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Entrevistas Clínicas a as Primeiras Sessões

Introdução

Uma técnica utilizada pelos psicanalistas para um momento de avaliação prévio


à análise, da verdadeira demanda do sujeito são as entrevistas preliminares. Freud
estabelece um período de pelo menos duas semanas para o diagnóstico e o
prosseguimento ou não de análise (FREUD, 1913; 1976). O analista pedirá que o
paciente fale o mais livremente possível, pela técnica da associação livre, ouvindo o
paciente em sua totalidade e procurando transmutar a queixa-sintoma em
sintomaenigma (PRISZKULNIK, 2000).

Os primeiros encontros com o analista no qual a partir da escuta empreendida


este terá condições de avaliar com um menor risco um encaminhamento ou o modus
de tratamento, clareamento da demanda e instauração da transferência, a
inauguração de um “diagnóstico estrutural”, ou seja, o modo como o sujeito lida com
a falta e se posiciona inconscientemente diante da castração .

Três pontos são levantados aqui quanto à sagacidade de Freud, o primeiro é a


dimensão potencial do diagnóstico, pois o suspende laçando a um devir a partir das
observações subsequentes, o segundo refere-se ao valor dessa ação que prorroga
qualquer intervenção dita terapêutica e terceiro consiste no aproveitamento desse
tempo de observação para o desenrolar do possível tratamento(DOR, 1991)

As entrevistas preliminares nem sempre tiveram essa nomenclatura, foram


inicialmente chamadas por Freud de “análise de prova” ou mesmo “tratamento de
ensaio”. Já em Lacan obtivemos a nomenclatura utilizada atualmente.

De acordo com Freud (1913), para que o processo de análise aconteça e se


atinja um determinado objetivo, torna-se necessário um período que o antecede, no
qual seja possível traçar um caminho para que o analista possa cumprir sua promessa
de cura.
Freud (1913), no texto “Sobre o início do tratamento”, refere-se à prática de um
tratamento de ensaio para evitar a interrupção da análise, a fim de se conhecer o caso
e decidir sobre a possibilidade de sua analisabilidade; como exemplo, a falta de
compreensão interna (insight) do paciente poderia ser um empecilho.

Esse período, o qual Freud (1913) nomeava de tratamento preliminar é, ele


próprio, o início da análise e, portanto, considera a regra fundamental da associação
livre. É neste momento da entrevista que acontece o primeiro contato entre analisante
(paciente) e analista. Etapa importante para o restante do processo de análise. Isso
porque esse primeiro contato abre espaço para a transferência de análise, que até o
momento ainda não está, de fato, instalada.

No entanto, não podemos dizer que não há transferência, pois se o analisante


chegou até o consultório deste analista em especial, isso se deve ao fato de que algo
da transferência ocorreu, mesmo que de maneira mais frágil, e que ela se consolida
no decorrer do processo, ou seja, se o analisante voltar na próxima sessão. Como
sabemos, a transferência é a mola propulsora do tratamento. Ela pode ser positiva ou
negativa, e por isso temos a relação entre amor/ódio, que são afetos para a
psicanálise.

A queixa inicial do sujeito quase sempre demanda uma palavra de cura,


livrando o paciente do seu sintoma. Ele espera o auxílio de alguém, que supõe-se
saber algo do sofrimento dele, podendo tratá-lo. Mas isso não é o suficiente para que
a análise ocorra.

Logo, essas entrevistas iniciais servem para investigar os motivos que trazem
o paciente àquela consulta, é a mola mestra que vai direcionar o analista a montar
suas hipóteses iniciais. Este primeiro contato pode ser exatamente o momento no
qual se detectará o que é possível ou não ser “tratado” em termos psicanalíticos,
podendo, além disso, proporcionar em si mesmo um resultado terapêutico.

A postura do analista, neste primeiro contato, deve voltar-se para a escuta, a


receptividade ao discurso do sujeito, mantendo, segundo Freud (1913), uma ‘atenção
uniformemente suspensa’, ou seja, uma atenção flutuante. Este discurso direcionado
ao analista é diferente dos outros, devido ao sentido novo que ele adquire aos ouvidos
do psicanalista. Seu posicionamento é que vai determinar se o atendimento vai servir
apenas para tamponar o sofrimento psíquico que o sujeito traz ou se irá abrir espaço
para que a sua subjetividade seja revelada e que este possa se implicar em suas
questões.

Portanto, o analista não deve criar interpretações precipitadas, pois é o


paciente que dá sentido às suas experiências. A função sintomal compreende
questões sobre a demanda e analisabilidade. De acordo com Lacan, há apenas uma
demanda verdadeira para se dar início a uma análise: a de se desvencilhar de um
sintoma.

Quinet (2000) afirma que para Lacan, a analisabilidade é função do sintoma e


não do sujeito e deve ser buscada, a partir da transformação do sintoma do qual o
sujeito se queixa em sintoma analítico. Isso significa que é preciso que: “a queixa se
transforme numa demanda endereçada àquele analista e que o sintoma passe de
estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja
instigado a decifrá-lo” (Quinet, 2000, p.16).

A partir do momento em que o analista entra em contato com este ‘candidato à


análise’, concretiza-se esta dupla escolha (tanto do analista, aceitando o indivíduo em
análise, quanto pelo analisando, que se deixa analisar por aquele em específico), o
sujeito será levado a elaborar sua demanda de análise, o que seria caracterizado na
prática como um fator de histerização (Quinet, 2000).

Quinet (2000) afirma que é necessário que a queixa se transforme em


demanda, endereçada àquele analista, e que o sintoma saia da posição de resposta
para a de uma questão para o sujeito. Assim, esse mesmo sujeito será incitado a
decifrá-la. O analista entra como um questionador deste sintoma. Outra função das
entrevistas preliminares compreende a função diagnóstica.

