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PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA – TRATANDO A

ANSIEDADE

1
Sumário
INTRODUÇÃO................................................................................................. 3

AS PSICOTERAPIAS PSICODINÂMICAS BREVES ....................................... 6

O Modelo Estrutural ou do Impulso .............................................................. 6


O Modelo Relacional .................................................................................... 8
O Modelo Integrativo ou Eclético ................................................................. 9
A FORMULAÇÃO PSICODINÂMICA ............................................................ 11

EFICÁCIA E EFETIVIDADE DA PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA ........... 14

PERSPECTIVA CIENTÍFICA DE ALGUNS CONCEITOS PSICODINÂMICOS


................................................................................................................................. 18

AS NEUROCIÊNCIAS NA PSICOTERAPIA .................................................. 21

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 24

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 26

1
NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários,


em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-
Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo
serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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INTRODUÇÃO

Todas as pessoas enfrentam, em algum momento da vida, dificuldades que


afetam suas emoções, e consequentemente suas atitudes ou até mesmo sua saúde
física. Essas dificuldades podem se apresentar em variados campos: problemas
conjugais, medo intenso, ansiedade, depressão, dificuldades sexuais, sentimento de
inferioridade, uso de drogas, agressividade, estresse, acometimento de doença física,
etc. Enfim, há um número infinito de situações, pensamentos e sentimentos que
podem desencadear a necessidade de um acompanhamento psicológico profissional
do indivíduo.

Em muitos casos a pessoa é capaz de reconhecer que existe um problema,


que sua relação consigo mesma e com os outros está prejudicada, porém não
consegue mudar essa situação. Por alguma razão ela se sente impedida de agir
contrariamente aos seus sentimentos negativos, colocando-se assim num padrão
persistente de pensamentos, sentimentos e comportamentos disfuncionais, ou seja,
que causam algum prejuízo para sua vida.

Mas como surgem esses problemas? Podemos chamá-los de sintomas, que


são o reflexo de uma defesa do indivíduo. A defesa é um fenômeno interno que
protege a pessoa de experiências desagradáveis, como a rejeição, a humilhação, ou
qualquer outra situação que possa afetar sua autoestima. Entretanto, quando essas
defesas falham, o indivíduo necessita descobrir novas estratégias para lidar com seus
sentimentos. É daí que surgem os novos comportamentos, como por exemplo, a
ansiedade, doenças psicossomáticas, evitação social, agressividade, entre muitos
outros. Com o passar do tempo, a vida do indivíduo é tomada por esses novos
padrões com tamanha intensidade, que ele (ou pessoas próximas) começa a
identificá-los como sintomas de algum problema maior. Em muitos casos, a falha das
defesas é tão crônica que pode levar o sujeito a um transtorno psiquiátrico importante.

Embora o sujeito seja capaz de reconhecer os sentimentos ligados à defesa


(medo ou culpa, por exemplo), ele não consegue identificar o motivo pelo qual os
manifesta já que estes são formações do inconsciente. A forma como alguém interage
com o mundo, o que faz, o que pensa e a maneira como expressa seus sentimentos,
depende exclusivamente de sua personalidade.

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Personalidade é um padrão persistente de sentimentos, pensamentos e
comportamentos do indivíduo em relação ao mundo e a si mesmo, desenvolvida
principalmente durante a infância através das relações parentais. Se o sujeito possuir
esses padrões de forma disfuncional, estará muito mais propenso a apresentar falha
em suas defesas, e consequentemente surgirão os sintomas.

A psicoterapia, ou tratamento psicológico, é um processo que tem como


objetivo a expressão e a elaboração de sintomas e sentimentos, com a
consequentemente a mudança no padrão de resolução dos conflitos do sujeito. A
psicoterapia favorece o autoconhecimento, possibilitando ao indivíduo a reflexão
sobre diversos aspectos de sua vida, adquirindo maior fortalecimento para tomar
atitudes de mudança e lidar melhor com seus próprios sentimentos.

O processo psicodinâmico é baseado em métodos e técnicas que se utiliza


principalmente da escuta terapêutica, ou seja, da fala do paciente sobre si mesmo,
sua vida. A intervenção, ato ou interpretação do analista parte sempre do que foi
trazido pelo paciente, da análise dos sintomas. Um processo de psicoterapia
psicodinâmica não deve ser baseado no aconselhamento ou no juízo de valor do
analista, ele pretende fazer com que o paciente alcance níveis mais elevados de
elaboração a respeito de si mesmo e dos seus sintomas.

A frequência das sessões de psicoterapia deve ser no mínimo uma vez por
semana, podendo ocorrer variações de acordo com cada caso, pois cada um possui
individualidades – características peculiares de enfrentamento. Também não é
possível determinar previamente quanto tempo será necessário para que a
psicoterapia chegue ao seu objetivo final, mas alguns autores apontam que com seis
meses de tratamento já é possível verificar mudanças importantes, o que já podem
favorecer o restabelecimento da saúde psicológica.

Além da psicoterapia individual para crianças e adultos, existem outras


modalidades: psicoterapia de casal, de grupo e de família. O tipo de modalidade será
definido após uma avaliação minuciosa feita pelo psicólogo.

A psicoterapia breve tem se constituído, nas últimas décadas, numa das


principais opções para se tentar estender o atendimento psicoterápico a parcelas
mais amplas da população. Isto não significa que sua utilização se restrinja à situação
institucional ou que ela se dirija necessariamente a populações carentes. O uso desta

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modalidade de atendimento em consultórios particulares também vem se ampliando,
em função da demanda dos pacientes, que muitas vezes buscam ajuda para
problemas específicos, mas não têm condições ou motivação para se envolver num
processo psicoterápico prolongado.

Lançadas a partir da preocupação de alguns psicanalistas em encontrar formas


de abreviar o sofrimento de seus pacientes, as sementes da psicoterapia breve
germinaram e se desenvolveram. Se no início do século o próprio Freud já
demonstrava sua preocupação com o que chamou de “miséria neurótica”(1919), o
que dizer, então, de nossa chamada “pósmodernidade”? A complexidade das
exigências e das pressões sociais, econômicas, políticas e as dificuldades de toda
ordem às quais o ser humano é submetido, especialmente nas grandes metrópoles,
cria um ambiente muito propício à pesquisa de formas de tratamento com
aplicabilidade mais abrangente e menos onerosa.

