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Sumário
1.0– SIGMUND FREUD ........................................................................................................ 5
1.1 Influências das Artes e Literatura .......................................................................... 8
1.2 Formação Médica e Estudos em Fisiologia .......................................................... 9
1.3 Aulas com Charcot................................................................................................ 10
1.4 Josef Breuer .......................................................................................................... 12
1.5 A Teoria do Trauma .............................................................................................. 15
1.6 A Teoria dos Sonhos ............................................................................................ 16
1.7 O Fim do Isolamento de Freud ............................................................................ 17
1.8.1 O psicanalista demorou para alcançar a fama ........................................... 19
1.8.2 Foi nomeado ao Prêmio Nobel .................................................................... 20
1.8.3 Fugiu do nazismo .......................................................................................... 21
1.8.4 Lutava contra o tabagismo ........................................................................... 22
Freud sofreu com um câncer de laringe. Ele chegava a fumar mais de 20 charutos
por dia. Ao longo dos anos, passou por mais de 30 cirurgias para retirar tumores
que tomavam conta de sua boca. Apesar disso, ele nunca parou de fumar. ......... 22
2.0 JACQUES LACAN.................................................................................................... 23
2.1 A Complexidade da Obra de Lacan .................................................................... 25
2.2 Características da obra psicanalítica de Lacan ................................................. 26
2.3 Diferenças entre as obras de Freud e Lacan ..................................................... 27
2.4 O estado do espelho............................................................................................. 28
........................................................................................................................................... 28
2.5 O outro ................................................................................................................... 29
2.6 O falo...................................................................................................................... 30
2.7 As três ordens da psicanálise .............................................................................. 30
2.8 O desejo................................................................................................................. 31
2.9 O ímpeto ................................................................................................................ 32
2.10 Outras considerações........................................................................................... 33
3.0 DONALD WOODS WINNICOTT ............................................................................. 34
............................................................................................................................................... 35
4.0 Holding ................................................................................................................... 37
3.2 Self Verdadeiro e Falso Self ................................................................................ 39
3.3 Objeto Transicional ............................................................................................... 40

2
3.4 Desenvolvimento Psíquico ................................................................................... 42
3.5 Integração e Personalização ............................................................................... 42
3.6 Adaptação à Realidade ........................................................................................ 44
3.7 Crueldade Primitiva (fase de pré-inquietude) ..................................................... 45
4.0 MELANIE KLEIN....................................................................................................... 46
4.1 Contribuições à Psicanálise ................................................................................. 53
4.2 Melanie Klein e as fantasias inconscientes ........................................................ 55
4.3 A fantasia kleiniana: definições ........................................................................... 55
4.4 A origem e a função da vida fantasmática.......................................................... 56
4.5 As relações objetais.............................................................................................. 58
4.6 A introjeção e a projeção...................................................................................... 59
4.7 A constituição do sujeito: um percurso nas manifestações fantasmáticas ao
longo do desenvolvimento ............................................................................................... 61
4.8 Fantasias e conteúdos patológicos ..................................................................... 65
4.9 Fantasias e conteúdos sexuais ........................................................................... 66
5.1 Anna e a Psicanálise Infantil ................................................................................ 78
5.2 As Duas Correntes da Psicanálise em Crianças ............................................... 80
5.3 Alguns Conceitos Kleinianos na Psicanálise da Criança .................................. 81
5.4 Conceitos de Ana Freud na Psicanálise da Criança ......................................... 82
5.5 A Psicanálise da Criança .......................................................................................... 83
5.5.1 O Brincar na Psicanálise de Crianças............................................................... 83
5.5.3 O Brincar Segundo Winnicott............................................................................. 85
5.5.4 O Brincar Segundo Melaine Klein ......................................................................... 86
5.5.5 O Brincar em Ana Freud .................................................................................... 88
5.6 A Entrevista com os Pais na Clínica Psicanalítica da Criança ......................... 89
6.0 – PSICANÁLISE ....................................................................................................... 90
7.0 INSCONSCIENTE .................................................................................................... 94
7.1.1 Percepção, inconsciente e representação .................................................. 98
7.2 Percepções endopsíquicas e o inconsciente ................................................... 105
7.3 Percepção, consciência e inconsciente ............................................................ 110
8.0 ID, EGO E SUPEREGO ......................................................................................... 121
9.0 Mecanismos de Defesa – As Defesas do Ego ........................................................ 123
9.4 Compensação ..................................................................................................... 124
9.5 Negação............................................................................................................... 124
9.1 Regressão ........................................................................................................... 124
9.6 Identificação ........................................................................................................ 124

3
9.4 Sublimação .......................................................................................................... 125
9.5 Racionalização .................................................................................................... 125
9.6 Formação reativa ................................................................................................ 125
10.0 TEORIA DA SEXUALIDADE ................................................................................. 125
10.1 A teoria da sedução generalizada ..................................................................... 129
10.2 A fonte da pulsão sexual .................................................................................... 133
10.3 Pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte ............................................. 136
11.0 COMPLEXO DE ÉDIPO......................................................................................... 141
11.1 Complexo de Édipo: idade ................................................................................ 144
11.2 Por que o complexo de Édipo é importante? ...................................................... 144
11.2.1 Funções do complexo de Édipo .................................................................... 145
11.3 Complexo de Electra ............................................................................................. 145
“A dissolução do complexo de Édipo”: resumo do livro .............................................. 146
11.4 Frases do complexo de Édipo .............................................................................. 146
REFERÊNCIA .................................................................................................................... 147

4
1.0– SIGMUND FREUD

Conhecido como o pai da psicanálise, Sigmund Freud foi o responsável pela


revolução no estudo da mente humana. Nascido em 1856 em Freiberg, Morávia,
hoje República Checa, Freud foi o primogênito de Jacob Freud e de Amalie
Nathanson. Aos 17, ele ingressou na Universidade de Viena, no curso de
Medicina. Notório por ser um aluno brilhante, durante os anos de faculdade,
trabalhou intensamente no laboratório de neurofisiologia, até formar-se em 1881.
Em 1882, conheceu Martha Bemays e em 1886, quando Freud já possuía
consultório particular, casam-se.

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Em sua estada de seis meses em Paris, trabalhou com o neurologista
francês Jean-Martin Charcot, observando o tratamento da histeria com o uso da
hipnose, despertando então seu interesse pelo estudo dos distúrbios mentais.

Freud tornou-se especialista em doenças nervosas e criou uma nova


teoria, a qual estabelecia que pessoas que ficavam com a mente doente eram
aquelas que não colocavam seus sentimentos para fora. Segundo Freud, esse
tipo de pessoa tinha a capacidade de fechar de tal maneira os sentimentos
dentro de sua mente, que, após algum tempo, esquecia-se da própria existência.

Ao longo dos anos de estudo, fundamentou suas teorias psicanalíticas da


mente e lançou, em 1895, em parceria com o médico Joseph Breuer – seu
principal colaborador, a obra "Estudos sobre Histeria". Insatisfeito com a hipnose,
Freud desenvolveu o que é uma das bases da técnica psicanalítica na
atualidade: a livre associação, em que o paciente é convidado a falar o que lhe
vem à mente para revelar memórias reprimidas causadoras de neuroses.

Para estudar melhor seus pacientes, esse cientista iniciou um processo


de autoanálise e trabalhou com a interpretação de seus próprios sonhos. Em
6
1896, utilizou pela primeira vez o termo psicanálise. Ao afirmar a influência do
inconsciente sobre as ações humanas e a ligação dos impulsos sexuais com as
neuroses, ele ganhou a oposição dos meios científicos. Mesmo com dificuldades
para ser reconhecido pelo meio acadêmico, Freud reuniu um grupo de
pesquisadores que deu origem, em 1908, à Sociedade Psicanalítica de Viena.
Seus mais fiéis seguidores foram Karl Abraham, Sandor Ferenczi e Ernest
Jones. Já Alfred Adler e Carl Jung acabaram como dissidentes.

Entre muitas obras, Freud escreveu livros importantes como a ‘Psicologia


da Vida Cotidiana’, ‘Totem e Tabu’, ‘A interpretação dos sonhos’, ‘O Ego e o Id’
e muitos outros. Somente em 1909 teve o primeiro sinal de aceitação da
Psicanálise no meio acadêmico, quando foi convidado a dar conferências nos
Estados Unidos. Após a I Guerra Mundial, ele empregou suas teorias para
interpretar a cultura, a mitologia, a religião, a arte, e a história.

A doutrina freudiana aos poucos foi sendo implantada em vários países,


como Grã-Bretanha, Hungria, Alemanha, e nos Estados Unidos. Na Suíça,
produziu-se um acontecimento maior na história do movimento psicanalítico.
Eugen Bleuler, um famoso médico de Zurique, começou a aplicar o método
psicanalítico ao tratamento das psicoses, promovendo, ao mesmo tempo, a
noção de esquizofrenia. Com esse passo, uma nova “terra prometida” se abria à
doutrina freudiana, já que, a partir do saber psiquiátrico, começou-se a buscar
uma solução para o enigma da loucura humana.

Em 1923, o psicanalista ficou doente e com dificuldades para falar, devido


a uma cirurgia para retirar um tumor no palato. Em 1938, quando os nazistas
tomaram Viena, Freud, de origem judia, se vê obrigado a refugiar-se em Londres.
Um ano depois, em 1939, ainda em Londres, ele faleceu.

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1.1 Influências das Artes e Literatura

Em suas obras Sigmund Freud cita grandes nomes da literatura


universal (Sófocles, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Henrik Ibsen,
Fiodor Dostoieski) e contemporâneos de todas as matizes (Thomas Mann, Emile
Zola, Mark Twain); sobressaem os autores de língua alemã, como Heinrich
Heine, Friedrich Schiller e Johann Wolfgang von Goethe (figura central no
universo intelectual de Freud, e citado por ele mais de uma centena de vezes
em seus escritos). Demonstra também grande interesse pela escultura
(Michelangelo) e pela pintura (Leonardo da Vinci, Herman von Riju Rembrandt).

Em 1896 Freud iniciou sua célebre coleção de antiguidades, composta por mais
de 2000 peças, das mais variadas procedências; que testemunha o grande
interesse de Freud por civilizações antigas e pela arqueologia.

O interesse artístico-literário de Freud se infiltra profundamente


na psicanálise, e estilo freudiano de escrita e argumentação é bastante
“literário”. Loureiro (2005) relata que a prosa elegante de Freud foi admirada por
muitos críticos e o único prêmio que Freud recebeu em vida, o Prêmio Goethe
(1930), foi-lhe atribuído pelas qualidades literárias de sua obra.

Sob a influência de uma amizade formada na escola com um menino mais


velho, Freud desenvolveu o desejo de estudar direito e de dedicar-se a atividade
sociais. Ao mesmo tempo, as teorias de Darwin atraíram-lhe a atenção, “pois
8
ofereciam esperanças de extraordinário progresso em nossa compreensão do
mundo” (Freud, 1935); e foi ouvindo o ensaio de Goethe sobre a Natureza, lido
em voz alta numa conferência popular pelo professor Carl Brühl pouco antes de
ter deixado a escola, que Freud resolveu tornar-me estudante de medicina.

Ao completar a escola secundária, o jovem Freud já sabia latim, grego,


judeu, alemão, francês, inglês e tinha ainda noções de italiano e espanhol.

1.2 Formação Médica e Estudos em Fisiologia

Em 1873 ingressou na universidade de medicina, sofrendo grande


preconceito por ser judeu. Entre 1876 e 1888 com breves interrupções trabalhou
no laboratório de fisiologia de Ernst Brücke e seus assistentes Sigmund Exner e
Ernst Fleischl von Marxow. Recebeu seu título de doutor em 1881.

Devido a sua situação financeira desfavorável, Freud se viu impelido a


abandonar a carreira de teórico e ingressou no Hospital Geral
como Aspirant (alemão: assistente clínico). Logo depois foi promovido
a Sekundararzt (alemão: médico estagiário ou interno), e trabalhou em vários
9
departamentos do hospital, entre outros por mais de seis meses sob a orientação
de Meynert, cujo trabalho e personalidade muito lhe haviam impressionado
quando ainda era estudante.

Meynert propôs que Freud devia dedicar-se inteiramente à anatomia do


cérebro e prometeu passar-lhe suas atividades como conferencista, visto sentir-
se velho demais para lidar com os métodos mais novos. Havia naquela época,
em Viena, poucos especialistas em neurologia, o material para seu estudo
estava distribuído por grande número de diferentes departamentos do hospital,
não havia oportunidade satisfatória para aprender a matéria, e se era forçado a
ser professor de si mesmo. (Freud, 1935)

Em 1885, foi nomeado conferencista (Dozent) de neuropatologia com


base em suas publicações histológicas e clínicas. Logo depois, como resultado
de caloroso testemunho de Brücke, foi concedida uma bolsa de estudos que
possibilitou sua viajem para Paris para assistir às aulas de Charcot.

1.3 Aulas com Charcot

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Freud (1935) declara que no início Charcot dispensava-lhe pouca
atenção; mas Charcot um dia em uma de suas aulas declarou que estava
necessitando de um tradutor de alemão para suas conferências, prosseguiu
dizendo que ficaria satisfeito se alguém se encarregasse de verter o novo volume
de suas conferências para o alemão. Freud ofereceu-lhe seus préstimos.
Charcot aceitou a oferta, foi admitido no círculo de seus conhecidos pessoais, e
a partir dessa época tomou parte integral em tudo que se passava na clínica.

Antes de partir de Paris, Freud examinou com Charcot um plano para um


estudo comparativo das paralisias histéricas e orgânicas. Freud desejava
estabelecer a tese de que na histeria as paralisias e anestesias das várias partes
do corpo se acham demarcadas de acordo com a ideia popular dos seus limites
e não em conformidade com fatos anatômicos. Mas na realidade Charcot não
teve qualquer interesse especial em penetrar mais profundamente nesse estudo.
(Freud, 1935)

No outono de 1886, fichou-se em Viena como médico e casou-se com


Martha. Cabia-lhe apresentar um relatório perante a ‘Gesellschaft der
Aerzte’ (Sociedade de Medicina) sobre o que vira e aprendera com Charcot.
Teve, porém, má recepção. Pessoas de autoridade declararam que o que ele
disse era inacreditável. Meynert desafiou-lhe a encontrar alguns casos em Viena
semelhantes àqueles que ele descrevera e a apresentá-los perante a sociedade.
Foi excluído do laboratório de anatomia cerebral e durante intermináveis
trimestres não teve onde pronunciar suas conferências; afastou-se da vida
acadêmica e deixou de frequentar as sociedades eruditas.

11
1.4 Josef Breuer

Enquanto ainda trabalhava no laboratório de Brücke, Freud travara


conhecimento com o Dr. Josef Breuer que era um dos médicos de família mais
respeitados de Viena. Antes da viagem de Freud a Paris, Breuer já havia lhe
falado sobre um caso de histeria que, entre 1880 e 1882, ele havia tratado de
maneira peculiar, o qual lhe permitira penetrar profundamente na acusação e no
significado dos sintomas histéricos. Freud fez um esboço desse caso a Charcot,
que não demonstrou nenhum interesse no assunto.

A paciente, que mais tarde ficou conhecida nos livros de psicanálise


como Ana O. (Berta Papenheim), tinha sido uma jovem de educação e dons
incomuns, que adoecera enquanto cuidava do pai, pelo qual era devotamente
afeiçoada. Quando Breuer se encarregou do caso, esta apresentava um quadro
variado de paralisias com contraturas, inibições e estados de confusão mental.
Ela podia ser aliviada de seus sintomas se fosse induzida a expressar em
palavras a fantasia emotiva pela qual se achava no momento dominada. A partir
12
dessa descoberta, Breuer chegou a um novo método de tratamento. Ele a levava
a uma hipnose profunda e fazia-a dizer-lhe, de cada vez, o que era lhe oprimia
a mente. Esta paciente, durante o estado de transe hipnótico, recordava uma
série de ocorrências traumáticas que aconteceram em um passado remoto, e
das quais ela não lembrava quando em estado consciente.Por esse processo
Breuer conseguiu, após longos e penosos esforços, aliviar a paciente de seus
sintomas.

Freud começou então a repetir as pesquisas de Breuer com seus próprios


pacientes. Após observar durante vários anos que os achados de Breuer eram
invariavelmente confirmados em cada caso de histeria acessível a tal
tratamento, e depois de haver acumulado considerável quantidade de material
sob a forma de observações análogas às dele, Freud propôs a Breuer lançar
uma publicação conjunta.

Freud (1935) diz que, no início, Breuer objetou com veemência, mas por
fim cedeu, especialmente tendo em vista que, nesse meio tempo, as obras de
Janet haviam previsto alguns dos seus resultados, tais como o rastreamento de
sintomas histéricos em fatos da vida do paciente e sua eliminação por meio da
reprodução hipnótica in statu nascendi. Em 1893 foi lançado uma comunicação
preliminar, “Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos”, e em
1895 seguiu-se o livro, Estudos sobre a Histeria.

Entre Comunicação Preliminar e Estudos Sobre Histeria, Freud


publicou o artigo As Neuropsicoses de Defesa (1894) onde já demonstra sua
independência em relação às ideias de Breuer. É nesse trabalho que Freud
começa a tratar de forma intensa o fenômeno da defesa; mas é importante
sublinhar que ele só entende de forma profunda esse fenômeno quando
abandona a hipnose e passa para o método de associação livre. Foi o conceito
de defesa que rompeu de forma decisiva com a concepção neurologizante do
conflito psíquico.

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Freud (1935) diz que Estudos sobre a Histeria não procurou
estabelecer a natureza da histeria, mas apenas lançar luz sobre a origem de
seus sintomas. Assim, dava ênfase à significação da vida das emoções e à
importância de estabelecer distinção entre os atos mentais inconscientes e os
conscientes (ou, antes, capazes de ser conscientes). O livro introduziu também
a noção de um fator dinâmico, supondo que um sintoma surge através do
represamento de um afeto, e um fator econômico, considerando aquele mesmo
sintoma como o produto da transformação de uma quantidade de energia que
de outra maneira teria sido empregada de alguma outra forma.

Freud passou a sustentar que não era qualquer espécie de excitação


emocional que estava em ação por trás dos fenômenos da neurose, mas
habitualmente uma excitação de natureza sexual. Passou, então, a investigar a
vida sexual dos chamados neurastênicos, que costumavam visitar-lhe em
grande número durante suas horas de consulta. Essa experiência custou-lhe a
popularidade como médico. Ele percebeu que em todos esses pacientes graves
irregularidades da função sexual se encontravam presentes.

Breuer tentava explicar a divisão mental nos pacientes histéricos pela


ausência de comunicação entre vários estados (estados de consciência) e
construiu então, a teoria dos “estados hipnóides”. Freud encarava a divisão
psíquica como efeito de um processo de repulsão, que na época ele denominou
de “defesa” e depois de “repressão”. Com o tempo as duas teorias, “da
defesa” e “hipnóide” se opuseram. Mas segundo Freud (1916) o que realmente
causou o rompimento os dois foi a ênfase de Freud na significação da
sexualidade na etiologia das neuroses.

Durante os anos que se seguiram à publicação dos Estudos sobre


Histeria, Freud leu alguns artigos sobre o papel da sexualidade na etiologia das
neuroses perante várias sociedades médicas, mas só obteve incredulidade e
contradição. Breuer tentou por algum tempo usar sua influência pessoal a favor
de Freud, mas nada conseguiu. Sendo que Breuer não estava inclinado a
reconhecer a etiologia sexual das neuroses. Breuer abandonou Freud a própria
sorte, mas também nunca usou sua autoridade como o terapeuta de Ana O para
14
atacar Freud diretamente. E Freud (1935) relata que não entendeu esse silêncio
de Breuer. Só depois, quando reviu o caso Ana O pôde entender a atitude de
Breuer. Nesse momento ele “descobre” a transferência e
a contratransferência. A paciente de Breuer desenvolvera uma condição de
‘amor transferencial’, Breuer não havia feito a ligação disso com sua doença e
então se afastara desalentado.

1.5 A Teoria do Trauma

Freud acreditava que o conflito psíquico e sua consequência,


a neurose era resultante de repressões impostas por traumas de sedução
sexual que realmente teriam ocorrido no passado, e que retornavam sob a forma
de sintomas. (Zimerman, 1999).

Freud (1935) menciona que seus pacientes com frequência reproduziam


cenas nas quais eram seduzidos sexualmente por adultos; ele acreditava nessas
historias e pensou ter descoberto as raízes da neurose subsequente nessas
experiências de sedução sexual na infância.

Freud tentava de forma coercitiva estimular os pacientes a recordar o


trauma que havia sido esquecido e que tinha relação direta com os sintomas
histéricos. Primeiramente para superar as resistências dos pacientes Freud se
utilizou da sugestão, do estímulo e da insistência. No entanto esse método foi
substituído por outro, onde em vez de incitar o paciente a dizer algo sobre algum
assunto específico, solicitava que se entregasse a um processo de associação
livre — isto é, que dissesse o que lhe viesse à mente, sem dar qualquer
orientação consciente a seus pensamentos.

A partir de 1896 Freud passa a empregar o método da associação livre,


abandonando o método hipnótico, por considerá-lo um meio artificial de
neutralizar as resistências.

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Por volta de 1897, Freud se deu conta de que o trauma psíquico era
insuficiente para explicar todos os sintomas neuróticos. Ele percebeu que suas
pacientes não contavam sempre a verdade e que seus discursos estavam cheios
de ideias fantasiosas. Os sintomas neuróticos não estavam diretamente
relacionados com fatos reais, mas com fantasias impregnadas de desejos; e,
como destaca Freud (1935), no tocante à neurose, a realidade psíquica era de
maior importância que a realidade material. A sedução durante a infância retinha
certa parcela, embora mais humilde, na etiologia das neuroses. Mas os
sedutores vieram a ser, em geral, crianças mais velhas.

Freud com o tempo pôde concluir que tudo que tinha sido esquecido de
alguma forma fora aflitivo; e que ao mesmo tempo havia algo no próprio indivíduo
que tentava a todo custo não ser lembrado. Surgia a teoria da resistência e por
conseguinte, a do recalque.

1.6 A Teoria dos Sonhos

A teoria dos sonhos também veio trazer novas possibilidades para


a psicanálise; abriu um caminho que conduzia muito longe, até as esferas do
interesse universal. O sonho é de grande importância na psicanálise, porque não
são manifestações patológicas como os sintomas, mas uma manifestação da
vida mental normal que poderia ocorrer em qualquer pessoa sã. (Freud, 1935)

16
A Interpretação dos Sonhos (1900) marca a passagem para um modelo
que investiga não apenas as manifestações psicopatológicas, mas capaz de dar
conta do psiquismo em geral. No Capitulo VI da Interpretação dos Sonhos Freud
formula o primeiro grande modelo do aparelho psíquico (a primeira tópica).
O psiquismo é composto por dois grandes sistemas – inconsciente e pré-
consciente/consciente – que são separados por uma barreira
(a censura/recalque) que através do mecanismo do recalque expulsa e mantêm
certas representações inaceitáveis fora do sistema consciente. Mas essas
representações exercem uma pressão para tornarem-se conscientes e ativas.
Ocorre um jogo de forças, entre os conteúdos reprimidos e os mecanismos
repressores. Como resultado desses conflitos há a produção das formações do
inconsciente: os sintomas, sonhos, lapsos e chistes. Essas formações
representam o fracasso e o sucesso das duas forças conflitantes e representam
uma espécie de acordo entre elas.

Em 1905 veio a público os Três Ensaios para uma Teoria da Sexualidade.


Esse texto situa a sexualidade como a base da vida psíquica. Loureiro (2005) diz
que a psicanálise efetua uma verdadeira ruptura naquilo mesmo que era
considerado sexualidade. Ao contrário dos discursos normativos da sexologia e
da criminologia, que priorizavam a explicação dos desvios sexuais com base em
teorias da hereditariedade e da degenerescência, a concepção psicanalítica da
sexualidade embaralha as fronteiras entre normal/patológico, bem como
prescinde da categoria de instinto sexual (impulso pré-formado, comum à
espécie como um todo, dotado de objeto e finalidade fixos). Freud usa o
termo Trieb (impulso ou pulsão); pulsão não implica nem comportamento pré-
formado, nem objeto específico. A pulsão demonstra a múltiplas, contingentes e
mutantes feições que pode assumir a sexualidade humana.

1.7 O Fim do Isolamento de Freud

Até 1906, Freud já havia lançado as bases fundamentais da psicanálise:


a primeira tópica com a divisão do psiquismo em três instancias (consciente, pré-
consciente e inconsciente); as fases psicossexuais da sexualidade

17
infantil; Complexo de Édipo; os conceitos de transferência e contratransferência;
a importância das resistências etc..

Por mais de dez anos após o seu afastamento de Breuer, Freud não teve
seguidores. Ficou completamente isolado. Em Viena, foi evitado; no exterior,
ninguém lhe deu atenção. A Interpretação de Sonhos Freud (1900), mal foi objeto
de críticas nas publicações técnicas.

Após 1906 seu isolamento gradativamente chegou ao fim. Para começar,


um pequeno círculo de alunos reuniu-se em torno de Freud em Viena; depois
chegou a notícia de que os psiquiatras de Zurique, E. Bleuler, seu assistente C.
G. Jung e outros, estavam adquirindo vivo interesse pela psicanálise. Entraram
em contato pessoal, e na Páscoa de 1908 reuniram-se em Salzburg,
concordaram com a realização regular de outros congressos informais
semelhantes e adotaram providências para a publicação de um órgão que foi
organizado por Jung e que recebeu o título de Jahrbuch für psychoanalytische
und psychopathologische Forschungen (Anuário de Pesquisas Psicanalíticas
e Psicopatológicas). Veio a lume sob direção de Freud e Bleuler, deixando de
ser publicado no início da Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo em que os
psiquiatras suíços ingressavam no movimento, o interesse pela psicanálise
começou também a ser despertado em toda a Alemanha, tornando-se tema de
grande número de comentários escritos e de vivos debates em congressos
científicos. Mas sua acolhida em parte alguma foi amistosa ou mesmo
benevolentemente neutra. Segundo Freud (1935), após travar o mais leve
conhecimento com a psicanálise, a ciência alemã estava coesa para rejeitá-la.

A partir de 1906 Freud e passou a reunir-se na sala de espera com um


seleto grupo de brilhantes colaboradores: Abraham, Fereczi, Rank, Steckel,
Sanchs, Jung, Adler. Eram as chamadas “Reuniões das Quartas-Férias”.