Segundo Freud (1913), existem razões diagnósticas para começar o


tratamento desta forma, pois nos casos de neurose com sintomas histéricos ou
obsessivos, há certa dificuldade em diferenciá-los das chamadas demências precoces
(esquizofrenia, parafrenia). Portanto, torna-se necessário a realização de um
diagnóstico diferencial, em particular, o diagnóstico diferencial entre neurose e
psicose na medida em que a forma de conduta frente ao caso se torna diferente para
cada uma dessas estruturas clínicas.
Contudo é preciso que o analista sustente esta posição de sujeito suposto
saber para transformar a transferência demandante em transferência produtora pelo
trabalho da associação livre – regra fundamental da psicanálise. É importante
ressaltar que o analista vai ‘tomar este lugar de saber’ emprestado, não devendo
nunca se identificar com essa posição, o que, para Quinet (2000), seria um erro.

A função diagnóstica das entrevistas preliminares se institui como um papel de


direção da análise, ou seja, ela só terá sentido se servir de respaldo para a condução
da análise. Essa tática do analista no direcionamento da análise está correlata com a
transferência, na qual o diagnóstico está intimamente ligado.

Porém, este só pode ser investigado no registro do simbólico, atentando para


o que Lacan anuncia ao dizer que um sujeito é incurável, pois não se pode curar o
inconsciente. Cabe ao psicanalista o desafio de articular as entrevistas preliminares
ao contexto em que está inserido e aproveitar a eficácia desta prática terapêutica.

A Entrevista Clínica Psicanalítica

A entrevista é um instrumento fundamental do método clínico, sendo uma


técnica de investigação científica em Psicologia. Por se tratar de uma técnica, possui
procedimentos empíricos com os quais se aplica o conhecimento, fazendo coexistir
no psicólogo clínico as funções de investigador e profissional. Etchegoyen (2004)
chama de entrevista a tudo que seja uma “visão” entre duas ou mais pessoas,
reservada para algum encontro especial e não para contatos regulares.

Nesse sentido, há diferenças conceituais entre “entrevista inicial” e “primeira


sessão”, já que, a partir do momento em que os encontros passam a ter uma
periodicidade estipulada e regular, eles deixam de constituir uma entrevista
propriamente dita. A primeira antecede o contrato enquanto a segunda implica que a
análise ou psicoterapia já começou formalmente. Os objetivos de uma entrevista e da
psicoterapia são radicalmente diferentes: em um caso é orientar uma pessoa para
determinada atividade terapêutica; no outro, realiza-se o que antes se indicou.
Bleger (1971) citado por Etchegoyen (2004) ainda difere entrevista,
interrogatório e anamnese. A anamnese é uma investigação de dados
preestabelecidos sobre o princípio e evolução de uma sintomatologia. O interrogatório
tem o objetivo de obter informação, de investigar o que o entrevistado sabe
conscientemente. A entrevista pretende ver como funciona um indivíduo e não como
diz que funciona.

Entrevista Inicial

Trata-se do primeiro contato entre terapeuta e paciente pessoalmente.


Geralmente, antecede ao encontro algum telefonema ou contato agendando a
entrevista, e já se instalam nesse primeiro momento determinadas pré-transferências
que vão se desenvolver ou não ao longo das entrevistas e do tratamento.

Algumas investigações têm demonstrado que a fase inicial é crucial para a


permanência ou não em tratamento (CEITLIN & CORDIOLI, 1998). Langs (1973)
afirma que a maioria dos pacientes que abandonam a terapia o faz nas primeiras
entrevistas e que a permanência em terapia depende de desenvolver uma boa relação
com o terapeuta.
O objetivo principal desta entrevista é levantar hipóteses sobre o
funcionamento psíquico do paciente, possibilitando traçar um plano de tratamento ou
ter melhores condições para realizar um encaminhamento a outro profissional. Esse
processo de avaliação geralmente necessita de mais de um encontro, sendo mais
correto referir-se a este como entrevistas iniciais. “Deve-se levar em conta que o
entrevistado muda, em geral, de uma para outra entrevista, e o próprio entrevistador
pode mudar e mesmo recuperar-se do impacto que pode ter-lhe significado o primeiro
encontro” (ETCHEGOYEN, 2004, p. 46).

No entanto, diversos autores defendem a ideia de que, mesmo que o terapeuta


opte por diversas entrevistas, ele deve ter em mente que não é prudente prolongá-las
demais, devido à grande ansiedade que podem despertar no entrevistado. Ademais,
para os autores que acreditam não ser aconselhável fazer interpretações
transferenciais durante as entrevistas, o prolongamento excessivo desse processo
inicial pode complicar a relação analítica futura pela impossibilidade de interpretar
desde o início o vínculo que está sendo formado.

Zimerman (2004) disserta em seu livro Manual de técnica psicanalítica acerca


dos objetivos da entrevista inicial. Para ele, os objetivos gerais da entrevista inicial
são:

1) avaliar as condições mentais, emocionais, materiais e circunstanciais da


vida do paciente que o buscou e

2) estabelecer um rapport com o paciente, isto é, o início de uma relação


pautada por um vínculo empático, por uma atmosfera de veracidade e confiabilidade.

Para que os objetivos gerais sejam atingidos, deve-se ter como objetivo
específico, durante essa etapa inicial, os seguintes itens:

1) ajuizar os prós e os contras, as vantagens e as desvantagens, os riscos


e benefícios de indicar psicoterapia para aquele paciente (conforme critérios de
analisabilidade e acessibilidade vigentes ou do próprio terapeuta),

2) inferir o grau e o tipo de psicopatologia, de modo a formar alguma


impressão diagnóstica e prognóstica do paciente,
3) avaliar a qualidade da motivação do paciente, tanto a manifesta quanto
a inconsciente,

4) verificar a capacidade de insight do paciente, sua capacidade de


abstrair, simbolizar e dar acesso ao seu inconsciente,

5) avaliar a realidade exterior do paciente: condições sócioeconômicas,


entorno familiar, sua posição profissional, seu projeto de vida próximo e futuro,
existência de fatos traumáticos, etc.,

6) conferir se a teoria de tratamento e cura do terapeuta coincide com a do


paciente.

