármaco obstrui o canal de sódio controlado por voltagem, bloqueando a
passagem de íons.

São exemplos:

 Di-hidropiridina: vasodilatores que inibem a abertura dos canais de cálcio tipo L


 Benzodiazepínicos: tranquilizantes que se ligam a uma região do complexo receptor
GABA – canal de cloreto, distinta do sítio de ligação do GABA, facilitando a abertura do
canal efetuada pelo GABA, neurotransmissor inibitório
 Sulfonilureias: atuam em canais de potássio controlados por ATP nas células β
pancreáticas, aumentando a secreção de insulina

Enzimas

Frequentemente, o fármaco é um substrato análogo que age como inibidor


competitivo da enzima (captopril – enzima conversora de angiotensina). Em outros casos, ele
pode agir como inibidor irreversível e não competitivo (aspirina – ciclooxigenase). Existem
alguns fármacos que apresentam atividade enzimática de isomerase, que catalisa a
isomerização cis-trans de algumas proteínas, uma reação importante por possibilitar que as
proteínas expressas se dobrem corretamente (ciclosporina).

Os fármacos também podem agir como falsos substratos, em que a molécula do


fármaco sofre transformação química, dando origem a um produto anômalo que perturba a via
metabólica normal (fluoruracila – substitui a uracila como intermediário na biossíntese das
purinas, mas não pode ser convertido em timidilato, bloqueando a síntese de DNA e impedindo
a divisão celular).

Alguns fármacos podem exigir degradação enzimática para convertê-los de uma forma
inativa para a forma ativa.

Proteínas transportadoras

São as moléculas responsáveis pela movimentação de íons e pequenas moléculas


orgânicas através das membranas celulares. Muitos desses carregadores são conhecidos e
importantes farmacologicamente, principalmente aqueles responsáveis pelo transporte de íons,
moléculas orgânicas do túbulo renal, epitélio intestinal, barreira hematoencefálica, captação de
neurotransmissores e precursores, dentre outros.

Em muitos casos, a hidrólise do ATP fornece a energia necessária para o transporte de


substâncias contra seu gradiente eletroquímico. Essas proteínas incluem um sítio de ligação de
ATP distinto (bomba de sódio e potássio e transportadores RMF – resistência a múltiplos
fármacos – que ejetam fármacos citotóxicos de células cancerígenas e microbianas, conferindo
resistência a esses agentes terapêuticos).

Em outros casos, incluindo os transportadores de neurotransmissores, o transporte de


moléculas orgânicas está associado ao transporte de íons, ambos na mesma direção (simporte)
ou na direção oposta (antiporte) e portanto se baseia no gradiente eletroquímico daquele íon,
geralmente gerado pela ação de uma bomba ATPase.

As proteínas transportadoras incorporam um sítio de reconhecimento que as tornam


específicas para uma espécie particular a ser transportada. Esses sítios de reconhecimento
podem ser alvos farmacológicos.

Tipos de receptores

Os receptores promovem muitos tipos diferentes de efeitos celulares. Alguns são


rápidos (transmissão sináptica), outros são mais lentos (que atuam em conjunto com moléculas
hormonais). Existem também aqueles que atuam em um período de tempo intermediário
(catecolaminas, peptídeos).

Muitos tipos diferentes de vínculos entre a ocupação do receptor e a subsequente


resposta estão envolvidos. Com base na estrutura molecular e na natureza desse vínculo (o
mecanismo de transdução), podemos distinguir 4 tipos de receptores:

