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Nesta aula você irá entender que se você conseguir individualizar a escolha da

medicação do seu paciente, os resultados serão melhores e você terá mais


satisfação no seu trabalho.

Aprenderá também a lógica por trás da escolha do psicofármaco.


Sim, existe um método para achar o melhor psicofármaco para o seu paciente.

E eu sei que sua realidade como profissional da saúde não é a das mais fáceis:
trabalho diário em locais com pouco ou quase nenhum recurso, lidar com
dificuldades que fogem do seu controle, como pacientes que querem soluções
imediatas para uma problema, pandemia que aumenta a demanda por
problemas de saúde mental, pacientes analfabetos e de baixa renda que muitas
vezes não entendem ou não podem comprar o medicamento indicado…a lista de
pepinos é longa.

E justamente por conta desses obstáculos que você encontra estando atrás da
sua mesa, onde você passa das 8h às 18h (vulgo a maior parte da sua vida), é
essencial que você entenda que a única maneira de você ter qualidade de vida é
encontrando satisfação durante o seu trabalho.

E uma das maneiras de sentir isso é ter autonomia e confiança na sua prática.
Ou seja, saber o que está fazendo.
É verdade que temos muitos assuntos para estudar e nos atualizar, mas a bola da
vez é a psicofarmacologia, onipresente.

Após anos trabalhando na prática clínica, fazendo consultoria com colegas,


alunos da comunidade de psicofarmacologia, elaborei um passo a passo de como
raciocinar clinicamente e escolher o melhor psicofármaco.

Você lembra das cinco habilidades necessárias para trabalhar com autonomia
em relação aos psicofármacos:
1. Saber como funciona e o que fazem os neurotransmissores
2. Individualizar a escolha do Psicotrópico
3. Reconhecer e manejar os efeitos colaterais
4. Antecipar-se às interações medicamentosas
5. Psicofármaco é um antídoto, não a vacina

Agora chegou a hora de aprofundarmos nas duas primeiras


Habilidade 1: Neurotransmissores: o alfabeto dos sintomas

A descoberta do primeiro neurotransmissor

Você sabia que graças a um casamento os neurotransmissores foram


descobertos?
Henry Dale, médico e pesquisador inglês, queria se casar.
Infelizmente ele não vinha de uma família próspera. Não gostava de clinicar e a
vida acadêmica não era nada lucrativa (até hoje). Eis que então ele resolveu
trabalhar na indústria farmacêutica e, em 1914, ele descobriu a acetilcolina, o
primeiro neurotransmissor. Essa descoberta mudou o paradigma da época em
relação ao funcionamento do sistema nervoso, propondo o modelo de
transmissão de sinais elétricos por meio de substâncias químicas.

Hoje tomamos isso como certo, mas na época foi algo revolucionário!

E vamos às aplicações clínicas dos neurotransmissores.

Exemplo 1: Direto da Emergência:


Por que pacientes etilistas crônicos não sedam facilmente com
benzodiazepínicos?
Resposta: A bebida alcoólica estimula os receptores gabaérgicos
(neurotransmissor inibitório) que acalma, diminui ansiedade e provoca
sonolência. pacientes que consomem bebida alcoólica por longo período ou
fazem uso crônico de benzodiazepínicos têm um “up regulation” dos receptores
pós sinápticos pelo estímulo constante de receptores gabaérgicos,
dessensibilizando todo o sistema.

Em outras palavras, mais álcool é necessário para surtir efeito (embriaguez,


euforia, sonolência).

Como os benzodiazepínicos vão agir exatamente nos mesmos receptores


gabaérgicos, aquele clonazepam não vai fazer tanto efeito assim, assim como
qualquer outro psicofármaco que tenha ação agonista (estimuladora) nos
receptores de GABA.
Exemplo: Cigarro é bom mesmo!
Eis uma forma de você ajudar seu paciente porque é tão difícil ele cessar o uso
de cigarro, através da explicação do papel dos neurotransmissores.

Existem fatores que dependem do paciente e outros que não.


A parte que não depende, diz respeito à substâncias químicas no sistema nervoso
que promovem algumas sensações e comportamentos que dificultam abandonar
o consumo da nicotina.

A nicotina modula diversos neurotransmissores que vão causar sensações


prazerosas e por vezes desejáveis. Vamos um a um.

O neurotransmissor chamado dopamina que também é “ativado” quando faz


atividade física, sexo e consumo de cigarro, traz um bem estar e estimula o
sistema de recompensa, facilitando a dependência química.

Outro neurotransmissor estimulado enquanto fuma é a norepinefrina que tem o


poder de reduzir o apetite e causar excitação. Além disso, o cigarro também
estimula a produção de acetilcolina que gera excitação e melhora cognitiva;
modula a produção de glutamato que ajuda no aprendizado e na memória;
estimula serotonina que melhora o humor e reduz o apetite e por fim a beta
endorfina que diminui a ansiedade, tensão e dor.

Se você conhece o mínimo de neurociência você tem argumentos na prática


clínica. Use exemplos, explique com clareza para seu paciente.

Pessoalmente gosto de dar uma idéia geral para os pacientes do funcionamento


cerebral.