A impressão diagnóstica deve ser formada levando em conta que existem


diferentes tipos, níveis e perspectivas de diagnóstico clínico. Ainda segundo
Zimerman (2004), há dois tipos de abordagem para a construção desta hipótese
diagnóstica. A primeira diz respeito às classificações do DSM IV-TR: eixo I (aspectos
sindrômicos), eixo II (tipos e transtornos de personalidade), eixo III (transtornos
físicos), eixo IV (estressores) e eixo V (nível de funcionamento). A segunda consiste
em considerar os seguintes enfoques:

1) Nosológico: determinada categoria clínica

2) Dinâmico: a lógica do inconsciente

3) Evolutivo: as etapas do direcionamento da libido oral, anal, fálica,


latente, genital, já que cada etapa exige implicações técnicas específicas

4) Funções do ego: atenção, senso-percepção, memória, orientação,


consciência, pensamento, linguagem, inteligência, afeto, conduta.

5) Configurações vinculares: funcionamento e papel desempenhado pelo


indivíduo na família, no casal, nos grupos em geral.

6) Corporal: cuidados corporais, autoimagem, somatizações e hipocondria.

7) Manifestações transferenciais e contratransferenciais: expectativas do


paciente em relação ao terapeuta e afetos que o paciente mobiliza no terapeuta.

O analista deve ter em mente que muitas vezes o paciente se apresenta na


entrevista de uma forma muito diferente do que ele realmente é (por ansiedade
paranóide ou fóbica excessiva, por masoquismo, para seduzir o terapeuta a aceitá-lo
em tratamento, etc). Por isso fala-se em impressão diagnóstica, embora o terapeuta
precise estar atento e aberto a possíveis mudanças nesta primeira percepção.

A entrevista, para Etchegoyen (2004), tem como objetivo avaliar o que se pode
esperar do potencial analisando e, reciprocamente, o que ele necessitará do
terapeuta. Avalia também até que ponto a interação que se estabelece entre
entrevistador e entrevistado será curativa ou iatrogênica.

Há ainda a discussão a respeito do uso de instrumentos psicodiagnósticos


durante esse processo. Alguns terapeutas (especialmente os que se autodenominam
“psicanalistas clássicos”) pensam que a testagem psicodiagnóstica “suja” o processo
terapêutico (já que a testagem interrompe a associação livre), preferindo obter dados
mais profundos do seu paciente na medida em que este for se revelando no curso do
tratamento psicanalítico. Defendem a ideia de que o entrevistador deve buscar as
informações necessárias para fazer uma indicação de tratamento, mas que um
conhecimento prévio muito profundo do paciente pode chegar a perturbar a
compreensão deste.

Para esses seguidores, torna-se mais importante durante as entrevistas a


construção de uma postura empática e continente do que uma postura investigativa.
Gabbard (1992) citado por Marques (2005), por exemplo, pode ser considerado um
representante desta escola ao postular que o entrevistador deve manter um estilo de
entrevista flexível, passando da busca estruturada de fatos a uma atitude
nãoestruturada de escuta das associações do pensamento do entrevistado. Por outro
lado, há psicanalistas que advogam a favor do uso dos instrumentos, como Abuchaem
(1985), o qual defende o uso da testagem por acreditar que os resultados desta
deixam o analista em melhores condições para indicar a terapia adequada.

A postura adotada dependerá da concepção de tratamento que o analista


segue, já que, como diz Zimerman (2004, p. 60): Sou dos que acreditam que a
entrevista inicial funciona como uma espécie de trailler de um filme, que
posteriormente será exibido na íntegra; isto é, ela permite observar, de forma
extremamente condensada, o essencial da biografia emocional do paciente e daquilo
que vai se desenrolar no campo analítico.
Compreensão processualmente orientada na primeira entrevista

Na primeira entrevista psicanalítica, os pacientes desejam retratar seu mundo


interno, um mundo interno que em certa medida, lhes é inteiramente desconhecido.

Antes do primeiro encontro, o entrevistador já está associado à esperança, ao


medo ou destruição. O processo começa com os "fenômenos preliminares", como por
exemplo, marcar a entrevista por telefone (Argelander, 1976). A escolha de palavras
e a voz do paciente ao telefone pode ter uma influência duradoura positiva ou negativa
no entrevistador e, reciprocamente, a atitude do analista ao telefone pode determinar
se a entrevista será realmente produtiva.

Em seguida vem o primeiro encontro pessoal, a cena de abertura, a primeira


comunicação verbal do paciente, a primeira intervenção verbal do psicanalista,
comunicações acerca do histórico de vida e do caso, a primeira interpretação no
sentido mais estrito, o acordo sobre como prosseguir e, finalmente, o agendamento
da próxima consulta ou a última despedida. Nesse processo, a atitude interna do
psicanalista está constantemente alternando entre a escuta, a conceitualização, uma
atenção introspectiva, assumir papéis, reagir e intervir, entre o passado e presente, e,
entre uma atitude diagnóstica e terapêutica (Wegner, 2008).
Para o analista, a possibilidade de entender algo sobre o paciente e sobre a
relação que se inicia, é uma precondição essencial para encorajar e manter uma
relação terapêutica, à medida que muitas motivações inconscientes ainda não podem
ser transformadas para a relação transferencial.

