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A atuação da analista na clínica da toxicomania

Geisiane Meireles Rocha¹

Resumo: Este artigo retrata a atuação da analista na clínica da toxicomania, tendo como objetivo,
relatar a experiência na clínica de tratamento para álcool e outras drogas, buscando analisar a dinâmica da
transferência na toxicomania e identificando os principais obstáculos encontrados durante a intervenção.
O estudo adotou o método qualitativo, descritivo e com estudo de campo. O local da coleta de dados
ocorreu numa clínica de tratamento para álcool e outras drogas no Norte do país. Desta forma, a coleta de
dados se deu mediante aos atendimentos psicanalíticos da pesquisadora, que relatou sobre a sua
experiência profissional na clínica da toxicomania. Isso possibilitou constatar que a internação do sujeito
por si só, não garante a eliminação dos sintomas e não previne de prováveis recaídas. Portanto, os
resultados confirmam que o modelo de tratamento para toxicomania não se mostra eficaz, por produzir
um apagamento do sujeito, limitando seu tempo de escuta, de fala e reduzindo a subjetividade em lucro
através da internação.
Palavras-chaves: toxicomania; psicanálise; sujeito.

The role of the analyst in the drug addiction clinic


Abstract: This article portrays the analyst's performance in the drug addiction clinic, aiming to report the
experience in the alcohol and other drug treatment clinic, seeking to analyze the dynamics of transference
in drug addiction and identifying the main obstacles encountered during the intervention. The study
adopted a qualitative, descriptive and field study method. The place of data collection took place in a
treatment clinic for alcohol and other drugs in the North of the country. In this way, data collection took
place through the psychoanalytic consultations of the researcher, who reported on her professional
experience in the drug addiction clinic. This made it possible to verify that the subject's hospitalization
alone does not guarantee the elimination of symptoms and does not prevent probable relapses. Therefore,
the results confirm that the drug addiction treatment model is not effective, as it produces an erasure of
the subject, limiting their listening and speaking time and reducing subjectivity in profit through
hospitalization.
Keywords: drug addiction; psychoanalysis; subject.

INTRODUÇÃO

O presente artigo descreve um relato de experiência profissional em psicanálise,


expondo a atuação na clínica de tratamento para álcool e outras drogas. Buscando
analisar a dinâmica da transferência na toxicomania e identificando os principais
obstáculos encontrados durante a intervenção. Esse relato é a respeito de uma
experiência de dois anos que ocorreu na clínica psicanalítica no norte do país. Nesse
sentido, não se buscou trabalhar conceitos e aspectos da toxicomania e, sim demonstrar
de que maneira os fundamentos psicanalíticos contribuem para esta prática analítica
(ZANOTTI, 2020).
Neste artigo descreve a experiência da psicanalista na clínica da toxicomania,
partindo da lógica de tratamento analítico em que não cabe ao analista curar ou até
mesmo salvar os pacientes, pois o sintoma faz parte do funcionamento psíquico, assim
recomenda-se que a escuta se volte para o inconsciente e não apenas ao objeto droga

¹ Psicóloga especialista. E-mail: geisiane_meireles@hotmail.com.


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(GIANESI, 2005). Por mais que o uso de substâncias envolvam uma questão social que
pode ser analisada por um amplo viés da cultura e da saúde pública, se torna um caso
singular, com uma escuta da particularidade e da história da vida de cada sujeito
(RIBEIRO, 2011).
O tratamento psicanalítico possibilita uma visão do sujeito na sua subjetividade,
onde não se propõe uma prática exclusivamente psicopatológica, assim o analista ocupa
o lugar do não saber, se desfaz daquela prática meramente técnica para ouvir o saber
que o paciente manifesta, compreende o lugar que a droga se encontra na vida dele.
Portanto, o olhar clínico se produz na retificação subjetiva, onde o sujeito deixa de se
queixar da droga, para se queixar de si mesmo, sendo assim, transforma a relação que
mantém com o objeto tóxico (RIBEIRO & FERNANDES, 2013).
Diante disso, o objetivo analítico é possibilitar ao sujeito que ele não fique
alienado e escravo do seu mal-estar e, que busque através de uma ação discursiva
sustentar o seu próprio eu e favorecer outra posição diante do que lhe atormenta, se
implicando na queixa (SILVEIRA, 2013).

A TRANSFERÊNCIA NA PSICANÁLISE

Segundo Freud (1912/1996) a transferência é a peça fundamental do tratamento


analítico, sem ela não há trabalho, se o paciente retorna às sessões é porque a
transferência foi estabelecida. Isso diz respeito aos conteúdos que são colocados para a
figura do analista, ou seja, o paciente repete características infantis no próprio
atendimento, atualiza-os. Também está associado aos sentimentos do analisando para
com o analista. Isso corresponde a dinâmica da toxicomania, onde ele precisa criar uma
relação com o psicanalista, para que venha se submeter ao método de tratamento
(FREUD, 1917/1996).
Pensar a transferência na clínica da toxicomania é imaginar que isso não se produz
da mesma forma como na neurose. A dinâmica se produz de outra maneira, onde existe
por parte do sujeito uma certa resistência até no estabelecimento desse vínculo com o
analista. E se questiona até que ponto esses pacientes estão dispostos a serem
analisados? e se são analisáveis? (FREUD, 1912/1996).
A dinâmica transferencial no contexto da toxicomania se caracteriza pela entrada
do analisando no contexto de internação, onde cria-se um ambiente nocivo para a saúde
física e psíquica, sendo que alguns desses contextos perpassam atos violentos que
silenciam a subjetividade do sujeito, cabendo a dúvida sobre a assistência oferecida, se
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isso se trata de reprimir os conteúdos inconscientes ou de um tratamento efetivo? Por