Quando se fala em psicoterapia breve (que daqui em diante poderá ser referida
no texto como PB), imediatamente vem à tona a questão do tempo, uma vez que o
“breve”, aqui, é definido em comparação a um trabalho considerado “longo”, no caso
a psicanálise. Mas não é só o tempo de duração que diferencia estas formas de
trabalho. A PB é uma intervenção terapêutica com tempo e objetivos limitados. Os
objetivos são estabelecidos a partir de uma compreensão diagnóstica do paciente e
da delimitação de um foco, considerando-se que esses objetivos sejam passíveis de
serem atingidos num espaço de tempo limitado (que pode ser ou não
preestabelecido), através de determinadas estratégias clínicas. Assim, as PB estão,
em termos técnicos, alicerçadas num tripé: foco, estratégias e objetivos.

Existe uma multiplicidade de propostas e de formas de trabalho, desenvolvidas


por diferentes autores. Após um breve histórico, faremos referência a alguns dos
principais. O objetivo não é fazer um estudo aprofundado das diferentes técnicas, o
que fugiria à proposta deste trabalho, mas oferecer uma visão panorâmica da PB e
de seu desenvolvimento até os dias atuais.

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AS PSICOTERAPIAS PSICODINÂMICAS BREVES

Dada a grande quantidade de autores que se ocupam deste assunto e a


multiplicidade de propostas, não seria possível, aqui, citar todos eles. Por isso, o
assunto será apresentado com base na elaboração de Messer & Warren (1995), que
agrupam as várias abordagens de acordo com modelos teóricos e técnicos. Essa
classificação pode oferecer não só um panorama geral do trabalho desenvolvido, mas
também uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças entre as várias
abordagens.

Aqueles autores dividem as PB em três modelos principais: o estrutural ou do


impulso, o relacional e o integrativo ou eclético.

O Modelo Estrutural ou do Impulso

Três autores podem ser citados como os principais e mais conhecidos


representantes deste modelo: Malan (1976, 1979), Sifneos (1979, 1984) e Davanloo
(1980). Eles iniciaram de forma independente seus estudos, respectivamente na
Inglaterra, nos Estados Unidos e no Canadá, entre os anos 50 e 60, e acabaram por
se encontrar no início da década de 70, quando Davanloo organizou Simpósios
Internacionais de PB.

Malan (1976, 1979), partindo do trabalho de Balint, propõe que a princípio seja
estabelecida uma hipótese psicodinâmica de base, a partir de um diagnóstico que
inclui entrevistas e testes psicológicos. A ideia é identificar o conflito primário, que é
reeditado na problemática atual do paciente. Sobre a hipótese psicodinâmica de base
se planeja o trabalho terapêutico, que é feito através da interpretação ativa e seletiva,
e tem tempo e objetivos delimitados. Dedicouse intensamente ao estudo de casos
clínicos, inclusive com acompanhamento aprofundado e prolongado, visando um
maior conhecimento do problema da seleção de pacientes e dos resultados da
psicoterapia (Malan, 1980a , 1980b).

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Sifneos (1979, 1984) desenvolveu a Psicoterapia Breve Provocadora de
Ansiedade (Short-Term AnxietyProvoking-Psychotherapy – STAPP), dirigida a
pacientes criteriosamente selecionados, com problemática fundamentalmente
edipiana, e com forte motivação para mudança. A partir da formulação de uma
hipótese psicodinâmica, o terapeuta adota uma postura bastante ativa, que visa levar
o paciente a se defrontar com seus conflitos. O processo é focalizado e limitado entre
12 e 18 sessões.

Davanloo (1980) propôs uma técnica altamente ativa, de confrontação e


manutenção de foco, que se utiliza, desde o início, de interpretações da transferência,
das defesas, dos sonhos e das fantasias, e da reconstrução genética. Com a
confrontação constante, que chega às vezes a ser desafiadora, tende a provocar
sentimentos de hostilidade no paciente, a utilização desta técnica depende da
existência de uma sólida aliança terapêutica. Aplica-se não só a pacientes com focos
edípicos, mas também a casos mais graves, com os quais conseguiu resultados
positivos. O número de sessões não é fixado antecipadamente, mas é explicitado que
o trabalho será breve.

Os três autores citados acima guardam semelhanças importantes em seus


trabalhos, o que faz com que se possa considerá-los como representantes do mesmo
modelo de PB. Além das bases nitidamente freudianas, suas preocupações se
concentram especialmente nos aspectos técnicos. Sua abordagem dá prioridade aos
conflitos intra-psíquicos. Malan e Davanloo trabalham, inclusive, com o triângulo de
conflito: impulso, defesa e ansiedade. A herança freudiana fica clara também pela
frequência com que utilizam o conflito edipiano como referencial.

As principais contribuições destes autores estão ligadas às discussões da


técnica e das mudanças advindas da delimitação do tempo. Além disso, seus estudos
sistemáticos permitiram ampliar significativamente o conhecimento de aspectos
importantes da PB: aplicabilidade e critérios de indicação, extensão e duração dos
resultados.

As principais críticas dirigidas a eles advêm do fato de que aquilo que eles
consideram uma postura ativa do terapeuta resvala muitas vezes para uma atitude
autoritária, especialmente nas técnicas de Sifneos e Davanloo, que tende a submeter
o paciente a um terapeuta onipotente. Segundo Messer & Warren (1995), esta

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característica advém das bases epistemológicas deste modelo, que identificam como
a escola filosófica idealista. “É a interpretação da realidade do terapeuta que conta,
ao invés de uma visão de realidade compartilhada, que emerge da interação entre
terapeuta e paciente. Para o terapeuta estrutural tradicional, quando o paciente
resolve a transferência, ele enxergará o mundo como o terapeuta, sem distorção.”
(Messer & Warren, 1995: 113, tradução da autora).