Inversamente, a não ser que o desamparo do paciente tenha atingido


proporções extremas, na maioria da vezes, ele só manterá uma relação terapêutica
se ele se sentir adequadamente compreendido pela atitude e intervenção do analista.
A possibilidade do paciente tolerar ou não uma compreensão inadequada, pode ser
uma medida das suas capacidades egoicas. Se o analista conseguir escutar
atentamente, ele também detectará que frequentemente o paciente traz seu próprio
"diagnóstico" sobre seu sofrimento psíquico ou somático, que também é veiculado
através do processo de interação. A tarefa do analista é formulá-lo do modo mais
exato possível.

O objetivo da entrevista é conseguir descrições intersubjetivas do processo que


conduzam a avaliações terapêuticas relevantes, tal como documentado, por exemplo,
por von Eckstaedt (1991). Também podemos entender assim as reflexões de
Danckwardt e Gattig, que sugerem "uma variante especial da entrevista inicial" para
obter respostas a respeito de como a indicação de tratamento psicanalítico de alta
frequência pode ser sustentada:

Além das observações sobre o curso de uma sessão de entrevista,


observações sobre o curso de todas as entrevistas preliminares devem ser
conduzidas uma ou duas vezes por semana. Dessa maneira, muitos dados dinâmicos
poderiam ser coligidos com base numa interrogação conclusiva além dos dados
objetivos (por exemplo, acerca de manifestações da compulsão à repetição), que
dariam uma resposta à provável melhor densidade de frequência das sessões. (1998,
p. 44)

O uso da interpretação na entrevista inicial

É bastante controversa entre os psicanalistas a decisão se cabe ou não


interpretar na entrevista inicial. Zimerman (2004) acredita que as clássicas
interpretações alusivas à neurose de transferência devem ser evitadas ao máximo,
mas defende as “interpretações compreensivas” nesta etapa, ou seja, aquelas que
dizem o suficiente para o paciente sentir-se compreendido.

Etchegoyen (2004) defende que uma interpretação só é possível quando antes


foram fixados os termos da relação, ou seja, após o contrato. O autor legitima uma
interpretação se esta objetiva remover um obstáculo concreto à tarefa que está sendo
realizada na entrevista, mas nunca com o objetivo de modificar a estrutura do
entrevistado ou lhe fornecer insight. Ele acredita não ser a busca de insight o propósito
da entrevista, e nem o que o entrevistando precisa naquele momento.

Abuchaem (1985), em seu livro La interpretación en las etapas iniciales del


tratamiento psicoanalitico, explora justamente essa discussão. Para ele, há autores
como Theodor Reik e Freud que assumem e defendem uma postura não
intervencionista durante as entrevistas, por entenderem que enquanto não se
estabelecer a chamada neurose de transferência, o analista deve abster-se de
verbalizar a interpretação ao analisando, mesmo que tenha compreendido
perfeitamente o sentido oculto das associações livres.

O analista deve aguardar com paciência e parcimônia a aparição de sinais que


delatam a emergência e instalação permanente da neurose transferencial. Para atingir
esse objetivo, o analista deve intervir mediante assinalamentos breves, pois a função
do analista nesse primeiro momento é basicamente escutar o paciente e promover as
manifestações incipientes da neurose transferencial.
Por outro lado, o autor descreve e defende a postura intervencionista, que
consiste em interpretar desde a primeira entrevista, desde o momento em que se
entenda o significado do conteúdo latente do discurso do analisando. Essa posição,
defendida por muitos desde Melanie Klein, parte do pressuposto que a transferência
se estabelece de forma intensa desde o início do tratamento, sendo sua intensidade
dependente da resistência inicial ao processo terapêutico.

Assim, é aconselhável o ato interpretativo desde a primeira entrevista, já que a


transferência (seja ela positiva, negativa ou erótica) já se estabeleceu e precisa ser
interpretada para garantir o bom andamento do tratamento.

A contratransferência

O analista não deve apenas diagnosticar e intervir; ele precisa se observar


como parte do que ocorre na interação, na transferência e na contratransferência.
Deve-se ressaltar que o analista não reage apenas, mas é também influenciado por
muitos outros fatores: sua atitude fundamental, sua vida individual e a história do seu
aprendizado, sentimentos situacionais específicos acerca da expectativa de um novo
paciente e estratégias subjetivas investigativas e de resolução de problemas, que
reduzem o fluxo de informação. Todos esses fatores da parte do analista entram na
cena da abertura.

Heimann (1950, 1960, 1964) deu um status importante à análise da


contratransferência como um instrumento diagnóstico, e Rosenfeld ressaltou que: "Os
bloqueios mais comuns na interação paciente-analista referem-se às ansiedades mais
primitivas da infância do analista" (1987, p. 40).

Hoje em dia, precisamos lidar de modo mais sistemático com as ansiedades


do analista a respeito do método psicanalítico, porque essas ansiedades são
"contingentes ao sistema e, por isso, específicas à profissão" (Danckwardt, 2011a, p.
113).

Há duas escolas de pensamento principais no debate acerca da


contratransferência: a contratransferência é colocada como reação inconsciente do
analista ao paciente, no sentido de uma perturbação da sua capacidade de trabalho
("abordagem clássica", Kernberg, 1965) ou como a totalidade das reações cognitivas
e emocionais do analista ao paciente ("abordagem totalista", ibid.). Recentemente
essa discussão levou ao estabelecimento de uma psicologia orientada pelo processo
bipessoal, que descreve como "lidamos com o sistema relacional no qual um fator é
também função do outro" (Loch, 1965a, p. 15).

Loch ressalta decisivamente o aspecto analítico da relação de objeto na


reciprocidade. Afirmações tais como a de Heimann de que "a contratransferência do
analista não é só parte integrante da relação analítica, mas é também criação do
paciente, é uma parte da personalidade do paciente" (1950, p. 83) ou a de Bion, de
que "interpretações psicanalíticas podem ser vistas como teorias mantidas pelo
analista sobre os modelos e teorias que o paciente tem do analista" (1984, p. 17)
estão afinadas, consequentemente, com os termos de uma psicologia bipessoal.