 Canais iônicos controlador por ligantes (ionotrópicos): receptores nos quais os


neurotransmissores rápidos agem. Exemplos: receptor nicotínico da ACh, receptor
GABA
 Receptores acoplados à proteína G (metabotrópicos ou heptaelicoidais): receptores de
membrana que estão acoplados a sistemas efetores intracelulares por uma proteína G.
Eles constituem a maior família e incluem receptores para vários hormônios e
transmissores lentos. Exemplos: receptor muscarínico da ACh, receptores adrenérgicos,
receptores de quimiocinas, quimiorreceptores do olfato, receptores “órfãos”, alguns
neurotransmissores
 Receptores relacionados e ligados a quinases: grupo grande e heterogêneo de
receptores de membrana que respondem principalmente a mediadores proteicos.
Apresentam um domínio extracelular de ligação de ligante conectado a um domínio
intracelular por uma hélice única transmembrana. Em muitos casos, o domínio
intracelular é de natureza enzimática, com atividade proteína quinase ou guanilil
ciclase. Os dois tipos são estruturalmente semelhantes, embora seus mecanismos de
transdução sejam diferentes. Exemplos: receptores para insulina, receptores para
citocinas, receptores para fatores de crescimento, receptor para fator natriurético atrial
 Receptores nucleares: regulam a transcrição gênica. Apesar do nome, podem estar
localizados no citosol e migrar para o compartimento nuclear quando um ligante está
presente. Eles também reconhecem muitas moléculas estranhas, induzindo a expressão
de enzimas que as metabolizam. Exemplos: receptores para hormônios esteroides e
hormônios da tireoide, receptores para vitamina D

Heterogeneidade e subtipos de receptores

Considerando uma dada família de receptores, geralmente ocorrem muitas variedades


moleculares, subtipos, com arquitetura similar, mas com diferenças significativas em suas
sequencias e, frequentemente, em suas propriedades farmacológicas. Essas diferenças são, em
muitos casos, resultantes do processamento dos RNAm, principalmente do splicing e splicing
alternativo.

Essa heterogeneidade molecular é uma característica de todos os tipos de receptores


(na verdade, das proteínas funcionais em geral).

Canais iônicos controlados por ligantes (ionotrópicos)


Essas moléculas tem traços estruturais comuns com outros canais iônicos. Os receptores
desse tipo controlam os eventos sinápticos mais rápidos do sistema nervoso, nos quais um
neurotransmissor age na membrana pós-sináptica de um nervo ou célula muscular e aumenta
de modo transitório sua permeabilidade para certos íons.

A maior parte dos neurotransmissores excitatórios (ACh na junção neuromuscular,


glutamato no SNC) causa aumento na permeabilidade ao sódio e potássio. Esse efeito resulta
em uma corrente de entrada de íons, que despolariza a célula e aumenta a probabilidade de
geração de um PA.

A ação do transmissor alcança um pico em uma fração de milissegundo e geralmente


decai dentro de poucos milissegundos. A velocidade abrupta dessa resposta significa que o
acoplamento entre o receptor e o canal iônico é direto e que a estrutura molecular do complexo
receptor-canal está de acordo com isso. Em contraste com outras famílias de receptores, não
há etapas bioquímicas intermediárias envolvidas na transdução.

Receptores acoplados a proteína G

Consistem em uma única cadeia polipeptídica de 1.100 resíduos. Sua estrutura


característica compre 7 α-hélices transmembrana, semelhantes àquelas dos canais iônicos, com
um domínio N-terminal extracelular de tamanho variável e um domínio C-terminal intracelular.
Sua terceira alça citoplasmática longa é a região da molécula que se acopla à proteína G.

Esses receptores são divididos em 3 famílias distintas, que possuem considerável


homologia entre seus membros, mas não entre si. Eles compartilham a mesma estrutura de 7
hélices, porém diferem em outros aspectos (comprimento da extremidade N-terminal
extracelular, localização do domínio de ligação do agonista). São elas:

 Família A (maior): receptores para monoaminas, neuropeptídios e quimiocinas


 Família B: receptores para peptídeos como calcitonina e glucagon
 Família C (menor): receptores para glutamato e GABA, receptores sensíveis ao cálcio

Proteína G

As proteínas G englobam uma família de proteínas residentes na membrana cuja função


é reconhecer os receptores acoplados a ela quando ativados e transmitir a mensagem para os
sistemas efetores que geram uma resposta celular. Elas intermedeiam o sinal entre os
receptores e as enzimas efetoras ou canais iônicos. Elas receberam seu nome devido à interação
com os nucleotídeos guanina, GTP e GDP.