Entre 1914 e 1917 Freud produz seus “artigos metapsicológicos” que


buscavam sintetizar o conhecimento teórico até então construído. Sobre
o Narcisismo (1914) ‘As Pulsões e suas Vicissitudes’ (1915), ‘Repressão’

18
(1915), ‘O Inconsciente’ (1915), ‘Luto e Melancolia’ (1917) etc. vem fazer parte
dessa tentativa de construção de uma Metapsicologia. Com isso Freud queria
construir um método de abordagem de acordo com o qual todo processo mental
é considerado em relação com três coordenadas, as quais descreveu como
dinâmica, topográfica e econômica, respectivamente.

Em sua Teoria Sobre o Narcisismo (1914) Freud atribui novas


dimensões ao conceito de libido e, consequentemente, à psicanálise.O
desenvolvimento do conceito de narcisismo coloca a prova o dualismo entre
pulsões do ego (pulsões de autopreservação) e pulsões sexuais.

Em Além do Princípio do Prazer (1920), Psicologia de Grupo e a


Análise do Ego (1921c) e O Ego e o Id (1923), Freud considera uma nova
solução para o problema das pulsões. Combinou as pulsões para a
autopreservação e para a preservação da espécie sob o conceito de pulsão de
vida (Eros) e contrastou com ele um pulsão de morte ou destruição
(Tanatos) que atua em silêncio. A pulsão, em geral, é considerada como uma
espécie de elasticidade das coisas vivas, um impulso no sentido da restauração
que de um estado psíquico que outrora existiu, mas que foi conduzida a um fim
por alguma perturbação externa. Esse caráter essencialmente conservador das
pulsões é exemplificado pelos fenômenos da compulsão à repetição. O quadro
que a vida nos apresenta é o resultado da ação simultânea e mutuamente oposta
de Eros e de Tanatos.

Em O Id e o Ego, Freud (1923) entrega-se à tarefa de dissecar


o aparelho mental, com base no ponto de vista analítico dos fatos patológicos,
e o divide em um ego, um id e um superego. O superego é o herdeiro do
complexo edipiano e representa os padrões éticos da humanidade.

1.8 Curiosidades sobre Freud

1.8.1 O psicanalista demorou para alcançar a fama

19
A Interpretação dos Sonhos", livro considerado por Freud como seu mais
relevante trabalho, não despertou muito interesse no ano de sua publicação, em
1899. Uma segunda edição da obra veio a ser publicada apenas 10 anos depois,
em 1909.

1.8.2 Foi nomeado ao Prêmio Nobel

Sigmund Freud foi nomeado ao Prêmio Nobel 13 vezes (12 delas para o
Nobel de Medicina e 1 vez para o de Literatura), mas não ganhou nenhum deles.
À época, seus críticos defendiam que a psicanálise era uma prática sem
fundamentos. Apesar disso, Freud recebeu o prestigioso Prêmio Goethe de
Literatura, em 1930.

20
1.8.3 Fugiu do nazismo

Quando nazistas invadiram Viena, na Áustria, os livros de Freud foram


queimados e o médico chegou a ser interrogado pela Gestapo - espécie de
"polícia secreta do Estado". Por intermédio de uma amiga e paciente, a princesa
Marie Bonaparte, Freud conseguiu escapar para Londres com sua filha Anna.

21
1.8.4 Lutava contra o tabagismo

Freud sofreu com um câncer de laringe. Ele chegava a fumar mais de 20


charutos por dia. Ao longo dos anos, passou por mais de 30 cirurgias para retirar
tumores que tomavam conta de sua boca. Apesar disso, ele nunca parou de
fumar.

22
1.8.5 Poucos registros audiovisuais de Freud

Até hoje, só há uma gravação da voz do famoso pai da psicanálise. Trata-


se de um registro de 1938, da emissora de rádio BBC.

Link do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=M5CYhJSTHVs&list=RDCMUCl_CwuUIJ6R
81i7pyrJy4Pw&start_radio=1&t=25

2.0 JACQUES LACAN

Jacques Lacan (1901-1981) foi um grande psicanalista, sendo considerado


um dos principais intérpretes de Sigmund Freud. Sua obra é considerada como

23
complexa de se compreender. Ele fundou uma corrente psicanalítica própria: a
Psicanálise Lacaniana.

Lacan apresentou invocações na psicanálise, tanto do ponto de vista teórico,


como no ponto de vista prático. Segundo Lacan, a psicanálise tem apenas uma
interpretação possível, que é a interpretação linguística.

Na psicanálise, o inconsciente é tido como fonte dos fenômenos patológicos.


Sendo assim, conforme também defendido por outros psicanalistas, é uma tarefa
descobrir as leis pelas quais se rege o inconsciente. Leis que são descobertas
pelas manifestações do inconsciente, e assim, pode-se tratar essas patologias.

A Psicanálise Lacaniana constitui como um sistema de pensamento que


promoveu diversas alterações em relação à doutrina e clinica propostas por
Freud. Lacan criou novos conceitos, além de ter criado uma técnica de análise
própria. Sua técnica diferenciada surgiu a partir de uma metodologia diferente de
análise do trabalho do Freud. Principalmente, em comparação a outros
psicanalistas cujas teorias divergiram de seu predecessor.

24
Jacques Lacan é considerado como o único dos grandes intérpretes de
Freud que procurou retornar literalmente aos seus textos e à sua doutrina. Isto
é, Lacan não apenas o estudou com o intuito de ultrapassar ou de conservar a
sua doutrina.

Dessa forma, a sua teoria acabou se tornando uma espécie de revolução às


avessas. Como se fosse uma substituição ortodoxa da doutrina preconizada por
Freud. Um fator a ser relevado é que não se sabe se Lacan e Freud se
conheceram pessoalmente.

2.1 A Complexidade da Obra de Lacan

Muitos estudiosos consideram a obra de Lacan complexa e difícil de


compreender. Entretanto, pelo fato de sua obra ter partido da obra de Freud, isso
acaba facilitando ou orientando sobre como estudá-la. Portanto, torna-se
importante a compreensão da obra de Freud, para que então se possa
compreender a obra de Lacan.

Uma das razões que dificulta na compreensão da obra de Lacan é o seu


próprio modo de escrever. Ele escreve de uma forma que não leva a uma
posição claramente definida. Seu estilo de escrita usualmente empregado,
assim, acaba se diferenciado a sua obra da obra de Freud.

25
Dentro disso, as contradições acabam sendo frequentes na obra de
Lacan. Ele afirmava que sua obra propunha um retorno à obra de Freud, como
num movimento de retomada. Não obstante, por exemplo, ele se opunha
claramente à ciência naturalista por Freud proposta.

Para Lacan, a psicanálise tinha uma única interpretação possível, que era
a interpretação linguística. Dentro dessa concepção, ele dizia que o inconsciente
tinha a estrutura de uma língua. Expressão essa que ficou muito conhecida em
sua obra.

Jacques Lacan foi, além de psicanalista, crítico literário, estruturalista,


filósofo, linguista, semiótico e também analista. Todas essas áreas acabavam se
convergindo e se refletindo em sua obra. Assim como na sua forma de
interpretação e no modo como ele descrevia as suas teorias psicanalíticas. Isso
tudo contribui para a complexidade da compreensão de seu trabalho.

2.2 Características da obra psicanalítica de Lacan

Alguns fatores ou características importantes devem ser considerados para


compreendermos a obra de Jacques Lacan. Primeiramente, devemos
considerar que Lacan acreditava no inconsciente. Outro fator é que ele tinha um
enorme interesse pela linguagem. Além disso, sua obra pode parecer simples e
clara e, aos mesmo tempo, ela pode ser complexa e obscura.

Freud criou uma estrutura para se compreender a mente baseada em três


elementos: o id, o ego e o superego. Lacan estabeleceu a sua trilogia, usando
como elementos o imaginário, o simbólico e, às vezes, o real.

Ao afirmar que o mundo infantil é o alicerce à formação da identidade adulta,


Lacan concorda com a teoria freudiana. Para Lacan, entretanto, as fantasias e a
agressão presentes na consciência infantil misturam-se para formar o indivíduo,
através da linguagem.

26
De acordo com a teoria de Lacan, não vivemos em um mundo de realidades.
Nosso mundo é composto de símbolos e de significantes. O significante é algo
que representa outra coisa.

Lacan não apenas afirma que o inconsciente é como uma língua. Ele também
propõe que, antes da língua, não existe o inconsciente para o indivíduo. É
apenas quando a criança adquire uma língua é que ela se torna um sujeito
humano, isto é, quando ela passa a fazer parte do mundo social.

2.3 Diferenças entre as obras de Freud e Lacan

O pensamento de Lacan introduziu a fenomenologia à teoria de Freud.


Isso com base em filósofos alemães, dentre eles Hegel, Husserl e Heidegger.
Lacan, assim, acaba introduzindo a psicanálise ao campo da filosofia.

Outra característica exposta na obra de Lacan, e que o diferencia


de Freud e de seus seguidores primários é algo por ele denominado de “A Fase
do Espelho”. Nesta teoria, num primeiro momento, o bebê se encontra em uma
fase desordenada. Sem saber onde ficam os seus limites físicos e emocionais.
De repente, descobre uma imagem de si mesmo como um ser completo, um ser
coerente e maravilhoso. Dessa forma, ele chega à idéia de si mesmo como uma
identidade. Quando ele se vê no espelho, reconhecendo-se ou imaginando-se
como um ser coeso.

Com relação aos sonhos, assunto muito abordado na obra de Freud.


Freud alegava que os sonhos, de certa forma, representam a realização de um
desejo. Já Lacan, considerava que o desejo de um sonho seria uma espécie de
representação do “outro” de um sonhador, e não uma forma de desculpar o
sonhador. Sendo assim, para ele o desejo seria o desejo desse “outro”. E a
realidade é somente aos que não podem suportar o sonho.

Na análise, Jacques Lacan preferia que não houvesse interferência o


discurso do paciente. Isto é, ele deixava que esse discurso fluísse, a fim de que
a própria pessoa em análise descobrisse as suas questões. Já que, ao interferir

27
no discurso, o analista poderia contaminá-lo com os seus significantes, com as
suas interpretações.

Dessa forma, vemos que, apesar de ter declarado que a sua primeira
intenção era retomar as teorias de Freud. Lacan acaba indo além da obra de seu
predecessor. E, assim, a sua obra, em muitos momentos, acaba se diferenciando
e progredindo em relação aos estudos freudianos.

2.4 O estado do espelho

O primeiro grande conceito introduzido por Lacan no seio da psicanálise


foi este “estado do espelho“, proeminente na formação do eu no âmbito do
estudo e da experiência psicanalítica. Providencial na infância, este estado diz
respeito a um fenómeno no qual a criança se torna consciente daquilo que é, à
luz da dualidade corpo-imagem, responsabilizando-se pelos primeiros conflitos
no seio desta. Um destes é precisamente a alienação, onde se confrontam a
experiência emocional e a aparência da criança, e onde os primeiros
“méconnaissances” se vão dando, em que o imaginário tem as suas próprias
formulações. Esta etapa é, também, a primeira da formação do ego, através da
objetificação do corpo. O choque entre os movimentos ainda desordenados com

28
a imagem que é observada no espelho acaba por desencadear
uma fragmentação na própria interpretação que alcança o ego, em que a
identificação com aquilo que vê é responsável pela superação desta
problemática. No entanto, a comparação que vai estabelecendo com a imagem
consolidada da mãe ou do pai – o outro – pode também gerar alguma ira no seio
da própria criança. No fundo, o “estado do espelho” é decisiva para aquilo que é
a tomada de conhecimento da criança com o seu corpo e a eventual identificação
com a sua estrutura física, levando à formação do sentido integrado e completo
do eu.

2.5 O outro
O francês, na conceção do outro, diverge da noção que Freud
empreendeu, e aproxima-se daquela que o filósofo alemão Georg
Hegel apregoou. O piscanalista destrinçava dois tipos de outro, em que um era
o grande (A) e outro o pequeno (a). Esta diferença permite um melhor
posicionamento do eu na realidade, em relação àquele que é o outro em
concreto. Assim, e enquanto o grande representa o que se transcende ao ilusório
e que não se assimila através da identificação, o pequeno é somente uma reflexo
projetado pelo ego, remetido ao imaginário. O discurso constrói-se, desta forma,
no outro, podendo assumir-se secundariamente como um assunto enquanto se
assume em pleno discurso como tal. O discurso linguístico, assim como a própria
linguagem, partem de um lugar fora do próprio consciente e constroem-se a partir
do inconsciente, lugar em que o outro se cria e existe. Esta noção referencial
está numa cena que transcende aquilo que é visível e plenamente cognoscível,
estando nas estruturas assimiladas e recriadas. Este plano linguístico cruza-se
com o que o denominado “pai” da Linguística, o suíço Ferdinand de Saussure,
conceptualiza. Ainda sobre o outro, é a mãe a primeira a assumir esse papel, a
primeira a ouvir os choros do recém-nascido, embora seja também ela parte
do complexo de castração, no qual a criança descobre que falta sempre um
significante para que o outro se se molde na totalidade. Esta incompletude,
analisada numa linguagem simbólica e semiótica, leva a que se denomine de
“Outro barrado”, que impede que esse outro vá para além daquilo que o ego
perceciona.

29
2.6 O falo

Este ponto da psicanálise de Lacan é aquele que tem gerado mais


curiosidade no seio da comunidade feminina, em especial nas teóricas
feministas. O que o francês propôs foi articular o haver do homem com o ser da
mulher, estando a estas verbalizações associada a presença e o conceito do
falo. No entanto, as críticas são permanentes, no sentido em que a tónica do
estudo psicanalista volta a girar em torno do falo. Apesar disso, outras
pensadoras não descartam a abertura para a discussão dos posicionamentos
igualitários e a problematização dos que são impostos pela história e pela
cronologia da ciência que Lacan suscita.
2.7 As três ordens da psicanálise
O europeu, de forma a poder estruturar com mais minúcia e coerência o
seu estudo dentro da própria psicanálise, apresenta três ordens nas quais o
indivíduo surge como sujeito ativo e como potencial objeto de estudo. Tudo
começa pelo imaginário, onde se reúnem todas as imagens criadas e
expectativas associadas. Esta dimensão cruza-se com o supramencionado
estado do espelho e que alimenta também o pendor narcisista do eu, estimulado
pelo ego. As representações geradas na mente, essencialmente de cariz visual,
vão de encontro às estruturas do simbólico, levando à criação da notação
linguística.
Lacan considera que, no lado imaginário, a linguagem que prevalece é a
mesma que acaba por deturpar aquilo que o outro é, estando associado à
relação intrapessoal com o corpo e com a mente. Assim, o simbólico permite
descodificar e regularizar aquilo que o imaginário produz, tornando possível uma
análise cuidada e precisa quanto à verdadeira identificação do sujeito consigo
mesmo. Algo que sustenta esta noção é também a existência dos conceitos de
lei e de estrutura, impossíveis de se conferirem sem a própria linguagem,
conceitos-chave para regulamentar aquilo que são os desejos internos e os
lapsos em relação ao outro.

O lado simbólico acaba por ser o reflexo da cultura em que o ser humano
está inserido, ao contrário do reflexo da natureza que o imaginário é. Elementos
primordiais do simbólico são a morte e a lacuna, providenciais naquilo que é a

30
deteção de necessidades ou tendências básicas e que podem estar mais ou
menos ligadas ao imaginário, sendo que alterações nas estruturas simbólicas
não afetam as formulações em bruto deste. Por último, existe o real, onde emana
o verdadeiro e o ser-em-si. No entanto, para Lacan, isto não é sinónimo de
realidade, estando fora daquilo que são os padrões simbólicos. O real é, sim, um
plano onde não existem ausências, estando sempre no seu lugar e não
desencandeando as possibilidades da ausência e da inexistência. O gaulês
considera o real como “o impossível”, porque é inatingível pela imaginação e
incapacitado de ser integrado pelo simbólico. Desta forma, torna-se de
impossível alcance, e é precisamente o objeto usado pela ansiedade, ao qual o
sujeito não consegue associar palavras nem categorias e, por conseguinte,
gerando essa apoquentação.

2.8 O desejo

Para a noção de desejo, Lacan resgata a influência do filósofo alemão


Hegel e salienta a força continuada que está implícita no desejo, que se localiza
no inconsciente e que se torna na principal temática da psicanálise. Tomando
como objetivo desta o reconhecimento do desejo por parte de cada um e a
verdade subjacente a este, importa, na visão do psicanalista, dar ao desejo uma
existência própria, passível de ser identificada e materializada para um discurso
linguístico. No entanto, o próprio discurso não consegue inteirar-se de toda a
verdade do desejo, deixando sempre algo mais ou menos do que realmente o
desejo é.
No entanto, é possível diferenciar o desejo da necessidade e de procura,
sendo que a necessidade está ligada ao instinto biológico que depende do outro
para ser satisfeita, vindo a procura alicerçar essa ligação entre a biologia e a
entrada do outro no processo da satisfação da própria necessidade. O desejo,
por sua vez, não procura satisfação ou amor, mas precisamente a diferença
entre ambos, na separação entre a satisfação e o amor de proveniência externa.
Desta forma, é impossível satisfazer o desejo, estando em constante pressão e
concretizando-se somente na sua reprodução como o próprio desejo
reconhecido e identificado. As manifestações deste são nomeados como

31
os ímpetos, desencadeados a partir da relação do eu com uma lacuna que existe
no seu interior, e que serão explorados de seguida.
Após a delimitação daquilo que é o desejo, a sua noção em concreto é desejar
o desejo do outro (Désir de l’Autre), sendo que o objeto em si é o próprio objeto
desejado pelo ser humano e, logo, por reconhecimento. Aquilo que, segundo
Lacan, torna esse objeto desejável é mesmo ser pretendido por outros. Estando
o próprio desejo no campo do outro, está descortinada a razão pela qual ele é
inconsciente.

2.9 O ímpeto
Num dos pontos em que concorda com Freud, Lacan afasta o ímpeto do
instinto, porque o primeiro nunca pode ser satisfeito e permanece como uma
espécie de rota para o sujeito seguir até à consolidação do desejo em redor de
um dado objeto. Os ímpetos, todos eles de cariz sexual, constituem as bases
culturais e simbólicas do desejo, sendo composto pela pressão, pelo fim, pela
fonte e pelo objeto, o circuito de condução dos próprios ímpetos. A linguística
volta a ser importada e a trazer três vozes na estruturação do circuito, havendo
a voz ativa (o ver), a reflexiva (o ver a si mesmo), e a passiva (ser visto). Apesar
da presença desta última, o ímpeto é praticamente todo ele ativo, sendo o circuito
a única via disponível de ir para além do princípio do mero prazer. Contudo,
Lacan volta a divergir de Freud em pontos cruciais, defendendo que ímpetos
incompletos não conseguem obter uma organização consolidada, sendo que a
sua parcialidade concerne somente uma parte da impulsão sexual. Desta forma,
representam apenas aquilo a que se chama de “jouissance” (fruição).
Nesses ímpetos parciais ou incompletos, o gaulês distingue quatro tipos,
sendo eles o oral (a zona erógena são os lábios, em relação aos seios), o anal (o
ânus, em relação ao expelir das fezes), o escópico (os olhos, em relação ao que
vê) e o invocatório (os ouvidos, em relação ao que é dito). Enquanto os primeiros
dois derivam daquilo que se definiu como procura, os restantes provêm do
desejo. O dualismo que se afasta do psicanalista austríaco (ímpetos sexuais e
ímpetos do ego ligados à sobrevivência) mas também é apologista daquilo que
é uma ligação entre o imaginário e o simbólico. Lacan conclui com a noção de
que todas as pulsões são de morte, por serem excessivas, destrutivas e
repetitivas.

32
2.10 Outras considerações
O psicanalista teceu algumas teorias quanto a várias temáticas, entre elas
sobre o teor da verdade. Desta feita, Lacan olhou para esta como algo que se
vai descobrindo através das estruturas e da devida identificação e orientação do
objeto em estudo. Nisto, acaba por beber daquilo que é a noção de paradigma
proposta pelo norte-americano Thomas Kuhn, e acredita na existência de uma
constelação de valores, técnicas e crenças que se encontra no seio de cada
comunidade. Este corpo permite uma aproximação ao que é a verdade,
questionando e visualizando a verosimilhança dos diferentes símbolos.
No plano meramente clínico, apresentou a perspetiva de “sessão de
psicanálise de tempo variável”, flexibilizando consoante os diferentes casos que
lhe passavam pelas mãos e abdicando do previamente fixo de cinquenta minutos
(acredita-se que foi uma duração estipulada pelo próprio Freud). O fundamento
dessa alteração consistiu em sessões que se alargavam e que eram
interrompidas em momentos fulcrais da própria análise do psicanalista. Isso
também lhe permitiu analisar mais casos, mais do que quaisquer seguidores da
doutrina freudiana.

No que toca ao seu volume escrito, este foi compilado em 1966 pelo
francês Jacques-Alain Miller e a própria obra (“Écrits“) tornou-se numa das cem
mais influentes do século XX, para o jornal Le Monde. Nos anos 70, a mesma
obra foi dividida em dois volumes e parte dela foi traduzida para o inglês –
por Alan Sheridan – e publicada em 1977. Para além disso, também no jornal
académico “Lacanian Ink” foram divulgados alguns dos postulados do francês,
em plena esfera académica norte-americana. O registo é sobejamente diferente
daquele que foi empreendido nos seminários e nas palestras dadas, gerando até
alguma polémica. Para além disso, torna-se algo impercetível pelas constantes
referências a Hegel e ao também filósofo mas franco-russo Alexandre
Kojève (estudou a relação entre o mestre e o escravo, com ligações ao estado
do espelho e o papel do outro neste), e por uma prosa que se fecha muito nos
conceitos científicos e psicoanalíticos.
Apesar do extenso trabalho de Lacan, interessa realçar que parte do seu
contributo é mais denotado nas artes e nas humanidades, nomeadamente na

33
literatura e na filosofia (o próprio papel do Outro é amiúde explorado nesta área
do saber). Em termos de legados institucionais, destacam-se a escola de
Ljubliana, na Eslovénia, e algumas sociedades de psicanálise que incorporam
as suas ideias, tanto no Reino Unido como na própria América do Norte.

Jacques Lacan foi, assim, um dos psicanalistas que, não obstante


partilhar pontos de partida com Sigmund Freud, assumiu várias dissensões em
relação às suas ideias. Ao inconsciente, conferiu uma outra estrutura; ao desejo,
uma nova abordagem; ao ser humano, uma nova perspetiva. A psicanálise
tomou uma lufada de ar fresco, apesar de não estar imune a críticas vindas dos
vários foros da sociedade. Porém, o repertório que os diferentes psicanalistas
trazem para a realidade, que os lê, os interpreta e lhes atribui significados e
contextos, é seguramente valioso e impossível de passar incólume. Lacan
atendeu a pontos importantes e deixados em aberto e, mesmo que não tenha
conseguido respostas indiscutíveis a problemas intemporais, não se coibiu de
trazer a filosofia, a antropologia e a linguística como disciplinas capazes de
secundar este trabalho. De Freud, muitos partiram, mas poucos aqueles que,
sem concordar, permanecem como pontes para novas fontes.

3.0 DONALD WOODS WINNICOTT

34
(1896 – 1971)

Pediatra e psicanalista, nasceu numa próspera família de Plymouth, na


Grã-Bretanha, em 7 de abril de 1896, e morreu em Londres, em 25 de janeiro de
1971. Donald tinha duas irmãs mais velhas e aos 14 anos foi para um internato.
Posteriormente ingressou na Universidade de Cambridge onde estudou biologia
e depois medicina. Entretanto, irrompeu a guerra de 1914-18, o que o levou a
servir como estagiário de cirurgia e oficial médico em um destróier. Em 1923, foi
indicado para o The Queen’s Hospital for Children e também para o Paddington
Green Hospital for Children, onde permaneceu pelos 40 anos seguintes,
trabalhando como pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista.

Foi um colaborador de jornais médicos, psiquiátricos e psicanalíticos, e


também escreveu para revistas destinadas ao público em geral, nas quais
discutia problemas das crianças e das famílias. Sua extensa obra foi dedicada à
35
construção da teoria do amadurecimento pessoal (um caminho a ser percorrido
partindo da dependência absoluta e dependência relativa rumo à independência
relativa), que, além de constituir uma teoria da saúde, com descrição das tarefas
impostas, desde o início da vida, pelo próprio amadurecimento, configura
também o horizonte teórico necessário para a compreensão da natureza e
etiologia dos distúrbios psíquicos.

A distinção de seu trabalho, metodologicamente, em relação a Freud e


outros, foi a decisão de estudar o bebê e sua mãe como uma “unidade psíquica”,
o que lhe permitia observar a sucessão de mães e bebês e obter conhecimento
referente à constelação mãe-bebê, e não como dois seres puramente distintos.
Assim, não há como descrever um bebê sem falar de sua mãe, pois, no início, o
ambiente é a mãe e apenas gradualmente vai se transformando em algo externo
e separado do bebê.

O ambiente facilitador é a mãe suficientemente boa, porque atende ao


bebê na medida exata das necessidades deste, e não de suas próprias
necessidades. Esta adaptação da mãe torna o bebê capaz de ter uma
experiência de onipotência e cria a ilusão necessária a um desenvolvimento
saudável.

O conceito de “Preocupação Materna Primária” pode ser comparado a um


estado de retraimento da mãe e é necessário para que ela possa estar envolvida
emocionalmente com seu bebê. Uma grande contribuição do autor refere-se ao
conceito dos objetos transicionais e fenômenos transicionais que surgem na
superação do estágio de dependência absoluta em direção à dependência
relativa, sendo que não é importante o objeto que está sendo utilizado, mas sim,
o uso que a criança faz desse objeto. Ele se coloca na zona intermediária, na
separação entre a mãe e o bebê, ajudando a tolerar a angústia de separação e
ausência materna.

Para Winnicott, o potencial inato de crescimento num bebê se expressava


em gestos espontâneos. Se a mãe responde apropriadamente a esses gestos,
a qualidade da adaptação proporciona um núcleo crescente de experiência para
o bebê, o qual resulta num senso de completude, força e confiança, que ele
chama de “verdadeiro self”. A sua crescente força permite ao bebê lidar com

36
posteriores frustrações e fracassos relativos por parte da mãe, sem perder sua
vivacidade.

Se a mãe é incapaz de responder adequadamente aos gestos do bebê,


este desenvolve a capacidade de adaptar-se e submeter-se às “invasões” da
mãe, isto é, às iniciativas e exigências dela, e sua espontaneidade é
gradualmente perdida. Winnicott chamou este desenvolvimento defensivo de
“falso self”. Quanto maior o “desajuste” entre mãe e o bebê, maior a distorção e
interrupção no desenvolvimento da personalidade deste.

Para Winnicott, a psicopatia ou tendência anti-social caracteriza-se como


um transtorno no qual a falha ambiental tem um importante papel. O jogo da
espátula teve sua origem na clínica diagnóstica de mães e bebês e o jogo dos
rabiscos surgiu de sua prática psiquiátrica com crianças.

