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TCC E HIPNOSE

Professor Me. Eleonardo Rodrigues

Caro(a) estudante, apresentaremos, a seguir, um caso clínico, a fim de aprofundar ainda


mais seu conhecimento acerca da TCC e Hipnose, que oferecerá um importante horizonte
de aprendizados dentro do que estamos estudando. Vamos lá?

CASO CLÍNICO: DEPENDÊNCIA QUÍMICA DE


COCAÍNA
O caso clínico envolve um jovem de 27 anos de idade, dependente de cocaína há três
anos. Sua história de vida revelou que o início do uso da droga coincidiu com uma fase
muito tumultuada de sua vida: uma pressão muito forte da família e da namorada para
que ele começasse a trabalhar, já que havia concluído um curso superior. Mas, segundo
ele, o mercado de trabalho na área estava saturado. A namorada, que ele dizia gostar
muito, acabou o namoro precisamente porque ele não estava trabalhando, esse era o seu
pensamento automático. Essa situação o deixava com crenças de ser incompetente e
fracassado no amor e na profissão. Entendia que precisava encontrar um jeito de se livrar
dos sentimentos de tristeza e angústia que essa situação provocava.

Já vinha exagerando no consumo de bebida alcoólica, mas foi influenciado por um amigo,
usuário de cocaína, a experimentar essa droga. No início, a cocaína provocava euforia, ele
se sentia forte e, por vezes, tinha muito prazer. Mas, ultimamente, estava chorando muito
facilmente, apresentava tremores e, às vezes, tinha a impressão de que o mundo iria
desabar sobre sua cabeça. Contudo, em que pese todos esses mal-estares, não conseguia
deixar de usar a droga. No momento que fez esse relato, havia iniciado o tratamento em
uma clínica especializada em atendimento de adictos.

A cocaína pode causar sensação de euforia e prazer e reduzir o cansaço e a


percepção de acuidade mental mas também provoca efeitos indesejáveis, que
incluem tremor, labilidade emocional, irritabilidade, paranoia e comportamento
estereotipado repetitivo. Sabemos que não existe uma forma simples e única
de tratamento para dependência química. A cocaína tem se tornado umas das
drogas mais utilizadas na atualidade. É necessário, para uma avaliação inicial,
compreender se o indivíduo se encaixa nos critérios para uso e abuso de uma
determinada droga e seu grau de dependência.
No seu contato com o psicólogo da clínica, o jovem expressou seu interesse em ser
atendido sob hipnose, visto que já possuía informações sobre essa prática e estava
interessado em conhecê-la e vivenciá-la. Assim, começamos o seu atendimento com
hipnose em uma dependência da própria clínica onde ele estava fazendo seu tratamento.

Pensamos que o sofrimento humano deve ser abordado como um processo


holístico, ou seja, envolve o transtorno como um todo psicossomático; um ser
produto de uma reação em contexto. Esse pressuposto deságua em outro,
igualmente muito importante para a compreensão das patologias
psicossomáticas: o estado de humor do indivíduo depende de sua bioquímica
interna. Ainda, dentro dessa visão integrativa, a bioquímica interna depende dos
conteúdos das emoções e das crenças vivenciadas pela pessoa. Essas
particularidades nos levam a pensar no uso abusivo de drogas como resultado
da interação de dois aspectos: o psicológico, envolvendo os pensamentos
disfuncionais do indivíduo a respeito de si mesmo, do mundo e do futuro, ou
seja, a tríade cognitiva (BECK, 2022); e o biológico, que postula o envolvimento
de disfunções da bioquímica interna no uso abusivo de drogas (STAHL, 2010;
STAHL, GRADY, 2016). Em vista disso, entendemos que toda proposta que
pretenda tratar, efetivamente, um quadro de alteração do humor e dependência
química deverá contemplar esses dois aspectos. Como veremos mais adiante,
a hipnose como técnica psicoterapêutica é usada em “doses” adequadas, isto é,
considerando a frequência das sessões, ou seja, o reforço positivo e o tempo
entre elas podem atender aos requisitos dessa proposta.

Antes do primeiro encontro, tivemos acesso ao seu prontuário médico-psicológico, o qual


forneceu subsídios para nos orientar nesse primeiro contato. Nele, o paciente trouxe à
tona seus pensamentos catastróficos e as circunstâncias que o levava a buscar as drogas,
além das sensações insuportáveis da síndrome de abstinência, que, em sua opinião, eram
mais danosas do que as causas do seu comportamento aditivo. Cabe ressaltar que não
foram identificados sintomas de comorbidade nem nos registros do prontuário nem por
ocasião da entrevista. Esses aspectos nos levaram a priorizar, inicialmente, a ajuda na
superação de suas crises de abstinência, prevenindo, assim, o abandono do tratamento.