essa via, a medicalização se faz presente para deixá-lo tranquilo e sem agitações, ao
passo que o atendimento se faz pela ausência da fala, e assim medicado não há
expressão do eu. Desta maneira, a forma de se inserir na assistência à saúde mental se
faz primeiramente por meio da medicalização e posteriormente passa pela construção da
transferência do paciente com o analista (ALENCAR, 2018).
Com isso, a chegada do analisando com essa demanda manifesta a expressão do
discurso que demarca a linguagem na ordem do amor, o que o sujeito fala é sempre
sobre esse sentimento, por isso que se trata de uma demanda de amor, isso ocorre não de
forma generalista e objetiva, mas como uma possibilidade. Nessas circunstâncias que se
nota que a entrada na análise começa pelos familiares e que esse atendimento se
aproxima do contexto de atendimento infantil, onde não são eles que iniciam o desejo
pela análise, mas quem está envolta deles. Isso indica que a transferência se materializa
primeiro na relação com o familiar e consecutivamente com o sujeito (ALENCAR,
2018).
Nesse contexto, exige muito do analista na condução do principal instrumento de
tratamento, a transferência. Até porque é necessário que isso aconteça para dar inicial ao
processo de análise. Onde ele precisa suportar todos os ataques do sujeito e ser testado
quanto aos seus limites de escuta. Parece que isso dinamiza a sessão e é necessário para
que o paciente possa atacá-lo, para quem sabe mais tarde, confiar no trabalho e no
analista (CHAVES, 2006).

O TRABALHO DO ANALISTA COM A TOXICOMANIA

A psicanálise não tem como proposta a rapidez dos resultados, exige paciência,
até porque a mudança ocorre de forma lenta e a longo prazo. E assim o clínico não
poderá fazer nenhuma promessa de cura ou de resultados, pois não se pode prever os
efeitos dessa relação entre analisando e analista. Por isso que é importante mencionar
que não é indicado antecipar interpretações nas quais o paciente não está preparado para
receber, porque pode provocar resistência e ocasionar a interrupção do tratamento. O
desejo de cura por si só não é garantia de melhora (FREUD, 1913/1996).
O trabalho do psicanalista segundo Nasio (1999), perpassa a linguagem do sujeito
para que na própria escuta, ele possa perceber algo novo daquilo que se diz. Onde o
autor também menciona que não é recomendado que o clínico enfatize intensamente o
sintoma, pois isso pode gerar resistência. No caso da toxicomania é importante não ser
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invasivo e só querer analisar apenas o que diz respeito a droga, e quando isso acontece,
pode gerar a própria interrupção do tratamento.
Para que o trabalho do analista possa começar é necessário que o paciente fale
sobre o que quiser, para que o associe livremente, como regra fundamental da
psicanálise, falar o que vier a cabeça, sem censura. A partir desse momento é importante
ressaltar que conforme se fala dos sintomas, isso possibilita o próprio alívio do
sofrimento. A psicanálise enquanto clínica propõe uma criação de novos sentidos e é
preciso inventar uma saída para aquilo que o paciente se queixa. Assim pode-se associar
essa aplicação do método associativo para que o sujeito na toxicomania possa se
implicar na própria desordem psíquica (FORBES, 2014).
Durante a escuta analítica da toxicomania, o sujeito pode se deparar numa
situação, onde ele não sabe o que dizer, ou mesmo não sabe relatar sobre os motivos que
o fizeram se manter na compulsão pela droga, e aí o trabalho do psicanalista é
justamente de convidá-lo para falar do que não sabe, para que assim possa construir
uma fala a partir da falta. O lugar que o paciente está, não é o mesmo do analista e por
isso pode ocorrer a resistência. Um fala de um saber entorpecido e o outro não, por isso
que o paciente não supõe que o psicanalista saiba da sua dor, pois, fantasia que o outro
deveria ter passado pelo mesmo que ele, ou seja, o analista não é colocado no lugar de
sujeito suposto saber (FORBES, 2014).
Segundo Forbes (2014) o sujeito deve se implicar no próprio sofrimento e se
colocar diante daquilo que se queixa. Por isso, é importante salientar o quanto ao
mesmo tempo que a clínica da toxicomania pressupõe uma demanda, também inclui a
própria satisfação no uso da droga. É nesse sentido que o sujeito se torna escravo desse
senhor objeto – desejo. O que ele faz ou deixa de fazer? Ele se droga para quem? Quem
ele anestesia? E com isso, a dor vem como uso, o sintoma está sendo tratado pelo uso da
substância e por isso a família procura ajuda profissional motivados pela dor, pois são
eles que se preocupam e se queixam do familiar.
Na toxicomania o sujeito está apegado ao sintoma compulsivo e assim surge um
conflito entre se curar ou não, ao mesmo tempo, que se esconde através da droga, por
isso que pode existir o desejo de ser analisado e, de desistir do processo analítico,
configurando-se num vínculo transferencial frágil e que pode ser desfeito a qualquer
momento. Como que ele poderia querer encerrar a relação com a droga, se isso faz parte
dele? (NASIO, 1999).
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Nesse aspecto no texto sobre luto e melancolia Freud (1917/[1915]1996) descreve