Enquanto o analista anteriormente era visto no campo de investigação como


uma variável dependente (em relação ao paciente como variável independente), hoje
ele é problematizado como variável independente, ou seja, independente da
transferência do paciente. "A interpretação do comportamento transferencial como
reação à contratransferência é um desses problemas", escreve Fliess (1953, p. 273)
e Loch afirma:
O analista precisa da contratransferência para poder entender o paciente, no
entanto ele precisa simultaneamente ultrapassá-la para poder fazer uma
interpretação. (Loch, 1965a, p. 21)

Isso dá margem à suposição de que "a dialética da dupla negação é um


princípio operante da nossa técnica" (p. 20, 21).

Na verdade, é assim que se tece entre paciente e analista uma malha de


processos interativos, reciprocamente influenciáveis, que requer uma linguagem
(modelo representacional; cf. também Bion, (1984 [1965]) para ser descrita e
entendida conceitualmente, e que deve ser sempre, e a cada vez, buscada. Isso
significa, essencialmente, que não podemos supor uma causalidade unidimensional.

O instrumento de investigação é o analista sozinho, e Loch ressalta: "o objeto


de investigação e o instrumento de pesquisa … [pertencem] à mesma categoria"
(Loch, 1965a, p. 21). Ele processa sinais em duas direções como se houvesse dois
vetores no campo psicodinâmico da situação investigativa:

1. um vetor representa as comunicações conscientes e seu correlato


inconsciente, em que as distorções reconhecíveis nas comunicações do paciente no
contexto do aqui-e-agora, (por exemplo pelos aspectos transferenciais) são
especialmente importantes.

2. o segundo vetor se dirige ao processamento detalhado que ocorre no


próprio analista. Isso é o que eu chamaria de direcionamento introspectivo que diz
respeito aos processos internos conscientes e inconscientes.

Mesmo no início de uma entrevista, a quantidade de informação que o analista


processa abrange uma proporção quase infinita. Noutras palavras, ele se confronta
com uma complexa situação de resolução de problemas, em que ele só consegue
manter um comportamento competente, artificialmente reduzindo ou ordenando todos
os dados. Sem isso, o sistema do analista entraria em colapso, o que frequentemente
ocorre em parte, e é de grande relevância diagnóstica.

Geralmente leva algum tempo para o entrevistador realmente se adaptar ao


novo paciente. O analista, assim como o paciente, também precisa ultrapassar um
limiar a partir do qual ele pode escutar verdadeiramente. Esse limiar também implica
no direito do entrevistador decidir se deseja assumir a responsabilidade por um
paciente em particular. Há evidências consideráveis de que essas decisões são feitas
– de modo mais ou menos consciente – muito rapidamente.

Acima de tudo, porém, esse limiar é colocado contra a investida dos desejos
descontrolados do paciente, os quais o analista só pode estar verdadeiramente pronto
para processar se sentir que lhe é concedido ter acesso aos conflitos inconscientes
intrapessoais e interpessoais inconscientes. A maioria dos pacientes conhece isso
muito bem, afinal de contas eles não são somente vítimas de seus sintomas, mas
também agentes da sua própria história de sofrimento, ainda que prefiram outros
conceitos explicativos em nível consciente.

Além do mais, esse limiar protege o analista do fato de que todo paciente, com
sua maneira específica, é capaz de incitar a estrutura de personalidade inconsciente
do analista ou sua estrutura conflitual, afetando assim suas áreas de vulnerabilidade
narcísica. Todos esses problemas são acompanhados por afetos intensos,
especialmente por ansiedade do analista a respeito tanto dos seus próprios
sentimentos quanto dos sentimentos do paciente.

A entrevista inicial na psicoterapia infantil

A entrevista inicial da análise ou psicoterapia infantil é regida por princípios


bastante semelhantes à entrevista com adultos, embora contenha algumas
peculiaridades. Tal entrevista é geralmente realizada com os pais ou responsáveis e
o terapeuta conhecerá pessoalmente seu paciente em um outro momento. Com isso,
o objetivo dessas primeiras entrevistas com os pais é levantar o máximo de dados
possível a respeito da sintomatologia da criança, da sua história pregressa e atual e
sobre o funcionamento da família, já que as condições mentais, emocionais, materiais
e circunstanciais que serão avaliadas dizem respeito não só ao paciente (a criança),
como a toda família. A impressão diagnóstica formada pelo terapeuta apenas poderá
ser confirmada após a primeira hora de jogo com a criança, oportunidade em que o
terapeuta poderá avaliar na prática as funções do ego do próprio paciente, seu grau
de sofrimento, sua capacidade de se vincular e sua motivação para o tratamento.
autores, entretanto, que discordam da postura
necessariamente entrevistar previamente os pais. Ortigues e Ortigues (1988)
sugerem que o terapeuta, ao ser perguntado no telefonema “Quem deve ir à
entrevista?”, responda “Quem quiser!”. Assim, deixa-se a critério da família que
consulta decidir qual é a sua demanda, como quer demonstrar sua patologia, que
lugares ficarão ausentes nesta entrevista inicial,...Enfim, a entrevista inicial realizada
dessa forma fornece dados subjetivos ao terapeuta acerca da dinâmica familiar que
seriam perdidos caso este fizesse uma indicação explícita a respeito de quem deve
estar presente.
Há analítica de
Aberastury (1982), no entanto, solicita explicitamente que a entrevista inicial
seja realizada com ambos os pais e sem a criança. Acredita que a aliança precisa
estar formada com os pais antes de receber o pequeno paciente, não havendo a
necessidade de mobilizar na criança ansiedades inerentes ao processo analítico, se
ela não terá indicação para o tratamento, se os pais não quiserem seguir com o
terapeuta consultado ou não se mostrarem motivados.