Dentre esses circuitos, temos o circuito do prazer, no qual a cocaína aumenta a


quantidade de dopamina ao inibir sua recaptação e provoca sua liberação no
interior das sinapses, causando um intenso prazer e, consequentemente,
reforçando cada vez mais a ingestão da droga. Assim, deixa o adicto cada vez
mais dependente psicológica e fisicamente da cocaína (STAHL, 2010; STAHL,
GRADY, 2016). O circuito do prazer é constituído por estruturas neuronais
situadas ao longo do feixe prosenfálico medial, que vai da área ventral
segmentar do mesenséfalo, em que os corpos dos neurônios dopaminérgicos
estão localizados, até a área septal, no sistema límbico, no qual terminam as
ramificações desses neurônios (STAHL, 2010).
Frente ao quadro descrito e após discutir com o cliente as possibilidades da contribuição
da hipnose na sua recuperação, ele foi informado, em todos os detalhes, sobre os
procedimentos destinados ao atendimento da problemática identificada e hierarquizada
em termos de prioridade dentro da sequência das sessões no decorrer da psicoterapia.
Nas duas primeiras sessões, condicionou-se o paciente a um sinal hipnogênico ou signo-
sinal, supondo, principalmente, uma eventual necessidade de atendimento em emergência
(FERREIRA, 2010).

Quando instalado corretamente, o signo-sinal possibilita ao hipnólogo induzi-


lo rapidamente, bastando apenas acionar o sinal hipnógeno. Isso acontece
porque os núcleos inibitórios situados no sistema reticular bulbar são
afetados pelo rápido relaxamento muscular e, com isso, bloqueiam o sistema
reticular excitatório que estava sendo estimulado por pensamentos
catastróficos, traduzidos, psicologicamente, por uma ansiedade geral muito
intensa e, fisiologicamente, por uma excitação incontrolável.

Inicialmente, as sessões foram de dois em dois dias e o mal-estar a ser trabalhado


inicialmente seriam as sensações desagradáveis da abstinência. O intuito era fortalecer
seu autocontrole e autoeficácia na administração de seu próprio tratamento, em face da
interação disfuncional entre seus pensamentos catastróficos e o circuito do prazer.
Após três semanas com essa frequência de sessões, o paciente estava conseguindo
neutralizar suas crises de abstinência, produzindo um estado natural de bem-estar ao
imaginar, a partir da reestruturação cognitiva, sua vida claramente sem o hábito da droga.
Aprendeu a perceber e ser resiliente em sua realidade, dentro do contexto socioeconômico
e cultural no qual está inserido. E é nesse espaço que estava planejando suas reais
possibilidades de realização, transformando seus pensamentos distorcidos em regras
proativas. Em virtude dos resultados dessa fase, a frequência das sessões passou a ser
uma vez por semana durante mais dois meses e, finalmente, mais três meses com
sessões quinzenais. Na verdade, a duração do período de intervenção terapêutica por
hipnose no atendimento de usuários abusadores de drogas é variável. A dedicação do
adicto ao tratamento e sua sensibilidade à hipnose é que determinam sua duração.
Concluímos que esse cliente superou seus problemas com as drogas e aprendeu
estratégias para administrar os desafios do seu cotidiano em parte com o tratamento
psiquiátrico padrão de desintoxicação e a psicoterapia com o uso da técnica hipnótica
inserida no contexto metodológico da terapia cognitivo-comportamental.
Questões norteadoras

1. As técnicas cognitivas e comportamentais mostraram-se efetivas ao longo


do desenvolvimento das terapias cognitivas, mas quais são as implicações
filosóficas e epistemológicas quando dissociadas dos princípios das
terapias cognitivo-comportamentais?
2. O que justifica a hipnose como técnica terapêutica poder ser associada à
terapia cognitivo-comportamental? Qual o nome adequado dessa prática
clínica?
3. A hipnose se mostrou muito eficiente neste caso devido, se supõe, aos
circuitos neuronais afetados pela cocaína serem acessados pela ação do
processo hipnótico? Em caso afirmativo, justifique.
4. No decorrer das discussões das aulas, mostramos que o processo
hipnótico funciona em nível psíquico neuronal graças à palavra que,
mediante sua semântica, atua sobre todo o sistema nervoso central e,
dessa forma, sobre todas as funções do organismo por meio de sua ação
efetiva sobre os dois processos nervosos básicos. Quais são esses dois
processos nervosos básicos?
5. Em estado de transe hipnótico, por que as imagens reforçadas pela palavra
têm papel terapêutico a ponto de mobilizar as estruturas envolvidas na
produção e liberação de neurotransmissores?

Dilema
Na clínica psicológica, independentemente da abordagem, encontramos
inúmeros relatos de casos clínicos que demonstram a efetividade do
tratamento utilizado. No entanto, grande parte desses casos facilita a
problematização do fenômeno abordado, mas nem sempre se pode
generalizar as demandas de casos semelhantes. Por quê? A generalização é
uma garantia de uma psicologia baseada em evidência? Por que alguns
profissionais têm ressalva de utilizar a hipnose, uma técnica milenar?

REFERÊNCIAS
BECK, J. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2022.

FERREIRA, M. V. C. Hipnoterapia no alcoolismo, obesidade, tabagismo. São Paulo:


Atheneu, 2010.

RODRIGUES, E.; FEITOSA JÚNIOR, M. Hipnoterapia Cognitivo-Comportamental:


fundamentos neurobiológicos e estudo de caso. In: RODRIGUES, E. P. (org.). Psicologia e
psicoterapia cognitivo-comportamentais: filosofia, intervenção e história. Curitiba: CRV,
2018. p. 161-175.

STAHL, S. M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. Rio de


Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

STAHL, S. M.; GRADY, M. M. Transtornos relacionados a substâncias e do controle de


impulsos. Porto Alegre: Artmed, 2016.

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