A teoria de Winnicott baseia-se no fato de que a psique não é uma


estrutura pré-existente e sim algo que vai se constituindo a partir da elaboração
imaginativa do corpo e de suas funções – o que constitui o binômio psique-soma.
Essa elaboração se faz a partir da possibilidade materna de exercer funções
primordiais como o holding (permite a integração no tempo e no espaço),
handling (permite o alojamento da psique no corpo) e a apresentação de objetos
(permite o contato com a realidade).

O psique-soma inicial prossegue ao longo de uma linha de


desenvolvimento desde que sua continuidade de existência não seja perturbada,
e para que isso ocorra, é necessário um ambiente suficientemente bom onde as
necessidades do bebê sejam satisfeitas.

Um ambiente mau é sentido como uma invasão à qual o psicossoma (o


bebê) precisa reagir e esta reação perturba a continuidade de existência do
bebê. O adoecimento, então, se dá devido a perturbações na relação mãe-bebê
que provocam falhas no desenvolvimento do indivíduo. Tais perturbações criam
uma sensação de falta de fronteiras no corpo, ameaças de despersonalização,
angústias impensáveis, ameaças de desintegração e despedaçamento, de cair
para sempre, e falta de coesão psicossomática.

4.0 Holding

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Para Winnicott a sustentação ou holding protege contra a afronta
fisiológica. O holding deve levar em consideração a sensibilidade epidérmica da
criança – tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual,
sensibilidade às quedas – assim como o fato de que a criança desconhece a
existência de tudo o que não seja ela própria. Inclui toda a rotina de cuidados ao
longo do dia e da noite. A sustentação compreende, em especial, o fato físico de
sustentar a criança nos braços, e que constitui uma forma de amar. A mãe
funciona como um ego auxiliar.

Winnicott propõe que, durante os últimos meses de gestação e primeiras


semanas posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico
especial, ao qual chamou de “preocupação materna primaria”. A mãe adquire
graças a esta sensibilização, uma capacidade particular para se identificar com
as necessidades do bebê.

O holding feito pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de


não-integração, que caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O
vínculo entre a mãe e o bebê assentará as bases para o desenvolvimento
saudável das capacidades inatas do indivíduo.

38
3.2 Self Verdadeiro e Falso Self

O ser humano, para Winnicott, nasce como um conjunto desorganizado


de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme progride
o desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de si
e do mundo externo. (Bleicmar e Bleicmar, 1992).

O papel da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe permita


integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades
motoras nascentes.

Quando a mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do recém-


nascido; a criança perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua
continuidade existencial, a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva
de que todas as suas percepções e atividades motoras são apenas uma resposta
diante do perigo a que se vê exposta. Pouco a pouco, procura substituir a
proteção que lhe falta por um “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em
uma casca, às custas da qual cresce e se desenvolve o self. O individuo vai se
desenvolvendo como uma extensão da casca, como uma extensão do meio
atacante.

Winnicott diz que a “mãe boa” é a que responde a onipotência do lactante


e, de certo modo, dá-lhe sentido. O self verdadeiro começa a adquirir vida,
através da força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá
ao ego débil da criança. A mãe que “não é boa” é incapaz de cumprir a
onipotência da criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao gesto
da mesma, em seu lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da
submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão
constitui a primeira fase do self falso e é própria da incapacidade materna para
interpretar as necessidades da criança.

Nos casos mais próximos da saúde, o self falso age como uma defesa
do verdadeiro, a quem protege sem substituir. Nos casos mais graves, o self

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falso substitui o real e o indivíduo. Winnicott diz que na saúde o self falso se
encontra representado por toda a organização da atitude social cortês e bem
educada. Produziu-se um aumento da capacidade do individuo para renunciar a
onipotência e ao processo primário, em geral, ganhando assim um lugar na
sociedade que jamais se pode conseguir manter mediante unicamente o self
verdadeiro. O falso self, especialmente quando se encontra no extremo mais
patológico da escala, é acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva
de vazio, futilidade e irrealidade.

3.3 Objeto Transicional

O objeto transicional representa a primeira posse “não-ego” da criança,


têm um caráter de intermediação entre o seu mundo interno e externo.

Em Winnicott o conceito de objeto ou fenômeno transicional recebe três


usos diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento;
vinculada às angústias de separação e às defesas contra elas; representando
um espaço dentro da mente do indivíduo. Ele propõe ainda que em determinadas
condições, o fenômeno ou objeto transicional pode ter uma evolução patológica,
ou mesmo se associar a certas condições anormais.

O objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro


nem fora da criança; servirá para que o sujeito possa experimentar com essas
situações, e para ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao
externo e ao interno. Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que o objeto
transicional está situado em uma zona intermediária, na qual a criança se
exercita na experimentação com objetos, mesmo que estejam fora, sente como
parte de si mesma.

Para explicar a constituição do objeto transicional, Winnicott remonta ao


primeiro vínculo da criança com o mundo externo, a relação com o seio materno.
No princípio, a criança tem uma ilusão de onipotência, vivenciando o seio como
sendo parte do seu próprio corpo. Mas, uma vez alcançada esta onipotência

40
ilusória, a mãe deve idealmente, ir desiludindo a criança, pouco a pouco, fazendo
com que o bebê adquira a noção de que o seio é uma “possessão”, no sentido
de um objeto, mas que não é ele (“pertence-me, mas não sou eu”).

O objeto transicional ocupa para um lugar que Winnicott chama de ilusão.


Ao contrario do seio, que não está disponível constantemente, o objeto
transicional é conservado pela criança. Ela é quem decide a distância entre ela
e tal objeto. Como os fenômenos transacionais “representam” a mãe é essencial
que ela seja vivenciado como um objeto bom. Bleichmar e Bleichamar (1992)
relatam que, quando dentro da criança, o objeto materno está danificado, é
pouco provável que ela recorra, de maneira constante, a um fenômeno
transicional.

Winnicott aponta algumas características que são comuns aos objetos


transicionais: a criança afirma uma série de direitos sobre o objeto; o objeto é
afetuosamente ninado e excitadamente amado e mutilado; deve sobreviver ao
ódio, ao amor, e à agressão. É muito importante que o objeto sobreviva à
agressão, possibilitando a criança neutraliza-la, dando-lhe, posteriormente, um
fim construtivo, ao notar que esta não destrói os objetos.

41
A ligação e o afastamento do objeto transicional deixa em cada sujeito
uma marca: fica na mente do indivíduo um espaço que, assim como o objeto
transicional, é intermediário entre o interno e o externo. É nesse espaço que se
produz muitas das atividades criativas do homem, como as artes, a musica, etc.
que “representam” o mundo interno para o exterior e, em certo sentido,
“representa” a realidade para si mesmo.

3.4 Desenvolvimento Psíquico


Winnicott propõe que a maturação emocional se dê em três etapas
sucessivas: a da integração e personalização, a da adaptação à realidade e a de
pré-inquietude ou crueldade primitiva.

3.5 Integração e Personalização


Para Winnicott as experiências iniciais ou diádicas são estruturantes do
psiquismo, participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê
nasce em um estado de não integração. Onde os núcleos do ego estão dispersos
e, para o bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma
com o meio ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e
a personalização – adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O
objeto unificador do ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção
(holding).

Na etapa inicial de desenvolvimento a questão primordial é a presença de


uma mãe-ambiente confiável que se adapte às suas necessidades de maneira
virtualmente perfeita. Gurfinkel (1999) lembra que Winnicott inclui entre as
“necessidades do ego” tanto os cuidados físicos quanto os psíquicos. Nem a
realização mecânica das tarefas físicas ligadas ao lidar com o bebê, e nem a
resposta imediata às suas demandas pulsionais implicam a satisfação das
necessidades do ego.

A integração é obtida a partir de duas séries de experiências: por um


lado tem especial importância a sustentação exercida pela mãe, que “recolhe os
pedacinhos do ego”, permitindo a criança que se sinta integrada dentro dela; por

42
outro lado há um tipo de experiência que tende a reunir a personalidade em um
todo, a partir de dentro (a atividade mental do bebê). Chega um período em que
a criança, graças às experiências citadas, consegue reunir os núcleos do seu
ego, adquirindo a noção de que ela é diferente do mundo que a rodeia. Esse
momento de diferenciação entre “eu” e “não-eu” pode ser perigoso para o bebê,
pois o exterior pode ser sentido como perseguidor e ameaçador. Essas ameaças
são neutralizadas, dentro do desenvolvimento sadio, pela existência do cuidado
amoroso por parte da mãe.

A personalização – definida por Winnicott como “o sentimento de que a


de que a pessoa de alguém encontra-se no próprio corpo”. O autor propõe que
o desenvolvimento normal levaria a alcançar um esquema corporal, chamando-
o de unidade psique-soma. Gurfinkel (1999) diz que a psique e o soma – que
formam o esquema corporal de todo indivíduo – interpenetram-se e
desenvolvem-se em uma relação dialética, e apresentam o paradoxo da
diversidade na unidade.

Para Winnicott mente e psique são conceitos diferentes; trata-se de


registros relacionados, mas heterogêneos. A psique é a elaboração imaginativa
das partes, sentimentos e funções somáticas e não se separa, nem se divide do
soma. A mente, no desenvolvimento saudável, não é nada mais do que um caso
particular do funcionamento do psicossoma, surgindo como uma especialidade
a partir da parte psíquica do psicossoma.

43
3.6 Adaptação à Realidade

A medida que o desenvolvimento progride, a criança tem um ego


relativamente integrado, e com a sensação de que o núcleo do si-próprio habita
o seu corpo. Ela e o mundo são duas coisas separadas. A etapa seguinte é
conseguir alcançar uma adaptação à realidade.

Nessa etapa a mãe tem o papel de prover a criança com os elementos da


realidade com que irá construir a imagem psíquica do mundo externo. A
adaptação absoluta do meio ao bebê se torna adaptação relativa, através de um
delicado processo gradual de falhas em pequenas doses.

Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que para Winnicott a fantasia precede a


objetividade, e o seu enriquecimento com aspectos da realidade depende da
ilusão criada pela mãe; tudo repousa no vínculo precoce da criança com sua
mãe. Mas o acoplamento entre alucinação infantil e os elementos da realidade
fornecidos pela mãe nunca poderá ser perfeito. No entanto, o lactante pode vivê-
lo como quase ótimo, graças a uma parte de sua personalidade, que procura
preencher o vazio entre alucinação e realidade – a mente.

Winnicott considera que a atividade mental da criança faz com que um


meio ambiente suficiente se transforme em um perfeito, converte o relativo
44
fracasso da adaptação em um sucesso adaptativo. O autor fala que o que libera
a mãe de ser quase perfeita é a compreensão da criança.

A mente se desenvolve através da capacidade de compreender e


compensar as falhas; é uma função do ambiente à medida que ele começa a
falhar, Gurfinkel (1999) diz que é apenas à medida que o ambiente falha que ele
começa a existir para o bebê enquanto realidade. Portanto, se no início, a tarefa
da mãe é adaptar-se de maneira absoluta às necessidades do bebê, em seguida,
será de fundamental importância que ela possa fornecer um fracasso gradual da
adaptação para que a função mental do bebê se desenvolva satisfatoriamente.
O resultado disto será a emergência da capacidade do próprio sujeito de cuidar
de seu self, atingindo um estágio de dependência madura.

Quando p ambiente não proporciona os cuidados que o psicossoma


considera como elementares, a mente se vê obrigada a uma hiperatividade, o
pensamento do indivíduo começa a assumir o controle e a organizar o cuidado
ao psique-soma, podendo ocasionar uma oposição entre mente e psicossoma,
ocasionado um distanciamento do verdadeiro self. Em estado de saúde, a mente
não usurpa as funções do meio, mas possibilita uma compreensão e eventual
aproveitamento de sua falha relativa.

3.7 Crueldade Primitiva (fase de pré-inquietude)

45
Depois de a criança ter alcançado a diferenciação entre ela e o meio
circundante e se adaptar em certa medida à realidade, pela absorção de pautas
objetivas dela, que modificam suas fantasia, o último passo que deve dar é
integrar em um todo as diferentes imagens que tem de sua mãe e do mundo.

Winnicott pensa que a criança pequena tem uma cota inata de


agressividade, que se exprime em determinadas condutas auto-destrutivas. O
bebê volta seu ódio sobre si mesmo para proteger o objeto externo; mas esta
manobra não é suficiente e em sua fantasia a mãe pode ficar intensamente
danificada. (Bleichmar e Bleichmar, 1992).

A mãe é, além do objeto que recebe, em certos momentos, a agressão


da criança, é também aquela que cuida dela e a protege. Quando a criança
exprime raiva e recebe amor, a criança confirma que a mãe sobreviveu e é um
ser separado dela. O bebê adquire a noção de que suas próprias pulsões não
são tão danosas e pode, pouco a pouco, aceitar a responsabilidade que possui
sobre elas.

Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que simultaneamente a mãe que é


agredida e a mãe que cuida vão se aproximando na mente do indivíduo, que
assim adquire a capacidade de se preocupar com seu bem-estar, como objeto
total. Isto constitui o grande sucesso que, que Winnicott identifica como a última
das etapas do desenvolvimento emocional primitivo.

4.0 MELANIE KLEIN

46
(1882 – 1960)

A autobiografia de Melanie Klein, em poder do Melanie Klein Trust, é


inédita. Entretanto, em 1983, um precioso acervo de dados a respeito da
importante psicanalista foi obtido a partir de uma coletânea de cartas de família
descoberta no sótão da casa de seu filho mais novo, Erich. Coube a seus
biógrafos a constatação de que o conteúdo de tais cartas conflita com a
autobiografia que, segundo Melanie, seria sua história oficial. Enquanto apenas
uma carta de seu marido subsiste, a maioria das escritas por sua mãe e seu
irmão parecem ter sido conservadas. Destas, mãe e irmão emergem como
pessoas muito diferentes daquelas descritas por Melanie Klein.

Melanie Klein nasceu em Viena em 30 de março de 1882, filha de Moritz


Reizes e Libussa Deutch. Moritz Reizes era um judeu polonês nascido em
Lemberg (hoje Lvov), na Galícia. Por muitos anos foi um estudioso do Talmude,
mas provavelmente influenciado pelo Haskalah, um movimento de emancipação
judaica, rompeu com a ortodoxia religiosa e formou-se em medicina. Culto,
fluente em vários idiomas, nunca conseguiu sucesso em sua carreira em virtude
primeiro de ser judeu e, também, de origem polonesa, o que significava pertencer
a uma classe desfavorecida dentro da hierarquia social judaica. Moritz foi casado
duas vezes. O primeiro casamento foi desfeito quando ele contava 37 anos de

47
idade. Aos 45 conheceu e casou-se com Libussa, também judia, de origem
eslovaca, 24 anos mais moça que ele, descrita por Melanie em sua autobiografia
como uma jovem culta, espirituosa e interessante. Depois do casamento, o casal
estabeleceu-se em Deutsch-Kreutz, Áustria. Em algum momento no período
entre o nascimento das duas últimas filhas, a família mudou-se para Viena, na
esperança de melhorar sua difícil situação financeira. Em Viena, o Dr. Reizes
trabalhou como assistente de um dentista e, para complementar sua renda,
como consultor médico de um teatro de variedades.

O casal teve quatro filhos: Emilie (1876), Emanuel (1877), Sidonie (1878)
e Melanie Reizes. Dentro da família, Emilie era a predileta do pai, Sidonie a mais
bonita e Emanuel uma espécie de gênio. E embora a mãe tivesse em Melanie
sua filha preferida, confessou-lhe que ela não fora desejada. Libussa
amamentou os três primeiros filhos, mas Melanie teve uma ama-de-leite que,
segundo ela, “me amamentava a qualquer hora que eu pedisse”. Ainda segundo
Melanie Klein em sua autobiografia, “nessa época, Trub King ainda não fizera
sua obra devastadora”, referindo-se ao pediatra neozelandês que defendia um
regime alimentar severo para os bebês. Com relação ao pai ela diz:_”Não me
lembro de alguma vez ele ter brincado comigo. Doía-me pensar que meu pai era
capaz de afirmar com toda franqueza e sem consideração por meus sentimentos
que preferia minha irmã mais velha, sua primogênita.” Desde cedo Melanie exibia
uma notável autoconfiança. Na velhice dizia às pessoas que “não era tímida em
absoluto” e, de fato, nunca se deixara passar despercebida durante toda a sua
tumultuada e importante vida.

Melanie Klein sentia grande atração pela atmosfera cultural da família de


sua mãe, filha de um rabino. Tanto o pai quanto o avô de Libussa eram muito
respeitados tanto por seu saber quanto por sua tolerância. Melanie herdou da
família a vontade de aprender e logo se tornou uma estudante ambiciosa,
consciente de suas notas. Sonhava em estudar medicina e especializar-se em
psiquiatria, o que nunca se realizou em virtude da situação financeira da família,
agravada com a morte do pai em 1900. Ela chegou a estudar arte e história na
Universidade de Viena, mas não chegou a graduar-se. O irmão Emmanuel foi
seu grande mentor intelectual. Ele iniciou o curso de medicina que abandonou
para se dedicar às artes. Era muito doente, portador de cardiopatia conseqüente

48
a doença reumática, tuberculose e depressão. No final da vida tornou-se viciado
em drogas. Emmanuel tinha para com suas irmãs um relacionamento com
matizes incestuosos e, para com a família em geral, um vínculo marcado pelo
êxito em provocar culpa e vitimizar-se. Para Melanie, ele teria sido um pai
substituto, um companheiro íntimo e um amante imaginário e ninguém em sua
vida jamais conseguiu substituí-lo. No período compreendido entre 1887 e 1902,
Melanie Klein sofreu grandes perdas: a irmã Sidonie, em 1887, de tuberculose;
o pai, em 1900, de pneumonia; o irmão Emmanuel, em 1902, de cardiopatia.

Em 1903, logo após completar 21 anos, ela casou-se com Arthur Steven
Klein, engenheiro químico de caráter sombrio e tirânico de quem estava noiva
desde 1899. Arthur era seu primo em segundo grau por parte de mãe e amigo
de Emmanuel. Sua família residia em Rosemberg, na parte eslovaca da Hungria.
Nada se sabe sobre a cerimônia. Em um texto intitulado “Chamado de Vida”, que
seus biógrafos consideram autobiográfico, Melanie Klein escreve sobre o choque
vivido por uma moça, Anna, na noite de núpcias: “E, portanto, tem de ser assim,
a maternidade tem que começar com repugnância?” O casal passou a lua-de-
mel em Zurique e se estabeleceu na cidade do noivo. Dois meses depois do
casamento, Melanie descobriu que estava grávida e em 19 e janeiro de 1904
nasceu a primeira filha, Melitta. Melanie teria dito que estava gostando de ser
mãe, mas sua autobiografia contém o seguinte trecho: “Lancei-me o máximo que
pude no papel de mãe e no cuidado de minha filha. Sabia o tempo todo que não
estava feliz, mas não havia saída”. Em 2 de março de 1907 nasceu Hans, o
segundo filho, cuja gravidez foi marcada por um estado de profunda depressão.
Em 1908 os Klein mudaram-se de Rosemberg para Krappitz; no ano seguinte
para Hermanetz e em 1910 para Budapeste, o que possibilitou a convivência de
Melanie com a parte da família do marido estabelecida naquela cidade, com a
qual manteria uma sólida ligação afetiva.

Durante a infância dos filhos, Melanie Klein teve vários episódios de


depressão e se afastou da família por longos períodos, para viagens de repouso
ou para internação em clínicas especializadas. Durante tais ausências, sua casa
e família ficavam a cargo de sua mãe, que se colocava em sua vida de forma
intrusiva e autoritária. A mãe a via e fazia com que ela própria se visse como
uma pessoa doente, neurastênica e incapaz. Mãe e filha mantinham entre si um

49
relacionamento estreito e afetuoso, porém marcado por atitudes e sentimentos
ambivalentes: amor e ódio, apoio e intrusão, liberdade e controle, dependência
e autonomia.

O ano de 1914 foi marcado por grandes acontecimentos na vida de


Melanie Klein. Em 1º de julho nasceu seu último filho, Erich Klein. Em 6 de
novembro morreu sua mãe, Libussa. Além disso, aos 32 anos de idade ela
encontrou-se com a psicanálise: leu o texto “Sobre os Sonhos”, de Sigmund
Freud, e provavelmente iniciou sua análise com Sandor Ferenczi, buscando
livrar-se da depressão. Para Melanie Klein, antes de se tornar uma profissão ou
um interesse intelectual, a psicanálise foi uma experiência de crescimento e um
caminho de cura pessoal.

O ano de 1918 foi importante para o início da carreira de psicanalista. Foi


realizado em Budapeste o 5º Congresso Internacional de Psicanálise e Sandor
Ferenczi foi escolhido para a presidência. Durante o Congresso, encantada,
Klein ouviu Freud ler “Linhas de Avanço em Terapia Psicanalítica”. Já no ano
seguinte, em julho, ela apresentou à Sociedade Húngara de Psicanálise seu
primeiro artigo, “Der Familienroman in statu nascendi”, relato da análise de uma
criança, depois do qual foi admitida como membro. O aspecto insólito do artigo
era que descrevia a análise de Erich, seu último filho, cuja identidade foi
encoberta nas versões posteriores. O objetivo era mostrar os resultados obtidos
quando uma mãe cria o filho de acordo com conceitos psicanalíticos
esclarecidos. A Sociedade de Psicanálise de Budapeste, considerada por Freud

50
o principal centro de psicanálise da época, seria dizimada pouco tempo depois
por razões políticas. A queda do Império Austro-Húngaro foi seguida por um
regime comunista de duração breve que, por sua vez, deu lugar a um regime
branco, o Terror Branco, francamente anti-semita, o que teve como
consequência a expulsão dos psicanalistas judeus da Sociedade e sua
dissolução. Assim, em 1919, Melanie Klein saiu de Budapeste com os filhos para
estabelecer-se por um curto período em Rosemberg com os sogros. Seu marido,
do qual se divorciaria em 1923, mudou-se por razões profissionais para a Suécia,
onde permaneceu até 1937, novamente casado e depois divorciado. Morreu na
Suíça em 1939.

Em 1921, Melanie Klein mudou-se para Berlim, também um importante


centro tanto de atividade como de formação psicanalítica. Em 1922, aos 40 anos,
tornou-se membro associado da Sociedade Psicanalítica daquela cidade. Em
1924, iniciou sua segunda análise, com Karl Abraham, como Ferenczi, um
destacado discípulo de Freud. A morte precoce de Abraham (1925) privaria
Melanie de seu analista e protetor, encorajando seus detratores a se declararem
abertamente, mostrando desprezo pela ascendência polonesa, ênfase na falta
de estudos universitários e ironia perante uma mulher que se pretendia mestra
e, além disso, analista de crianças. Sem Abraham, ela ficaria exposta às críticas
dos membros mais conservadores da Sociedade de Berlim, contrários,
sobretudo, às suas idéias relativas ao atendimento de crianças, originais e
ousadas. Tais idéias contrariavam o pensamento de Sigmund Freud e de sua
filha Anna, a qual também se dedicava à psicanálise infantil. Enquanto Anna via
a psicanálise numa perspectiva pedagógica, Melanie Klein mostrava-se
determinada a explorar o inconsciente infantil. Para isso, introduziu uma
modificação técnica essencial, substituindo a palavra pelo brincar, garantindo a
maior proximidade possível entre a psicanálise de adultos e de crianças. Na
época, o assassinato de Hermine von Hug-Hellmuth, por um sobrinho que havia
sido seu paciente, também serviu para reforçar a oposição à psicanálise de
crianças.

Numa postura diferente da adotada pelos alemães, os ingleses receberam


a proposta de trabalho de Melanie Klein com respeito, curiosidade e entusiasmo.
Ainda no ano de 1925, avisado de suas qualidades por James Strachey, o

51
célebre tradutor e editor de texto da Standard Edition das Obras de Freud e um
dos animadores do famoso grupo londrino de Bloomsbury, Ernest Jones a
convidou a proferir palestras em Londres. Para essa cidade mudou-se no ano
seguinte e ali viveu até o fim de sua vida, desenvolveu-se plenamente no âmbito
profissional e fundou uma escola frutífera até os dias atuais. Em 1927, tornou-se
membro da Sociedade Psicanalítica Britânica.

Em 1932, Melanie Klein publicou seu primeiro livro, a coletânea “A


Psicanálise de Crianças”, ao qual fará referências ao longo de toda a sua obra.
Mas, no âmbito afetivo, a década de 30 lhe traria duas experiências
devastadoras: a morte de seu segundo filho, Hans, ao escalar uma montanha, e
a deterioração definitiva de seu relacionamento com a primogênita Melitta, que
se tornara analista e também ingressara na Sociedade Britânica. Na elaboração
da perda de Hans, Melanie Klein escreveu o texto “Uma contribuição para a
psicogênese dos Estados Maníaco-Depressivos” (1935). Em 1940, publicou “O
Luto e suas Relações com os Estados Maníaco-depressivos”.

A mudança da família Freud de Viena para Londres, no final dos anos 30,
em virtude da Segunda Grande Guerra, faria com que a Sociedade Britânica se
dividisse ideologicamente em dois grandes grupos: o dos adeptos de Melanie
Klein, que tinha à frente Susan Isaacs, Paula Heimann e Joan Rivière, e o dos
adeptos do freudismo clássico, entre os quais figurava Melitta. Um terceiro grupo,
composto por analistas independentes, não alinhados com nenhum dos dois
anteriores, se formaria depois, num período marcado pela polêmica. Apesar da
contundência dos debates, Klein e seu grupo permaneceram na Sociedade
Britânica e na Associação Internacional de Psicanálise (IPA). Não foram
expulsos, como viria a acontecer com Lacan na década seguinte, nem abriram
uma dissidência contra Freud, como haviam feito Adler e Jung anteriormente.

Na verdade, a escola kleiniana expandiu conceitos freudianos e, em meio


à turbulência da época, definiu um período de produção teórica exuberante. A
década de 30 ficaria marcada pelo conceito de posição depressiva e a de 40 pela
posição esquizoparanóide. Em 1946, Melanie Klein publicou um de seus textos
mais importantes: “Notas sobre os Mecanismos Esquizóides”. No início da
década seguinte o grupo kleiniano lançou o livro “Desenvolvimentos em
Psicanálise”. Em 1957, Melanie Klein publicou “Inveja e Gratidão”, seu último
52
livro com grandes novidades teóricas. O texto “Narrativa da Análise de uma
Criança, no qual Melanie Klein trabalhou até poucos dias antes de sua morte,
em 22 de setembro de 1960, seria editado logo em seguida.