A autora não considera conveniente finalizar a entrevista com os pais sem ter
conseguido os seguintes dados básicos que julga imprescindíveis de serem
conhecidos antes de conhecer a criança:

1) motivo da consulta,

2) história da criança,

3) como transcorre um dia de sua vida atual, um domingo, um feriado e o


dia do aniversário,

4) como é a relação dos pais entre si, com os filhos e com o meio familiar
imediato. Acredita que essas informações são cruciais para o entendimento da
patologia da família e da criança, dando subsídios para sua observação durante a
primeira hora de jogo.

Neubauer (1996) também defende a necessidade do terapeuta entrevistar


inicialmente os pais, para averiguar a analisabilidade da criança, como a criança
progrediu e regrediu no passado, seu pano de fundo familiar e social, se os pais são
capazes de sustentar a análise e se o seu comportamento apoiará ou desestimulará
os progressos em desenvolvimento da criança.

O analista deve determinar a capacidade que os pais têm de proporcionar um


ambiente no qual o desenvolvimento possa ser promovido, principalmente após as
paradas ou inibições da criança haverem sido superadas. Ambos os genitores devem
ser avaliados, pois um pode facilitar o tratamento ainda que outro dificulte.

Uma criança é incapaz de fornecer os detalhes necessários para uma avaliação


desse tipo, não pode recordar sua primeira infância, não está interessada em seu
passado, não possui a capacidade de relembrar os detalhes dele e não pode
descrever plenamente o comportamento dos seus pais.
O terapeuta terá também que ajudar os pais a preparar a criança para a visita
inicial, ressaltando que o terapeuta é alguém escolhido para ajudá-la e contando-lhe
a verdade sobre as queixas que a levaram a tratamento.

Ampessan (2005) sintetiza essa discussão alertando que, mais importante do


que o comparecimento de determinada pessoa, será a sustentação da posição
analítica de escuta. “Escutar quem a mãe, se for ela quem ligou, pensou em levar à
entrevista, com quem ela estabelece vínculos e o que propõe neste primeiro contato”
(p. 75).

Outra peculiaridade da psicoterapia infantil é que, durante as entrevistas


iniciais, cabe ao analista identificar “quem é o verdadeiro paciente” daquela família
que o procura. Muitas vezes, a criança serve como bode expiatório dos conflitos dos
pais e da família e, apesar de ser trazida como “o paciente”, representa na verdade
uma “alavanca” para os próprios pais perceberem sua necessidade de atendimento,
ou negá-la (ORTIGUES & ORTIGUES, 1988).

O contrato deve ser feito com os pais. Quando se trata de crianças maiores,
grande número de analistas infantis prefere fazer o contrato na presença do próprio
paciente. Faz parte do contrato, além dos pontos do contrato com adultos, a
combinação a respeito da participação dos pais ao longo do tratamento.

Entrevistas posteriores com os pais

Cabe aqui uma pequena síntese histórica. A primeira psicanalista que tentou
psicanalisar crianças foi a Dra. Hilde Hug-Hellmuth, em 1921, seguida principalmente
por Melanie Klein e Anna Freud. Ambas divergiam muito a respeito da participação
dos pais na análise infantil: Melanie Klein recomendava que o analista evitasse ao
máximo o contato com os pais, mesmo diante da insistência desses (com o objetivo
dos pais não interferirem na transferência da criança), enquanto Anna Freud defendia
a necessidade de encontros sistemáticos com os pais, principalmente em decorrência
do método pedagógico (de aconselhamento) que usava.
Hoje em dia, a participação dos pais mostra-se praticamente necessária para
o bom andamento da análise. O genitor inicia, sustenta e frequentemente termina a
análise, sendo vital a sua aliança ao processo. Glenn, Sabot e Bernstein (1996)
advogam ver os pais com regularidade, uma vez por semana em circunstâncias
ordinárias, no começo da análise e durante um tempo considerável após esta. O
analista precisa achar-se acessível para conceder apoio aos genitores quando os
sintomas aumentam, persistem ou retornam, bem como para ser informado dos fatos
significativos da vida atual do paciente. A postura nesse caso é manter o sigilo do
tratamento analítico prometido à criança, mas fornecer algumas explicações
tranquilizadoras.

Weiss (1964), por outro lado, afirma que há tantos problemas vinculados a ver
os pais quantos com não vê-los, mas opta pela segunda modalidade por pensar que
vê-los contamina quase sempre o campo analítico. Partidários dessa posição
argumentam que o contato terapeuta-genitor obstrui o desenvolvimento verdadeiro de
uma aliança terapêutica e interfere com uma transferência analisável e até mesmo
com uma neurose de transferência. A criança pode desconfiar que seus segredos,
estão sendo contados aos pais pelo analista. Além disso, as informações “cruzadas”
recebidas através dos pais fazem com que o analista entre na sessão com a criança
inundado por um entendimento que não foi proveniente do material do seu paciente -
principalmente pela possibilidade dos pais distorcerem os fatos e virem os fatos pela
sua própria perspectiva, e não a da criança.

Glenn, Sabot e Bernstein (1996) discordam desses argumentos, pois observam


que a aliança terapêutica se intensifica quando a criança é informada de que os pais
e o analista trabalham juntos em prol dela, desde que ela saiba que tem o direito de
ser informada sobre o que seus pais dizem. Quanto ao argumento de interferir na
transferência, os autores concordam com a visão annafreudiana de que raramente
aparecem na análise infantil transferências intensas e prolongadas, por ser imaturo o
desenvolvimento cognitivo da criança e por esta se achar ainda envolvida com os
pais.

Aberastury (1982) acredita que o papel dos pais na análise da criança restringe-
se a levar a criança ao tratamento e pagar por este, desaconselhando entrevistas
posteriores com os pais – a menos que estes solicitem. Nesse caso, pergunta-se à
criança se ela está de acordo e conta-se integralmente para ela o que foi discutido na
entrevista.