que a libido diferente de outros casos, ela não vai se redistribuir para outros
investimentos da vida, porque o próprio sujeito se identifica com o objeto tóxico e se
perde nisso. Nesse sentido é como se o sujeito na toxicomania incorporasse o objeto
droga a ponto de não se diferenciar. Por isso, relatar sobre tudo, é pensar na dor da
perda que carregam com esse sofrimento da falta e do vazio.
Nesse contexto de perdas é bem recorrente no discurso dos sujeitos em situações
de álcool e drogas, relatarem sobre o luto, que por vezes acompanha uma não
elaboração, que pode ocasionar a entrada na toxicomania, dentro dessa experiência se
faz necessário a oferta de atendimento que não seja apenas de forma individual, onde
também se realizam encontros grupais e familiares. Desta forma, a demanda da clínica
na toxicomania possibilita encontros grupais onde os sujeitos se expressam e podem
aprender uns com os outros, compartilhando situações similares, transformando a
própria relação entre eles e, realizando trocas discursivas envolvendo a própria angústia
relacionada a droga (MACHU, SILVA & NETO, 2020).
Nesse tipo de atendimento grupal e familiar, os fundamentos psicanalíticos
freudianos permanecem, e assim a regra da associação livre de ideias é mantida,
trabalhando a resistência e estabelecendo a transferência. E assim o analista deve
trabalhar com os conteúdos inconscientes apresentados pelos sujeitos, interpretando o
não dito, analisando o grupo de forma global, atendendo a família e promovendo
elaborações. Desta forma, é possível que através dessa modalidade de tratamento
desenvolver mudanças psíquicas e, responsabilidades sobre a própria desordem
(ZIMERNAN, 2009).

METODOLOGIA

A metodologia foi baseada na perspectiva qualitativa e na abordagem descritiva,


onde a coleta de dados ocorreu no campo onde a profissional passou por uma
experiência de dois anos na clínica de tratamento para álcool e outras drogas, no norte
do país. Sendo que o foco deste artigo não são os pacientes, mas sim a própria atuação
da analista.