Ao longo de sua obra, Melanie Klein formulou uma teoria que possibilitou
a compreensão da vida mental primitiva e abriu novos horizontes dentro do
campo da psicanálise. Para Julia Kristeva, que dedicou à psicanalista o segundo
volume da coleção “O Gênio Feminino”, a clínica da infância, da psicose e do
autismo, em que predominam nomes como Bion, Winnicott e Frances Tustin,
seria inconcebível sem a inovação kleiniana. Melanie Klein seria em seu
entender a refundadora mais ousada da psicanálise moderna. Segundo Luís
Cláudio Figueiredo e Elisa Maria de Ulhôa Cintra, “se perguntássemos aos
estudiosos da área qual teria sido, depois de Freud (1856-1939) e ultrapassando-
o, o autor que mais contribuiu para que se compreenda o funcionamento psíquico
inconsciente, não haveria dúvida: Melanie Klein, seguida de seus discípulos
Wilfred Bion (1897-1979) e Donald Winnicott (1896-1971). A estranheza das
formações do inconsciente e das primeiras experiências desafia todas as
medidas de bom senso. Melanie Klein ensinou a por de lado a razão e o senso
de medida para compreender o caráter autônomo e demoníaco das fantasias
inconscientes e angústias.”

4.1 Contribuições à Psicanálise

Melanie Klein, psicanalista nascida na Áustria, iniciou seus estudos


através do incentivo de seu então analista, Karl Abraham, um importante
seguidor de Sigmund Freud. Este autor merece um destaque devido a sua
contribuição no desenvolvimento de uma teoria psicanalítica que destacava a
agressividade como algo de importância primordial durante os primeiros meses
de desenvolvimento da criança, o que pode ser considerado o ponto de partida
da teorização kleiniana.

Esta autora austríaca pode ser denominada de principal representante da


segunda geração psicanalítica mundial (Roudinesco & Plon, 1998), já que
transformou o freudismo clássico, criando uma nova forma de análise, a análise
de crianças. Partindo do âmbito fisiológico da teoria freudiana, Klein aprofundou–
se na dimensão psicológica, com intuito de estudar a mente das crianças de
tenra idade, suas fantasias, medos, angústias, etc. Sua primeira tarefa foi
53
desenvolver uma técnica de análise que viabilizasse o acesso ao inconsciente
da criança, já que não é esperado que uma criança pequena colabore com a
técnica da associação livre (Money–Kyrle, 1980). Ela desenvolveu então a
análise através da brincadeira. Por meio da atividade lúdica, a autora
interpretava as fantasias, as angústias, e outras manifestações do inconsciente
da criança, as quais eram expressas de maneira simbólica.

Klein diverge do pai da psicanálise em relação à importância crucial que


este atribui à sexualidade, na medida em que ela coloca a agressividade, inata
na criança, como central em sua teoria, ao invés da vida sexual (Jorge, 2007).
Pode–se concluir que esta autora ampliou o freudismo ao estudar estes
sentimentos inatos, presentes nas relações do neonato com sua mãe; bem como
ao aprofundar–se nos fenômenos psicóticos, já que estes foram abordados por
Freud de maneira escassa. Ela produziu uma teoria nova na psicanálise, a qual
estuda minuciosamente, de maneira integrada, todos os fenômenos psíquicos
desde o nascimento até a morte. A teorização kleiniana a respeito das fantasias
inconscientes é extremamente precisa e detalhada (Riviere, 1986a). Pode–se
dizer que a autora aumentou o poder da análise clínica e aplicada, ao abordar
estes fenômenos que não foram explorados por Freud (Money–Kyrle, 1980).

Uma das principais contribuições da teorização kleiniana são os conceitos


de posição esquizo–paranóide e posição depressiva. Estes são períodos
normais do desenvolvimento que perpassam a vida de todas as crianças, tais
como as fases do desenvolvimento psicossexual criadas por Freud (1905/1969).
Contudo, são mais maleáveis do que estas fases, devido ao fato de instalarem–
se por necessidade, e não por maturação biológica (embora a autora não deixe
de considerar as fases da teoria freudiana a respeito do desenvolvimento
infanto–juvenil).

O bebê nasce imerso na posição esquizo–paranóide, cujas principais


características são: a fragmentação do ego; a divisão do objeto externo (a mãe),
ou mais particularmente de seu seio, já que este é o primeiro órgão com o qual
a criança estabelece contato, em seio bom e seio mau – o primeiro é aquele que
a gratifica infinitamente enquanto o segundo somente lhe provoca frustração – a
agressividade e a realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna
(Simon, 1986). A partir da elaboração e superação destes sentimentos emerge
54
a posição depressiva. Esta tem como principais atributos: a integração do ego e
do objeto externo (mãe/ seio), sentimentos afetivos e defesas relativas à possível
perda do objeto em decorrência dos ataques realizados na posição anterior.
Estas posições continuam presentes pelo resto da vida, alternando–se em
função do contexto, embora a posição depressiva predomine num
desenvolvimento saudável (Simon, 1986).

4.2 Melanie Klein e as fantasias inconscientes

Em sua clínica, Klein (Mezan, 2002) percebe que as crianças têm uma
imagem de mãe dotada de uma imensa malvadeza, o que, na maioria das vezes,
não corresponde à mãe verdadeira. Daí surge o conceito de fantasia kleiniano,
a partir da hipótese de que as crianças estão lidando com uma deformação da
mãe real, a qual é criada na mente do infante de modo fantasmático. Melanie
Klein apoiou toda sua teoria na ênfase das fantasias inconscientes, presentes
nas relações objetais primitivas.

4.3 A fantasia kleiniana: definições

De acordo com a teorização kleiniana e de suas seguidoras — Heimann (1986),


Isaacs (1986) e Segal (1966) — as fantasias são inatas no sujeito, uma vez que
são as representantes dos instintos1, tanto os libidinais2 quanto os agressivos,

55
os quais agem na vida desde o nascimento. Elas apresentam componentes
somáticos e psíquicos, dando origem a processos pré–conscientes e
conscientes, e acabam por determinar, desta forma, a personalidade. Pode–se
concluir que as fantasias são a forma de funcionamento mental primária, de
extrema importância neste período inicial da vida.

É possível a distinção entre dois conceitos de fantasia: phantasy, com ph, a qual
corresponde à atividade de fantasia inconsciente; e fantasy com f, a qual
corresponde à atividade fantasmática consciente (Isaacs, 1986). A fantasia pode
ser definida como a representante psíquica do instinto e expressa a realidade de
sua fonte, interna e subjetiva, embora esteja ligada à realidade objetiva. Ela se
transforma de acordo com o desenvolvimento, no decorrer das experiências
corporais, sendo ampliada e elaborada, influenciando e sendo influenciada pelo
ego em maturação.

Segundo Riviere (1986b), outra seguidora de Melanie Klein, a vida de fantasia


do indivíduo pode ser entendida como "a forma como suas sensações e
percepções reais, internas e externas, são interpretadas e representadas para
ele próprio, em sua mente, sob a influência do princípio de prazer–dor" (Riviere,
1986b, pp. 52, 53).

4.4 A origem e a função da vida fantasmática

Melanie Klein, partindo de obras freudianas, toma como principal ponto de


enfoque das fantasias sua dimensão imaginária. Para a autora, a atividade
fantasmática está presente na vida desde o nascimento — embora as fantasias
primitivas sejam processos altamente desconexos, instáveis e contraditórios.
Qualquer estímulo sentido pela criança é um potencial eliciador de fantasias,
tanto os agressivos – os quais acarretam fantasias agressivas — quanto os
prazerosos – os quais, por sua vez, são causadores de fantasias calcadas no
prazer.

O primeiro alvo das fantasias da criança é o corpo da mãe, já que ela é o


principal objeto com o qual a criança se relaciona em seus primeiros dias de vida.
As fantasias acerca da exploração do corpo materno são de extrema importância
para a descoberta do mundo externo pela criança. A pulsão de exploração,
56
fundamental para os trabalhos artísticos e científicos, tem sua base nestas
fantasias (Klein, 1996).

De acordo com a teorização kleniana, as principais atividades que


podemos concluir como sendo as funções da fantasia são: a realização de
desejos; a negação de fatos dolorosos; a segurança em relação aos fatos
aterrorizadores do mundo externo; o controle onipotente – já que a criança, em
fantasia, não apenas deseja um acontecimento como realmente acredita fazer
com que ele aconteça –; a reparação, dentre outras.

O funcionamento inicial da criança é através da vida de fantasia, a qual,


progressivamente, através das relações objetais, cederá lugar às emoções mais
complexas e aos processos cognitivos. Pode–se dizer que a criança de tenra
idade suplementa a lógica pela vida fantasmática, na qual estão sempre
presentes tanto fatores biológicos quanto ambientais, o que determina que as
fantasias, embora obedeçam a certos padrões, sejam infinitamente variáveis. A
vida de fantasia é, portanto: "o terreno donde jorram a mente e a personalidade
individuais" (Klein, 1986b, p. 284).

A liberação da vida fantasmática ocorre, principalmente, através da


atividade lúdica, uma vez que esta é a principal atividade da criança pequena.
Ela ainda não expressa seus sentimentos e desejos subjetivos por meio de
palavras. Desta forma, é preciso estimular a brincadeira das crianças, já que
dando rédea solta à atividade lúdica ela está, consequentemente, liberando suas
fantasias inconscientes. Estas brincadeiras podem ser de qualquer tipo:
brinquedos, desenhos, jogos, bolas, bonecas, etc.

A fantasia pode ser entendida como a atividade que, em decorrência da


ausência de plasticidade e representações verbais, realiza, em ação, o desejo
subjacente à mesma, o que é acompanhado por reais excitações físicas nos
órgãos utilizados para isto. A relação entre a fantasia e a realização de um desejo
sempre foi enfatizada pela teorização kleiniana (Isaacs, 1986). Esta relação pode
ser vista na vinculação que a autora realiza entre a fantasia e o princípio do
prazer. A imaginação relativa a tudo o que é belo e prazeroso é desenvolvida
nos desejos e fantasias.

57
No início da vida, o princípio do prazer reina em absoluto na mente da
criança. A partir do momento em que ela se torna capaz de estabelecer uma
relação entre seus desejos e fantasias e a realidade, é estabelecido, então, o
princípio de realidade. O sentimento de onipotência, oriundo dos impulsos do id
de tudo desejar a qualquer tempo e circunstância, perde força para a entrada do
compromisso com a realidade, a qual impõe restrições a certas fantasias e
desejos. Desta forma, tudo o que é prazeroso, mesmo que seja fantasiado, está
vinculado ao princípio do prazer, ao passo que o que é relacionado ao
pensamento racional, concreto, que pode ser cientificamente comprovado, está
vinculado ao princípio de realidade.

4.5 As relações objetais

De acordo com Klein (Leader, 2001), a fantasia pode ser considerada uma
estrutura através da qual o sujeito se relaciona com os objetos exteriores.
Durante o período inicial da vida, a mente infantil funciona basicamente através
de fantasia inconsciente, a qual suplementa o pensamento racional enquanto
este não estiver desenvolvido. Este funcionamento mental provoca ansiedades
e angústias diversas, as quais estão relacionadas ao caráter destas fantasias
primitivas, dotadas de conteúdos delirantes (Riviere, 1986a).

Como exemplo, podem ser mencionadas as fantasias da criança de que


o objeto externo – seio, nos primeiros meses de vida – é mau e persecutório, já
que não a gratifica sempre que ela deseja. Esta frustração, por sua vez, ocasiona
explosões agressivas por parte da criança, pois ela precisa se vingar deste seio
ruim. Para realizar esta vingança, a criança utiliza todas as armas disponíveis,
tais como os dentes, unhas, e até mesmo excreções. O controle dos esfíncteres
que, concomitantemente, está ocorrendo neste período, é usado também para o
controle dos excrementos nos ataques à mãe. A criança sente como se estivesse
expelindo um objeto perigoso de seu mundo interno e projetando–o no objeto
externo.

Concomitantemente, também existe a imagem de um seio bom, o qual


atende a todas as necessidades da criança. Esta divisão do seio é necessária
para a proteção deste seio bom, pois, desta forma, todos os ataques agressivos

58
são dirigidos ao seio mau, preservando o bondoso. O seio mau é então sentido,
nas fantasias infantis, como se estivesse dilacerado, reduzido a fragmentos;
enquanto o bom permanece íntegro, completo.

4.6 A introjeção e a projeção

A vida fantasmática auxilia o sujeito na formação da impressão de seu


mundo externo e interno, através dos processos de introjeção e projeção (Klein,
1986a). Estes mecanismos são os determinantes no estabelecimento dos
objetos bons e maus dentro no mundo interno da criança. Eles atuam de diversas
maneiras, baseados nos impulsos instintivos, e são determinantes nos
processos de formação do ego e superego, ou seja, na formação da
personalidade (Heimann, 1986).

Portanto, esta formação ocorre através das fantasias introjetivas e


projetivas, as quais determinam a relação do sujeito para com seu mundo
externo. Durante toda a vida, a introjeção e projeção continuam presentes nos
processos de adaptação do sujeito, em seus progressos e derrotas. Ambas têm
suas origens nos instintos orais (o engolir e o cuspir), a partir dos quais as
relações maduras vão se desenvolver com as ações de dar e receber, a função
de procriação e a criatividade.

59
A introjeção corresponde ao mecanismo primitivo do bebê de introjetar
todos os objetos — começando pelo seio materno, seguido pelo polegar, por
brinquedos, etc. A este seio é atribuído poderes sobrenaturais de onipotência
tanto para o bem quanto para o mal, já que ele é capaz tanto de uma gratificação
infinita, quanto de uma frustração imensa (quando não satisfaz a criança no
momento em que ela deseja). Quando o seio é visto como gratificador, todos os
sentimentos bons são associados a ele; da mesma forma, quando é visto como
mau é o depositário de todos os sentimentos destrutivos. Aos posteriores objetos
que também são sugados pela criança são atribuídos os mesmos poderes do
seio, uma vez que, em suas fantasias imaginativas, estes objetos o substituem.

Já a projeção tem sua origem nas identificações projetivas que a criança


de tenra idade faz em suas fantasias. Como ela ainda não estabeleceu a
distinção entre o seu corpo e o corpo de sua mãe, ela percebe este como um
prolongamento dela mesma. A genitora passa a ser, desta forma, a
representante da própria criança, o que justifica que falemos em
uma identificação projetiva. Na projeção encontram–se mecanismos que eram
tanto, originalmente, do mundo interior quanto outros que eram, originalmente,
do mundo exterior. Como exemplos de fantasias projetivas podem ser
mencionados os ataques realizados pela criança através de seus excrementos,

60
entendidos como armas perigosas, para com o objeto externo persecutório –
seio da mãe, nos primeiros meses de vida.

Em suma, através dos mecanismos de introjeção e projeção a criança


constrói seu mundo interno, sua personalidade, por meio da elaboração destas
fantasias. Eles são fundamentais no desenvolvimento emocional e cognitivo, em
todas as construções vitais. É importante ressaltar que estes processos não
podem ser entendidos como duas entidades separadas, mas sim como um todo;
ambos constituem uma experiência única.

4.7 A constituição do sujeito: um percurso nas manifestações


fantasmáticas ao longo do desenvolvimento

O primeiro e principal alvo das fantasias primitivas da criança é o corpo


da mãe (Klein, 1963) A criança, em sua vida fantasmática, tem a imagem do
corpo da genitora como algo capaz de lhe proporcionar a mais plena gratificação,
uma vez que este é, em fantasia, o possuidor de que tudo o que pode provocar–
lhe satisfação, tal como o seio, o pênis do pai e ainda os bebês, possíveis irmãos.

A fantasia, inata na vida da criança, é inicialmente de caráter oral (Klein,


1981), já que Melanie Klein concorda com Freud que a fase oral é a primeira a
se desenvolver logo após o nascimento. As primeiras fantasias a se
manifestarem são as sádicas, originárias da posição na qual o bebê nasce –
esquizo–paranóide – as quais despertam uma imensa ansiedade (Klein, 1963).
Seus eliciadores são, principalmente, voracidade, inveja e ódio. Como exemplo,
podem ser mencionadas as fantasias do bebê de divisão do seio em um seio
bom e um seio mau: enquanto o primeiro é o responsável pela gratificação
infinita, o segundo é aquele que frustra infinitamente, já que não está presente
no momento que a criança deseja. Contra este seio mau a criança inicia uma
série de ataques, em forma de fantasias, com suas armas orais (dentes,
mandíbula). Nestas fantasias ela divide o seio mau em milhões de pedaços,
enquanto o seio bom permanece íntegro, representante de toda a bondade.

Com o enfraquecimento do narcisismo que dominava a criança até então,


e se o objeto predominante em sua mente for de uma mãe boa, origina–se um
sentimento de culpa em decorrência da diminuição da angústia presente nos
61
ataques anteriores, cuja intensidade é correspondente à onipotência do sadismo
anterior (Klein, 1981). Este sentimento de culpa é acompanhado de um medo de
retaliação por parte dos personagens anteriormente atacados, assim como
também por parte dos objetos utilizados como armas para a realização destes
ataques, como os dentes e os excrementos.

Conforme o interesse da criança desloca–se de fenômenos associados à


boca para outros associados ao ânus, a fase oral perde forças com a emergência
da fase anal, na qual predominam fantasias anais. O caráter das fantasias
permanece sádico, já que a posição esquizo–paranóide ainda é predominante
na vida da criança, porém as armas utilizadas nos ataques em direção ao corpo
da mãe passam a ser excrementos como urina e fezes. Daí decorre um temor
em relação aos mesmos, o qual, embora pareça destrutivo, é importante para o
posterior desenvolvimento. O bebê agora teme uma retaliação por parte destes
excretos, em resposta aos ataques realizados anteriormente contra eles.

A criança desenvolve então tendências restitutivas em forma de


sublimações3, dirigidas a todos os objetos danificados anteriormente através das
fantasias sádicas, principalmente à mãe. O predominante agora é o temor de ser

62
deixada no desamparo, devido à destruição anterior da genitora realizada por
ela própria. Estas fantasias reparadoras são extremamente importantes para o
desenvolvimento bem sucedido da próxima fase, a genital, a qual prevalecerá
durante o resto da vida num desenvolvimento saudável.

A partir da emergência da posição depressiva — em detrimento da


esquizo–paranóide — a criança adquire a capacidade de introjeção da figura de
seus pais de forma íntegra, completa, em suas fantasias imaginativas. A
percepção dos objetos externos como entidades divididas em boas e más perde
força nesta etapa, dando lugar à imagem integrada dos mesmos. Esta integração
é de extrema importância para a vida futura, na medida em que, a partir de então,
as pessoas começam, gradualmente, a serem vistas do modo como realmente
são; os aspectos bons e ruins são percebidos como presentes em uma pessoa
só.

Desta maneira, emerge na mente do infante um medo de perseguições


externas e internas por parte dos pais, decorrente dos ataques agressivos
realizados, anteriormente, em fantasia (Klein, 1948). Este medo forma a parte
cruel do superego, provocando ansiedade. A criança tenta vencê–lo de uma
maneira maníaca onipotente, no combate à emergência da posição depressiva.
Para isso, ela utiliza as fantasias maníacas, as quais têm como intuito o controle
dos objetos, tais como o seio, os próprios pais e até mesmo os excrementos da
criança. Estas fantasias aparecem com todas as características de onipotência
do próprio distúrbio maníaco.

Outra mudança que ocorre na vida de fantasia é a sua gradual adaptação


à realidade. Até então as crianças não distinguiam o que é real e o que é
fantasiado, já que a vida fantasmática as dominava completamente. Com a
emergência da posição depressiva, as fantasias são ampliadas, elaboradas e
diferenciadas, refletindo o progresso que está ocorrendo no desenvolvimento
intelectual e emocional (Klein, 1986a). Consequentemente, é possível ao bebê
a distinção entre seu desejo e o ato realizado, ou seja, entre a fantasia e a
realidade. Esta mudança é devida à diminuição da severidade do superego e a
um aumento do sentimento de culpa, o qual é proporcional à intensidade do

63
sadismo anterior. Os ataques sádicos caminham, então, para o
desaparecimento.

Prosseguindo no desenvolvimento, durante o período de latência a


criança passa a reprimir suas fantasias de uma maneira muito mais severa do
que nos períodos anteriores. Enquanto a criança pequena sofre influência
imediata de suas experiências e fantasias instintivas, a criança do período de
latência já as dessexualizou, assimilando–as de uma maneira diferente (Klein,
1981). Ela passa a reprimir suas fantasias masturbatórias, ou a expressá–las de
maneira dessexualizada, para assim atingir as exigências de seu ego e o agrado
dos mais velhos, o que passa a ser extremamente importante neste período.

Desta maneira, as fantasias podem estar contidas em atividades nas


quais elas não se manifestam claramente, como nos deveres de casa da criança:
"as fantasias de cópula ativa dos meninos também emergem em jogos ativos e
no esporte, e também encontramos nos pormenores desses jogos as mesmas
fantasias expressas na sua lição de casa" (Klein, 1981, p. 322).

Já durante o período de puberdade, os impulsos tornam–se mais


poderosos, a atividade de fantasia maior e o ego passa a ter outros objetivos,
além de relacionar–se de forma diferente com a realidade. Neste período há —
como na criança pequena — uma predominância dos movimentos pulsionais e
do inconsciente, o que contribui para a riqueza de sua vida de fantasia. Pode–
se dizer que, de uma certa forma, há uma regressão do adolescente aos
primórdios da infância, já que há uma nova vivência destes impulsos e fantasias.
A sexualidade, que tinha passado por um período de repressão durante a
latência, retorna de uma forma mais madura com a tomada de consciência dos
impulsos incestuosos do período edipiano, trazendo consigo as fantasias
sexuais.

Contudo, as atividades imaginativas do adolescente estão mais


adaptadas à realidade e aos interesses incrementados de seu ego, sendo seu
conteúdo muito menos reconhecível do que nas crianças pequenas. Além disso,
devido à sua maior gama de atividades e suas relações mais firmes com a

64
realidade, o caráter de suas fantasias sofre contínuas alterações, as quais
proporcionam uma adaptação ao seu contexto em contínua mudança.

Embora as fantasias inconscientes pareçam perder influência durante a


vida adulta, elas continuam tão presentes quanto na criança. Contudo, neste
estágio a vida fantasmática se mostra mais diferenciada da realidade, o que quer
dizer que os adultos têm uma capacidade, inexistente nas crianças pequenas,
de distinguir o que é pertencente à esfera do real do que é pertencente à esfera
do mundo fantasmático, dominado pelo princípio do prazer. Seus efeitos
inconscientes são provas desta presença, já que as fantasias permanecem
ativas no posterior desenvolvimento da sexualidade em inúmeros distúrbios
sexuais, até mesmo na perversão (Klein, 1927a/1948).

Quando o sujeito amadurece — psiquicamente e biologicamente — suas


fantasias inconscientes infantis são realizadas no estado adulto, ou seja, os
desejos e impulsos que anteriormente acarretavam um grande sentimento de
culpa são livremente realizados em fantasia, já que a vida fantasmática adulta é
pertencente a uma entidade diferenciada da realidade.

A diferenciação entre o que é pertencente à vida de fantasia e o que é real


torna–se então mais nítida na vida adulta, o que não quer dizer que um processo
opere de forma independente do outro. De acordo com a teorização kleiniana, "o
pensamento de realidade não pode operar sem a concorrência e apoio de
fantasias inconscientes" (Isaacs, 1986, p. 124).

4.8 Fantasias e conteúdos patológicos

Para Melanie Klein (Isaacs, 1986), as fantasias estão presentes tanto em


mentes normais como nas neuróticas, perversas e psicóticas, em todas as faixas
etárias. O que diferencia uma manifestação fantasmática normal de uma
patológica é a maneira como as fantasias são tratadas, os processos mentais
através dos quais são trabalhadas e modificadas e o grau de adaptação ao
mundo real. O neurótico pode ser considerado diferente na medida em que
mostra mais claramente aquilo que aparece encoberto na mente normal,
65
portanto seu desenvolvimento não é seriamente prejudicado, apenas a censura
não atua de forma satisfatória.

Já o psicótico permanece fixado aos primórdios da infância, apresentando


fantasias típicas da tenra idade em anos posteriores ao esperado, as quais são
extremamente intensas e repletas de conteúdos angustiantes (M. Klein, 1996).
Pode–se dizer que ele acaba vivendo isolado em seu mundo de fantasia, já que
este domina sua mente de tal maneira que não permite a entrada da realidade
na psique.

Nas fantasias neuróticas apenas uma parte da realidade é reconhecida;


há uma negação da outra parte desta, a qual permanece subordinada a vida de
fantasia, onde a censura não atua (Klein, 1996). Já nas mentes livres de qualquer
tipo de perturbação psíquica — o que é extremamente raro — há um equilíbrio
melhor entre a fantasia e a realidade. Elas não deixam de fantasiar, porém sua
atividade de fantasia é mais bem elaborada, livre de repressões e está em
conformidade com a realidade.

A principal gênese das neuroses patológicas consiste em fixações de


fantasias primárias (fantasias primitivas, pertencentes aos estágios orais e anais
primordiais). Estas fantasias primárias estão relacionadas, em sua maioria, a
conteúdos sexuais, inclusive ao ato sexual dos próprios pais. A fantasia dos pais
combinados eternamente no ato sexual – a qual costuma acontecer em crianças
de poucos meses de vida – contribui para a emergência de quadros psicóticos
se for recorrente e acompanhada de intensa ansiedade.

4.9 Fantasias e conteúdos sexuais

Assim como o pai da psicanálise que, desde o início de sua teorização


acerca da vida fantasmática, abordou as fantasias inconscientes sempre
vinculadas a conteúdos sexuais (Freud, 1895/1969) sua seguidora Melanie Klein
também ressalta esta ligação. Klein concorda com Freud ao conceber a vida
como uma luta constante entre os instintos de vida e de morte, sendo que a
sexualidade é o alicerce para o desenvolvimento do primeiro (Temperley, 2001).
66
A importância do conteúdo sexual das fantasias pode ser comprovada
num estágio posterior da vida (Klein, 1996). Embora durante a vida adulta as
fantasias não sejam manifestadas tão claramente como nas crianças, elas
continuam atuantes na psique. Seus efeitos inconscientes podem ser vistos em
distúrbios sexuais como a frigidez, a impotência, dentre outros.

Por trás de cada forma de atividade lúdica encontra–se um processo de


descarga de fantasias masturbatórias, as quais operam na forma de uma
contínua motivação para a brincadeira. Quando estas fantasias são reprimidas,
as brincadeiras, por conseguinte, são paralisadas; ao passo que a liberação
fantasmática permite à criança brincar livremente (Klein, 1921/1948). Vinculadas
às fantasias masturbatórias da criança estão suas experiências sexuais, as quais
encontram também representação nas suas brincadeiras "uma das importantes
conquistas da psicanálise é a descoberta de que as crianças têm uma vida
sexual que encontra expressão tanto em atividades sexuais diretas quanto em
fantasias sexuais" (Klein, 1981, p. 159).