As proteínas G consistem em 3 subunidades: α, β e γ. Os nucleotídeos guanina ligam-se


à subunidade α, que tem atividade enzimática, catalisando a conversão de GTP para GDP. As
subunidades β e γ permanecem unidas na forma de um complexo βγ. Todas as subunidades
ficam ancoradas à membrana através de uma cadeia de ácidos graxos acoplada à proteína G
(prenilação).

No estado de repouso, a proteína G aparece como um trímero αβγ não ligado, com o
GDP ocupando o sítio na sua subunidade. Quando é ativada por um agonista, ocorre uma
mudança conformacional, envolvendo o domínio citoplasmático do receptor, levando-o a
adquirir alta afinidade para αβγ. A associação αβγ-receptor causa a dissociação do GDP e sua
substituição por GTP o que, por sua vez, causa a dissociação do trímero da proteína G, liberando
as subunidades α-GTP e βγ – as formas “ativas” da proteína G. Suas formas ativas difundem-se
na membrana e podem se associar a diversas enzimas e canais iônicos, causando a ativação do
alvo.
A sinalização é concluída quando a hidrólise do GTP para GDP ocorre pela atividade de
GTPase da subunidade α. O α-GDP então se dissocia do efetor e se religa com βγ, completando
o ciclo.

Esse mecanismo resulta em amplificação porque um único complexo agonista-receptor


pode ativar várias moléculas de proteína G que, por sua vez, podem produzir muitos sinais
intracelulares através da geração de segundos mensageiros.

Alvos das Proteínas G

 Adenilil ciclase: responsável pela formação de AMPc


 Fosfolipase C: responsável pela formação de fosfato de inositol e diacilglicerol (DAG)
 Canais iônicos: principalmente de cálcio e potássio
 Rho A/Rho quinase: sistema que controla muitas vias de sinalização do crescimento,
proliferação celular, contração da musculatura lisa
 Proteína quinase ativada por mitógenos (MAP quinase): sistema de controle,
principalmente, da divisão celular

Dessensibilização

 Fosforilação do receptor
 Internalização do receptor (endocitose)

Receptores ligados a quinases e receptores correlatos

São bastante diferentes dos já citados. Eles medeiam as ações de uma ampla variedade
de proteínas mediadoras, incluindo fatores de crescimento, citocinas, insulina, leptina, cujos
efeitos são exercidos principalmente em nível de transcrição gênica. Portanto, possuem papel
importante no controle da divisão, crescimento, diferenciação, inflamação, reparação
tecidual, apoptose e respostas imunológicas.

A maioria desses receptores é constituída de grandes proteínas que consistem em uma


única cadeia polipeptídica com uma única região transmembrana helicoidal associada a um
grande domínio extracelular de ligação ao ligante e um domínio intracelular de tamanho e
funções variados.

Seus principais tipos são:

 Receptores tirosina quinase: porção tirosina quinase na região intracelular. Exemplos:


fator de crescimento epidérmico, fator de crescimento neuronal, insulina
 Serina/treonina quinases: fosforila resíduos de serina e/ou treonina ao invés de
tirosina. Exemplo: fator de crescimento transformador
 Receptores de citocinas: carecem de atividade enzimática intrínseca. Quando
ocupados, eles se associam e ativam uma tirosina quinase citosólica. Exemplos:
interferonas e fatores estimulantes de colônia

Receptores nucleares

Incluem um grande número de receptores órfãos. São responsáveis por atuar como
fatores de transcrição ativados por ligantes, transduzindo os sinais através de modificações da
transcrição gênica. Estão no citosol ou no núcleo. Alguns tornam-se móveis na presença de seus
ligantes e podem translocar-se do citoplasma para o núcleo.