A autora prega a liberdade que essa modalidade traz para a análise, pois
mantém o terapeuta no seu papel (de terapeuta) e se evitam os conselhos. Ela
defende a ideia de que aconselhar os pais a seguir determinada conduta, ou adotar
tal postura com a criança, não os impede de seguir atuando com o filho de acordo
com seus conflitos; com o agravante de que depois do conselho sabiam que isso
estava mal e que era a causa da enfermidade do filho, o terapeuta transforma-se num
superego e a culpa se converte geralmente em agressão.

Assim, Aberastury (1982) trabalha unicamente com a criança e acredita que o


tratamento analítico capacita uma criança, ainda que muito pequena, para modificar
ela própria seu ambiente.

A entrevista na psicoterapia com adolescentes

A entrevista inicial com adolescentes não comporta a obediência às regras


rígidas e preestabelecidas, aumentando a necessidade do profissional de usar sua
sensibilidade, flexibilidade e criatividade. Há controvérsias quanto à estipulação de
uma regra definitiva a respeito de quem deve vir à primeira entrevista.

Meeks e Schwartzberg citado por Zavaschi et al. (1998), destacam que a


primeira entrevista deve ser realizada, sempre que possível, com o adolescente.
Kusnetzoff (1993), entretanto, advoga a favor da inclusão dos pais no tratamento a
fim de diminuir a deserção da psicoterapia, pois ele acredita que o adolescente
enfermo é o produto final de um amplo processo, é o clássico emergente de um grupo
familiar perturbado. O autor acredita que o melhor manejo técnico é fazer uma série
de entrevistas com os pais (pelo menos três) para poder entrevistar o filho.

Kalina (1976) ainda salienta que em hipótese alguma admitimos pacientes


menores de 18 anos sem uma entrevista prévia com os pais, pois, do ponto de vista
legal, não estão capacitados para assumir a responsabilidade que o tratamento
implica. Essa restrição legal também se estende, em alguns casos, para os pacientes
entre 18 e 21 anos. Ele salienta que um tratamento psicanalítico de um adolescente
menor de 18 anos inicia-se por uma entrevista com os pais sem a presença do filho,
deixando assim os pais mais confortáveis para dissertar acerca da conflitiva do
paciente.

O mais conveniente, ainda para Kalina (1976), é realizar uma entrevista com
ambos os pais, sempre que possível, ou separadamente, em raras exceções. O risco
de fazer entrevistas separadas com pais divorciados é que o integrante do casal que
não compareceu considere o analista como aliado do outro. Mas, de qualquer forma,
para aceitar o tratamento do adolescente é indispensável que ambos os pais estejam
de acordo.

Ceitlin e Cordioli (1998) aceitam, quando solicitados, entrevistar primeiramente


ou unicamente o adolescente. A necessidade de chamar ou não os pais para uma
entrevista depende, para eles, do grau de dependência do paciente e da severidade
de sua patologia. Em pacientes com psicose, uso de drogas, risco de suicídio ou
comportamento antissocial, por exemplo, torna-se imperativo realizar uma ou mais
entrevistas com os pais no decorrer do processo de avaliação.

Kusnetzoff (1993) aponta como objetivos das primeiras entrevistas com


adolescentes:
1) estabelecer um vínculo positivo de trabalho com o adolescente,
2) detectar o motivo da consulta, antiguidade e apresentação dos
sintomas, bem como a repercussão familiar dos mesmos,

3) fazer um diagnóstico aproximado (pressuposto) com a finalidade de


detectar se o caso é enquadrável dentro de uma psicoterapia,

4) verificar o que a família e o adolescente entendem por psicoterapia,

5) levantar as fantasias sobre os motivos da doença e a respeito da cura,

6) esclarecer rapidamente qual é a função do profissional, as diferentes


formas de intervenção e as vicissitudes do processo.

O contato com os pais ao longo do tratamento, entretanto, obedece outra


lógica, já que a necessidade adolescente de excluir os pais geralmente é tão grande
que um contato continuado com eles pode ser desaconselhável. Por outro lado, Kalina
(1976) acredita que se deve incluir a família e manejá-la como parte do tratamento,
pois uma atitude de rechaço da parte do terapeuta condiciona um fenômeno
semelhante por parte dos pais. É importante, certamente, que todo contato com os
pais seja realizado com o prévio conhecimento do paciente.

Esse último autor defende que, quando o adolescente não deseja se tratar, o
terapeuta não deve aceitá-lo, pois o paciente quase sempre se conduz com muita
habilidade para fazer o tratamento fracassar rapidamente. Esse tipo de paciente não
tolera a ruptura da onipotência e fazer o analista fracassar é uma possibilidade de
enriquece-la. Ceitlin e Cordioli (1998) sugerem realizar uma entrevista incluindo todos
os membros da família, caso o adolescente se recuse a ir ao consultório.

A entrevista de encaminhamento

Esse modelo de entrevista mostra-se bastante comum em instituições de


atendimento psicanalítico, já que o paciente é submetido a uma espécie de “triagem”
antes de chegar ao futuro terapeuta. Aparentemente, uma entrevista de
encaminhamento apresenta o mesmo delineamento de uma entrevista inicial
corriqueira, mas na verdade há dificuldades importantes no manejo técnico.
A entrevista de encaminhamento é mais complexa do que a outra já que se o
entrevistado ligar-se demasiadamente ao terapeuta pode pôr em risco o propósito de
mandá-lo a um colega. O entrevistador deve focar-se em obter do entrevistado uma
informação suficiente para realizar a sua indicação, sendo bastante prudente com a
forma como recebe os informes e confissões.

Marques (2005) postula que as entrevistas de triagem são entrevistas


semidirigidas que funcionam como um primeiro filtro. Têm a função de buscar
informações sobre o paciente com o objetivo de formular recomendações
diagnósticas e terapêuticas. Esta tarefa exige do entrevistador o conhecimento das
possíveis abordagens psicoterápicas, bem como de outras formas de atendimento
que possam ser necessárias ao paciente.