A liberação destas fantasias masturbatórias é essencial não só para a


atividade lúdica como também para todas as posteriores sublimações (Klein,
1996). Inibições graves tanto nas brincadeiras como em todo o aprendizado da
vida da criança, inclusive no aprendizado da sexualidade, têm sua origem na
repressão destas fantasias. Portanto, uma vida sexual satisfatória depende da
liberação da vida fantasmática, principalmente das fantasias masturbatórias. As
representações que as crianças do ato sexual dos pais podem ser consideradas
o conteúdo primordial que se encontra por trás destas fantasias, as quais só são
passíveis de revelação depois de um período considerável de análise e do
consequente estabelecimento na criança de conteúdos genitais.

A autora ressalta que uma interrupção das fantasias masturbatórias


provoca não apenas uma interrupção da atividade lúdica como também
compromete toda a vida futura da criança. Ela pode vir a ter sua capacidade de
sublimação prejudicada e está propícia a desenvolver diversos tipos de neuroses
(Klein, 1981). Esta afirmação pode ser comprovada através da análise de fobias
infantis que têm como alicerce a repressão destas fantasias, as quais sempre
vêm acompanhadas de intensos sentimentos de culpa. Como exemplo pode ser

67
mencionado o caso do menino Fritz, cuja fobia era um temor a árvores, ao qual
correspondia uma fantasia subjacente: a equivalência do tronco de árvore ao
pênis do pai. Fixações artísticas e intelectuais, ou até mesmo alguns tipos de
neuroses, têm como fator etiológico, na maioria das vezes, fantasias acerca da
cena primária que não foram descarregadas devidamente (Klein, 1923/1948).

As situações prazerosas — quer as reais, quer as fantasiadas — precisam


ser descarregadas, de acordo com a liberdade oferecida pelo ego. Um bom
exemplo de fantasia dotada de conteúdos sexuais não descarregada é a que
resulta no sintoma histérico. Este nada mais é do que uma fixação de fantasias,
as quais atuam com tanta força que não é possível ao ego permitir sua total
descarga. Desta forma, a sublimação pode ser compreendida como um
mecanismo saudável, no qual a energia sexual presente nas fantasias sexuais é
deslocada de sua finalidade principal para uma nova atividade substituta. Esta
atividade pode ser um trabalho, uma ocupação, uma brincadeira, etc. O
desenvolvimento de um interesse por um trabalho criativo, como o trabalho dos
artistas, depende, então, da capacidade de sublimação das fantasias sexuais.

4.10 A fantasia no trabalho analítico

68
Melanie Klein ressalta a importância da análise ao dizer que o trabalho
analítico é uma importante via de acesso à vida fantasmática (Klein, 1927b/1948)
e que está dominado, desde o primeiro momento, pelas fantasias inconscientes,
de forma a possibilitar a experimentação das mesmas pelas das crianças,
através de seus jogos.

De acordo com Isaacs (1986) a relação do paciente com o seu analista é


praticamente inteira de fantasias inconscientes. As manifestações da vida
fantasmática estão presentes em todas as vocalizações do paciente, em seu
estilo verbal: a cadência da fala, as repetições, a forma de mudança do relato,
suas negações, a maneira como narra os acontecimentos passados e as
pessoas envolvidas nestes; enfim, em todas as formas de transferência
(Hinshelwood, 2001).

Klein enfatizou sua clínica na análise de crianças a qual, de acordo com


a autora, tem a mesma função da análise de adultos: a interpretação de fantasias
inconscientes (Benvenuto, 2001). A autora era contra outras funções expostas
por diversos autores; tais como educação e fortalecimento.

No caso de crianças pequenas, suas fantasias inconscientes são


expressas, simbolicamente, através de sua atividade lúdica, cabendo ao analista
a interpretação destas brincadeiras, de forma a elucidar as fantasias subjacentes
a elas e analisá–las. Qualquer tipo de brincadeira é um possível continente de
fantasias e desejos inconscientes.

Klein (1980b) enfatiza a importância da criança brincar livremente, para


que suas fantasias, sua agressividade e suas angústias possam ser liberadas
naturalmente. Jogos infantis; brincadeiras com bola, boneca, carrinhos, blocos;
massinha; desenhos; pinturas; obras de arte feitas com barbante, cola, tesoura,
papel e água; narrativas de sonhos diurnos, todos estes são meios de expressão
da vida fantasmática inconsciente que existe em todas as crianças. Por meio da
interpretação destes meios de expressão podemos reduzir a ansiedade presente
e ganhar acesso à vida de fantasia. A autora inglesa enfatiza a questão de que
o analista deve interpretar as mais diversas manifestações fantasmáticas, já que
estas são vias de acesso ao mais profundo inconsciente.

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5.0 ANNA FREUD

Nascida no dia 03 de dezembro de 1895, Anna era a mais jovem dos seis
filhos de Sigmund e Martha Freud. Anna não fora desejada nem por sua mãe,
nem por seu pai, que decidiu, depois de seu nascimento, permanecer casto por
não poder utilizar contraceptivos. Ela era uma criança viva com uma reputação
para traquinagens. Freud escreveu ao amigo dele Fliess em 1899: “Anna está
completamente bonita por sua desobediência....” Quando a sua irmã rival a ela
se casou em 1913, a Anna escreveu ao pai dela. “Eu estou alegre que Sophie
se casa, porque a disputa interminável entre nós era horrível para mim.” Anna
teve de lutar para ser reconhecida pelas qualidades de que dispunha: coragem,
tenacidade e o gosto pelas coisas do espírito. Não tendo nem a beleza de sua
70
irmã Sophie Halberstadt nem a elegância de Mathilde Hollitscher, sentia-se em
estado de inferioridade na família, na qual se esperava que só os herdeiros
masculinos fossem talentosos para os estudos.
Rivalizando desde a infância com sua tia Minna Bernays, passou a adolescência
invejando a doutrina que a privava de seu pai adorado. Na idade adulta, para
aproximar-se dele, decidiu entrar para o círculo de seus discípulos. Mas como
estava impedida de ir para universidade estudar medicina, tornou-se professora
primária. Exerceria essa profissão durante toda a Primeira Guerra Mundial, de
1914 a 1920 exatamente.

Anna terminou sua educação básica em Viena em 1912. Em 1914 ela


viajou para a Inglaterra no intuito de melhorar o inglês . Ela estava lá quando a
guerra foi declarada e assim se tornou um “estrangeiro” inimigo (25 anos depois,
em 1939, seria repetida esta experiência). Ela teve que voltar a Viena, com o
embaixador Austro-húngaro e a companhia dele.
Ensinou na escola em que estudou, a “Cabana Lyceum”. Um dos alunos dela
escreveu depois: “Esta jovem senhora teve muito mais controle sobre nós que
as titias mais velhas.”
Já em 1910 Anna tinha começado a ler o trabalho do seu pai, porém o seu
primeiro contato com o movimento psicanalítico ocorreu em 1913. Por ocasião
de uma viagem a Londres, encontrou-se subitamente implicada no centro das
relações de seu pai com Ernest Jones. Acompanhando Loe Kann, amante de
Jones então em análise com Freud, Anna foi cortejada por ele. Prevenido por
Loe, Freud reagiu muito mal e dirigiu a Jones sérias advertências, ao mesmo
tempo em que proibia à filha embarcar em uma aventura sem futuro com um
“velho celibatário” astuto. Não contente de agir como pai autoritário, fez com que
Loe se analisasse para interpretar o comportamento de seu discípulo: “Jones,
disse ele, faz a corte a Anna para vingar-se do fato de que sua amante quer
deixa-lo, graças ao sucesso de seu tratamento.” A partir desse dia, Freud
começou a desviar de sua filha todos os pretendentes que ousavam fazer-lhe a
corte (Hans Lampl, notadamente). Jones esperou quarenta anos para explicar-
se com Anna e confessar-lhe que continuava a amá-la.
Depois da morte prematura de Sophie e do casamento de Mathilde, Anna Freud
tornou-se a Antígona da casa paterna, ao mesmo tempo discípula, confidente e
71
enfermeira. Quanto a Freud, não hesitou em analisa-la por duas vezes: entre
1918 e 1920 e entre 1922 e 1924 (Não era anômalo para um pai analisar sua
própria filha naquele momento, antes de qualquer ortodoxia tivesse sido
estabelecida). Dez anos depois, tentaria justificar sua decisão: “Com minha
própria filha tive sucesso, com um filho têm-se escrúpulos especiais.” Na
verdade, Freud não se iludia com essa explicação edipiana. Sabia muito bem
que essa análise tivera como efeito reforçar o amor que Anna lhe dedicava e que
a afirmação do “sucesso” do tratamento não era mais do que a expressão de
uma paixão impossível de resolver. E foi com toda a franqueza que expressou a
Lou Andréas- Salomé o seu verdadeiro sentimento: era tão incapaz de renunciar
a Anna quanto deixar de fumar.
Do seu lado, Anna sofria com o escândalo que essa paixão suscitava no
movimento psicanalítico. Foi por isso que tomou como confidentes Max Eitingon
e Lou Andréas- Salomé. Ambos tiveram um papel analítico, o primeiro tentando
afastá-la do pai, a segunda estimulando-a, ao contrário, a assumir essa situação
transgressiva: “Pouco importa o destino escolhido, disse ela, desde que ele se
cumpra até o fim.” Lou tinha razão, pois afinal foi no desabrochar completo dessa
piedade filial que Ana pôde dar um significado verdadeiro à sua existência de
mulher e chefe de escola no movimento freudiano. Manteve com o pai uma
correspondência de 300 cartas, de ambos os lados, ainda não publicada, mas
disponível na Biblioteca do Congresso de Washington.

Em 1920 Anna e Freud assistiram ao Congresso Internacional de


Psicanálise e foi no campo da psicanálise de criança que Anna Freud ingressou
no movimento. Em 1922, apresentou à Wiener Psychoanalytische Vereinigung
(WPV) um primeiro trabalho, intitulado “Fantasias e devaneios diurnos de uma
72
criança espancada”. Cinco anos depois, publicou sua obra principal, “O
tratamento psicanalítico das crianças”. Paralelamente, assumiu a edição das
obras do pai, “Gesammelte Schriften”, concluída em 1924. No ano seguinte, foi
eleita diretora do novo instituto de psicanálise de Viena, recém-criado. Assim,
começou a assumir as responsabilidades institucionais que iriam fazer dela a
grande representante da ortodoxia vienense, em uma época em que Melanie
Klein, sua terrível rival, começava a grande reformulação teórica da obra
freudiana. Entre essas duas mulheres, representantes de duas correntes
divergentes no seio da Internacional Psychoanalytical Association (IPA),
entendimento algum nunca seria possível.
Após o ingresso de Anna no campo psicanalítico, tive em comum com o seu pai
o trabalho e os amigos. Uma amiga comum era a escritora e psicanalista Lou
Andreas-Salomé que era o confidente de Nietzsche e Rilke e quem iria se tornar
o confidente de Anna Freud nos anos vinte. Através de Freud conheceu também
Rilke cuja poesia que Anna Freud grandemente admirou. Os interesses literários
de Anna pavimentaram o modo para a carreira futura dela.
Cercada pelos mais notáveis discípulos vienenses da primeira hora, Siegfried
Bernfeld August Aichhorn, Wilhelm (Willi) Hoffer (1897-1967), Anna criou em
1925 o Kinderseminar (Seminário de Crianças), que se reunia no apartamento
da Berggase. Depois das experiências infelizes de Hermine von Hug-Hellmuth,
tratava-se então de formar terapeutas capazes de aplicar os princípios da
psicanálise à educação das crianças.
No mesmo ano, conheceu Dorothy Burlingham, que se tornou sua mais cara
amiga por toda a vida. Através dessa mulher, Anna realizou seu desejo de
maternidade. Com uma espécie de devotamento místico, ocupou-se dos quatro
filhos de Dorothy: Bob (Robert), Mabbie (Mary), Katrina (Tinky) e Michael
(Mickey). Todos sofriam de distúrbios psíquicos mais ou menos graves e Anna
lhes serviu de mãe, educadora e analista.
Para eles, criou com Erik Erikson, Peter Blos e Eva Rosenfekd (1892-1977),
sobrinha de Yvette Guilbert, uma escola especial, que foi depois freqüentada por
crianças cujos pais se analisavam: “Para esses analistas que gravitavam em
torno de Freud e da família Burlingham em Viena, escreveu Peter Heller, a
psicanálise era realmente uma religião, um culto, uma Igreja[...]. Minha vida se
passava na escola muito particular das Burlingham-Rosenfeld, marcada pela

73
personalidade de Anna Freud e por sua concepção de uma pedagogia
psicanalítica. Entre outras coisas, embora isso tenha sido negado depois, a
escola consistia em uma experiência progressiva e elitista de educação de
crianças [cujos pais] faziam análise. Uma experiência privilegiada, muito
promissora, inspirada e animada por um ideal de humanidade mais puro e mais
sincero do que todos os outros estabelecimentos que freqüentei. Ali, difundia-se
um autêntico sentido de comunidade.”

Em 1922 Anna Freud apresentou um trabalho à Sociedade Psicanalítica


de Viena e se tornou uma sócia da Sociedade. Em 1923 ela começou a praticar
uma clínica psicanalítica com adultos e depois com as crianças e após dois anos
estava ensinando em um seminário no Instituto de Treinamento Psicanalítico de
Viena na técnica de análise de criança. O trabalho dela resultou em um livro,
originado de uma série de conferências para os professores e pais o qual o
intitulou como Introdução à Técnica de Análise de Criança (1927). Depois ela
disse deste período: “Olhando para trás, então em Viena, nós éramos tão
entusiasmados, cheio de energia, era como se um continente novo inteiro
estivesse sendo explorado, e nós éramos os exploradores, e nós tivemos uma
chance para mudar coisas ...”
Em 1923 Sigmund Freud começou a sofrer de câncer e ficou crescentemente
dependente no cuidado de Anna. Mais tarde, quando ele precisou de tratamento
em Berlim, ela o acompanhou. A doença dele também era a razão por que um
“Comitê Secreto” foi formado para proteger a psicanálise contra ataques. De
1927 a 1934 Anna Freud era a Secretária Geral da Associação Internacional de
Psicanálise. Ela continuou a prática de análise em crianças e realizou e
organizou seminários e conferências e, em casa, continuou ajudando no
tratamento do seu pai. Ela também agiu como o representante público dele em
várias ocasiões como a dedicação de uma placa no local de nascimento dele em
Freiberg ou o prêmio Goethe em Frankfurt.
Enquanto Melanie Klein inventava uma nova prática da análise infantil, Anna
Freud seguia o caminho indicado pelo pai desde o tratamento de Herbert Graf (o
pequeno Hans). Considerando que uma criança é frágil demais para ser
submetida a uma verdadeira análise, com exploração do inconsciente, defendia
o princípio do tratamento sob a responsabilidade da família e dos parentes, e
74
mais geralmente sob a tutela das instituições educativas. Segundo ela, o
complexo de Édipo não devia ser examinado muito profundamente na criança,
em razão da falta de maturidade do supereu. Nesse campo, a abordagem
analítica devia ser integrada à ação educativa.

A fraqueza da doutrina annafreudiana vinha da ausência de reflexão sobre


os laços do filho com a mãe. Aos olhos de Anna, só contava a relação com o pai.
Daí a prioridade dada à pedagogia do eu, em detrimento da exploração
inconsciente.
Depois da ruptura com Otto Rank, Anna Freud foi admitida em seu lugar no
Comitê Secreto. Teve então a impressão de fazer parte, finalmente, dos
paladinos da “causa” analítica, o que a aproximava ainda mais do pai. Assim,
tornou-se a guardiã da ortodoxia freudiana.
Em 1935 a Anna se tornou a diretora do Instituto de Treinamento Psicanalítico
de Viena. Em 1937, graças ao dinheiro de uma rica americana Edith Jackson
(1895-1977), que foi a Viena analisar-se com Freud, Anna criou um pensionato
para crianças pobres, ao qual deu o nome de Jackson Nursery. A experiência se
inspirava na de Maria Montessori. Anna e Dorothy que dirigiram a escola
puderam observar o comportamento infantil e experimentar outros padrões. Eles
permitiram as crianças escolherem à própria comida e respeitaram a liberdade
para se organizarem. Anna escreveu “...eles aprenderam mover livremente,
comer independentemente, falar, expressar as suas preferências, etc.”. Mas em
1938 de março, o berçário teve que ser fechado dentro de alguns meses, pois a
Áustria foi invadida pelos Nazistas, e a família Freud teve que fugir, embora a
saúde doente de Sigmund Freud.
O Ernest Jones e Princesa Marie Bonaparte proveram ajuda vital obtendo os
documentos de emigração. Mas era a Anna acima de tudo que teve que lidar
com a burocracia Nazista e organizar as viabilidades da emigração da família
para Londres em 1938. Anna se estabeleceu depressa na sua nova casa. Ela
escreveu: “A Inglaterra é realmente um país civilizado, e agradeço que nós
estamos aqui. Não há nenhuma pressão e há muito espaço e liberdade à frente.”
Emigrou acompanhada de muitos vienenses que se exilariam depois nos
Estados Unidos. Os kleinianos sentiram esse desembarque da “legitimidade
freudiana” como uma verdadeira intrusão. Há muito tempo a British
75
Psychoanalytical Society (BPS) estava dominada pelas teses kleinianas, que
haviam transformado radicalmente o freudismo clássico. Não só os psicanalistas
ingleses tinham-se afastado de seus colegas do continente, mas também sua
prática, sua mentalidade, suas orientações clínicas, até seus conflitos –
notadamente em torno de Edward Glover- não tinham mais nada a ver com as
querelas do mundo germanófono. Ora, nessa época, Anna acabava de publicar
sua obra maior, “O eu e os mecanismos de defesa”, que se chocava com as
pesquisas da escola inglesa. O livro era um movimento longe das bases
tradicionais de pensamento psicanalítico nos passeios: tornou-se um trabalho
fundando na psicologia do ego e estabelecida a sua reputação como uma teórica
abrindo caminho. O conflito era pois inevitável e ocorreria depois da morte de
Freud, com a explosão, em 1941, das Grandes Controvérsias.
Depois da erupção de guerra a Anna montou um Berçário e Creche de Guerra
Hampstead, que proveu cuidado para mais de 80 crianças. Ela contribuiu para
ajudar as crianças e incentivava as mães a que as visitassem freqüentemente.
Ela publicou estudos das crianças debaixo de tensão em “Crianças Jovens em
Tempo de Guerra” e “Crianças Sem Família” junto com Dorothy Burlingham.
Depois ela disse: “Eu fui especialmente afortunada toda minha vida. Desde o
começo, eu pude me mover de um lado para outro entre prática e teoria.”
Na Normalidade de livro dela e Patologia em Infância (1965) ela resumiu material
de trabalho na Clínica de Hampstead como também observações ao Bem Clínica
de Bebê, o jardim-escola e jardim-escola para as Crianças Cegas, a Mãe e
Grupo de Criança e os Berçários de Guerra. Em análises de criança Anna
identificou sintomas de transferência para os que mostraram a “estrada real o
inconsciente”.
Próxima das posições da “Ego Psychology”, Anna Freud retomava a noção de
defesa para fazer dela o pivô de uma concepção de psicanálise centrada não
mais no isso, mas na adaptação possível do eu à realidade. Daí a importância
muito grande dada aos mecanismos de defesa, mais do que à defesa
propriamente dita. A obra teve grande sucesso nos Estados Unidos e marcou o
nascimento do annafreudismo, segunda grande corrente representada na
International Psychoanalytical Association (IPA).
Esgotada pelas controvérsias e decepcionada com a evolução do movimento
analítico que ela via cada vez mais afastado do freudismos original, Anna Freud

76
conservou todavia muitos amigos de outrora, que a admiravam por seu
devotamento, sua generosidade e seu senso de fidelidade, e com os quais podia
evocar saudosamente o antigo esplendor vienense. Entre eles, Ernst Kris,
Marianne Kris, Heinz Hartmann, René Spitz, Richard Sterba, etc. Isolada em
Londres, mas instalada na magnífica mansão de Maresfield Gardens 20, que se
tornaria o Freud Museum, prosseguiu com suas atividades em favor da infância,
criando as Hampstead Nurseries, sempre com a ajuda de Dorothy Burlingham.
Em 1952, fundou a Hampstead Child Therapy Clinic, centro de terapia e
pesquisas psicanalíticas, onde aplicou suas teorias em estreita colaboração com
os pais das crianças atendiada.
Guardiã da herança freudiana, tratou não só da publicação das obras do pai e
de seus arquivos, como também dos membros da família, principalmente os
sobrinhos. Durante os anos 1970, continuou a desempenhar o papel de mãe
para os filhos de sua amiga Dorothy. Dois deles tiveram um fim dramático: Bob
morreu de uma crise de asma depois de atravessar vários episódios de
depressão, e Mabbie acabou suicidando-se, ingerindo uma alta dose de
medicamentos.

Em 1990, tornando-se professor de literatura, Peter Heller publicou um


depoimento comovedor sobre as suas lembranças da análise com Anna Freud.
Nascido em Viena em 1920, submeteu-se a um tratamento com ela entre 1929
e 1932. Depois, casou-se com Tinky, filha de Doroty Burlingham, e em seguida
passou ainda longos anos no divã de Kris. O relato de seu tratamento,
acompanhado das notas que Anna lhe entregou, revivia a estranha confusão dos
anos 1920-1935, durante a qual Anna e seu pai misturaram tão estreitamente o
divã, a família e a vida particular. Peter Heller mostrava, principalmente, o caráter
sufocante da posição “materna” ocupada por Anna, ao passo que, em sua
doutrina, ela não levava em conta o vínculo arcaico com a mãe.
Dos anos cinqüenta até o fim da vida dela o Anna Freud viajou regularmente
para os Estados Unidos para dissertar, ensinar e visitar os amigos. Durante os
anos setenta ela se preocupou com os problemas de trabalhar com crianças
emocionalmente privadas e socialmente desvantajosas, e ela estudou
divergências e demoras em desenvolvimento. Na Yale ela ensinou seminários
em crime e a família: isto conduziu a uma colaboração transatlântica com Joseph
77
Goldstein e Albert Solnit e publicou como “Além os Melhores Interesses da
Criança” (1973).
Ela também começou a receber uma série longa de doutorados honorários,
enquanto começando em 1950 com Clark University (onde o pai dela tinha
dissertado em 1909) e terminando com Harvard em 1980. Em 1967 ela recebeu
um OBE de Rainha Elizabeth II; em 1972, um ano depois do primeiro retorno
para a sua cidade nativa desde a guerra. A Universidade de Viena lhe premiou
com um doutorado médico honorário: o ano seguinte ela foi eleita como
presidente honorário da Associação de Psychoanalytical Internacional. Uma
série de publicações dos seus trabalhos começaram em 1968, o último dos oito
volumes ocorreu em 1983, um ano depois da sua morte. Em um assunto
comemorativo de O Diário Internacional de colaboradores de Psicanálise na
Clínica de Hampstead ofereceram um tributo para ela, e a Clínica foi renomeada
de Anna Freud Centre. Em 1986 a sua casa durante quarenta anos, como tinha
desejado, foi transformada no Freud Museum.
A um jovem analista que lhe enviou em 1979 um artigo prevendo a morte da
psicanálise, ela respondeu com estas palavras: “Predizer a morte da psicanálise
talvez esteja na moda. A única resposta inteligente é a que Mark Twain deu,
quando um jornal anunciou, por erro a notícia de sua morte: ‘As notícias sobre
minha morte são muito exageradas’. De qualquer forma, o sr. diz que os antigos
ficaram indiferentes, o que é normal, pois sempre foram acostumados aos
ataques. Sob muitos aspectos, é quando atacada que a psicanálise caminha
melhor.”
Coberta de honras, mas incapaz de compreender a evolução do movimento
psicanalítico, Anna Freud morreu em Londres em 1982 depois de enfrentar a
tempestade provocada pelos adeptos da historiografia revisionista a respeito da
publicação das cartas de Freud a Wilhelm Fliess.

5.1 Anna e a Psicanálise Infantil


A psicanálise de crianças iniciou-se num momento em que a comunidade
analítica discutia a formação do analista e tentava institucionalizar essa
formação. Nos anos pós-guerra, a preocupação com o mau uso da
psicanálise e o temor do charlatanismo colaborou para a controvérsia sobre
a conveniência ou não de autorizar os não-médicos a este exercício
(CAMAROTTI, 2010).
78
A primeira análise realizada com uma criança foi a do Pequeno
Hans (Sigmund Freud, em 1909) e teve grande importância por
demonstrar que os métodos psicanalíticos podiam ser
aplicados também às crianças. Naquela ocasião, Freud já
mencionava que a criança é psicologicamente diferente do
adulto, não possuindo ainda um Superego estruturado. Para
ele, as resistências internas que combatemos no adulto ficam
substituídas na criança por dificuldades externas. Mas, o
interesse pela psicoterapia infantil só iria surgir, efetivamente,
com os pós-freudianos (SILVA E SANTOS, 2008).

A partir desse momento, vale destacar que o interesse pela psicanálise


infantil só surgiria efetivamente, com os pós-freudianos. Freud proporcionou
modificações às noções já existentes acerca da criança e da infância e, em 1933,
retomou os debates sobre a expansão do campo teórico e clínico da psicanálise
para a prática analítica com as crianças, época em que, Anna Freud, Melanie
Klein e Sophie Morgentern, já haviam publicado seus primeiros trabalhos sobre
o tema, partindo do caminho por ele aberto, embora, resultando em teorias
diversas e até mesmo opostas em relação à posição da criança como sujeito
inconsciente (SILVA E SANTOS, 2008).

Segundo Priszkulnik (1995), a descoberta da sexualidade infantil, sem


indícios de degenerescência ou de devassidão prematura ou como curiosa
anomalia da natureza, provoca, então, protestos e espanto na sociedade
conservadora do final do século XIX, visto que nessa época a criança era tida
como um símbolo de pureza, um ser assexuado. Assim, para a desordem da
comunidade científica e da moralidade cristã-vitoriana de então, a sagrada
associação entre a criança e a inocência fica abalada.

De acordo com Camarotti (2010), a psicanálise de criança originou-se


com contorno marginal e em busca de validação. Foi devido ao fato de ter sido
criada por duas mulheres, Anna Freud e Melanie Klein, ambas protagonizando
uma concorrência fraterna em busca de aprovação junto ao pai da psicanálise?
Ou foi devido ao fato de ter surgido em meio a segredos e de forma incestuosa,
quando sabemos que Anna Freud foi analisada pelo pai, que Klein analisou o
79
próprio filho, que Abraham analisou a sua filha Hilda, e Jung a sua "pequena
Agathli"? Além de que a primeira análise infantil, a do "pequeno Hans", foi
realizada pelo próprio pai, Max Graf.