RELATO DE EXPERIÊNCIA COM ÁLCOOL E DROGAS

No ano de 2020, foi divulgado uma vaga para a psicanalista na clínica de


tratamento para álcool e outras drogas no Norte do país. Foi assim que a profissional se
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interessou e entrou em contato com o proprietário do local. Onde ele explicou que o
trabalho consistia em atender (o grupo, a família e individualmente) os pacientes
internados duas vezes por semana. No total eram 90 homens a partir de 18 anos e, a
família ficava responsável pelo pagamento da internação e da análise.
Nove meses de internação era o contrato estabelecido para todos os internados,
onde eles não teriam acesso à internet e não poderiam socializar, estavam privados de
liberdade e não podendo ter contato com a família. A interação ocorria apenas entre
eles, exemplo disso eram nas refeições, reuniões, dormitório e horário do culto
religioso. Nessa circunstância a internação se associava a um ambiente carcerário com
muitas regras e limitações. Tudo era cronometrado, tempo de deslocamento ao banheiro,
realização das refeições, as conversas entre eles eram restritas e sempre monitorados.
Não se tinha autonomia para circular por todo local, precisavam ficar numa determinada
área sem fugir do campo de visão dos fiscais, tudo isso para manter o controle, sendo
que esse processo se efetivava via autorização para praticar qualquer atividade. O
sofrimento se apresentava, porque o sentimento de arrependimento e culpa se
manifestavam e sem o refúgio à droga, a dor ficava mais intensa somado a falta de
autonomia. E o gestor desejava que ao final de cada dia, fosse entregue uma devolutiva
sobre os atendimentos, como se quisesse obter informações sobre as sessões, e isso era
um impasse, pois o que ocorre no encontro entre o analista e analisando é da ordem do
sigilo (SADALA & MARTINHO, 2011).
O atendimento psicanalítico deveria ser obrigatório segundo a ordem do saber do
proprietário, ou seja, os pacientes não tinham o poder de decidir sobre o desejo de ser ou
não analisado. Por mais que a analista tivesse oferecido essa possibilidade de escolha, a
instituição não autorizou. Ela fez isso imaginando que as sessões deveriam partir do
pressuposto de que existe uma demanda e um desejo do sujeito pelo tratamento, essa
obrigatoriedade poderia surgir como resistência a análise (ROBERT & KUPERMANN,
2012).
A clínica de tratamento era composta por um médico psiquiatra (atendimento
semanal); duas enfermeiras (atendimento diário); e uma psicanalista (atendimento
semanal). Sendo assim, parecia que o objetivo da internação era oferecer um tratamento
medicamentoso e não promover saúde mental.
A princípio o proprietário criava uma lista com os nomes dos pacientes para os
atendimentos e analista ia seguindo. Depois a profissional preparava a própria agenda.
No total eram atendidos em torno de 10 à 11 pacientes num dia e mais cinco no segundo
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dia, este era reservado para aqueles que eram atendidos semanalmente. E assim o
método psicanalítico era aplicado, e cada um poderia falar o que viesse a cabeça
(MOURA & FIGUEIREDO, 2015).
No primeiro dia de atendimento foi percebido que o fazer analítico era
atravessado pelo próprio desejo do proprietário, querendo criar agenda dos
atendimentos, controlando o tempo de cada sessão (30 minutos), e sinalizando que
alguns deveriam ser mais atendidos que outros (aqueles que apresentavam uma
intensidade maior de sofrimento ou alguma questão judicial, pois o juiz solicitava um
parecer psicológico sobre a saúde mental), outro obstáculo eram os desmarques das
sessões. Isso apenas criava mais resistência a realização do trabalho, sendo que o não
comparecimento ao atendimento deve ser da responsabilidade do sujeito atendido e não
do proprietário. Parecia que a instituição estava mais preocupada no status de ter uma
psicanalista para a criação dos relatórios, do que efetivamente permitir a execução dessa
prática e, consequentemente se preocupar com a saúde mental dos internados (SILVA &
BRANDT, 2019).
Com isso, no decorrer dos atendimentos foi constatado que o sujeito na
toxicomania procurava fazer mal a si mesmo, intoxicando, embriagando-se,
envenenando-se para adormecer a sua crise psíquica, justamente para alimentar o vício a
fase oral. Analisando essa demanda de álcool e drogas, como oferecer ajuda se eles não
conseguem responder pelos próprios atos? (TURNA, 2012).
Esse processo de escuta analítica da toxicomania apresenta o que segundo Freud
(1914/1996) no texto recordar, repetir e elaborar descreve que a recordação não se
realiza pela lembrança do paciente e, sim pela ação. Por isso, que na toxicomania o foco
é nessa repetição compulsiva pela busca da droga, e quando questionado sobre essa
ação, não sabe como discorrer, pois o desconhece, porque tudo isso passa no plano
inconsciente. E assim, se torna alienado ao próprio desejo, impossibilitado de
formulações que possam questionar sobre esse agir compulsivo. Essa repetição não é
uma reprodução e, se inscreve no próprio sintoma e, a elaboração promove mudanças
psíquicas (SANTOS & ROSA, 2007).
O olhar do clínico se volta para o sujeito e a sua subjetividade, não focaliza
apenas o sintoma, justamente porque a psicanálise não gira em torno do diagnóstico e
sim do desejo inconsciente e, para que na toxicomania o paciente faça uma retificação
subjetiva é necessário que ele possa recordar e repetir para que a mudança psíquica
ocorra (RIBEIRO E FERNANDES, 2013).
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Com o passar das sessões, relatos dos pacientes e diretrizes do local que se
repetiam, a analista começou a repensar e apontar que o fazer psicanalítico parecia uma
clínica do impossível, não pela complexidade do objeto de estudo, mas pelas próprias
regras da instituição. Como limitar o tempo de atendimento em 30 minutos? estipulando