O profissional irá emitir sua opinião acerca da abordagem terapêutica que


considera mais adequada à situação do paciente. Poderá esclarecer a este o tipo de
indicação: se individual, familiar, ambulatorial, consultório privado ou em ambiente
hospitalar. O entrevistador precisa ainda considerar, para sua indicação terapêutica,
os recursos financeiros do entrevistado, sua disponibilidade de horário, acesso físico
e apoio familiar, enfim, levar em conta as necessidades e as possibilidades da pessoa
para que a esta não seja recomendado um tipo de atendimento ideal, mas
impraticável.

Etchegoyen (2004) compactua com a ideia de que nesses casos o


entrevistador deve dar um só nome ou indicação para o entrevistado. Acredita que os
pacientes, ao receberem uma lista com possíveis terapeutas a escolher, vão à
entrevista com o terapeuta indicado como quem está realizando uma seleção de
pessoal, com a postura de que é o paciente quem está entrevistando.

Devolução e contrato

A última etapa de um processo de entrevistas está constituída por uma


entrevista de devolução. As entrevistas iniciais encerram-se no momento em que o
terapeuta perceber que já é capaz de formular uma impressão diagnóstica do
paciente, é capaz de definir a necessidade e possibilidade ou não de tratamento e
perceber que o vínculo formado entre ambos é capaz de garantir um trabalho analítico
proveitoso.

O terapeuta necessita fazer uma devolução ao entrevistado, ou seja, colocar a


sua percepção e as suas conclusões frente ao que foi exposto durante as entrevistas.

Etchegoyen (2004) acredita que na devolução o terapeuta deve aconselhar o


entrevistado sobre o tratamento mais conveniente, deve fazer a indicação com seus
fundamentos, mantendo esses sempre muito sucintos. O autor acredita que um
informe muito detalhado presta-se mais a ser mal-entendido e facilita a racionalização.

Nesse momento, caso a devolução indique a necessidade de psicoterapia e o


paciente opte por realizá-la com o mesmo terapeuta, dá-se a realização de um
contrato. Trata-se de um acordo manifesto acerca de algumas combinações práticas
que servirão de referência à longa jornada da análise. Essa combinação básica antes
de iniciar uma análise ou psicoterapia inclui o tipo de tratamento indicado (psicoterapia
ou análise), o número de sessões semanais, tempo de duração das sessões, horários,
honorários, faltas e férias.

Etchegoyen (2004) inclui na ideia de contrato a de que o tratamento deve


finalizar por acordo das partes e, por isso, se apenas um dos dois assim decide, não
se fala de término, mas de interrupção.

Alguns analistas optam por combinar detalhes como, por exemplo, o direito que
eles se reservarão de responder ou não às perguntas dos pacientes; atender ou não
o pedido de mudança de horário das sessões; o pagamento no caso de doença ou
viagem do paciente; o dia e a forma do pagamento; permissão para fumar ou não
durante as sessões; aceitação de presentes; encontros sociais; forma de
cumprimentar; uso ou não do divã, etc.

Zimerman (2004) defende a realização das combinações básicas, mas acredita


que as demais são implícitas ao processo terapêutico, devendo ser analisadas à
medida que surgirem, principalmente porque variam de caso para caso. O autor
enfatiza que deve ficar bastante claro para o analista e para o analisando (ainda que
não se esclareça explicitamente) que a interrelação do par analítico obedece a três
princípios básicos:
1) Ela não é simétrica: os lugares ocupados e os papéis a serem
desempenhados são desiguais e obedecem a uma natural hierarquia, com direitos,
deveres e privilégios distintos.

2) Ela não é de similaridade: os dois do par analítico não são iguais,


diferentemente do que imaginam muitos pacientes regressivos, que têm dificuldade
em admitir que o terapeuta é uma pessoa autônoma, tem a sua própria técnica e o
seu próprio estilo de trabalhar, pensar e viver.

3) A relação que o paciente reproduz com o analista é isomórfica: na


essência, terapeuta e paciente se comportam da mesma forma, como seres humanos
que são; o fato do analista desempenhar transitoriamente as funções de maternagem
(ou outras equivalentes) que o paciente carece não pode ser confundido com a ideia
de que o analista será um substituto para uma mãe que foi ausente ou falha.

Etchegoyen (2004) também pensa que não é prudente ser muito prolixo ou
fornecer muitas diretivas no momento do contrato. Enfatiza, no entanto, que a
introdução da regra fundamental de associação livre e uso do divã, no caso de análise,
deve ser feita já no contrato. Caso o paciente pergunte, no contrato, acerca da
duração do tratamento, o autor acredita que o terapeuta deve apenas dizer que a
análise é longa e que sua duração é imprevisível.

Abuchaem (1985), entretanto, acredita que o sujeito não tem obrigação de


saber a prática de um processo terapêutico e, por isso, procura explicar
minuciosamente a dinâmica das sessões e do tratamento, além de estipular um tempo
mínimo de duração da análise.

Ao contrário de Etchegoyen (2004), Abuchaem (1985) pensa que essa


explicação detalhada evita inconvenientes e mal-entendidos futuros e dá ao analista
melhores condições para interpretar a ruptura do enquadre. Inclui, na entrevista de
devolução, a explicitação de suas opiniões sobre o funcionamento e a dinâmica da
personalidade do paciente, no que se refere tanto às suas partes sãs como às suas
partes enfermas.

O autor reconhece, entretanto, que muitas dessas informações são


instantaneamente reprimidas (por não haver uma preparação para ouvi-las e pela
ansiedade que provocam) pelo paciente, o qual geralmente esquece grande parte da
devolução que foi feita e raramente faz referência às questões ali levantadas ao longo
do tratamento.
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