Isso melhora a adesão ao tratamento.

Gosto da metáfora da sopa:


O cérebro adoecido mentalmente funciona como uma sopa ruim, sem tempero.
Existem diversos ingredientes dentro dela, mas sem tempero e temperatura
certa, ela perde o sabor.

O mesmo acontece com nosso cérebro quando alguns sintomas ficam evidentes.
O médico, portanto, prescreve psicofármacos capazes de modular os
neurotransmissores (o tempero e temperatura da sopa) que são substâncias
químicas que o próprio cérebro usa como mensageiro e então dá novo sabor e
esperança à vida.
Mas como profissional da saúde você precisa entender que o buraco é mais
embaixo, e ter uma visão mais aprofundada do processo.

Vamos lá, de maneira simples mas aprofundada.

Os psicofármacos fazem muito mais do que aumentar/diminuir o nível de


neurotransmissores.

Saiba que dependendo da região anatômica que o neurotransmissor esteja


aumentado ou diminuído, os efeitos serão completamente diferentes. Nosso
cérebro tem vias neurais que são como “linhas de trem” de cada
neurotransmissor, e dependendo da topografia, o excesso ou falta de um
neurotransmissor provocará sintomas distintos.

Por exemplo, na depressão uns dos sintomas são sonolência excessiva e alteração
do apetite, devido à desregulação da serotonina na região do tronco encefálico.

Quando essa região específica está com déficit de serotonina o paciente


apresenta esses sintomas, por conta desse acidente nesse ponto da “linha de
trem” da via serotoninérgica.

Em última instância, somos manipuladores de circuitos cerebrais!


Temos o poder de manipular os circuitos cerebrais com os psicofármacos (e
meditação, psicoterapia, atividade física.

Entender a neurociência te torna capaz de reconhecer a boa polifarmácia e a


lógica das prescrições.

Vamos a um exemplo típico no tratamento de quadros de depressão refratária


(pacientes que não melhoraram ao usar dois ou mais antidepressivos por tempo
e dose adequadas).

Existe uma combinação muito conhecida por médicos psiquiatras que se chama
“combustível de foguete californiano”, que nada mais é que aproveitar o efeito
sinérgico de dois antidepressivos: Venlafaxina (5HT,NA) antidepressivo dual que
vai inibir a recaptação e aumentar os níveis de serotonina e noradrenalina e a
Mirtazapina (bloqueadora alfa 2) que é um antidepressivo multimodal que tem
várias funções entre elas bloquear receptores alfa adrenérgicos alfa 2. Quando há
bloqueio do alfa 2, ele estimula a liberação de serotonina e noradrenalina.
Habilidade 2: Individualizar a escolha do psicotrópico

Profissionais capazes de individualizar a escolha do psicotrópico têm como


resultado a melhor adesão do paciente ao tratamento. Em geral, pacientes têm
medo de usar medicações de forma contínua e por isso é tão importante saber
explicar de maneira simples e clara os benefícios do psicofármaco na qualidade
de vida deles.

O que levar em conta quando fazer a escolha do medicamento para o paciente?

Diagnósticos e sintomas- alvo: Mesmo com o diagnóstico fechado é essencial


saber quais sintomas o paciente apresenta, porque para cada sintoma
representa a possibilidade de prescrição de psicofármaco diferente;
Comorbidades e medicações usadas: é necessário conhecer o paciente através
de seu relato e exames;
Preferências e experiências prévias: Escutar a preferência do paciente sobre
medicamentos, qual ele se adapta melhor e causa menos incômodo;
Antecedentes familiares: Se existe polimorfismo nos antecedentes, a
probabilidade de que o paciente também venha a ter é alta;
Acessibilidade: Adequar a prescrição a cada situação socioeconômica do
paciente.
Nível de evidência: Quanto maior o conhecimento do profissional em relação
ao remédio com nível de evidência elevado, melhor o resultado do paciente.

Exemplo: Escolha de medicação a partir do diagnóstico


Paciente se queixa de insônia. Mas o que pode causar insônia?
TAG, depressão, mania, TEPT.

Para paciente depressivo cuja queixa principal seja insônia, pode-se considerar a
mirtazapina, benzodiazepínico (uso tenporário), agomelatina, melatonina.

Para pacientes com TAG e insônia, é possível fazer uso momentaneamente de


zolpidem, hidroxizina associado a terapia, entre outros.

Pacientes com mania e com queixa de insônia, indica-se benzodiazepínico como


clonazepam, diazepam, e antipsicótico de baixa potência (levomepromazina,
clorpromazina).

Paciente com TEPT e insônia, indica-se trazodona em dose baixa 50mg ou


clonidina.
Exemplo: Escolha de medicação a partir dos sintomas-alvo
Paciente depressivo com diferentes subtipos:
Catatônica: antidepressivo + benzodiazepínico
Psicótica: antidepressivo + antipsicótico
Sintomas mistos: lurasidona/ziprasidona
Cognitivos: vortioxetina/ bupropiona/ duloxetina
Insônica: Agomelatina/ mirtazapina/ trazodona
Sintomas somáticos: duloxetina/ bupropiona

Exemplo de individualização a partir do diagnóstico e comorbidades clínicas

Esquizofrenia| Paciente obeso, cardiopata, gestante/ lactante


Paciente com esquizofrenia e obeso, indica-se aripiprazol, ziprasidona,
lurasidona.
Evitar quetiapina; olanzapina, clozapina.