O Modelo Relacional

Fruto de uma filosofia da ciência que inclui o reconhecimento da natureza


contextualizada do conhecimento e da pluralidade dos pontos-de-vista surgiu o que
Messer & Warren (1995) classificam como modelo relacional de PB. Essa mudança
filosófica se refletiu na psicanálise, gerando uma nova visão da teoria da
personalidade, da psicopatologia e consequentemente da técnica psicoterápica,
baseada principalmente nas relações objetais, a partir dos trabalhos de Melanie Klein,
Fairbairn e Winnicott. “Nesta visão, a unidade básica de estudo não é o indivíduo
como uma entidade separada, cujos desejos se chocam com a realidade externa,
mas um campo interacional dentro do qual o indivíduo surge e luta para fazer contato
e para se articular.” (Mitchell, in Messer & Warren, 1995: 114-115).

O critério que esses autores utilizam para incluir determinada proposta neste
modelo é a ênfase nas relações objetais como clinicamente centrais. Há, aqui, menos
preocupações técnicas do que no modelo anterior, e menor interesse pelo estudo de
aspectos como limites estritos de tempo e critérios de seleção. No estabelecimento
do foco, estas PB apoiam-se menos num único constructo teórico, como as anteriores
se apoiam no complexo de Édipo, e dão maior importância à experiência, a relação e
ao “aqui e agora”, o que resulta numa maior diversidade de focos clínicos.

Ao invés de propor abordagens técnicas específicas, como a confrontação


sistemática das resistências e a interpretação precoce da transferência, priorizam a
relação terapêutica e os padrões de relacionamento interpessoal que o indivíduo
estabelece, e encaram o terapeuta como observador participante.

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As críticas que têm sido dirigidas a esse modelo se referem exatamente a essa
menor preocupação com a técnica e à dificuldade de se utilizar, dentro deste contexto,
os métodos tradicionais de pesquisa. Posteriormente, no entanto, foi desenvolvida
uma metodologia de pesquisa mais adequada a esta abordagem, que possibilitou
uma produção expressiva de trabalhos, especialmente nas décadas de 80 e 90.

O Modelo Integrativo ou Eclético

Nos últimos anos tem-se observado uma tendência a integrar técnicas e


conceitos de diferentes tradições terapêuticas, com o objetivo de aumentar a
eficiência e o espectro de aplicação das psicoterapias. As evidências de que não
existe uma abordagem que seja adequada para todos os casos levaram alguns
autores a considerar que se deve adaptar a psicoterapia ao paciente, e não o
contrário.

Uma das primeiras tentativas de se chegar a um modelo integrativo de PB foi


feita por Mann (1973). Ele baseou sua proposta nos quatro constructos principais
contidos nos modelos anteriores: impulso, ego, objeto e self, considerando-os não
como mutuamente exclusivos, mas complementares e reveladores de diferentes
maneiras de funcionamento mental. Eles estariam presentes em todos os aspectos
significativos do funcionamento de uma pessoa adulta, organizados numa hierarquia
diferente para cada indivíduo.

Sua visão da psicopatologia leva em conta quatro aspectos: a hipótese


estrutural; a teoria do narcisismo e o desenvolvimento da autoestima; a teoria das
relações objetais; a perspectiva do desenvolvimento. Além disso, coloca como
questões centrais o tempo e a separação, priorizando o conflito humano entre infinito
e tempo real. O conflito neurótico, para ele, resulta do desejo de se unir a um objeto,
recriando a ligação mãe-bebê, ao lado do desejo de se tornar uma pessoa separada
e independente.

A questão do tempo, central nesta abordagem, fez com que ele estabelecesse
um limite estrito de 12 horas de tratamento, divididas de acordo com a necessidade
do paciente, em relação à duração e frequência das sessões. A ideia é que os

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conflitos e ansiedades relacionados com separação e perda, que representam para
ele um tema central, sejam ativados e trabalhados. A atitude do terapeuta é empática,
não confrontativa, e ele se utiliza das interpretações transferenciais, análise da
resistência e reconstrução genética.

As principais críticas feitas a Mann se referem ao fato dele ter generalizado


para todas as neuroses um tipo de conflito básico, universal. Além disso, sua técnica,
de acordo com Malan (1976), está entre as mais radicais. A tentativa de integração,
a nível teórico, acabou não resultando numa técnica mais flexível e de aplicação mais
ampla.

Nos anos mais recentes, a integração de diferentes abordagens tem sido


buscada de três maneiras principais:

• Na procura dos fatores comuns aos diversos modelos, que poderiam ser os
responsáveis pelo sucesso de diferentes tipos de psicoterapia. A pesquisa sobre que
características da relação e da situação terapêutica favorecem a melhora do paciente,
apesar das diferenças teóricas e técnicas, levou alguns autores, como Garfield
(1989), a propor um modelo de PB que priorize estas características.

• No ecletismo técnico (aqui é preciso um certo cuidado com a conotação muito


negativa que em geral se atribui ao termo “eclético”, no sentido de uma mistura
indiscriminada e sem critério de técnicas diversas, muito diferente do sentido original,
derivado do grego, que significa “seletivo”): uma maior flexibilidade, que permite ao
terapeuta lançar mão de diferentes recursos, adaptados às necessidades de cada
caso. Esta é uma postura mais pragmática e mais baseada na prática clínica, que dá
menor importância à teoria e prioriza as necessidades de cada paciente. As PB
propostas por Wolberg (1980) e Bellak (1992) podem ser consideradas como
representantes desta tendência.

• Nos esforços de integração teórica. O que diferencia este tipo de terapia


integrativa é que há uma teoria que liga o uso de diferentes técnicas e que procura
embasá-lo, como na proposta de Prochaska (1995).

A título de ilustração destas propostas, citaremos a deste último autor. Sua


abordagem, que ele denominou “terapia transteórica” (transtheoretical therapy), e que
considera eclética e integrativa, iniciou-se com uma análise comparativa dos maiores

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sistemas de psicoterapias, na busca do que cada sistema tinha de melhor a oferecer.
Essa busca foi orientada pelo objetivo de procurar contribuições para construir um
modelo de terapia e uma teoria do processo de mudança, de bases empíricas. Seu
objetivo não é a simples combinação ou mistura de abordagens, mas a busca de uma
teoria que seja mais do que a soma de suas partes, e que leve a novas direções na
pesquisa e na prática.