Poderiam os primórdios da psicanálise de criança ser


considerados como construção conjunta entre pais e filhos, já que
foram as crianças que forneceram inocentemente material (sonhos,
jogos, falas) aos seus pais, ávidos em transmitir suas observações a
Freud? O mesmo Freud que disse a Emma Jung não ter tempo de
analisar os sonhos dos seus filhos, pois precisava ganhar dinheiro
para que esses continuassem a sonhar (CAMAROTTI, 2010).

5.2 As Duas Correntes da Psicanálise em Crianças

A técnica em Psicanálise infantil passou por várias transformações ao


longo do tempo. Desde o método clínico de Klein e de seus seguidores, foi
exacerbada a importância do trabalho extenuante de interpretação em análise
de crianças. Tendo em vista à decodificação do significado
da brincadeira desenvolvida na sessão analítica, encontramos, atualmente,

80
modelos teóricos que expandem ou que modificam essas abordagens originais
(FELICE, 2003).

Se empregarmos esta concepção à clínica psicanalítica com crianças,


podemos entender melhor as razões dos notáveis debates entre Anna Freud e
Melanie Klein sobre a possibilidade de uma criança transferir ao analista em
função do vínculo afetivo a seus objetos fundamentais, já que subjacente a essa
discussão encontrava-se uma determinada concepção sobre a estruturação do
psiquismo na infância e as relações objetais precoces. Enquanto Anna Freud
propunha uma análise baseada na noção de um aparelho psíquico em
constituição, Melanie Klein postulava um psiquismo constituído desde os
primórdios, privilegiando a atividade fantasmática da criança (ZORNIG, 2008).

5.3 Alguns Conceitos Kleinianos na Psicanálise da Criança

Segundo Oliveira, (2007), uma das principais contribuições da teorização


kleiniana são os conceitos de posição esquizoparanóide e posição depressiva.
Estes são períodos normais do desenvolvimento que perpassam a vida de todas
as crianças, tais como as fases do desenvolvimento psicossexual teorizadas por
Freud. Contudo, são mais maleáveis do que estas fases, devido ao fato de
instalarem-se por necessidade, e não por maturação biológica (embora a autora
não deixe de considerar as fases da teoria freudiana a respeito do
desenvolvimento infanto–juvenil).

Segundo Simon (1986), o bebê nasce imerso na posição esquizoparanóide,


cujas principais características são: a fragmentação do ego; a divisão do objeto
externo (a mãe), ou mais particularmente de seu seio, já que este é o primeiro
órgão com o qual a criança estabelece contato, em seio bom e seio mau – o
primeiro é aquele que a gratifica infinitamente enquanto o segundo somente lhe
provoca frustração – a agressividade e a realização de ataques sádicos dirigidos
à figura materna.

Outro conceito importante na clínica de Klein foi o de Fantasia. De acordo com


Klein, a fantasia pode ser considerada uma estrutura através da qual o sujeito
se relaciona com os objetos exteriores. Durante o período inicial da vida, a mente
81
infantil funciona basicamente através de fantasia inconsciente, a qual
suplementa o pensamento racional enquanto este não estiver desenvolvido. As
fantasias são inatas no sujeito, uma vez que são as representantes dos instintos,
tanto os libidinais quanto os agressivos, os quais agem na vida desde o
nascimento. Elas apresentam componentes somáticos e psíquicos, dando
origem a processos pré–conscientes e conscientes, e acabam por determinar,
desta forma, a personalidade. Pode–se concluir que as fantasias são a forma de
funcionamento mental primária, de extrema importância neste período inicial da
vida (OLIVEIRA, 2007).

Ainda em Oliveira (2007), Klein em sua clínica, percebe que as crianças têm uma
imagem de mãe dotada de uma imensa maldade, o que, na maioria das vezes,
não corresponde à mãe real. Daí surgiu o conceito de fantasia kleiniano, a partir
da hipótese de que as crianças estão lidando com uma deformação da mãe
verdadeira, a qual é criada em sua mente de maneira fantasmática. Melanie
Klein fundamentou toda sua teoria evidenciando as fantasias inconscientes,
presentes nas relações objetais primitivas.

5.4 Conceitos de Ana Freud na Psicanálise da Criança

Ana Freud considerava as crianças muito frágeis para submeterem-se a


uma análise e não acreditava que elas pudessem desenvolver a transferência e
nem tão pouco associar livremente, devido a sua imaturidade psíquica. E dizia
que o Complexo de Édipo não deveria ser examinado muito profundamente em
função da imaturidade do Superego. E, também com base nesse raciocínio, ela
defendia que a abordagem psicanalítica deveria vir associada a uma ação
educativa (pedagogia psicanalítica) (SILVA & SANTOS, 2008).

Segundo Silva e Santos (2008), Ana Freud afirma que a análise do adulto
tropeça com dificuldades maiores já que diz respeito a objetos amorosos mais
arcaicos e mais importantes do individuo (os seus pais, que introjetou por meio
da identificação e cuja lembrança é protegida pela piedade filial). Enquanto que
nos casos de crianças os conflitos envolvem pessoas vivas que existem no
mundo exterior e que ainda não se encontram estabelecidas na memória. Anna

82
Freud dizia que o analista de crianças além do treinamento analítico
propriamente dito, também deveria possuir um segundo componente: o
conhecimento pedagógico.

Ela adverte que o analista deve se aplicar em colocar-se no lugar do Ego-


Ideal da criança por toda a duração da análise; não deve iniciar seu trabalho de
análise até que se tenha assegurado de que a criança esteja desejosa em seguir
seu comando. Segundo ela, o analista precisa ter habilidade para conduzir o
relacionamento entre o Ego da criança e os seus instintos e, esclarece que o
Superego da criança é fraco; visto que, as exigências do Superego assim como
a neurose acham-se em dependência do mundo exterior. Explica ainda, que a
criança é incapaz de controlar os instintos liberados e que o analista precisa
dirigi-los. Posteriormente Anna Freud reconheceu as descobertas de Melanie
Klein, em que esta comprovou a existência de um campo transferencial na
análise de crianças e estabeleceu a correspondência entre a associação livre e
as técnicas de jogo (SILVA & SANTOS, 2008).

5.5 A Psicanálise da Criança

5.5.1 O Brincar na Psicanálise de Crianças

O “brincar” tem um papel muito importante na análise de crianças, e pode


ser considerado um processo análogo as associações livres que ocorrem na
análise dos adultos. A sequência de brincadeiras, sua importância e significados,
devem ser observados e analisados atentamente.
83
Segundo Mrech (1999), um aspecto importante a ser observado é que o
brincar da criança não é apenas um ato natural de um determinado momento.
Ele traz a história de cada criança, desvendando quais foram os efeitos de
linguagem e da fala, sob a forma de uma rede transferencial específica. Para a
Psicanálise, não se deve confundir os objetos concretos (brinquedos e jogos),
com as suas simbolizações e imagens. Existem diferenças entre a realidade
psíquica da criança e a realidade concreta. Para que possamos saber como a
criança pensa, o que sente, deseja etc., é preciso que nos guiemos pela sua
realidade psíquica, e não pela sua realidade concreta ou por nossa realidade
psíquica.

A utilização de atividade lúdica como uma das formas de mostrar os


conflitos interiores das crianças foi, sem dúvida, uma das maiores descobertas
da Psicanálise. É brincando que a criança revela suas desordens de uma forma
muito semelhante que os adultos revelam na fala. No entanto, o brincar e as
brincadeiras infantis não podem ser tomados como processos iguais à
linguagem e à fala. Eles apresentam uma singularidade típica (MRECH, 1999).

Na brincadeira, o fundamental não é a relação com o objeto, pois ele


serve meramente como um mediador entre a realidade e a imaginação. Na
brincadeira, o objeto principal é representar o papel, “como se” no brincar não
existissem regras determinadas. No entanto, a ficção substitui a regra e
desempenha a mesma função. Através do brincar (do jogo) a criança sente-se
livre para experimentar tudo o que quiser, ela pode ser tudo e nesse faz de conta,
ela imita a vida, o amor, as tristezas (MELLO, s.d.).

Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e


problemas internos, dominando-os por meio da ação. Repete no
brinquedo todas as situações excessivas para seu ego fraco e isto lhe
permite, devido ao domínio sobre os objetos externos a seu alcance,
tornar ativo aquilo que sofreu passivamente, modificar um final que lhe
foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real
tanto interna como externamente e também repetir à vontade situações
prazerosas (ABERASTURY, 1992, p. 15).
84
5.5.3 O Brincar Segundo Winnicott

A teoria sobre o brincar concebida por Winnicott originou mudanças


significativas no pensamento psicanalítico atual. A relação analítica passou a ser
apreciada como a criação de um espaço potencial em que duas pessoas tenham
a possibilidade de brincar juntas. Apenas assim, o paciente pode desvendar seu
self e desenvolver sua criatividade. O brincar transferido para a situação de
análise infantil, no contato entre paciente e analista, constitui-se na principal
realização da psicoterapia (FELICE, 2003).

Sua teoria do brincar parte do princípio de que a brincadeira é primária, e


não resultado da sublimação dos instintos. É uma maneira fundamental de se
viver, que facilita o crescimento e leva aos relacionamentos em grupo. O brincar
aparece no contexto da relação mãe-bebê, a qual segue um encadeamento no
processo de desenvolvimento. Primeiramente, a mãe é percebida como um
objeto subjetivo, isto é, criado pelo bebê. A mãe, sensível e direcionada para as
necessidades de seu filho, torna concreto o que ele está pronto para encontrar,
possibilitando a experiência da ilusão e de controle onipotente sobre o mundo.
Em um segundo estágio, o interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a

85
experiência de controle de objetos reais cria um espaço potencial entre a mãe e
o bebê, no qual a brincadeira começa (FELICE, 2003).

Winnicott acrescenta que além das significações e sentidos, os


brinquedos são também objetos transicionais, isto é, eles se
encontram no meio do caminho entre a chamada realidade
concreta e a realidade psíquica da criança (MRECH, 1999).

5.5.4 O Brincar Segundo Melaine Klein

Para Melaine Klein, o brincar se transforma no componente essencial da


análise de crianças, que possibilita o estabelecimento da transferência em
análise. O acesso ao seu inconsciente devia realizar-se através da atividade
lúdica que vai pontuando os diferentes tempos na direção da cura. É abordada
enquanto conteúdo do inconsciente, pois ela é manifestação do desejo e da
fantasia inconsciente. O brincar se torna um painel onde é projetado esse
universo fantasmático: fantasmas de destruição e de ataque se articulam com
sentimentos de depressão e culpa. A dialética da introjeção-projeção é
principalmente assinalada na transferência. Indica os momentos da relação da
criança com o analista que, para Melaine Klein, correspondem à primazia de um
tipo de fantasia dominante (VIDAL, s.d.).

86
Melanie Klein aborda a psicanálise para as crianças através da técnica
do brincar, que até então não tinha sido estudada. Como ela mesma cita, teve
um insight a respeito do desenvolvimento inicial e a interpretação que se pode
obter através de observações do brincar das crianças, influenciando também em
crianças mais velhas e adultos (CARMINATTI, 2005).

Segundo Melaine Klein (1970), o brincar da criança é diretamente


proporcional à associação livre do adulto. Pois o brincar e jogar são formas
básicas da comunicação infantil, com as quais as crianças inventam o mundo e
elaboram seus aspectos internos e os impactos exercidos pelos outros (mundo
externo). As crianças jogam, brincam e desenham, não falam como os adultos,
encontram no lúdico a forma preferencial de enunciar o que se encontra no
registro do inconsciente. Assim, o jogo não é uma simples brincadeira.

Há nela uma preocupação em compreender o significado que a criança


exterioriza em cada jogo e com cada brinquedo:

a criança expressa suas fantasias, seus desejos e suas


experiências de um modo simbólico por meio dos brinquedos e
jogos. Se desejamos compreender corretamente o jogo da
87
criança em relação com a conduta total durante a sessão de
análise, devemos desentranhar o significado de cada símbolo
separadamente. O psicanalista deve mostrar repetidamente os
diferentes significados que pode ter um simples brinquedo do
fragmento de jogo" (VIDAL, s.d.).

Melanie Klein notou que a criança expressava suas fantasias, desejos e


experiências simbolicamente no brinquedo e acentuou a importância da caixa de
brinquedos. Porém quem realmente introduziu o uso da caixa de brinquedos no
setting analítico foi Arminda Aberastury. Para esta autora (1992), a caixa
representa o mundo interno da criança, o mundo não verbal, contendo as
representações inconscientes e as relações com seus objetos. Para Aberastury
o uso da caixa privilegiando o jogo e o brinquedo torna-se valioso porque difere
do discurso verbal onde o sujeito tem a possibilidade de modificar o seu discurso
através das defesas que se organizam para impedir que venha a tona algo que
traga sofrimento (REGHELIN, 2008).

5.5.5 O Brincar em Ana Freud


Anna Freud considera o brincar uma questão secundária no marco de sua
teoria e técnica em Psicanálise de Crianças. Sua preocupação é a entrada do
pequeno sujeito no dispositivo analítico, a partir de um "treinamento" no qual o
analista opera enquanto educador. Quando a criança entra no trabalho de
análise, sua técnica consiste na interpretação dos sonhos, dos devaneios e dos
desenhos. O brincar e a colocação de brinquedos, fundamentais na teoria
kleiniana, são para ela métodos substitutivos e contingentes na análise com uma
criança. Ela marca sua discordância do simbolismo que utiliza Melanie Klein com
relação ao brincar na sessão. O importante para Anna Freud é o fato da criança
estar em transferência, ou seja, numa vinculação tal com o analista que
possibilite sua intervenção e a interpretação (VIDAL, s.d.).

88
Anna Freud entendia o brincar como atividade expressiva e não simbólica
(pois o simbólico estava ligado ao reprimido) e Melanie Klein via o brincar como
alocução e destinado ao analista, pressupondo diferentes níveis de simbolização
conforme idade, nível de funcionamento mental, quantidade e qualidade das
angústias da criança (REGHELIN, 2008).

5.6 A Entrevista com os Pais na Clínica Psicanalítica da Criança

A entrevista com os pais representam um lugar crucial para a análise com


crianças, pois o que está em jogo é o bom andamento do caso e, para tanto, a
transferência dos pais, tanto quanto da criança, é de fundamental importância. É
imprescindível escutar os pais na medida em que eles estão implicados nos
sintomas do filho, o que não significa fazer o tratamento psicanalítico deles, mas
ajudá-los a se situarem em relação à sua própria história.

Se nos orientarmos pelos pensamentos de Anna Freud, que enfatiza a


situação externa e a realidade precisamos ter entrevistas com os pais para colher
informações e, se necessário, orientá-los na educação do filho, ou seja,
interferindo na realidade da vida em comum. Se nos basearmos pelos
pressupostos de Melanie Klein, que confere uma importância quase que

89
exclusiva aos processos internos, ao tratarmos a criança pela Psicanálise
devemos se necessário, encaminhar os pais a outro analista para entrevistas de
orientação (PRISZKULNIK, 1995).

As entrevistas de orientação de pais colocam o analista também


como educador e é impossível analisar e educar ao mesmo
tempo; neste sentido, Melanie Klein tem razão em não receber os
pais e encaminhá-los a outro analista Mas as entrevistas não
precisam ser de orientação, podem ter o objetivo de ajudar os pais
a se re-situarem diante das dificuldades do filho e da própria vida
(PRISZKULNIK, 1995).

6.0 – PSICANÁLISE

A psicanálise, fundada por um médico neurologista, Sigmund Freud, hoje é


difundida mundialmente. Entretanto, muitas pessoas ainda confundem o que é e
o que não é psicanálise. Por isso, preparamos este texto para que possa ser
entendido de uma vez por todas, o que significa esse termo.

A psicanálise é uma ciência à parte da psicologia. Também não se trata deste


tipo de terapia da mesma maneira que a psiquiatria e nem pode ser considerada
uma área da medicina. Apesar dessa ciência de perpassar direta ou

90
indiretamente por essas áreas, além de áreas como sociologia, educação, dentre
outras.

Essa escola de pensamento enfatizava a influência da mente inconsciente no


comportamento. Freud acreditava que a mente humana era composta de três
elementos: o id, o ego e o superego.

As teorias de Freud sobre os estágios psicossexuais, o inconsciente e o


simbolismo dos sonhos continuam sendo um tema popular entre os psicólogos e
os leigos. Apesar disso, seu trabalho é visto hoje com ceticismo por muitos.

Muitas das observações e teorias de Freud foram baseadas em casos


clínicos e estudos de casos, o que dificultou sua generalização para uma
população maior. Independentemente disso, as teorias de Freud mudaram a
forma como pensamos sobre a mente e o comportamento humanos e deixaram
uma marca duradoura na psicologia e na cultura.

Assim, o que é e o que não é psicanálise acaba sendo uma dúvida, às vezes,
até para os próprios atuantes da área. O que é a psicanálise e até que ponto
pode se considerar os métodos psicanalíticos?

O próprio Freud passou por vários métodos, como o hipnotismo, para chegar
ao que hoje é considerado o método psicanalítico. Além disso, houve muitas
divergências entre os psicanalistas, contemporâneos a Freud ou posteriores a
ele.

O que também acaba nos confundindo sobre o que é e o que não é


psicanálise. Para se entender o que é e o que não psicanálise, deve-se
primeiramente entender como funciona o método psicanalítico

Do ponto de vista terapêutico, o método psicanalítico trata-se de uma terapia


baseada na ideia de conhecer e compreender a origem dos problemas que nos
afetam e que, se sanados, podem nos libertar de tensões e de ansiedades. Além
de libertar também de doenças ligadas à mente, como a neurose e histeria.
Usando principalmente a análise.

91
Que é quando o paciente fala sobre si, sobre seus problemas e sobre a sua
vida. Essa é a base do método psicanalista. Que é um dos fatores que define o
que é e o que não é psicanálise.

A vida psíquica humana se desenrola sob o conflito. Os conflitos e incidentes


mais marcantes na nossa evolução psíquica nos levam à época da infância.
Inclusive, na primeira infância, conforme Freud explica.

Inclusive, explica por meio do que ele colocou como desenvolvimento


psicossexual. Que se dá por meio de fases como a fase oral, anal, fálica, de
latência e a fase genital. Os conflitos característicos da primeira infância,
segundo Freud, podem ser resolvidos por meio de um desenvolvimento psíquico
(e psicossexual) saudável.

A psicanálise, além de ser uma teoria, é uma terapia. Esse estudo é


comumente usado para tratar depressão e transtornos de ansiedade.

Na psicanálise como terapia, Freud teria um paciente deitado em um sofá/


divã para relaxar e ele se sentaria atrás deste tomando notas enquanto contava
sobre seus sonhos e memórias de infância. A psicanálise seria um processo
demorado, envolvendo muitas sessões com o psicanalista.

Devido à natureza dos mecanismos de defesa e à inacessibilidade das forças


determinísticas que atuam no inconsciente, a psicanálise, em sua forma clássica,

92
é um processo demorado. Isso geralmente envolve de duas a cinco sessões por
semana durante vários anos.

Então o que é Psicanálise?

• O nome de um trabalho, de um procedimento para a investigação de


processos mentais, que são quase inacessíveis de outro modo.
• Um método (baseado na investigação) para um método de tratamento
de distúrbios neuróticos.
• Um arcabouço teórico – psicológico que funda uma disciplina científica.
• São três aspectos da psicanálise que são intimamente conectados,
simultâneos e indissociáveis.
• Uma ciência do inconsciente, um método de investigação capaz de
evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, dos sonhos
e fantasias do sujeito.
• Método: Associação livre. Falar o que vier a mente, sem o impedimento
da censura.
• Reconhecimento da sexualidade infantil, teoria do recalcamento,
complexo de Édipo, teoria do inconsciente, resistência.
• Interpretação da resistência, da transferência, do desejo.
• O termo psicanálise alude a modalidade de tratamento que se restringe
aos referenciais e fundamentos da ciencia psicanalítica tal qual Freud
criou.
• Descoberta e conhecimento do inconsciente e da sexualidade como
fatores em torno dos quais se organizam a subjetividade.
• Essas descobertas, é importante lembrar, se originaram de uma prática
de tratamento, no qual foi possível compreender o homem e os seus
destinos.
• Psicanálise é o nome do trabalho de um tratamento de neuroses.
• Descoberta da origem insuportável intensidade afetiva, qual seja, a
experiência sexual prematura.
• Recalque da experiência sexual – sintoma histérico.
• A sexualidade infantil (os representantes das experiências sexuais
infantis) são os alvos do recalcamento.

93
• Sexualidade infantil – um modo de sexualidade que está presente na
infância, mas se prolonga, jamais sendo superada, por toda vida do
sujeito.

• A sexualidade adulta e genital é o resultado de uma transformação da


sexualidade originária, e dela conserva seus traços.

• A infância compreende o tempo de inscrição dos primeiros traços das


experiências no psiquismo. Já o infantil está associado à sexualidade e
ao inconsciente, constituindo-se como marca no psiquismo.

• Assim, o sujeito jamais se liberta completamente da influência das


primeiras experiências sexuais, mesmo que essas vigorem de modo
modificado – recalcado.

• A partir do livro Três ensaios – Sexualidade infantil deve ser tratada como
o conceito de sexualidade na psicanálise.

• Para a psicanálise, no fundo do nosso inconsciente, permanecemos


infantis como o fomos, permaneceremos impulsionados pelas marcas
indeléveis das experiências de satisfação.

• Psicanálise: Idéia de que o tempo não passa. (Pontalis)

7.0 INSCONSCIENTE

Existem percepções inconscientes? Existem


percepções do e no inconsciente? De que maneira inconsciente e percepção se
relacionam? Qual o papel representado pela percepção na formação do
inconsciente? Estas são algumas das questões que a relação entre inconsciente
e percepção poderia suscitar. As respostas a estas questões não são diretas
nem enfáticas na obra freudiana. Tampouco ganharam maior elucidação nos
primeiros grandes herdeiros de Freud.

Entre inconsciente e percepção é preciso reconhecer que a história da


psicanálise fez da percepção o pólo a ser esquecido. Mas os movimentos do
pensamento psicanalítico contemporâneo fizeram com que fosse necessário
aceitar o trabalho exigido pelo retorno do recalcado. Praticamente excluída da
reflexão dos psicanalistas durante várias décadas, abandonada ao lado da
94
consciência como objeto de uma psicologia colocada nas antípodas da
psicanálise, a percepção passa a ocupar lugar de destaque no trabalho de vários
analistas contemporâneos. Este movimento aparece com maior evidência nas
investigações dos psicanalistas franceses, bastante bem representadas nos
números da Revue Française de Psychanalyse (n.1, 1992) e (n.2, 1995)
dedicados respectivamente aos temas "Irrepresentável ou irrepresentado?" e
"Percepção", além dos livros de Bernat (1996), Janin (1996) e Nicolaïdis (1993,
1989). Mas está presente também entre os autores de língua inglesa, em
trabalhos como os de Bollas (1992; 1993) onde, além de um inovador uso da
concepção freudiana de percepções endopsíquicas, merece destaque o
desenvolvimento de noções como a de percepção intuitiva na análise dos usos
expressivos da contratransferência. Aparece também nos trabalhos de Ogden
(1996) com sua ênfase em uma compreensão intersubjetiva do processo
analítico, ou de Steiner (1997), analisando mecanismos perversos como o que
ele denomina de "fingir que não vê" e também a forma como retoma as idéias de
Freud sobre o fetichismo, enfatizando a simultaneidade do reconhecimento e da
negação de algo percebido. E há, ainda, na Argentina, a interessante
investigação de Mazzuca (1996), que a partir de um enfoque lacaniano
reexamina o valor clínico dos fenômenos perceptivos. Estas referências iniciais,
longe de serem exaustivas, fornecem um panorama mínimo que permite
contextualizar as análises propostas neste trabalho.

As contradições presentes no conjunto da teoria freudiana caracterizam


também suas formulações sobre a percepção. Ao mesmo tempo orgulhoso
herdeiro do legado associacionista-fisiologista e desbravador de uma forma mais
complexa de conceber o psiquismo, seus atos e processos, Freud constrói vias
de acesso ao ato perceptivo demarcadas por estas contradições.

Em geral preso a um empirismo censurador, Freud resiste inicialmente ao


movimento criativo de suas próprias descobertas clínicas que, no tocante à
percepção, levariam-no para bem longe do modelo vigente na psicologia e na
filosofia.

As primeiras concepções de Freud sobre a percepção, nos anos 1891-


1899, refletem a influência das teorias empiristas, marca principal de seu

95
trabalho como neurologista. Elas revelam tanto as características sensorialistas
como associacionistas de suas primeiras conceituações da percepção.

Estas concepções estão presentes na formulação freudiana de um


aparelho de linguagem (Sobre a Concepção das Afasias, 1891) e na formulação
inicial de um aparelho psíquico, no Projeto de uma Psicologia de 1895 e
na Carta 52 a Fliess de 1896, estes últimos, caracterizados, entre outros
aspectos, pela oposição determinante entre memória e percepção e por uma
preocupação em descrever diferentes níveis de registro do conteúdo perceptivo
no aparelho psíquico. Embora desde o texto sobre as afasias Freud anunciasse
uma concepção relativamente complexa e inovadora da relação entre percepção
e representação psíquica do objeto percebido, estes textos iniciais mostram
também sua preocupação com uma representação verdadeira da realidade. Em
muitas passagens a percepção surge como um registro passivo da realidade.
Assim, ao lado de sua busca por uma possível correspondência entre a função
perceptiva e sua localização neurológica, há a tentativa de garantir uma
correspondência verdadeira entre o objeto externo da percepção e a
representação psíquica deste objeto. Há pouco lugar para as construções
próprias daquilo que Freud chamará a seguir de realidade psíquica. O abandono
da Teoria da Sedução, a partir de 1897, com o reconhecimento de Freud de que
as cenas de sedução não teriam ocorrido mas eram fantasias imaginadas por
seus pacientes, tem portanto importância decisiva na transformação de uma
teoria da constituição do aparelho psíquico e também grande importância na
escolha da referência teórica que deveria balizar suas concepções sobre a
percepção.