Todos são proteínas monoméricas, compreendendo 4 módulos. O domínio N-terminal


é o que apresenta maior heterogeneidade. O domínio central do receptor é altamente
conservado e consiste na estrutura responsável pela ligação ao DNA. O domínio C-terminal
contém o módulo de ligação ao ligante e é específico para cada classe de receptor.

São divididos em 2 classes:

 Classe I: consiste nos receptores para hormônios esteroides. Geralmente esses


receptores reconhecem hormônios que atuam em um mecanismo de feedback negativo
para controlar eventos biológicos
 Classe II: consiste nos receptores para ligantes lipídios intracelulares, como o receptor
ativador de proliferação de peroxissomo e receptor de oxiesterol hepático

Receptores farmacológicos

São componentes-chave do sistema de comunicação química que todos os organismos


multicelulares utilizam para coordenar as atividades de suas células e órgãos. Quando uma
molécula liga-se ao seu receptor, inicia-se uma série de reações que provocam uma série de
respostas fisiológicas ou não. Na ausência de tal molécula alvo, o receptor permanece
funcionalmente silencioso.

Existe uma diferença importante entre:

 Agonistas: ativam os receptores


 Antagonistas: combinam-se com o mesmo sítio do receptor que os seus respectivos
antagonistas, sem, porém, causar ativação e bloqueando a série de respostas do
agonista naquele receptor

Especificidade dos fármacos

Para que um fármaco seja útil como instrumento terapêutico ou científico, ele precisa
agir de modo seletivo sobre células e/ou tecidos específicos. Ele precisa, portanto, exibir alto
grau de especificidade pelo sítio de ligação. Inversamente, as proteínas que funcionam como
alvos de fármacos geralmente mostram um alto grau de especificidade pelo ligante – elas se
ligam apenas às moléculas de um tipo específico.

O peptídeo angiotensina, por exemplo, atua vigorosamente sobre o músculo liso


vascular e o túbulo renal, mas tem muito pouco efeito sobre outros tipos de músculo liso ou
sobre o epitélio intestinal.

Apesar disso, nenhum fármaco age com especificidade total. Por isso existem os efeitos
colaterais, efeitos que acontecem em tecidos e células não desejados pela ligação das moléculas
a receptores nesses tecidos e células. Em geral, quanto menor a potência de um fármaco e maior
a dose necessária, maior a probabilidade de que outros sítios de ação, diferentes do sítio
desejado, ganhem importância.

Classificação dos receptores

A classificação dos receptores com base nas respostas farmacológicas continua a ser
uma perspectiva valiosa e amplamente utilizada. A medição direta da ligação do ligante ao
receptor permitiu a determinação de muitos subtipos novos de receptores que não poderiam
ser facilmente distinguidos por meio do estudo de efeitos farmacológicos.

 International Union of Pharmacological Sciences (IUPHAR)

Interações fármaco-receptor
A ocupação de um receptor por uma molécula de um fármaco pode ou não resultar na
ativação desse receptor. A ativação presume que o receptor é afetado de tal modo pela
molécula ligada que acaba desencadeando uma resposta tecidual.

A ligação e a ativação representam duas etapas distintas da geração de uma resposta


mediada por receptor que é iniciada por um agonista. O fármaco que se liga a um receptor sem
causar sua ativação e, como consequência disso, impede que um agonista se liga a esse mesmo
receptor, recebe a denominação de antagonista do receptor.

A tendência de um fármaco de se ligar aos receptores é mediada por sua afinidade. Já


a tendência de um fármaco, uma vez ligado, ativar o receptor trata-se de sua eficácia.