A terapia que propõe é adaptada a cada paciente, de acordo com o estágio do


processo de mudança em que este se encontra, e com o tipo e profundidade de
problemas que apresenta. Esta adaptação se refere tanto à estrutura do trabalho
(número e frequência de sessões, por exemplo), quanto às estratégias utilizadas e
aos objetivos estabelecidos.

Estas tentativas de integração, que são o objetivo do modelo eclético de PB,


encerram enormes dificuldades e estão sujeitas a muitas críticas. É sempre um risco
utilizar um conceito ou mesmo uma técnica fora de seu contexto, pois isto
necessariamente modifica seu significado. Além disso, estas propostas exigem de
quem vai utilizá-las um conhecimento mais amplo e complexo de diferentes
abordagens, para que não se transformem numa mistura indiscriminada. Elas têm
tido o mérito, no entanto, de suavizar o dogmatismo presente em muitos referenciais
tradicionais e de priorizar a preocupação com a melhora do paciente, e não com uma
ilusória busca da verdade.

A FORMULAÇÃO PSICODINÂMICA

As abordagens psicodinâmicas são baseadas em certas hipóteses: que aquilo


que as pessoas dizem e fazem possui um significado, ainda que possa ser externo à
percepção consciente; que existem padrões para o comportamento das pessoas e
que esses padrões repetitivos podem ser discernidos a partir da narrativa de vida do
indivíduo e observados na relação terapêutica; e que, ainda que esses
comportamentos se tornem fixos, podem-se alterar por meio do insight e do
entendimento.

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A PTPD utiliza sete tipos de intervenções ou técnicas que a diferenciam de
outros tipos de terapia:

1) Foco no afeto e na expressão das emoções do paciente;

2) Exploração das tentativas do paciente de evitar tópicos ou engajar-se em


atividades que prejudiquem o progresso da terapia (evitação, resistência);

3) Identificação dos padrões das ações, pensamentos, sentimentos,


experiências e relações do paciente;

4) Ênfase nas relações passadas;

5) Foco nas experiências interpessoais;

6) Ênfase na relação terapêutica;

7) Exploração dos desejos, fantasias e sonhos.

Os sonhos, de acordo com Freud, representam a "estrada privilegiada para o


inconsciente". Apesar de que a TPCP tenda a focar mais em suas imagens manifestas
e significados metafóricos, a utilidade dos sonhos é indiscutível. Eles podem servir
como sinais iniciais de advertência da atuação, incluindo recaídas ou retorno total ao
jogo. Outras alterações podem também ser apresentadas inicialmente nos sonhos:
"Frequentemente, a indicação inicial de uma decisão significativa, de alteração em
direção a um comportamento mais saudável, ou de prontidão para terminar o
tratamento pode ser sinalizada pelos sonhos" (p. 224)

A transferência, em que o indivíduo se relaciona com o terapeuta baseado em


experiências passadas com os pais ou outras pessoas significativas, e a colaboração
presente entre o terapeuta e o paciente, juntas constituem a aliança terapêutica. Isso
se constitui no instrumento mais efetivo no arsenal para a mudança. O terapeuta tenta
criar um ambiente seguro ao ser consistente, não crítico e apoiador. Por seu lado, os
pacientes são encorajados a serem curiosos sobre eles próprios e especialmente
sobre seus comportamentos aparentemente irracionais e a expressar seus medos e
afetos intoleráveis no ambiente do consultório do terapeuta, onde esses afetos podem
ser contidos.

O terapeuta provê certas habilidades à relação. Primeiro, está a capacidade de


ser enfático, de colocar-se no lugar do outro para ser consciente do sofrimento e das

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variações nos estados de espírito do paciente. Segundo, está a capacidade de manter
(de forma livremente flutuante) a atenção, para escutar o significado consciente e o
inconsciente, ao mesmo tempo em que tolera períodos de incerteza e
desconhecimento. Terceiro, está a capacidade de ser auto reflexivo, de ser capaz de
interagir com o paciente enquanto observa simultaneamente a interação, refletir sobre
ela e utilizar esta autorreflexão para modificar e guiar futuras interações. Como um
fator adicional que complica a relação terapêutica encontra-se o fato de que nem
todas as díades paciente-terapeuta constituem um "bom encaixe"; até a pouco, isso
não era algo que pudesse ser objetivado ou medido.

Um importante componente da abordagem psicodinâmica, e que continua


sendo aplicável mesmo quando o paciente está em algum outro tipo de terapia, é a
formulação psicodinâmica. Ela se constitui numa declaração sobre os problemas e
conflitos centrais do paciente, tenta explicar sua função na presente situação e
predizer como irão afetar o tratamento e a relação terapêutica. De acordo com Perry
et al., a formulação psicodinâmica começa enfrentando a questão de "por que este
paciente em particular apresenta-se com este diagnóstico e estes problemas
específicos neste momento específico". Ela também enfatiza a importância de incluir
uma descrição dos fatores não psicodinâmicos.

A formulação psicodinâmica modificar-se-á ao longo do tempo, à medida que


se obtenham informações adicionais e as circunstâncias mudem. Não necessita ser
longa ou incluir todos os aspectos, mas há um acordo geral de que necessita ser feita
por escrito. O processo de escrevê-la ajuda a clarificar o que é essencial e serve como
um tipo de esquema ou plano de jogo para manter o rumo quando a terapia se torna
difícil. O caráter incompleto da formulação original deve estimular a curiosidade do
terapeuta, ao passo que a sua natureza especulativa resultará em hipóteses a serem
testadas e modificadas.

A formulação ajuda os terapeutas a aceitarem as inevitáveis complexidades e


o conhecimento limitado inerente a cada situação clínica e, portanto, a aceitarem
melhor suas limitações. Os terapeutas podem ser também mais tolerantes e
compreensivos com a patologia do paciente. Quando o comportamento do paciente
no tratamento é visto como uma manifestação de suas dinâmicas individuais e como
problemas característicos que podem ser previstos e compreendidos, o terapeuta
pode ser mais objetivo, não crítico e empático e há um reforço da aliança terapêutica.