Em A Interpretação dos Sonhos, Freud (1900) já inclui uma nova


concepção sobre o processo perceptivo a partir do reconhecimento da função do
desejo na construção das representações psíquicas (Cf. Perron, 1995). Portanto,
as representações não poderiam mais ser consideradas apenas como
conseqüência de percepções da realidade externa. Se a representação traz a
marca do desejo ela já não pode mais ser o reflexo fiel das percepções e a
própria concepção de uma representação verdadeira da realidade precisa ser
revista. O desejo articula-se a uma alucinação. Aquilo que Freud descrevia como
sendo o reaparecimento da percepção, neste caso, constitui-se na própria

96
realização do desejo e o investimento total da percepção a partir da excitação da
necessidade é o caminho mais curto em direção à realização do desejo. A
fidelidade a uma suposta realidade externa sofre inevitáveis abalos. Um percurso
pelos textos posteriores de Freud, sugere, cada vez mais, que as percepções
são regidas pela dinâmica psíquica e não podem ser simples reflexo da realidade
externa.

Um aspecto interessante a ressaltar quanto a este percurso da noção de


percepção na obra freudiana é que o vocábulo alemão Wahrnehmung,
equivalente a percepção, utilizado por Freud em seus textos, revela ao mesmo
tempo uma significação específica e a expectativa de realização de que seriam
capazes os atos perceptivos. Wahrnehmung, literalmente apreensão do
verdadeiro (Wahr- verdade, nehmen- tomar, pegar, apreender) implica a crença
em uma possibilidade de apreensão de uma imagem exata, verdadeira, do
mundo exterior. Seria possível argumentar a favor de uma certa relativização do
conceito de verdade, abrindo espaço para outra definição do que seria uma
apreensão verdadeira, em termos subjetivos. Mas acho que não seria por demais
restritivo reconhecer neste vocábulo alemão as fortes ressonâncias de um uso
objetivista da percepção. Este parece ser o horizonte fundamental que rege as
preocupações de Freud em seus trabalhos iniciais.

Outro ponto a destacar e que vai em direção oposta é a preocupação


freudiana em apresentar, ao lado das percepções externas, o que ele denomina
de percepções endopsíquicas. As relações entre as percepções internas e
externas são múltiplas, revelando a complexidade própria das concepções de
Freud sobre a constituição e o funcionamento do aparelho psíquico, mas revelam
a marca própria de um pensador que reconhece a importância do que ele mesmo
chamou de realidade psíquica.

Estes diversos conceitos e usos da noção de percepção no texto freudiano


apontam para uma série de articulações no interior da teoria, que exigem
análises nos diferentes planos da obra. Para o que nos interessa aqui basta
registrar que percepção não é apenas uma noção descritiva para Freud,
descritiva de uma função corporal ou de uma função da consciência. É, isto sim,
mais uma das noções constituintes de sua complexa teoria sobre o
funcionamento psíquico, em que a noção de inconsciente ocupa,
97
indiscutivelmente, o lugar central. A seguir, desenvolverei a análise das relações
entre percepção e inconsciente a partir de três eixos temáticos.

7.1.1 Percepção, inconsciente e representação

Que as primeiras representações, representações-coisa, sejam corporais,


ninguém contesta. Freud, que nunca perdeu de vista que a fonte original das
manifestações psíquicas estava no corpo, vê a "alucinação primitiva"
como equivalente do objeto percebido e investido na sua ausência. (Isto é, um
investimento alucinatório da lembrança da satisfação). (Nicolaïdis, 1989, p.63).

Percepção: objeto presente. Representação: objeto ausente. Corpo: fonte


original das manifestações psíquicas. Esta é uma forma condensada e talvez por
demais simplificada de apresentar as relações e as diferenças entre percepção
e representação, e o lugar do corpo nos textos de Freud. Mas pode ser útil
manter esta distinção presente neste percurso pela obra freudiana. Retomando
a definição de Lalande em Seu Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia,
Laplanche e Pontalis (1986) apontam para concepções semelhantes de
representação e percepção ao definirem representação como "o que forma o
conteúdo concreto de um ato de pensamento e em especial a reprodução de
uma percepção anterior." (p.582). A complexidade da noção de representação

98
exige, no entanto, uma verificação mais cuidadosa das preocupações e
intenções de Freud (Cf. Garcia-Roza, 1995; Hanns, 1996; Nicolaïdis, 1989).

Toda a questão que se coloca, e para mim ela é fundamental para se


pensar a teoria freudiana, é se a percepção pode ou não fornecer uma
representação verdadeira da realidade. E, também, se esta é a função principal
da percepção no aparelho psíquico. A percepção, vinculada às funções do ego
é o que sustenta, para Freud, a possibilidade do princípio e da prova de
realidade. Deste ponto de vista ela nos possibilitaria a distinção entre realidade
e fantasia, entre mundo externo e mundo interno. Mas como nos lembram Botella
e Botella (1995), a percepção é uma "noção situada nos limites da teoria
analítica: aqueles do psíquico-somático, aqueles do psíquico-mundo exterior."
(p.29). Assim, talvez mais do que algo que garanta uma distinção precisa entre
o que é externo e o que é interno, ou que garanta uma representação psíquica
que seja fiel ao real externo, a percepção é o que desafia a teoria psicanalítica,
aquilo que faz com que a teoria precise se confrontar com seus próprios limites
e busque ser bem mais do que uma teoria das representações psíquicas. Neste
sentido, a percepção seria uma das formas de aproximação do enigmático
campo dos aspectos não representáveis de nossa experiência psíquica. As
articulações teóricas realizadas por Freud entre o inconsciente e a percepção
permitem novas investigações sobre a presença no psiquismo das marcas
afetivas e traumáticas "resistentes" à representação. Voltarei a esta questão
mais à frente.

O primeiro modelo do aparelho psíquico de fato publicado por Freud


(1900) é o do Capítulo VII de A Interpretação dos Sonhos. Este modelo
caracteriza o que ficou conhecido como a primeira tópica. O aparelho apresenta
uma seqüência que vai da extremidade perceptiva à extremidade motora.

Toda a nossa atividade psíquica inicia-se a partir de estímulos (internos


ou externos) e termina em enervações. (...). Na extremidade sensória [sensiblen
Ende], fica um sistema que recebe percepções; na extremidade motora fica
outro, que abre o portão de acesso à atividade motora. Os processos psíquicos,
em geral, avançam da extremidade perceptual [Wahrnehmungsende] para a
extremidade motora. (1900, p.513-4).

99
Verifica-se aqui que a extremidade perceptiva caracteriza-se por sua
permeabilidade e que percepção e memória são funções que não podem ser
realizadas pelo mesmo sistema. Há então uma extremidade responsável pela
captação sensorial e a seguir, um sistema onde encontram-se os traços
mnêmicos (Erinnerungsspur). A novidade deste modelo e também sua
complicação, fica por conta da posição em que Freud coloca a consciência: na
extremidade oposta à da percepção. Entre o sistema mnêmico e a consciência
encontram-se os sistemas inconsciente, pré-consciente e por fim a extremidade
motora que é onde Freud situa a consciência.

Se é verdade que na primeira tópica o papel da percepção está vinculado ao


registro das excitações internas e externas e à constituição tanto das
representações de pulsões, como de traços mnêmicos de objetos reais, é
também verdadeiro que Freud, já em A Interpretação dos Sonhos, inclui neste
modelo que podemos considerar clássico da relação percepção –
representação, um novo elemento, que é o desejo [Wunsch]. Freud afirma que:

... a imagem mnésica de uma certa percepção se conserva associada ao traço


mnésico da excitação resultante da necessidade. Logo que esta necessidade
aparece de novo, produzir-se-á, graças à ligação que foi estabelecida uma
moção psíquica que procurará reinvestir a imagem mnésica desta percepção e
mesmo invocar esta percepção, isto é, restabelecer a situação da primeira
satisfação: a essa moção é que chamaremos de desejo [Wunsch]; o
reaparecimento da percepção é a realização de desejo [Wunscherfüllung].
(1900, p.539).

Esta e outras passagens permitem que um comentador como Perron


(1995) afirme que, "de 1895 - Projeto a 1938 – Esboço, um percurso
considerável irá conduzí-lo [Freud] a colocar que toda percepção, longe de ser
uma imagem exata do objeto, é construída pela atividade psíquica." (p.500).

Freud retornará à discussão sobre as representações em seus textos


metapsicológicos de 1915, mas sem introduzir nenhuma grande novidade no que
diz respeito à relação entre as representações e as percepções. É interessante
notar, no entanto, que no texto O Inconsciente Freud (1915) se refere a destinos

100
de representações que se originaram de percepções e não mais de percepções
em si.

No capítulo 4 de Além do Princípio de Prazer, em que abre deixando claro


que o que se segue é especulação, Freud (1920) se propõe a traçar um perfil
evolutivo da nossa capacidade de apreensão dos estímulos externos. Ele retoma
idéias contidas em seus primeiros textos, principalmente aquelas do Projeto de
1895. Afirma que nos organismos altamente desenvolvidos a camada cortical da
antiga vesícula, que recebia impactos incessantes de estímulos, encontra-se
agora nas camadas mais profundas do cérebro e especializadas em órgãos para
a recepção selecionada de certas quantidades de estimulações, internas ou
externas. A percepção é compreendida como resultando da recepção de
estímulos pelos órgãos sensoriais, possuindo característica ativa:

Nos organismos altamente desenvolvidos, a camada cortical receptiva da


antiga vesícula há muito tempo já se retirou para as profundezas do corpo. (...)
Essas partes são os órgãos dos sentidos, que consistem essencialmente em
aparelhos para a recepção de certos efeitos específicos de estimulação, mas
que também incluem disposições especiais para maior proteção contra
quantidades excessivas de estimulação e para a exclusão de tipos inapropriados
de estímulos. (1920, p.237).

A percepção é, assim, caracterizada como a possibilidade de


reconhecimento (no sentido de apreensão pelos órgãos dos sentidos) de algum
estímulo que atinge o organismo, sendo que a "interpretação" dessa percepção
é feita pelo aparelho psíquico:

A maior parte do desprazer que experimentamos é um desprazer


perceptivo [Wahrnehmungsunlust]. Esse desprazer pode ser a percepção de
uma pressão por parte das pulsões [Triebe] insatisfeitas, ou ser a percepção
externa [äussere Wahrnehmung] do que é aflitivo em si mesmo ou que excita
expectativas desprazerosas no aparelho psíquico [ou anímico], portanto, o que
é por ele reconhecido como um perigo. (1920, p.221).

Em passagens como esta fica sempre marcada uma certa ambigüidade


com relação ao que é a percepção. Seria a percepção fundamentalmente o
101
processo determinado pelos órgãos dos sentidos, situando-se como externa ao
aparelho psíquico ou ela é constituinte do aparelho? No aparelho está a própria
percepção ou apenas os traços e as diferentes formas de representação psíquica
dos estímulos percebidos? Isto nos remete para as três acepções de percepção:
função, ato que exerce esta função e o resultado deste ato. Função e ato seriam
externos ao aparelho psíquico e só o resultado seria propriamente psíquico? E
o resultado, as representações, seriam reproduções fiéis do objeto ou do
fenômeno que gerou os estímulos?

Vários outros textos da segunda tópica retomam questões anunciadas em Além


do Princípio de Prazer. Em um texto fundamental do período da segunda
tópica, A Negação, Freud (1925b) aborda estas questões por um ângulo
diferente:

Não se trata mais de uma questão de saber se aquilo que foi percebido
(uma coisa) será ou não integrado ao ego, mas uma questão de saber se algo
que está no ego como representação pode ser redescoberto também na
percepção (realidade) É, como se pode notar, novamente uma questão sobre
o externo e o interno. O que é irreal, meramente uma representação e subjetivo
é apenas interno; o que é real está também lá fora. (p.375).

E pouco mais à frente:

... todas as representações se originam de percepções e são repetições dessas.


Assim, originalmente a mera existência de uma representação constituía uma
garantia de realidade daquilo que era representado. A antítese entre subjetivo e
objetivo não existe desde o início. Surge apenas o fato de que o pensar tem a
capacidade de trazer diante da mente, mais uma vez, algo que já tinha sido
percebido, reproduzindo-o como representação sem que o objeto externo ainda
tenha de estar lá. Desta forma, o objetivo primeiro e imediato do teste de
realidade [Realitätsprüfung] não é encontrar na percepção real [realen
Wahrnehmung] um objeto que corresponda ao representado, mas reencontrar
tal objeto, convencer-se de que ele está lá ... A reprodução de uma percepção
como representação nem sempre é uma repetição fiel [ getrue Wiederholung];

102
pode ser modificada por omissões ou alterada pela fusão de diferentes
elementos. (p.375).

Freud não pode ser mais claro: a reprodução de uma representação nem
sempre é uma repetição fiel. A representação é irreal, subjetiva e interna. O real
é o que é externo e pode ser apreendido pela percepção. Mas quais seriam os
diferentes elementos que por fusão modificariam a representação e impediriam
que ela fosse uma repetição fiel? Por que, muitas vezes, ocorrem omissões?
Freud não dá respostas a estas perguntas neste texto. Resta saber se Freud
acredita que o trabalho terapêutico da análise teria condições de transformar os
processos psíquicos a ponto de ser possível uma representação que seja uma
repetição fiel. Será que ele postula um psiquismo e uma apreensão da realidade
que em sua constituição traga já em si a impossibilidade de que as
representações sejam repetições fiéis, e aí as "distorções" perceptivas seriam
inevitáveis, ou ao contrário, as distorções não seriam uma condição inerente à
percepção e ao psiquismo e seriam portanto, de fato, distorções ? Talvez nos
casos de patologias mais severas as chamadas distorções perceptivas possam
ser distinguidas de uma representação consensual da realidade de forma mais
clara, mas o que dizer dos processos perceptivos da grande gama dos ditos
"normais"?

Freud, ainda neste texto, não parecia ter muitas dúvidas quando afirma
que "originalmente a existência da representação já é a garantia da realidade do
representado." (1925b, p.375). Conhecemos a ambigüidade de Freud com
relação a este tema, mesmo porque não é de todo incoerente com a teoria supor
representações de objetos irreais ou de processos puramente fantasiados. Mas
vale lembrar que é o mesmo Freud que afirma que toda fantasia se apoia sobre
um grão de realidade. Estas oposições entre interno e externo, entre real e
fantasiado estão no centro de toda discussão metapsicológica. Em muitos
momentos Freud parece ver- se obrigado a tomar um partido, em outros ele
parece aceitar mais tranqüilamente a ambigüidade imposta pelos fatos.

Um outro ponto que merece destaque no texto, A Negação, é o fato de


Freud afirmar a qualidade ativa das percepções, possivelmente mobilizadas a
partir de representações. Esta inversão é de grande importância. Assim, não

103
teríamos apenas percepções que geram representações, mas também
representações que "forçariam" a necessidade de percepções:

... em nossa hipótese, a percepção não é meramente um processo passivo, ao


contrário, o ego envia periodicamente pequenas quantidades de investimento
para o sistema perceptivo [Wahrnehmungssystem], com o que este sistema
recolhe o estímulo externo ... (1925b, p.376).

Aspecto semelhante já tinha sido apontado por Freud (1925a) em outro


texto publicado no mesmo ano, mas escrito um ano antes, Nota Sobre "O Bloco
Mágico." Aqui, referindo-se à qualidade ativa da percepção, Freud sugere que "é
como se o inconsciente estendesse sensores ao mundo externo através do
sistema P-Cs. [W-Bw] e os retirasse rapidamente assim que eles de lá tivessem
recolhido as excitações." (1925a, p.369). Representações inconscientes
impulsionam o processo perceptivo? É claro que neste texto Freud está mais
preocupado em descrever o funcionamento do que ele chama de "aparelho
perceptivo de nosso psiquismo ou de nossa alma" [unsere seelischen
Wahrnehmungsapparat] e para isso ele estabelece as comparações com o
"bloco mágico". Mas é possível supor que Freud reconheça aqui, também, a
possibilidade determinante da ativação perceptiva através de processos
inconscientes. E esta é uma posição fundamental em sua concepção da relação
que estabelecemos com a realidade.

Muitas questões ainda podem ser derivadas da relação entre percepção


e representação. Mas a partir do que já foi apresentado, acredito que seja
possível afirmar que para Freud percepção e representação podem ser
concebidas, em alguns momentos, de forma sintônica com a tradição da filosofia
e da psicologia de sua época. Também é possível, entretanto, reconhecer que
há contribuições inovadoras apresentadas por Freud. Como lembra Green
(1964), com razão, é "impossível julgar suas [Freud] opiniões sobre as
'representações' inconscientes como aquelas de uma psicologia da percepção
qualquer." (p.1045). Freud possui uma teoria própria sobre as Vorstellungen, que
de fato exige com que se as conceba sem a referência determinante quer seja
da filosofia clássica, quer seja das teorias psicológicas de sua época.

104
O tema da percepção está diretamente ligado à totalidade da investigação
freudiana, não só no viés mais especulativo da teoria, no questionamento dos
traços originais que constituiriam o psiquismo, mas fundamentalmente na própria
trajetória da teoria com relação às noções de realidade externa e realidade
psíquica. Mesmo que se pressuponha uma autonomia quase absoluta das
representações psíquicas com relação à realidade exterior (situação que faria a
psicanálise se aproximar perigosamente de uma posição solipcista) não há como
recusar à percepção seu lugar constante no próprio cotidiano da prática
psicanalítica, ou seja, no trabalho clínico. A situação clínica só se torna possível
porque há percepções de parte a parte. Poderíamos dizer, basicamente
percepções auditivas, mas sabemos que também estão presentes as visuais, as
olfativas e as enigmáticas "percepções internas" ou endopsíquicas.

7.2 Percepções endopsíquicas e o inconsciente

Sem dúvida, um dos aspectos mais originais da psicanálise com relação


a uma teoria da percepção refere-se às investigações do que Freud chamou de
percepções endopsíquicas ou percepções internas. Embora em algumas
passagens de sua obra esta noção apareça confundida com a de projeção, em
muitas outras passagens ela revela a preocupação de Freud com a percepção
105
dos afetos e sentimentos, às vezes adjetivados como inconscientes. Estas
percepções em geral se ligam a percepções e sensações originárias do mundo
externo, o que torna todo o processo ainda mais complexo. Desde o texto A
Psicopatologia da Vida Cotidiana, Freud (1901) se referia a percepções
endopsíquicas. Assim o tema das percepções internas e sua relação com as
representações assume importância fundamental tanto no plano clínico como no
plano metapsicológico. Como ter acesso, ou seja, perceber o que sinto e penso?

Em A Psicopatologia da Vida Cotidiana Freud (1901) postula uma espécie


de relação entre os fatores psíquicos e a realidade. Nelas pode-se reconhecer
que as ações sobre o meio são influenciadas e mediadas por um tipo de
compreensão ou possibilidade de relação determinada pelo que chama de
"reconhecimento obscuro", no qual o indivíduo, inconscientemente, identificaria
algo seu no ambiente.

Creio, de fato, que grande parte daquela concepção mitológica do mundo


que ainda perdura nas entranhas das religiões mais modernas não é outra coisa
que psicologia projetada no mundo externo. A obscura percepção (poderíamos
dizer a percepção endopsíquica) de fatores psíquicos e relações no inconsciente
se espelham (...) na construção de uma realidade sobrenatural... (1901, p.918).

Os processos que separam os conteúdos inconscientes dos conscientes


ganham aqui uma variação importante. Na percepção endopsíquica, o que foi
reprimido1 atua não como material transformado, e sim do modo como está
presente no inconsciente. O reprimido está presente e é com sua configuração
primária que determina o significado daquilo que é percebido.

Em Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen, Freud (1907) utiliza-se dos


delírios de um personagem para entender como algo que estava reprimido pôde
causar influência sobre seu comportamento. Aqui, a percepção é determinada
por fatores internos dos quais muitas vezes não se tem consciência, e é apenas
por eles que a realidade ganha sentido. Pode-se afirmar que há consciência a
respeito da forma como se entende o mundo, mas não a respeito do processo,
do conteúdo ou das associações que foram sendo configuradas ao longo da vida

106
através das experiências adquiridas, que por sua vez acabam configurando essa
forma particular de percepção do mundo.

Freud fornece inúmeros exemplos deste tipo particular de presença dos


conteúdos inconscientes em nossa forma de perceber o mundo. Ainda em
Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen ele escreve:

Após ter feito sua própria infância coincidir com o passado clássico, o que
para ele era muito fácil, houve uma perfeita analogia entre o soterramento de
Pompéia, que fez desaparecer mas ao mesmo tempo preservou o passado, e
a repressão, da qual tinha conhecimento através do que poderíamos chamar de
percepção "endopsíquica" ["endopsychische" Wahrnehmung]. (1907, p.49).

A percepção endopsíquica é uma espécie de percepção inconsciente do


que está no psiquismo, são representações que aparecem como uma projeção
no mundo externo. A percepção endopsíquica é uma espécie de projeção dos
processos que ocorrem internamente. É como uma percepção interna
inconsciente que é tida como uma percepção externa consciente. A separação
entre o que é externo e interno fica, assim, comprometida. Freud, em uma
passagem de sua apresentação do caso do "homem dos ratos", retoma o tema:

... a repressão não se efetua por meio da amnésia, mas sim através da ruptura
de conexões causais devidas a uma retirada de afeto [Affektenziehung]. Essas
conexões reprimidas parecem persistir em algum tipo de configuração muito
vaga (que eu, em outro lugar, comparei a uma percepção endopsíquica) sendo,
por um processo de projeção, assim transferidas para o mundo externo, onde
dão testemunho daquilo que foi apagado da consciência. (1909, p.90).

Na percepção endopsíquica, atribui-se ao exterior aquilo que na realidade


provém do interior. É a percepção, através dos órgãos do sentido, daquilo que
insiste no inconsciente; é a percepção de algo que está reprimido. O resultado
dos processos de pensamento é consciente, assim como o resultado da
percepção endopsíquica também é consciente; a própria percepção
endopsíquica é um processo de pensamento, mas a possibilidade de existência
da percepção desse pensamento é creditada ao exterior e não ao resultado de
uma elaboração interna.
107
Freud avança no desenvolvimento destas idéias em Totem e Tabu:

A projeção de percepções internas [innerer Wahrnehmungen] para fora é


um mecanismo primitivo, a que estão sujeitas, por exemplo, nossas percepções
sensoriais [Sinneswahrnehmungen], e que assim, normalmente desempenha um
papel muito grande na determinação da forma que toma nosso mundo exterior.
Sob condições cuja natureza não foi ainda suficientemente estabelecida, as
percepções internas de processos emocionais e de pensamento [Gefühls und
Denkvorgängen] podem ser projetadas para o exterior da mesma maneira que
as percepções sensoriais. (...) Foi apenas após a linguagem de pensamento
[Denksprache] abstrato ter sido desenvolvida, ou seja, apenas após os resíduos
sensoriais das representações- palavra. [Wortvorstellungen] terem sido ligados
aos processos internos, que os últimos pouco a pouco foram se tornando
capazes de ser percebidos [wahrnehmungsfähig]. Antes disso, em virtude da
projeção das percepções internas para fora, os homens primitivos chegaram a
uma imagem [Bild] do mundo externo que nós, com nossa percepção consciente
[Bewusstseinwahenehmung] intensificada, temos hoje de traduzir novamente
para a psicologia. (1912-1913, p.354-5).

No texto metapsicológico O Inconsciente, Freud (1915), apoiado em Kant,


reafirma o fato da percepção possuir determinações subjetivas:

Não nos resta na psicanálise outra alternativa se não sustentar que os


processos anímicos [seelischen Vorgänge] são em si inconscientes, e comparar
a percepção deles por meio da consciência à percepção do mundo externo por
meio dos órgãos sensoriais. (...) Assim como Kant nos advertiu para não
desprezarmos o fato de que as nossas percepções estão subjetivamente
condicionadas [subjektive Bedingheit], não devendo ser consideradas como
idênticas ao que, embora incognoscível [unerkennbaren], é percebido, assim
também a psicanálise nos adverte para não estabelecermos uma equivalência
entre as percepções conscientes [Bewusstseinswahrnehmung] e os processos
mentais inconscientes que constituem seu objeto. (1915, p.129-30).

Freud apresenta, assim, o reconhecimento da complexidade presente nos


processos perceptivos. Percebemos simultaneamente mundo interno e mundo

108
externo. Ocorre aqui, ao que parece, um processo de mútua constituição entre
percepção do que é externo e percepção do que é interno. Talvez, a própria
concepção de interno e externo precisa ser revista.

É possível argumentar que na formulação de sua segunda tópica há uma


mudança na obra de Freud quanto à forma de tematizar a percepção. Com a
introdução de uma nova concepção do aparelho psíquico, de uma nova teoria da
angústia e das pulsões, Freud passa a considerar a percepção sob um novo
enfoque. Botella e Botella (1995) sugerem que

... a segunda tópica é o produto da necessidade de poder pensar o psiquismo


enquanto conjunto de fenômenos submetidos a mudanças; em suma, em termos
de processo e não unicamente de conteúdos representacionais e de sistemas.
(p.354).

Ao retomar em seu texto de 1923, O Ego e o Id, a noção de percepções


endopsíquicas (endopsychischen Wahrnehmungen ou innere Wahrnehmungen),
Freud afirma:

Enquanto a relação existente entre as percepções externas (äusseren


Wahrnehmungen) e o ego é bastante evidente, aquela que liga as percepções
internas (inneren Wahrnehmungen) ao ego exige um exame especial. Ela nos
faz questionar se temos realmente o direito de relacionar toda consciência ao
superficial sistema Percepção-Consciência. (1923, p. 290).

Freud considera a seguir, neste texto, que as percepções endopsíquicas


emergem de camadas mais profundas do aparelho psíquico. São mais primitivas
e mais elementares que aquelas provenientes do exterior. Assim, uma
concepção ampliada da percepção começa a se delinear. Um pouco mais a
frente, ainda em O Ego e o Id, fazendo corresponder às percepções
endopsíquicas as sensações inconscientes, Freud escreve:

Abreviando, e de uma maneira que não é de toda correta, falamos


de sensações inconscientes e insistimos em sua analogia com as
representações inconscientes, o que não é de todo justificável. A diferença é
basicamente que para as representações inconscientes chegarem à
109
consciência, elas precisam primeiro criar uma série de elementos de ligação,
enquanto que as sensações se propagam diretamente. Em outras palavras: a
distinção entre consciência e pré-consciente não se coloca para as sensações,
uma sensação ou é consciente ou é inconsciente, mas jamais pré-consciente.
Mesmo que uma sensação esteja associada a representações-palavra, ela se
torna consciente não em função desta representação, mas diretamente. (1923,
p.291).