apenas dois dias para os atendimentos e dando conta de 90 pacientes? E assim causava
um impasse, como daria continuidade aos atendimentos, se haviam várias
desmarcações? Sendo que o cancelamento, implicavam faltas dos dois dias (SILVA &
BRANDT, 2019). A quantidade de pacientes era desproporcional a quantidade de horas
trabalhadas, por isso que não era possível atender todos semanalmente. Isso se tornava
um entrave para o andamento da análise. Outro fator que obstaculizava o trabalho era a
saída inesperada de alguns pacientes, as vezes numa semana eram atendidos e, na
próxima sessão aquele sujeito já tinha sido retirado da internação pelos familiares.
A atuação do analista na clínica da toxicomania se caracteriza pela escuta do
sujeito em sua subjetividade, enxergando-o além do objeto droga. Se o próprio sujeito
nega o tratamento da internação e da análise, não tem como gerar efeitos na saúde
mental, e assim após os nove meses de internação, ele voltaria ao uso tóxico. Sem
desejo não há análise, e é necessário implicação no que gera angústia (FORBES, 2014).
Isso fica claro pela repetição discursiva do objeto amado. E muitos deles sabem o efeito
da droga no seu corpo e no seu psiquismo, mas o prazer que o objeto proporciona, é
muito maior que essa consciência dos efeitos maléficos do uso. Mostrando que saber
sobre o problema não corresponde a resolução deste, assim como passar pelo tratamento
também não previne contra possíveis recaídas, se tornado um obstáculo para o
andamento do trabalho analítico (CHAVES, 2006).
Frente a isto quando o sujeito não se dispõe ao tratamento medicamentoso e nem
analítico pode gerar impedimento para o desenvolvimento dos resultados satisfatórios.
Isso demonstra que não é porque os pacientes estão sem o acesso ao objeto droga que
estão curados. Passar os nove meses internados, por si só, não garante um tratamento,
pode ser apenas um tempo sem o objeto. E a própria abstinência pode provocar uma
cisão do sujeito, ou seja, uma alteração da realidade psíquica (SOUSA & LEITE, 2021).
O trabalho do analista com a toxicomania não deve ser de ir contra a droga ou de
sugerir que o paciente fique em abstinência, também não deve ter o posicionamento de
curá-lo. Até porque esse desejo deve vir pelo paciente, e assim a tarefa do psicanalista é
de escutar esse sofrimento, acolher essa dor e possibilitar novos significados para além
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da droga. Vale ressaltar que não é tarefa do analista forçar uma mudança na posição do
sujeito em relação a droga, isso seria contraindicado (SILVEIRA, 2013).
A forma como o sujeito chega na análise muitas vezes é sem motivação para o
próprio atendimento, pois eles não conseguem nomear que existe um desprazer social, e
quem procura amparo são os familiares. Nesse sentido, as vezes não se tem demanda
para análise inicialmente e posteriormente isso pode evoluir para a construção de uma
queixa. Com isso, quando não se tem um conteúdo psíquico imediatamente, se mantém
a regra da associação livre, uma forma de convocá-lo a narrar sobre o que quiser. Em
alguns casos isso pode levar um tempo que não é cronológico, é um tempo da
manifestação do inconsciente, e isso seria indicado. Esse público manifesta um desejo
inconsciente de se inserir naquilo que se pensa estar excluído, ou seja, a sociedade para
que se sinta pertencente ao um grupo e se integrar partindo da substância, assim a droga
se torna uma porta de entrada para a toxicomania (CHAVES, 2006).
Narrar sobre a toxicomania é pensar no sujeito que sofre, e que é atravessado por
questões sociais e culturais. Freud no texto mal- estar na civilização (1930/1996),
observa que o sujeito precisa se inscrever na cultura e isso pode gerar um mal-estar, pois
nem sempre a sua dinâmica psíquica estará em consonância com a sociedade. Nessa
perspectiva, pode-se pensar que o sujeito busca na droga essa inserção na civilização e,
assim busca o prazer e se afasta do desprazer e da dor de existir. O cigarro, e o álcool
são utilizados no contexto de diversão e lazer, de forma a deixá-lo mais socializável e
incluído no grupo que deseja ser aceito. E assim o uso que era recreativo passa a ser um
mal necessário, transforma um uso adicional, num uso indispensável, colocando-o numa
posição de servidão ao uso da droga e se submetendo ao prazer deste. Isso se
presentifica na sessão com o analista principalmente no que confere a relação
transferencial (SANTOS & ROSA, 2007).
A sessão era dinâmica e poderia mudar a qualquer hora, cheia de arrependimento
e culpa, isso ocorre porque a sobriedade convoca a consciência o próprio sofrimento,
pois já não tem a droga para curá-lo. Nesse cenário o objeto droga se torna um remédio
para tratar do que atormenta. Com isso, a transferência se produz pela tentativa direta ou
indireta de sair e receber alta da internação, demonstrando uma falsa melhora e ter
acesso ao desejo. A aflição e a ansiedade tendem a marcar o encontro entre analista e
analisando. E assim se drogar cada vez mais, é se suicidar aos poucos, tirar um pouco de
si, por isso que muitos deixam de trabalhar e negligenciam a vida conjugal, para viver
só para o objeto droga, se tornam refém, ou seja, se intoxicam diante da perda. Estando
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longe das drogas inevitavelmente as lembranças das dores, e o desejo de fugir fica mais
aflorado (FREUD, 1912/1996).
A dinâmica da transferência na clínica se manifesta em forma de desespero,
quando se percebe que o acesso a droga já está fora do seu alcance. Excessos de raiva
contra a analista, e ainda testam o limite da profissional a todo momento. Vão da
completa simpatia, agradecimentos por serem ouvidos, com intenso desejo de serem
agradáveis, justamente para obter benefícios na internação, até a própria rejeição do
tratamento, com desconfiança, uso da negação e manipulação, tudo isso pode acontecer
num só encontro (FREUD, 1912/1996).
O método clínico convoca;