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É útil distinguir a PTPD clássica ou tradicional da PPCP. A primeira não tem
data de término e é tipicamente de longo prazo. O terapeuta é menos diretivo,
permitindo aos pacientes colocar em discussão o que lhes parece importante ou
relevante; as questões subjacentes para buscar tratamento podem não se tornar
aparentes até que terapia esteja bem avançada. A pessoa como um todo é o tema do
tratamento, seu caráter, defesas, valores, etc., menos do que as queixas com que se
apresenta ou o diagnóstico inicial. As transferências são analisadas à medida que a
relação entre o paciente e o terapeuta passa por várias mudanças e permutas.

Por outro lado, a PPCP é, em geral, limitada no tempo, consistindo de 16-30


sessões, realizadas uma ou duas vezes por semana. O terapeuta é relativamente
ativo e estimula o desenvolvimento da aliança terapêutica e da transferência positiva.
A PPCP foca os conflitos ou temas específicos que são formulados inicialmente na
terapia. A formulação psicodinâmica é conceituada mais simplesmente como um
evento formativo ou crítico na vida e as habilidades de lidar - ou as defesas usadas
para lidar - com ele, ou como um tema conflituoso nuclear da relação (TCNR). Presta-
se atenção para o estabelecimento de metas alcançáveis, aderindo às tarefas mais
imediatas e às questões envolvendo o final da terapia. A PPCP presta-se muito mais
naturalmente a tratamentos baseados em manuais e a pesquisa sobre desfechos.

EFICÁCIA E EFETIVIDADE DA PSICOTERAPIA


PSICODINÂMICA
Psicoterapia psicodinâmica de curto prazo

Leichsenring, Rabung e Leibing realizaram uma metanálise dos estudos sobre


PPCP que foram feitos entre 1970 e 2004. Seus rigorosos critérios de inclusão
envolveram ensaios clínicos controlados e aleatorizados, uso de terapia manualizada
com asseguramento da integridade do tratamento, terapeutas experientes ou
especificamente treinados em PPCP, tratamento de pacientes com transtornos
psiquiátricos específicos, medidas diagnósticas confiáveis e válidas, e dados
necessários para calcular os tamanhos de efeito. Baseados nos 17 estudos que
preencheram seus critérios, encontraram que a PPCP produziu tamanhos de efeito
pré- e pós-tratamento significativos e grandes para os problemas-alvo, sintomas

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psiquiátricos gerais e funcionamento social. Concluíram que a PPCP provou ser um
tratamento eficaz para transtornos psiquiátricos, mas que são necessárias mais
pesquisas sobre transtornos específicos, incluindo um estudo para determinar os
ingredientes ativos da PPCP e estudos sobre sua efetividade.

O trabalho corroborou os resultados de metanálises prévias. É de se notar que


utilizou um banco de dados diferente e somente um pequeno número dos estudos
incluídos previamente foi capaz de preencher os critérios de inclusão mais rigorosos
neste caso. Os efeitos da PPCP demonstraram ser estáveis e tenderam inclusive a
aumentar com o acompanhamento, reproduzindo, desta forma, achados anteriores.
A conclusão de que a PPCP foi superior a ambos os tratamentos nas condições
usuais e de lista de espera e que é pelo menos tão benéfica como as outras formas
de psicoterapia, tais como a TCC, baseou-se em estudos sobre depressão, fobia
social, transtorno de estresse pós-traumático, anorexia e bulimia nervosa, transtornos
de personalidade borderline e do grupo C. O único tipo de dependência química
incluída foi a dependência de cocaína; não havia estudos sobre JP ou sobre
quaisquer adições comportamentais ou transtorno do controle dos impulsos.

Entre os 17 estudos incluídos na metanálise, foram utilizados diferentes


modelos de PPCP, ainda que os mais frequentes entre eles foram os de Shapiro e
Firth, Horowitz, Davanloo e Luborsky. Leichsenring indaga se os diferentes modelos
de PPCP são similares o suficiente para serem considerados como um só grupo.
Nesse caso, as evidências empíricas de um modelo poderiam ser também válidas
para os demais. Por outro lado, a forma pela qual os modelos poderiam diferir entre
si levanta questões para estudos mais aprofundados. A comparação entre sessões
prototípicas poderia ajudar a identificar fatores que caracterizam as diferentes formas
de PPCP.

E, finalmente, Leichsenring admite que, mesmo com a aderência ao manual de


tratamento, pode haver diferenças consideráveis nos processos interpessoais
subjacentes e, como outros pesquisadores observaram, são esses processos que
podem ser os mais significativamente relacionados ao desfecho. Por exemplo, Crits-
Cristoph e Mintz encontraram que diferentes terapeutas que aplicaram a mesma
forma de terapia manualizada diferiram com relação a sua eficácia.

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Psicoterapia psicodinâmica de longo prazo

Como se poderia esperar, há poucos estudos sobre PPCP de longo prazo.


Problemas metodológicos foram revisados por Gunderson e Gabbard. Há problemas
com a aleatorização para métodos alternativos de tratamento: os pacientes que não
recebem seu tratamento de escolha irão abandoná-lo. Grupos-controle
adequadamente pareados são difíceis de serem recrutados. Variáveis inesperadas e
não controladas, tais como doenças, eventos da vida, transtornos do eixo I e
alterações na medicação são frequentes durante o curso longo do tratamento. O custo
de um acompanhamento de longo prazo seria proibitivo.

No entanto, há dois estudos que merecem ser mencionados. O Stockholm


Outcome of Psychotherapy and Psychoanalysis Project (STOPP). acompanhou por
até três anos 756 pessoas que foram tratadas com psicanálise e psicoterapia
psicanalítica, cujo tratamento foi financiado pelo seguro médico nacional. O desfecho
foi avaliado em termos de sintomas, relações sociais, atitude existencial ou moral,
saúde geral, utilização dos serviços de saúde e capacidade de trabalho, medida por
entrevistas qualitativas, levantamentos autocompletados, questionários e registros
oficiais.