Paciente com esquizofrenia e cardiopata, evitar


ziprasidona,clorpromazina,haloperidol endovenoso, clozapina, entre outros.
Indica-se haloperidol via oral, aripiprazol;

Paciente com esquizofrenia e gestante/ lactante: todos antipsicóticos menos a


clozapina podem ser indicados para gestantes (risco de agranulocitose, não por
risco de malformação).

Em pacientes lactantes também é indicado evitar a clozapina por causa do risco


de agranulocitose, mas é viável o uso de risperidona, que inclusive aumenta a
prolactina, melhorando a produção de leite na amamentação.

Exemplo de individualização a partir das comorbidades clínicas em ambiente de


especialistas
Endocrinologista, Otorrino, médico de família

Endocrinologista: paciente ansioso que quer emagrecer, geralmente é


prescrito sertralina para ansiedade, mas devido a sua ação em receptores
5HT2 é comum aumentar o desejo por doce e carboidrato, atrapalhando o
processo de emagrecimento.

Otorrinolaringologista: paciente com insônia, médico prescreve quetiapina


que causa hipotensão, tontura, aumento de peso.
Médico de família: paciente com uso crônico de benzo, rivotril para ansiedade,
uso abusivo de álcool.

3 perguntas essenciais para melhorar a adesão do paciente ao tratamento no


pós consulta (sugestão: enviar mensagem/ligar em até 24-48h)

1. Comprou a medicação?
2. Tomou a primeira dose?
3. Ficou com alguma dúvida?

Estudos revelam que há melhora na adesão do paciente ao tratamento em até


20% se o profissional entra em contato após a consulta.
Mesmo sem nenhuma dúvida, o paciente sente confiança no profissional que tem
essa pró-atividade.

Itens para monitorar o paciente ao longo do tratamento com psicofármaco


Sintomas, funcionamento e qualidade de vida ( )
Resposta ao tratamento ( )
Efeitos Colaterais ( )
Riscos de auto/ heteroagressividade ( )
Outros transtornos psiquiátricos ( )
Comorbidades Clínicas ( )
Adesão ( )

Um bom profissional é capaz não só de prescrever o melhor psicotrópico para


cada paciente, mas antecipar-se diante de intercorrências.

No mais, quando orientado sobre o passo a passo do tratamento, o paciente se


sente mais seguro e tranquilo para seguir as orientações.

Princípios de tratamento: explicando o plano B

Exemplo: depressão ( CANMAT, 2016)


Passo 1 ) Antidepressivo primeira linha: paciente é orientado sobre o
antidepressivo escolhido, efeitos colaterais e tempo de uso;
Passo 2) Trocar ou potencializar: em caso de não melhora ou melhora parcial, o
passo seguinte à otimização da dose e trocar o antidepressivo ou potencializá-lo
com algum agente.
3) Tempo de uso da medicação: paciente é orientado sobre o tempo que o
tratamento deve durar uma vez que melhore do quadro. "A medicação é para
sempre?" ele vai querer saber…
Dica bônus:
No tratamento da depressão, quando trocar ou potencializar a medicação?
Situações em que o médico tende a trocar o antidepressivo:
Primeiro antidepressivo usado
Não tolera efeitos colaterais
<25% melhora dos sintomas iniciais
Paciente quer mudar de antidepressivo
Sem pressa para observar melhora

Quando o profissional tende a potencializar a medicação:


2 ou mais antidepressivos usados sem resposta
Boa tolerabilidade
Resposta > 25% dos sintomas
Sintomas residuais específicos
Sem tempo para observar melhora
Paciente que adicionar medicação

O que levar em conta para melhorar a adesão do paciente ao tratamento


medicamentoso?

-Diagnóstico e sintomas-alvo
-Comorbidades e medicações usadas
- Exames complementares se necessário
- Preferências e experiências prévias
- Antecedentes familiares
- Acessibilidade
- Potencial de dependência
- Nível de evidência

Fenotipize seu paciente!


Em outras palavras, analise o conjunto de características observáveis.
Referências

Kennedy SH, Lam RW, McIntyre RS, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety
Treatments (CANMAT) 2016 Clinical Guidelines for the Management of Adults
with Major Depressive Disorder: Section 3. Pharmacological Treatments
[published correction appears in Can J Psychiatry. 2017 May;62(5):356]. Can J
Psychiatry . 2016;61(9):540-560

Kennedy SH, Lam RW, McIntyre RS, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety
Treatments (CANMAT) 2016 Clinical Guidelines for the Management of Adults
with Major Depressive Disorder: Section 3. Pharmacological Treatments
[published correction appears in Can J Psychiatry. 2017 May;62(5):356]. Can J
Psychiatry. 2016;61(9):540-560. doi:10.1177/0706743716659417

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