O analista (de modo geral ou específico como operado no caso


clínico) ao provocar o paciente propondo-lhe um desafio maior em
prol de um saber pleno sobre si, faz com que o paciente entre em um
estado defensivo e alienado, desatando um discurso intelectual
completamente à situação e efetivamente ensurdece passando ao largo
com suas respostas deixando, em seguida, o analista irritado e
estupefato (TURNA, 2008).

Essa proposta de trabalho enfatiza a contratransferência, sendo possível perceber


um fazer clinicamente complexo diante da demanda da toxicomania, e com isso os
sentimentos do analista não ficam neutros, como se nada sentisse, ele sente e sente
muito. Provoca e é provocado pelo paciente, de forma que o sujeito fique numa posição
de defesa, como se transferisse ao psicanalista o ataque e, estivesse apenas esperando
essa disputa de destaque começar (TURNA, 2008).
Partindo desse pressuposto da dinâmica da transferência e contratransferência os
obstáculos encontrados na pesquisa se caracterizam pela desconfiança do analisando em
relação ao tratamento, de não querer expor os conteúdos inconscientes para se manter
preservado e não se submeter a regra fundamenta da psicanálise. Como se tratava de
quase 100 pacientes não era uma tarefa simples recordar de todas as histórias relatadas,
com isso, ao final de cada atendimento reservava uns 10 minutos para tecer algumas
anotações sobre os casos. No centro de internação, a grande maioria era de caráter
compulsório, ou seja, não havia o desejo de tratar sobre a relação com a droga, e o que
consequentemente gerava resistência na análise (SILVA & BRANDT, 2019).
Partindo dos resultados encontrados na pesquisa o atendimento individual se
voltava para a negação do vínculo com a droga que era uma forma de não ter que lidar
com isso, e quando confirmavam, tendiam a criação de respostas prontas que
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sinalizavam uma vida sóbria, e ambas são formas de resistir ao tratamento analítico. Um
obstáculo era com a própria instituição, pois a proposta de trabalho era de atendimento
duas vezes por semana, e ainda tinha a cobrança de que os 90 pacientes fossem
atendidos pelo menos uma vez por mês, isso era praticamente impossível (SANTEIRO,
BARBOSA & SOUZA, 2016).
No que consiste aos resultados dos atendimentos em grupo que ocorria ao final de
cada mês, preparava-se um espaço de escuta onde cada um pudesse relatar sobre o que
quisesse. Alguns se soltavam mais, eram mais falantes, outros observavam mais, cada
um com a sua característica subjetiva. O encontro consistia na aplicação do método
associativo de ideias. Onde era dividido em subgrupos (4 ou 5 grupos). E do mesmo
modo era possível perceber um discurso onde a droga o fazia fugir dos problemas e
promover o prazer pela fuga. Na relação transferencial o sujeito poderia monopolizar e
ganhar atenção de todos, afinal era um conteúdo em comum entre eles. Era um encontro
para expor sentimentos, gerar reflexões e compartilhamento das manifestações
psíquicas. O obstáculo encontrado era da própria individualidade do sujeito querendo se
sobrepor ao grupo, sendo apresentado o sentimento de raiva por estar naquela condição
de sofrimento, a sobriedade faz isso. Foi também percebido que a recaída envolve
conflitos na autoestima, no trabalho e na família (FERNANDES & HUR, 2022).
O atendimento de todo o grupo se dava a partir da elaboração de desenhos livres.
Essas manifestações ilustrativas demonstravam projeções provenientes da infância,
relações familiares e aspectos envolvendo o trabalho. Procuravam relatar sobre as
emoções evocadas nos desenhos. Desta forma, a relação que o sujeito estabelecia com a
droga era de uma completa paixão, um sentimento descontrolado e avassalador, que o
fazia necessitar do objeto amado (LONDERO & SOUZA, 2016).
Além do atendimento em grupo haviam os encontros com os familiares que tinha
total autonomia para retirar o sujeito da internação, essa configuração se apresentava de
forma similar de quando os pais levam o filho adolescente para fazer análise e este não
aceita, sendo a sessão um lugar de punição. E assim ficam internados por agir fora da
lei, fora das regras, e se deparam com o lugar onde se têm regras e privações de
liberdade (PARAVIDINI & CHAVES, 2012).
O atendimento em família acontecia quando eles procuravam a analista ou a
mesma entrava em contato. As mães que tinha um desejo mais intenso de falar, e assim
era proporcionado um espaço de escuta. Geralmente esses encontros eram justamente
para falar da conduta do filho que estava internado. E na clínica da toxicomania o
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atendimento se estende para além do sujeito e busca-se compreender a dinâmica


familiar, escuta sobre a infância, adolescência e vida adulta (PARAVIDINI &
CHAVES, 2012).
Na clínica da toxicomania, tanto os sujeitos quanto os familiares e a instituição
esperavam orientações quanto ao uso abusivo da droga, ficavam na expectativa de que a
analista proporcionasse respostas para a demanda. Imaginavam que a profissional iria
lhe dizer para deixar de usar a droga. Transferiam para a psicanalista as suas incertezas
frente ao presente e ao futuro, e com isso aguardavam que um outro lhe dissesse que
deveria fazer com a angústia. E assim é possível observar que a recaída após um período
de internação apresentava a própria ruína psíquica de uma plena satisfação, assim como
a preocupação dos familiares (SILVA, 2011).
Os gestores queriam resultados da cura e a garantia que o paciente não iria recair
ao concluir os nove meses de internação. E isso era uma responsabilidade muito grande,
como fazer esse tipo de promessa? Se a própria psicanálise anda na contramão desse
tipo de discurso de certeza. Era um fazer complexo, não só pela toxicomania em si e,
sim pela própria expectativa da instituição sobre a prática da analista (FERREIRA,
CÓRDAVA, KERN & MAIA, 2020).
Para finalizar o tempo de atuação da analista, no segundo ano de atendimento,
soube de outra profissional que estava atendendo os pacientes dela, e assim a
psicanalista entrou em contato com o proprietário e, a esposa dele que se encarregou de
avisar por mensagem de texto e áudio que não eram mais necessários os serviços dela.
Onde ela não pôde se despedir dos pacientes e nem realizar uma sessão final, e os
pacientes provavelmente ficaram sem entender o que havia acontecido. Também foi
observado a política da instituição de não manter por muito tempo uma profissional da
saúde mental, pois parecia que eles prezavam pela rotatividade e assim a analista não
teria a chance de criar e fortalecer a transferência, e consequentemente não haveriam
evoluções dos casos. Por fim, a analista não teve a oportunidade de se despedir dos
pacientes ou de oferecer um feedback para as famílias, se tornando outro obstáculo para
a continuidade do trabalho (FREUD, 1937/1996).
Analisando todos os resultados da pesquisa e a experiência da analista, pode-se
considerar que esse modelo de tratamento medicamentoso limita o sujeito e o tira da
sociedade, sendo considerado um perigo para comunidade, muitas vezes é um grito de
socorro, um pedido de ajuda. Esse formato de atendimento produz um apagamento do
sujeito, limitando-o seu tempo de escuta e de fala, na tentativa de reduzir a subjetividade
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em dinheiro através da internação, não dando a oportunidade para a expressão psíquica.