Ao final do tratamento, os pacientes que foram tratados com psicanálise de


quatro a cinco vezes por semana tiveram desfechos similares aos que foram tratados
com psicoterapia de uma a duas vezes por semana. Durante o período de
acompanhamento, no entanto, os pacientes analíticos continuaram a melhorar, ao
passo que os de psicoterapia não. Ao final do período de acompanhamento, os
escores dos pacientes analíticos eram quase indistinguíveis dos obtidos de uma
amostra não clínica sueca.

A Associação Psicanalítica Alemã realizou um acompanhamento de


tratamentos psicanalíticos feitos entre 1990 e 1993. Foi acompanhada uma amostra
representativa de todos os pacientes que terminaram o tratamento com membros de
sua associação analítica. Entre 70 e 80% dos pacientes atingiram alterações
psíquicas boas e estáveis ao serem contatados em média 6,5 anos após o final do
tratamento. Os informes provieram dos próprios pacientes, seus analistas,
especialistas analíticos e não psicanalíticos independentes e segundo questionários
apropriados para esse tipo de estudo de desfecho. Os pacientes também relataram

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menos dias de licença saúde durante os sete anos de pós-tratamento, somando-se a
esse benefício financeiro indireto a valorização sustentada da experiência subjetiva
de tratamento.

Os dois estudos valorizam o tratamento intensivo e o acompanhamento de


longo prazo. Um estudo naturalístico menor de PPCP realizada por pelo menos três
anos encontrou a melhora de longo prazo no funcionamento defensivo, o que predisse
melhora nos sintomas depressivos, de ansiedade e de personalidade.

Baseados em suas análises dos dados de vários estudos de PPCP intensiva,


assim como um estudo colaborativo de curto prazo em depressão maior, Blatt et al.
concluíram que a avaliação do progresso terapêutico deve ir além da redução de
sintomas como medida de desfecho primário e deve incluir a avaliação da
vulnerabilidade diminuída ao estresse, o desenvolvimento de melhores defesas e
estratégias de adaptação e uma maturação das representações do self e de objeto.
Os autores consideram que essas alterações na organização e na estrutura da
personalidade são essenciais para lidar com a maior parte das formas de
psicopatologia a fim de que a melhora sintomática seja sustentada e se evite recaídas
significativas.

Blatt et al. também concluíram que o desfecho terapêutico é determinado não


pelo tipo de tratamento fornecido segundo os manuais, mas pela "capacidade do
terapeuta em valorizar a natureza dos distúrbios e a organização da personalidade
do paciente, uma compreensão que é essencial para estabelecer uma relação
terapêutica que capacite o paciente a sentir segurança e confiança no terapeuta e a
participar ativamente no processo de tratamento" (p. 538). Eles encontraram que a
qualidade da relação terapêutica, estabelecida precocemente na segunda sessão, foi
o melhor preditor de sucesso do tratamento.

Crits-Christoph e Mintz demonstraram que os terapeutas que aplicaram a


mesma forma de terapia diferiram em relação à eficácia. Mesmo quando aderiram a
um manual de tratamento, pode haver diferenças interpessoais, que podem ser
determinantes para o desfecho. Além das diferenças entre os terapeutas, está o
ajuste entre terapeuta e paciente. Alguns terapeutas são melhores com alguns tipos
de pacientes e alguns tipos de transtornos. A experiência com o tratamento de um

17
tipo de adição, por exemplo, pode não se traduzir em empatia, interesse ou
capacidade de tratar outro tipo de adição.

PERSPECTIVA CIENTÍFICA DE ALGUNS CONCEITOS


PSICODINÂMICOS
A psicoterapia psicodinâmica enfatiza o comportamento e o sintoma como
possuindo uma função comunicativa entre paciente e terapeuta, considerando-os
reflexos de processos inconscientes que visam a defesa face a desejos e sentimentos
recalcados. Vê os sonhos e os lapsos de linguagem como comunicações simbólicas
que mostram, no presente, mensagens enviadas do passado (que se pensava
esquecido).

A psicoterapia é um jogo de dinâmicas relacionais no campo da subjetividade.


É o local onde se exploram as relações interpessoais internalizadas
(inconscientemente) pelo paciente e onde tem lugar a interação dos substratos
genético e biológico com o ambiente, moldado, por sua vez, pelas percepções e
emoções (subjetivas) do sujeito.

A todo o instante o cérebro é invadido (inconscientemente) por uma quantidade


infinita de informação sensorial (externa e interna) que, pela sua carga emocional,
pode ser focalizada pela atenção como informação importante e merecedora de
retenção (ou recuperação) na(s) memória(s). Tal como os estímulos sensoriais, as
palavras, objetos ou situações vivenciais também são heterogéneos; existem sempre
elementos mais significativos e mais acessíveis à consciência. As emoções
desempenham um importante papel na forma como se constrói a realidade, uma vez
que os eventos só são registados e percebidos como reais à luz das emoções.

Entre o sistema sensorial, que detecta os estímulos, e o sistema motor, que


coordena os movimentos, existem circuitos neuronais que geram previsões sobre as
implicações, representações mentais e motivações relacionadas visando a melhor (e
mais adaptada) resposta comportamental, cognitiva e emocional. A nossa existência
inclui-se no ser pensante que somos. O pensamento tem a capacidade de ativar as
redes neuronais relacionadas com o seu conteúdo, criando as representações (ou
imagens) mentais. Ou seja, nem sempre precisamos de receber informação sensorial

18
(externa ou interna) para termos algum correspondente cerebral do que pensamos.
As representações mentais são importantes para a comunicação psicoterapêutica,
uma vez que podem imaginar-se objetos que não estão fisicamente presentes por
ativação (mesmo que parcial) das regiões sensoriais que os representam.

Por exemplo, a percepção visual de expressões faciais e dos movimentos


corporais de um indivíduo pode gerar uma ativação emocional no outro, cuja origem
pode não ser consciente, assim como a troca de palavras em psicoterapia, que
representa um alto nível de abstração capaz de provocar a ativação cerebral
apropriada das áreas de representação respetiva. São as palavras, imagens reais,
toques ou a simples imaginação de algo que fazem ativar as redes neuronais
correspondentes, que podem ser constituídas por neurónios “portadores” de
recordações boas ou más sobre determinado estímulo. Os neurónios que transportam
material recalcado comportam-se como se estivessem a ser constantemente
silenciados/inativados por neurónios de boas memórias, podendo este ser um modelo
experimental cerebral compatível com o processo psicoterapêutico.