Os fármacos com alta potência geralmente apresentam alta afinidade pelos receptores
e, consequentemente, ocupam uma porcentagem significativa de receptores, mesmo em baixas
concentrações. Os agonistas também possuem significativa eficácia, enquanto os antagonistas
apresentam, geralmente, eficácia zero.

Os fármacos que apresentam níveis de eficácia intermediários, ou seja, que


desencadeiam uma resposta tecidual submáxima mesmo quando 100% dos receptores estão
ocupados, são conhecidos como agonistas parciais, para se distinguirem dos agonistas plenos,
cuja eficácia é suficiente para desencadear uma resposta tecidual máxima.

Relação entre concentração e efeito de fármacos

Os fenômenos da ligação de uma molécula alvo a seu receptor podem ser analisados e
representados nas curvas concentração x efeito (in vitro) ou dose x resposta (in vivo). Essas
curvas permitem estimar a resposta máxima que o fármaco é capaz de produzir e a
concentração ou dose necessária para produzir 50% da resposta máxima. Esses parâmetros
são úteis para comparar as potências de diferentes fármacos que causam efeitos
qualitativamente similares.

As curvas concentração x efeito não podem ser utilizadas (embora sejam parecidas) para
medir a afinidade de fármacos agonistas a seus receptores, pois a resposta fisiológica não é, via
de regra, diretamente proporcional à ocupação dos receptores.

Antagonismo competitivo

Na presença de um antagonista competitivo, a ocupação do agonista em uma dada


concentração desse agonista é reduzida, pois o receptor só é capaz de receber uma molécula de
cada vez. No entanto, como os dois competem entre si, o aumento da concentração do agonista
é capaz de restabelecer sua ocupação (e a resposta do tecido). Nesse caso, diz-se que o
antagonismo é reversível (superável) – antagonismo competitivo reversível.

O antagonismo competitivo é o mecanismo mais direto pelo qual um fármaco pode


reduzir o efeito de outro. O agonista é capaz de deslocar as moléculas do antagonista dos
receptores até que seja atingido um novo equilíbrio. Esse deslocamento ocorre porque, ao
ocupar uma proporção maior dos receptores livres, o agonista reduz a taxa de associação das
moléculas do antagonista. Consequentemente, a taxa de dissociação do antagonista excede sua
taxa de associação, reduzindo sua ocupação.

O antagonismo competitivo irreversível (de não equilíbrio) ocorre quando o


antagonista se dissocia muito lentamente ou não se dissocia dos receptores, tendo como
resultado a não alteração da ocupação do antagonista quando o agonista é aplicado.
O antagonismo competitivo irreversível ocorre com fármacos que possuem grupos
reativos que formam ligações covalentes com o receptor. Esses compostos são utilizados
principalmente como ferramentas de pesquisa para estudar a função dos receptores e poucos
são usados clinicamente. Os inibidores enzimáticos irreversíveis que agem de forma semelhante
são, no entanto, utilizados clinicamente e incluem fármacos como a aspirina, omeprazol e
inibidores da monoamino-oxidase.

Na prática, a distinção entre o antagonismo competitivo reversível e irreversível nem


sempre é tão clara. Isso se deve ao fenômeno dos receptores de reserva. Se a ocupação pelo
agonista necessária para produzir a resposta biológica máxima é muito pequena, então é
possível bloquear irreversivelmente muitos dos receptores sem reduzir a resposta máxima.

Efeito alostérico

Além do sítio de ligação ao agonista, no qual os antagonistas competitivos se ligam, as


proteínas dos receptores possuem outros sítios de ligação – alostéricos. Eles podem influenciar
a função do receptor de várias maneiras, aumentando ou diminuindo a afinidade dos agonistas
pelo sítio de ligação do agonista ou modificando sua eficácia.

Dependendo da direção do efeito, os ligantes podem ser antagonistas alostéricos ou


facilitadores alostéricos do efeito agonista (glicina sobre receptores de glutamato).

Referências

RANG, H. P. et al. Farmacologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

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