Esse cenário produz uma ordem exploratória do capitalismo, visando apenas o lucro e
não a saúde mental, uma maneira precarizada de internação que visa a falsa cura através
da eliminação do sujeito problema, aprisionando-o e impossibilitando de formações
acadêmicas, trabalho ocupacional e uma vida amorosa. Portanto se torna uma clínica do
impossível, isso ocorre devido a indústria medicamentosa que perpassa esses ambientes
de internação. E nisso o sujeito se aliena nessa lógica da ordem de um discurso
patologizante e farmacológico que o priva da liberdade e o aprisiona no seu mal-estar
(UHR, 2018).
Essa temática da toxicomania pode ser associada ao modelo de internação
Brasileira que gera violência, este sistema carcerário não ocorre apenas no presente
trabalho, percebe-se que ele se presentifica de forma generalizada em outros contextos
envolvendo álcool e outras droga no Brasil. A luta antimanicomial priorizava uma
sociedade onde não houvesse manicômio, de forma que os sujeitos pudessem passar
pela assistência em saúde mental e não precisasse ser internado, para que, o mesmo
continuasse estudando e trabalhando, ou seja, inserido na sociedade (UHR, 2018).
Por mais que a Reforma Psiquiátrica tenha avançado, ainda se observa clínicas de
tratamento com o modelo manicomial, sendo que o sujeito é considerado louco não
permitido pensar e se expressar, falam se por ele. Assim ele ganha o status de doente,
não tendo direitos e nem deveres (CORREIA & JUNIOR, 2020). Em decorrência disso,
surge as comunidades terapêuticas para o tratamento do uso abusivo de substâncias e
esse modelo repete o mesmo sistema manicomial, sendo que propõe um serviço de
internação a longo prazo, isolamento social, abstinência, privação de liberdade,
colocando-o numa posição de alienação a própria existência e sem expressão de si
mesmo. Esse recorte psiquiátrico precisa ser transformado para outro modelo que
promova a continuidade do tratamento do sujeito inserido na comunidade (SANTOS,
2018).
Essa forma de tratamento que priva o sujeito dos seus papéis sociais, acaba
tirando-o da comunidade e do mundo externo. E com esse isolamento social, ele não
desenvolve as suas capacidades intelectuais e interpessoais, porque nesse tempo de
internação não o faz evoluir psiquicamente, ou seja, privá-lo de liberdade não vai
determinar a sua qualidade de vida, e assim o sujeito fica à mercê de um sistema
excludente que o rouba os seus direitos de ir e vir, e ficam dependentes deste modelo
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carcerário. Internados não têm muitas possibilidades de interações humanas, e assim


ficam num lugar restrito e sem estímulos (GOFFMAN, 1961).
Após um tempo internado e excluído da sociedade, o sujeito precisa ser inserido a
vida, voltar aos poucos para as atividades diárias. E assim é importante pensar que
deixá-lo privado de liberdade não vai conduzi-lo a uma cura, por isso a necessidade de
um tratamento alternativo, para que o mesmo não fique isolados dos demais. Esse
serviço é chamado de Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (caps AD) com
o objetivo de reduzir os riscos causados pelo uso das drogas, aumentando a expectativa
de vida, lugar onde ele pode ser atendido sem deixar de cumprir os objetivos de vida.
Por isso que esse Centro de Atenção pode ser utilizado para o tratamento da
toxicomania (QUINTAS & TAVARES, 2021). Com isso, a lei 10.2016 do Paulo
Delgado, preconizava a humanização e os direitos dos sujeitos que apresentam
transtornos mentais e de que esse público deve ter oportunidade de ser tratado de forma
inclusiva e não ser colocado na posição de doente, de forma que o tratamento não se
produza num modelo carcerário, mas poderá ser atendido no serviço de saúde sem
internação, sendo um estabelecimento aberto (DELGADO, 2021).
Portanto, se conclui que o maior obstáculo dos atendimentos, não se relacionavam
aos pacientes e sim a própria instituição que atravessava o fazer analítico não só
presente na pesquisa, mas se presentifica nos contextos de internação para toxicomania.
Talvez a parte mais difícil não era fazer psicanálise com encontros mínimos e com uma
demanda exaustiva, mas lidar com a gestão do lugar, que obstaculizava qualquer
avanço. O proprietário da instituição gerava impedimento na continuidade da análise.
Com isso, talvez a intenção da clínica de tratamento seja mais medicamentosa, privativa
e punitiva, do que mostrar interesse na atuação da analista na promoção de saúde mental
(QUADROS, MARTINS & SOARES, 2018).
Desta forma, outro ponto a se mencionar é o próprio conceito da transferência na
psicanálise, pois se trata de um dos maiores instrumentos para análise, sem ela não há
trabalho. Isso indica que no âmbito clínico se faz de forma imprescindível e nos
contextos de internação se torna um obstáculo quando a instituição inviabiliza essa
relação com o paciente. Por essa via de escuta o trabalho pode ser impossibilitado
sofrendo impactos na atuação do analista, pois se tem um instrumento que precisa ser
utilizado na relação do analista com o analisando. Prova disso ocorreu no presente
artigo, onde a transferência passou por impasses maiores entre a profissional e as regras
do local, ou seja, mais um impeditivo para o avanço terapêutico, além disso ainda se
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manifestava um vinculo frágil dos pacientes com o possível atendimento, uma vez que
não se consolidava um laço fortalecido por conta dos excessos de desmarques
ocasionados pelo proprietário, já que a instituição se mostrou que prezava mais pela
rotatividade dos profissionais do que pela permanência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação da analista na clínica da toxicomania se produziu de forma teórica e