No decurso do desenvolvimento e no trabalho psicoterapêutico existem dois


tipos de memória com funções cerebrais distintas: a memória explícita, de lembranças
conscientes de factos e acontecimentos que operam nas estruturas do lobo temporal
(por exemplo, o hipotálamo); e a memória implícita, uma coleção heterogênea de
aptidões e experiências responsáveis pelo comportamento não-consciente
(nomeadamente, comportamentos emocionais como o da vinculação) e que
envolvem os gânglios da base (corpo estriado). O bebé, ao nascer, tal como o
paciente em início de terapia, pode ser equiparado a um sistema de memória
funcional capaz de aprendizagens implícitas e explícitas.

A distinção entre memória implícita e explícita não é exatamente o mesmo que


a distinção entre memória declarativa e de procedimentos. A dicotomia
declarativa/processual está centrada no tipo de conhecimento que cada uma delas
envolve, factos e aptidões respetivamente. Ao passo que a distinção explícita/implícita
tem a ver com o facto de o conhecimento ser expresso e/ou recuperado com ou sem
consciência do mesmo. O tipo de conhecimento pode ser declarativo, mas o modo de
recuperação ser implícito; por exemplo, recordar acontecimentos vivenciais precoces
alojados inconscientemente.

19
A memória implícita integra grandes quantidades de informação complexa e
armazena regras (aprendidas implicitamente) que consistem em padrões de atuação
na vida adulta e podem, mais tarde, causar um viés de autoperpetuação face a novas
experiências. Na psicoterapia, esses padrões de regras implícitas são revelados e
refletidos (processados conscientemente) iniciando-se toda uma aprendizagem de
novos padrões explicitamente repetidos até que um novo hábito se enraíze no sistema
de memória implícita. Como na teoria freudiana original: tornar consciente o
inconsciente ajudaria a melhorar o paciente.

Grande parte do armazenamento inconsciente está no que os neurocientistas


chamam de “memória de procedimentos”, que englobam capacidades motoras,
cognitivas e afetivas, e são aprendidas sem serem explicitamente ensinadas. São
estas capacidades da memória processual que integram as crenças sobre a
competência ou incompetência em determinadas áreas da vida, assim como as
tendências para reagir com ansiedade, raiva ou alegria em determinados contextos.
Muitos psicoterapeutas reconhecem a necessidade de existirem memórias
processuais primárias para reconfigurar as associações neuronais do paciente e,
consequentemente, influenciar padrões de comportamento.

Portanto, a psicoterapia pode ser vista como uma nova relação capaz de
reestruturar as memórias adquiridas ao longo da vida, nomeadamente de
experiências infantis adversas, alterando tanto o funcionamento psicológico como o
funcionamento cerebral. Por outro lado, na perspectiva das neurociências, as
representações internas de objetos e das relações passadas existem como uma rede
de neurónios que podem ser ativados em série, se algo na nova relação ou
experiência atual fizer relembrar aquelas passadas e armazenadas anteriormente nas
redes neuronais.

As primeiras relações afetivas são internalizadas e codificadas como memória


de procedimentos e, assim, a persistência de padrões infantis de organização mental
na vida adulta faz com que o passado seja repetido no presente. Em psicoterapia, os
pacientes tendem a manifestar os mesmos padrões relacionais com o terapeuta. A
transferência pode, por isso, ser vista como uma forma de memória processual: tendo,
o paciente, dificuldade em recordar (conscientemente), o padrão pode manifestar-se
na relação terapêutica e, assim, ser considerada, também, memória implícita (que
está fora da consciência).

20
AS NEUROCIÊNCIAS NA PSICOTERAPIA

Numa perspectiva figurativa, colocar um paciente em psicoterapia é colocar a


sua rede neuronal à disposição. Enquanto se ouve e fala, exprime e analisa,
experiencia a transferência e a contratransferência, normalizam-se as conexões
sinápticas, influencia-se o crescimento dendrítico e regula-se a atividade de
transcrição de genes e toda a estrutura cerebral. Terapeuta e paciente provocam um
efeito indireto no sistema neuronal um do outro. Respondem e embarcam
inconscientemente nos sinais subtis do outro, ativando padrões neuronais
compartilhados. Este processo pode ocorrer repetida, circular e reciprocamente,
constituindo a base para uma comunicação quase inconsciente.

Considerando o cérebro um órgão em transformação e a doença mental como


produto de uma causalidade circular entre variáveis neurofisiológicas, sociais e
ambientais em constante interação, todos os estados mentais têm significado
cerebral. Qualquer intervenção psicoterapêutica é reconhecida por alterar crenças,
atitudes, padrões de comportamento e estilos cognitivos e afetivos, mas os
mecanismos cerebrais subjacentes a estas alterações só recentemente começaram
a ser investigados.

A estreita relação entre a psicoterapia e a neurobiologia pode descrever-se


segundo alguns princípios: a) os processos mentais derivam de operações cerebrais;
b) os genes e seus produtos proteicos são determinantes nas interconexões
neuronais; c) o comportamento e o ambiente atuam sobre o cérebro e modificam a
expressão de genes e, consequentemente, a função das células nervosas; d) os
fatores sociais, como os genes, contribuem de forma importante para a variação das
doenças mentais e do comportamento social.

A psicoterapia, palco para aquisição de novas competências e


comportamentos mais adaptativos (aprendizagens conscientes e inconscientes),
altera a expressão genética e a biossíntese proteica, provocando mudanças na
estrutura anatómica e função do cérebro.

Portanto, a intervenção psicoterapêutica é bem-sucedida no tratamento das


perturbações mentais presumivelmente através da criação de uma nova experiência

21
(na relação com o outro/ terapeuta) que possibilite que o indivíduo mude padrões
habituais de funcionamento (comportamentais, emocionais e mesmo cerebrais). Por
outro lado, se qualquer psicoterapia procura o alívio sintomático, a elucidação dos
seus correlatos neuronais é importante para a investigação sobre os mecanismos
biológicos das psicoterapias. No entanto, a psicoterapia psicodinâmica não se esgota
nesse alívio, e, talvez por isso, não seja tão “quantificável” quanto outras
psicoterapias.