técnica, trazendo referências ao criador da Psicanálise, Freud. Principalmente no que
concerne um dos principais conceitos, para não dizer o indispensável uso da
transferência. Sustentar qualquer laço que o analisando vai estabelecer com o analista,
se torna uma tarefa complexa, pois exige de ambos dedicação e compromisso
(CHAVES, 2006). Com isso, baseado no desejo da analista pela investigação do
inconsciente do sujeito e a sua relação com álcool e outras drogas, foi realizado esse
presente trabalho, fruto de uma experiência profissional que no início não tinha esse
efeito de pesquisa e que após a conclusão da intervenção se desenvolveu o presente
estudo.
A fundamentação teórica se deu a partir da psicanálise, os preceitos provenientes
do método associativo de ideias permaneceram, tanto no atendimento individual, de
grupo e familiar, oriundos da demanda da toxicomania. Esse recorte de experiência
transferencial mostrou que o sujeito sem demanda de sofrimento, o atendimento se torna
facilmente evitável, pois não há motivação para o início e continuidade do tratamento,
ou seja, se o sujeito não se implica no próprio discurso, dificilmente terá efeito analítico.
E quando existe a possibilidade do desenvolvimento da linguagem, solicita que o
mesmo possa falar do que não sabe e do que desconhece, partindo do não saber, para
que possa perceber que ele mesmo é estranho e não se entende (FORBES, 2014).
A dinâmica da transferência analítica se traduz na relação a dois, entre analista e
analisando, onde se transmite conteúdos inconscientes provenientes da infância e que
são atualizadas durante o atendimento, produzem-se sensações, pensamentos e condutas
que se repetem no setting terapêutico. Onde o sujeito prova e teste o analista a todo
momento, como se fosse um jogo de forças (FREUD, 1912/1996).
A experiência na clínica de tratamento para álcool e outras drogas trouxe uma
visão não medicamentosa e, possibilitou a abertura do discurso e expressão do sujeito
que sofre, que ele tenha esse espaço de fala e que não falem por ele. Passar por esse
momento de prática apenas confirmou os estudos e leituras referentes ao tema,
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reconhecendo a complexidade com esse público na adesão ao tratamento, justamente


pela falta de consciência da demanda, o que consequentemente gerava negação desse
lugar, banalizam e naturalizam o uso tóxico (SANTOS & ROSA, 2007).
Foi possível observar que internar o sujeito não vai levá-lo a resolução do
problema, apenas vai deixá-lo longe das drogas e ainda sem estímulo para estudar,
trabalhar e viver amorosamente, ou seja, deixará de ter direitos e não terá voz para se
expressar, passará da liberdade ao total controle (CORREIA & JUNIOR, 2020).
Tempos onde o sujeito sofre um apagamento da sua subjetividade, deixando de ser
ouvido e perdendo de uma hora para outra a autonomia própria de um adulto, para se
tornar refém do sistema de internação que visa mais o lucro do que a saúde mental
(UHR, 2018).
Esse retrato clínico se tornou uma atuação da ordem do impossível, não pela
complexidade do tema, mas pelo modelo de tratamento que se assemelhava a uma
penitenciária, de maneira que isso não se configurava um tratamento e, sim uma ação
punitiva para aqueles que estão fora da lei e não seguem as normas sociais
(GOFFMAN, 1961).
Como resultado da pesquisa os principais obstáculos encontrados na execução do
trabalho se caracterizavam pelo formato do atendimento penitenciário, que prende o
sujeito e não dá acesso a liberdade. Resistência em seguir a regra fundamental da
psicanálise, ou seja, o método associativo de ideias. Situações nas quais o proprietário
fazia questão de interferir, controlando o tempo de sessão, desmarcando os encontros,
colocando uma quantidade excessiva de pacientes, na qual não seria possível atender a
todos, saídas inesperadas dos pacientes da internação sem o devido aviso prévio e, a
própria falta de ética com a profissional mudando de psicóloga sem avisá-la com
antecedência. Caso o sujeito não tenha consciência da sua situação psicológica, ele nega
que se trata de um caso de toxicomania e assim resiste a análise. E por se tratar de uma
internação compulsória, muitos não queriam ser internados e muito menos passar pelo
atendimento psicanalítico, o que se configurava em outro impeditivo para a entrada na
análise (SILVA & BRANDT, 2019).
Por fim, os resultados do presente trabalho se caracterizam pela crítica a esse
modelo de internação, que produz um apagamento do sujeito e o tira da liberdade de ir e
vir. Com isso, foi possível constatar que mesmo que a profissional atuasse em outro
contexto de internação para álcool e droga, poderia chegar mais ou menos nas mesmas
respostas, de que mesmo avançando em torno do movimento da reforma psiquiátrica,
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ela continua regredindo a época dos manicômios, onde se priorizava uma lógica
capitalista que busca o lucro por cima da doença e, não visa o tratamento e, o leva a
exclusão social. Sendo assim, o maior empecilho para o andamento dos atendimentos
não se caracterizava pela demanda dos pacientes, mas pela própria instituição que
interferia na execução do trabalho (UHR, 2018).
Portanto, a pesquisa mostra que os resultados não são provenientes apenas deste
trabalho e sim do sistema que recebe o sujeito e a sua família. Desta forma, os
resultados encontrados mostram que interná-lo não é uma saída efetiva, pois ao final do
tratamento ele pode recair e virar um ciclo vicioso. Como alternativa, é interessante
pensar nos Centros de Atenção Psicossocial – álcool e drogas (caps AD), como
substituto ao sistema carcerário, um local onde não é necessário internar e ele tem a
possibilidade de ser atendido, sem se privar da vida pessoal, e consequentemente obter
maior autonomia (UHR, 2018).

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