Um dos recentes avanços das neurociências foi a descoberta dos neurónios


espelho. Estes têm a capacidade de reagir de forma semelhante quando uma pessoa
executa uma ação e quando a observam noutra pessoa. Esta propriedade permite
que os seres humanos compreendam as intenções dos outros através da observação
das suas ações, aprendam por imitação e adquiram a capacidade de empatizar.

Do ponto de vista representacional, é essencial que o observador represente


os movimentos da outra pessoa no seu próprio cérebro para compreender o seu
significado. No entanto, os neurônios espelho não ficam ativados somente com
representações motoras, também projetam para áreas límbicas, o que proporciona
uma compreensão emocional das ações observadas.

A capacidade humana para o pensamento abstrato possibilita representações


mentais relacionadas com sentimentos, motivações e intenções. Esta capacidade de
mentalização e de imaginar o que o outro pode estar a pensar ou a sentir depende da
integridade (e competência) dos circuitos cognitivos e límbicos do observador, assim
como dos pensamentos (expressos ou inferidos) e emoções da pessoa observada.

A disfunção nos circuitos do sistema límbico, que se manifesta em défices na


percepção, modulação ou interpretação das emoções dos outros, também afeta a
capacidade de mentalização. Por outro lado, a percepção e a interpretação correta
das emoções e sinais não-verbais da voz e da expressão facial são essenciais para
a interação e o funcionamento social, pelo que se torna importante para o
psicoterapeuta compreender a natureza desta desregulação, uma vez que, para além
de estarem muitas vezes alterados em diferentes perturbações psiquiátricas, podem
ampliar problemas interpessoais e dificultar o tratamento.

Por exemplo, observar as expressões de dor de outro ser humano ativa as vias
emocionais normalmente associadas com a percepção da dor no próprio num

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fenómeno do tipo “espelhagem”, no entanto, os componentes afetivos da dor não
estão necessariamente ligados aos componentes sensoriais.

No ambiente psicoterapêutico, é possível sentir os aspetos emocionais dos


pacientes sem o efeito sensorial completo inerente à experiência do paciente. É esta
capacidade empática do terapeuta em diferenciar os aspetos emocionais e sensoriais
das experiências (mesmo que não expressas conscientemente) que proporciona a
representação de estados físicos internos e sentimentos subjetivos dos pacientes.

No caso concreto da psicoterapia psicodinâmica, é possível que as emoções


do paciente (mesmo as inconscientes) ativem emoções/experiências semelhantes no
terapeuta. Ou seja, ao longo do processo psicoterapêutico as emoções, cognições e
intenções inferidas do paciente, vão ser continuadamente modeladas nos próprios
circuitos neuronais do terapeuta. Por sua vez o paciente observa no terapeuta uma
versão mais manejável do que ele próprio sente e vivencia. Comunicar, em
psicoterapia, é no fundo participar na vida mental do outro, partilhando, sentindo e
compreendendo as suas intenções, ações e emoções.

23
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão de como as intervenções psicoterapêuticas mudam o cérebro


espelha a constante tensão entre as explicações psicológicas e biológicas sobre o
comportamento humano. No entanto, as psicoterapias não diferem assim tanto do
modo de atuação da psicofarmacologia, que tem como alvo os neurónios, as
conexões sinápticas e os neurotransmissores.

Qualquer psicoterapia pode ser considerada uma forma de aprendizagem que


altera (temporária ou permanentemente) circuitos cerebrais e fá-lo por um mecanismo
semelhante ao da plasticidade cerebral, na medida em que provoca uma melhor
modulação da resposta neuronal.

A psicoterapia psicodinâmica “manuseia” redes neuronais complexas de


memórias, sonhos, sentimentos e relações interpessoais construídas ao longo da
vida. Ao mesmo tempo, lembra-nos que a mente humana não pode ser reduzida a
simples elementos biológicos ou neuroquímicos essenciais para a compreensão do
pensamento e da ação humana. Não podem ser vistos como um fim em si mesmos,
pois a água também não deixa de ser água por ser vista em copos de vidro de cores
diferentes. Aqui reside o desafio para quem olha para a mente humana de
perspectivas diferentes (psicoterapias/neurociências).

O cérebro é, simultaneamente, uma rede elaborada de sistemas de


neurotransmissores e gerador de um indivíduo psicologicamente complexo. A mente
reflete a atividade do cérebro, mas não pode ser reduzida a meras explicações
neurocientíficas. Os comportamentos, as emoções e os sentimentos não são simples
produtos de genes ou de processos moleculares. O cérebro pode ser observado por
uma terceira pessoa, mas a mente só pode ser conhecida a partir de dentro, na
relação com o outro ou consigo mesmo. Sendo assim o ser, no seu todo, não se
equipara a um cérebro e aos seus componentes (não é simplesmente a soma das
partes). A mente é um produto do cérebro sem nele se esgotar.

O psicólogo psicodinâmico que negligencia os fundamentos neurobiológicos


da experiência é tão culpado de reducionismo como o psiquiatra de orientação
biológica que negligencia a vida da mente.

24
A psicoterapia psicodinâmica provoca efetivamente mudanças no cérebro dos
pacientes paralelamente à melhoria clínica. E com o advento das técnicas de
neuroimagem funcional melhorou-se muito a capacidade de investigar as
consequências biológicas destas intervenções, assim como a capacidade de
documentar a sua eficácia, de seguir o seu curso e de correlacionar funções mentais
específicas com os respetivos mecanismos cerebrais.

A proximidade da psicoterapia à neurobiologia trouxe implicações clínicas


relevantes, permitindo desenhar protocolos terapêuticos mais precisos e baseados
na evidência científica contribuindo assim para o aperfeiçoamento dos procedimentos
psicoterapêuticos40. No entanto, ao tentar fazer interpretações em linguagem
neurobiológica (usando para isso paradigmas de neuroimagem) demasiado concretas
e generalizadas dos conceitos e conteúdos psicodinâmicos corremos o risco de
perder a complexidade e a riqueza do funcionamento humano, assim como da
experiência mental.

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