Desta forma, aparece claramente a discussão sobre o estatuto das


representações na segunda tópica, abrindo alternativas à simetria percepção-
representação, e fazendo com que seja possível uma articulação mais nítida
entre os processos perceptivos e o inconsciente. Seria necessário aprofundar a
compreensão daquilo que Freud chama de sensações inconscientes. Que tipo
de relação é possível estabelecer entre sensação e percepção? Será que
percepções também podem ser inconscientes? Será que é possível pensar em
percepções sem articulá-las diretamente com representações? Será que existem
"registros" de aspectos inconscientes que não se tornaram representações? É
por este caminho que boa parte dos autores que retomaram a investigação dos
fenômenos traumáticos procuram justificar metapsicologicamente o estatuto
psíquico do traumatismo. Mas isto já seria tema para um outro artigo.

7.3 Percepção, consciência e inconsciente

As relações entre percepção, consciência e inconsciente ganham em


complexidade na medida em que se avança cronologicamente pela obra de
Freud. Nos textos iniciais que compõem a chamada primeira tópica proposta por
Freud, o aparelho psíquico, como se sabe, é dividido em três sistemas: o sistema
inconsciente, o sistema pré-consciente e o sistema percepção-consciência. Do
ponto de vista tópico este último sistema encontra-se na extremidade externa do
aparelho psíquico, recebendo simultaneamente estímulos do mundo externo e
do mundo interno. Em várias passagens de seus textos, Freud estabelece uma
ligação entre este sistema e o pré-consciente, constituindo, assim, o que ele
denomina de sistema pré-consciente-consciente.

110
Consciência e percepção são, neste caso, praticamente sinônimos, já que
a consciência é entendida como a fase subjetiva de uma parte dos processos
físicos que se produzem nos atos perceptivos, inicialmente apenas de ordem
neurológica. No Projeto, Freud aproxima a percepção e a consciência em um
mesmo sistema (o sistema de neurônios w). Na Carta 52, no entanto,
apresentando a construção esquemática linear do aparelho psíquico, Freud
coloca em posições opostas W (percepção) e a consciência (Bws). A
consciência, neste esquema, surgiria depois dos registros perceptivos se ligarem
às representações-palavra do pré- consciente. Consciência e percepção
aparecem vinculadas mas esquematicamente separadas. Como se sabe, no
"Capítulo VII" de A Interpretação dos Sonhos, esta separação é mantida (até
Freud acrescentar, em 1919, que a consciência estaria também na extremidade
perceptiva do aparelho, formando assim a famosa equivalência P=Cs [W=Bw])
(Freud, 1900, p.517). Esta equivalência coloca como questão se percepção e
consciência estão em um mesmo lugar, ou se ocupam dois lugares. O curioso é
que Freud tenha insistido, com a nota de 1919, em igualar percepção e
consciência depois de tê-las separado. Assim, de acordo com a direção linear, o
estímulo que chega do exterior ao psiquismo pelo sistema percepção, segue seu
curso passando pelos registros mnemônicos e pelo pré-consciente até o sistema
consciência. Mas se a sensação consciente implica uma percepção, o sistema
percepção e a consciência deveriam ser igualados. Isto fica claro na explicação
do processo onírico, em que haveria a inversão dessa ordem linear do estado de
vigília. A possibilidade do sonho é dada pela conseqüente regressão do material
onírico originado no interior do aparelho, em direção à extremidade perceptiva.
Freud sugere que:

A única maneira pela qual podemos descrever o que acontece nos sonhos
alucinatórios é dizendo que a excitação se movimenta numa direção para
trás [ rückläufigen]. Em vez de ser transmitida na direção da extremidade motora
do aparelho, ela se movimenta no sentido da extremidade sensória e atinge
finalmente o sistema das percepções. [System der Wahrnehmungen]. (1900,
p.518).

Para que o sonho possa ser percebido pela consciência onírica, é


necessário que nesta extremidade também esteja presente o sistema
111
consciência. Assim P=Cs. Freud formula aqui uma consciência "direta", aberta,
e uma outra que surge depois de satisfeitas certas condições.

Em um trecho posterior do "Cap. VII" Freud procura tornar mais clara esta
dualidade da consciência: "Através das qualidades deste sistema, a consciência,
que antes era apenas um órgão sensorial para a percepção, torna-se também
um órgão sensorial para a porção de nossos processos de pensamento." (1900,
p.547). Em outra passagem ele procura evidenciar que uma percepção pode vir
a ser algo consciente: "Uma vez que um sonho tenha se tornado uma percepção,
ele se acha em condições de excitar a consciência, através das qualidades agora
adquiridas." (1900, p.547).

Assim, haveria uma percepção ligada aos eventos internos ou externos


que atingem os órgãos sensoriais, como a consciência, sem que tenham que
passar por uma elaboração dos processos psíquicos; e há a percepção de
eventos que ocupam a consciência depois de passarem por uma elaboração.
P=C nos dois sentidos.

No que diz respeito à relação entre percepção e inconsciente, Freud


(1915), em seu texto O Inconsciente, apresenta uma nova alternativa, ao afirmar
que o inconsciente estaria aberto à recepção de estímulos externos, sem que
exista, necessariamente, a mediação do sistema Cs.:

Voltemos à comunicação entre o Ics.[Ubw] e os outros sistemas, menos


para estabelecer algo novo do que para evitar a omissão do que é mais
proeminente. Nas raízes [Wurzeln] da atividade pulsional [Triebtätigkeit] os
sistemas se comunicam entre si de forma extensiva. Uma parte do processo do
que é aí excitado passa através do Ics. , como que por um estágio preparatório
e atinge seu mais alto desenvolvimento psíquico no Cs. e uma outra parte é
retida como Ics. Mas o Ics. é também afetado por experiências que se originam
de percepções externas [äusseren Wahrnehmung]. Normalmente, todos os
caminhos da percepção ao Ics. permanecem abertos e só os que partem do Ics.
sofrem um bloqueio pela repressão.

Chama muito a atenção que o Ics. de um ser humano possa reagir ao de


outro, sem passar através do Cs. (1915, p.152-3).
112
Esta passagem é de fundamental importância para se pensar as
possibilidades de relação entre a percepção da realidade externa e o
inconsciente, sem a mediação da consciência. Posso afirmar que neste
momento Freud sugere a possibilidade de duas modalidades de percepção em
função da relação com os sistemas do aparelho psíquico: as percepções
sensoriais que se tornam conscientes e as percepções inconscientes. Também
o interessante campo das formas de comunicação entre inconscientes abre-se
a partir desta passagem de 1915. Alguns dos psicanalistas contemporâneos que
concebem os processos psíquicos a partir de uma atenta análise da relação
transferencial-contratransferencial têm como ponto de partida, embora
raramente o mencionem, estas aberturas sugeridas por Freud na construção de
sua metapsicologia.

Outros aspectos presentes nos artigos da metapsicologia de 1915


merecem uma análise cuidadosa. Freud sugere que um ato psíquico que passa
pelo teste da censura e vem a ocupar o sistema Cs, não é necessariamente uma
sensação consciente. Na divisão do aparelho psíquico em sistemas, caberia uma
questão: onde estaria aquilo que faz parte de Cs, mas ainda não existe
conscientemente? A resposta seria, que se for uma representação, pela
estrutura dada, estaria em estado de latência no pré-consciente. Em O
Inconsciente, Freud discute as possibilidades de uma representação
permanecer reprimida (Ics.) ou poder vir a ser consciente, o que depende da
intensidade de investimento sobre os sistemas. A consciência dos processos de
pensamento, depende da quantidade de investimento sobre as representações-
palavra do pré-consciente e das representações-coisa

... o sistema Ics. contém os investimentos da coisa dos objetos


[Sachbesetzungen der Objekte ], os primeiros e verdadeiros investimentos
objetais; o sistema Pcs. ocorre quando essa representação- coisa é
hiperinvestida através da ligação com as representações-palavra que lhe
correspondem. (1915, p.160).

Assim, os atos psíquicos não hiperinvestidos, permanecem nos sistemas abaixo


de Cs.

113
Freud reconhece que a própria possibilidade do pensar é dada pela
percepção, já que é por meio desta que podem existir no psiquismo
representações-coisa ou representações-palavra a partir dos traços de imagens
sensoriais. Os resíduos perceptivos originais, entretanto, não podem se tornar
conscientes por conta própria. Por estarem distantes das regiões de
processamento dos pensamentos, os traços sensoriais já não retêm as
qualidades desses resíduos, e para que retenham as primeiras qualidades,
precisam do reforço de novas qualidades. Neste sentido, é como se a percepção
de algo fosse reinventada a cada momento durante o seu processamento
psíquico, e o que aparece na consciência possui, ao mesmo tempo, uma
qualidade própria, diferente do que foi originalmente marcado, e também algo da
origem. Vale lembrar que os traços de memória não se modificam, são presentes
do modo como foram marcados; o que se transforma é a qualidade da
representação resultante.

No Complemento Metapsicológico à Teoria dos Sonhos, encontra-se uma


passagem em que Freud afirma que:

... o fato de uma coisa se tornar consciente ainda não coincide inteiramente com
o fato dela pertencer a um sistema, pois aprendemos que é possível estarmos
conscientes de imagens sensoriais mnêmicas às quais de forma alguma
podemos permitir uma localização psíquica nos sistemas Cs. ou P [System Bw
oder W ]. (1917, p.188).

É desta forma que Freud propõe que o investimento adequado sobre algo
que está no Ics. ou Pcs., torna-o consciente, mas não faz com que pertença
imediatamente ao sistema Cs. Isto coincide com as primeiras considerações
teóricas de Freud quanto ao fato do sistema P e Cs não poder armazenar
informação. Mas e quanto à consciência das informações que nos chegam
diretamente do mundo? Necessariamente são percepções, e assim passam pelo
sistema Cs. Se para os elementos presentes internamente existe a possibilidade
de consciência, o mesmo deve ocorrer também com os elementos externos.
Quais seriam essas condições, ou melhor, como ocorre o controle sobre elas?

114
No Projeto de 1895, Freud sugere que para um processo de pensamento
ser consciente, ele deveria se comportar como uma percepção externa e assim
ser uma percepção. O afeto, por sua vez, é consciente ou inconsciente. Em
termos metapsicológicos, se um afeto é inconsciente e não está ligado a uma
representação, ele não poderia existir no Pcs e, portanto, também não poderia
estar no Cs; resta, assim, o Ics. Neste caso, o afeto está reprimido ou impedido
de se desenvolver. Mas e quando o afeto é transformado e mesmo assim
permanece em estado latente? Neste caso, poderíamos pensar que ele não
pode ser identificado como um afeto reprimido, pois a transformação já implicaria
em algum grau de liberdade. É importante lembrar que os afetos ligados às
representações podem existir no Pcs. Muitas dessas questões serão
respondidas com os artigos da chamada segunda tópica.

O Ego e o Id, de 1923, é um dos principais textos que prossegue esta


investigação. Freud trata praticamente de todas as questões levantadas acima,
amarrando ou revendo as concepções teóricas e propondo novas hipóteses
sobre o funcionamento do aparelho psíquico.

O que já fora anunciado em alguns artigos anteriores é agora reiterado, e


ganha maior consistência. Os órgãos de percepção são a mediação com o meio
e formam o núcleo de origem do ego. O próprio ego vincula-se ao inconsciente
e possui, em parte, características inconscientes. A divisão em sistemas está
ligada às posições topográficas que as instâncias ocupariam no aparelho, em
função da proximidade ou distância do mundo externo, além de sua função,
característica e modo de funcionamento. Freud percebe que estas
diferenciações traziam complicações; o estado de consciência ou inconsciência
não encontra implicação direta no fato de pertencer aos respectivos sistemas. O
inconsciente como termo descritivo inclui também o que está temporariamente
latente, desta forma não deve ser confundido com o reprimido. A própria
repressão implica uma visão dinâmica do processo psíquico, estabelecendo a
necessidade de uma divisão em sistemas. O que foi chamado de ego no Projeto,
e que ao longo dos textos da metapsicologia foi identificado ao Cs.(Pcs), passa,
em O Ego e o Id, a abranger características até então atribuídas a outros
sistemas.

115
Com estes novos recursos, Freud já pode responder à questão sobre a
possibilidade de consciência dos estímulos externos.

Desde os artigos da metapsicologia de 1915, Freud propunha que para


um fenômeno mental possa ser uma sensação consciente, ele deve
necessariamente ocupar o P/Cs, e que mesmo estando neste sistema não há
garantia de consciência. Para que haja consciência, algo deve, antes de tudo,
ser captado pela percepção. No caso de ser um estímulo interno (uma
representação, não um afeto), deve se comportar como uma percepção externa,
e aí sim poderá ser consciente. Freud procura ser bem claro:

somente algo que já foi uma percepção Cs. [bw Wahrnehmung] pode tornar-se
consciente, e qualquer coisa, que não os sentimentos, proveniente de dentro que
procure tornar-se consciente, deve tentar transformar-se em percepções
externas. Isto se torna possível mediante os traços mnêmicos. (1923, p.289).

E com relação ao afeto:

Assim como as tensões que surgem de necessidades físicas podem permanecer


inconscientes, também o pode o sofrimento - algo intermediário entre a
percepção externa e interna, que se comporta como uma percepção interna,
mesmo quando sua fonte se encontra no mundo externo. (...) Também as
116
sensações e os sentimentos só se tornam conscientes atingindo o sistema P.;
se o caminho para frente é barrado, elas não chegam a existir como sensações,
embora o que lhes corresponde no curso da excitação seja o mesmo que se elas
chegassem a existir. (1923, p.291).

Chegamos, desta forma, ao que Freud chama de "sentimentos


inconscientes", que não precisam encontrar vínculos intermediários de ligação,
como é o caso das representações Ics. (apesar de haver afetos que emergem
com a linguagem), para ser percebidos.

A discussão sobre as possibilidades de algo chegar à consciência, no


texto de 1923, de certa forma retoma o que Freud já havia considerado em 1915
no artigo O Inconsciente, com relação aos investimentos. No O Ego e o Id temos
que: quando uma lembrança é revivida, o investimento permanece no sistema
mnêmico, enquanto que uma alucinação, que não é distinguível de uma
percepção, pode surgir quando o investimento não se estende simplesmente do
traço mnêmico para o elemento P., mas se transfere inteiramente para ele.(...)
Os resíduos verbais derivam primariamente das percepções auditivas, de
maneira que o sistema Pcs. possui, por assim dizer, uma fonte sensória especial.
(1923, p.290).

As percepções sensoriais (externas) e os sentimentos e sensações


(internos) são tidos como Cs. desde o início, a não ser pelos processos de
pensamento, que seriam parte de regiões mais profundas do psiquismo. Cs vai
ser vinculado ao ego, que é a via de acesso ao mundo interno e externo, com
seu sistema perceptivo. Tudo o que for percepção é parte de Cs. Mas então
como diferenciar P. de Cs.? Não é evidente nem certo o limite que separa os
sistemas. Em um trecho de O Ego e o Id, Freud diz que os afetos podem ser
percebidos, ou mais precisamente, sentidos, "mesmo que a consciência se ache
enevoada." (1923, p.291). O estado de consciência como sensação resultante
depende da captação de P., que por sua vez vincula-se a Cs. Neste caso, a
consciência enevoada seria uma falta de atenção, avaliação ou reflexão sobre
os estímulos do meio externo ou de representações. Entretanto, temos
consciência das sensações, do afeto que emerge; há assim, além de uma
consciência enevoada, outros possíveis estados de consciência. O que faz parte

117
do organismo, não precisa necessariamente ter uma origem a partir de P./Cs.,
mas para surgir como consciência deve necessariamente passar por esse
sistema. A percepção interna dos processos de pensamento tem vínculos com
as percepções externas, mas há elementos gerados que não fazem parte de
algo que foi originalmente marcado como memória de um acontecimento, como
o que se entende por representação.

Este é certamente um ponto delicado de discussão, pois por "consciência


enevoada" pode-se entender uma sensação perceptiva que surge para o
indivíduo, sem necessitar de Cs, ou sem haver uma consciência entendida como
possibilidade de significação da sensação, já que não haveria uma
representação que a representasse.

Green (1982), em sua rigorosa análise desta questão, sugere que:

Bem diferentes são as percepções internas; estas, diz Freud, são 'mais
primárias, mais elementares' do que as percepções externas. Uma consciência
aguda ou lúcida não lhes é necessária para serem sentidas. Essas percepções
se manifestam como uma força condutora, sem que o ego seja capaz de notar
sua ação. Elas vão chegar à consciência relegando o pré-consciente. Seu
vínculo com a linguagem, quando existe, é, no limite, contingente. (p.61).

Assim, será que é possível afirmar também que há uma percepção


separada da consciência? Com certeza isto depende do que se entende por
consciência, e neste caso, se é possível aceitar a hipótese de que há diversos
estados, graus ou qualidades de consciência.

As posições de Freud sobre o ego em O Ego e o Id ampliam a


possibilidade de compreensão sobre as determinações da percepção. Funções
inconscientes do ego são responsáveis pela percepção interna dos processos
de pensamento ou dos afetos. Não temos consciência das determinações, mas
apenas dos seus efeitos. Assim, o que é chamado de percepção endopsíquica,
aproxima-se muito desta nova concepção. Ela foi descrita como uma espécie de
percepção inconsciente dos processos internos, que influencia as possibilidades
de interpretação sobre o mundo, assim como a possibilidade de percepção

118
interna. Além disso, as origens do próprio ego remontam a épocas ou estados
em que não só o psiquismo, mas todo o corpo está implicado.

Um outro fator, além da influência do sistema P., parece ter


desempenhado algum papel em ocasionar a formação do ego e sua
diferenciação a partir do id. O próprio corpo de uma pessoa e, acima de tudo, a
sua superfície, constitui um lugar de onde podem originar-se percepções tanto
externas quanto internas [äussere und innere Wahrnehmungen]. Ele é visto
como outro objeto, mas, ao tato, produz duas espécies de sensações
[Empfindungen], uma das quais pode ser equivalente a uma percepção interna.
(...) O ego é, acima de tudo, um ego corporal; não é simplesmente um ser de
superfície [Oberflächenwesen ], mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície.
(1923, p.294).

Esta passagem, sempre citada, permite diferentes níveis de interpretação.


A vinculação do ego ao corpo abre inúmeras possibilidades para se pensar a
constituição da subjetividade a partir de um modelo que não se reduza ao do
binômio percepção-representação. Mas o desenvolvimento deste tema
ultrapassa os limites do presente artigo.

As relações entre consciência e percepção sofrem ainda novas alterações


até o fim da obra de Freud. Segundo Botella e Botella (1995), Freud avança do
modelo em que o sistema consciência-percepção é "comandado" pela
consciência, ficando a percepção submetida à consciência, para um modelo que
autonomizará cada vez mais a percepção, inicialmente através da inversão
simples da denominação do sistema. Primeiro em O Ego e o Id, com a nova
fórmula percepção-consciência, e depois através de um sistema autônomo:

os artigos que se seguem [a O Ego e o Id ] (...) testemunham um interesse


crescente pela percepção. Uma evolução que se confirma e se conclui:
nas Novas Conferências Introdutórias (1932), onde Freud, estudando uma
última vez este tema, concede abertamente à Percepção sua autonomia, o
direito de ser, por ela mesma, um sistema, o sistema Percepção
( Wahrnehmung) e sustenta que é "durante seu funcionamento que se produz o

119
fenômeno da consciência"; ou seja, que a consciência torna-se uma qualidade
do sistema P. (p.351).

Para Freud, na conferência 31 das novas conferências, a consciência é,


portanto, função da percepção e não o inverso. Ele é claro: "Este sistema [P./Cs]
está voltado para o mundo externo, é o meio para que as percepções sejam
recebidas e nele, durante seu funcionamento, surge a consciência." (1933,
p.512). A este sistema, agora só sistema percepção, Freud ainda atribui a
introdução no psiquismo das relações com o tempo: "A relação com o tempo, tão
difícil de descrever, também é introduzida no ego pelo sistema percepção
[Wahrnehmungssystem]; dificilmente pode-se duvidar que o modo de atuação
desse sistema é o que dá origem à representação do tempo. [Zeitvorstellung]."
(1933, p.513). Freud não oferece maiores esclarecimentos de como se daria
exatamente a origem psíquica da representação do tempo. A introdução no ego
se dá pelo sistema percepção, mas como se efetiva esta noção ou representação
do tempo? Outro ponto que fica em aberto nesta complexa rede de relações
construídas por Freud entre a percepção e o aparelho psíquico.

Concluindo este eixo, cabe ainda mencionar um último aspecto das


relações sugeridas por Freud entre a percepção e o aparelho psíquico. De uma
forma um pouco enigmática, Freud afirma no Esboço de
Psicanálise (1938[1940]), que o Id possui um sistema de percepção próprio e
diferente daquele formado pelas percepções conscientes:

Os processos que são possíveis em e entre os supostos elementos


psíquicos do id (o processo primário) diferem amplamente daqueles que a
percepção consciente nos mostra, em nossa vida intelectual e afetiva... O id,
isolado do mundo externo, possui um mundo próprio de percepções. Percebe
com extraordinária agudeza certas alterações em seu interior, especialmente
oscilações na tensão de suas necessidades pulsionais, oscilações que tornam-
se conscientes como sensação na série prazer - desprazer. É difícil dizer, com
efeito, por que meios e com a ajuda de que órgãos sensoriais periféricos essas
percepções ocorrem. Mas é fato estabelecido que as autopercepções -
sensações cinestésicas e sensação de prazer-desprazer – governam com
despótica tirania os processos do id. (1938 [1940], p.3413).

120
8.0 ID, EGO E SUPEREGO

8.1 Id

O id segundo Freud O id foi concebido como um conjunto de conteúdos


de natureza pulsional e de ordem inconsciente, constituindo o polo
psicobiológico da personalidade. É considerado a reserva inconsciente dos
desejos e impulsos de origem genética, voltados para a preservação e
propagação da vida. Contém tudo o que é herdado, que se acha presente no
nascimento, acima de tudo os elementos instintivos que se originam da
organização somática. Do ponto de vista “topográfico”, o inconsciente, como
instância psíquica, virtualmente coincide com o id. Portanto, os conteúdos do id,
expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e
inatos e, por outro lado, adquiridos e recalcados. Do ponto de vista “econômico”,
o id é, para Freud, a fonte e o reservatório de toda a energia psíquica do
indivíduo, que anima a operação dos outros dois sistemas (ego e superego). Do
ponto de vista “dinâmico”, o id interage com as funções do ego e com os objetos,
tanto os da realidade exterior como aqueles que, introjetados, habitam o
superego. Do ponto de vista “funcional”, o id é regido pelo princípio do prazer, ou
seja, procura a resposta direta e imediata a um estímulo instintivo, sem

121
considerar as circunstâncias da realidade. Assim, o id tem a função de
descarregar as tensões biológicas, regido pelo “princípio do prazer”

8.2 Ego

O ego segundo Freud O ego se desenvolve a partir da diferenciação das


capacidades psíquicas em contato com a realidade exterior. Sua atividade é, em
parte, consciente (percepção e processos intelectuais) e, em parte, pré-
consciente e também inconsciente. É regido pelo princípio da realidade, que é o
fator que se incumbe do ajustamento ao ambiente e da solução dos conflitos
entre o organismo e a realidade. O ego lida com a estimulação que vem tanto da
própria mente como do mundo exterior. Desempenha a função de obter controle
sobre as exigências das pulsões, decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas,
adiando essa satisfação para ocasiões e circunstâncias mais favoráveis ou
reprimindo parcial ou inteiramente as excitações pulsionais. Assim, o ego atua
como mediador entre o id e o mundo exterior, tendo que lidar também com o
superego, com as memórias de todo tipo e com as necessidades físicas do
corpo. Como o ego opera de acordo com o princípio da realidade, seu tipo de
pensamento é verbal e se caracteriza pela lógica e pela objetividade.
Dinamicamente, o ego é pressionado pelos desejos insaciáveis do id, pela
severidade repressiva do superego e as ameaças do mundo exterior. Assim, a
função do ego é tentar conciliar as reivindicações das três instâncias a que serve,
ou seja, o id, o mundo externo e o superego. Para Freud, estamos divididos entre
o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio de realidade (que
nos impõe limites). Com referência aos acontecimentos externos, o ego
desempenha sua função armazenando experiências sobre os diferentes
estímulos na memória e aprendendo a produzir modificações convenientes no
mundo externo em seu próprio benefício. A teoria psicanalítica procura explicar
a gênese do ego como um sistema adaptativo, diferenciado a partir do id em
contato com a realidade exterior.

8.3 Superego

O superego desenvolve-se a partir do ego, em um período que Freud


designa como período de latência, situado entre a infância e o início da
adolescência. Nesse período, forma-se nossa personalidade moral e social. O
superego atua como um juiz ou um censor relativamente ao ego. Freud vê na
122
consciência moral, na auto-observação, na formação de ideais, funções do
superego. Classicamente, o superego constitui-se por interiorização das
exigências e das interdições parentais. Num primeiro momento, o superego é
representado pela autoridade parental que molda o desenvolvimento infantil,
alternando as provas de amor com as punições, geradoras de angústia. Num
segundo tempo, quando a criança renuncia à satisfação edipiana, as proibições
externas são internalizadas. Esse é o momento em que o superego vem
substituir a instância parental por intermédio de uma identificação da criança com
os pais. Freud salientou que o superego não se constrói segundo o modelo dos
pais, mas segundo o que é constituído pelo superego deles. O superego
estabelece a censura dos impulsos que a sociedade e a cultura proíbem ao id,
impedindo o indivíduo de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É o
órgão psíquico da repressão, particularmente a repressão sexual.

9.0 Mecanismos de Defesa – As Defesas do Ego

Um dos aspectos comentados por Freud na psicanálise são os mecanismos


de defesa. Do que se tratam esses mecanismos?

Os mecanismos de defesa tratam-se de ações psicológicas que têm o


objetivo de proteger a integridade do ego. Mas por que o ego faz uso deles e do
quê exatamente ele deseja se proteger?

Segundo Freud, nem tudo que nos ocorre é agradável ao nosso consciente
e o nosso ego pode considerar uma série de ocorrências como ameaçadoras à
sua integridade, ao seu bem-estar. Nesse sentido diante das exigências das
outras instâncias psíquicas – Id, que é nosso lado mais instintivo e do superego,
que representa nossos valores morais e regras internalizadas – o ego deseja
proteger-se para garantir o bem estar psicológico do sujeito frente a esses
conteúdos indesejados.

Ainda segundo o pai da psicanálise, os mecanismos de defesa são


universais, ou seja, todas as pessoas fazem uso deles, em menor ou maior grau.
E eles são importantes para um ego sadio e integrado. Porém, o seu uso
exacerbado pode ocasionar um funcionamento psicológico que não é
considerado sadio para o sujeito.

123
9.4 Compensação

é uma forma de o indivíduo garantir um equilíbrio entre as suas características


em termos de qualidades e deficiências.

Exemplo: o sujeito não se considera bom em gramática, mas tira excelentes


notas em matemática.

9.5 Negação

o sujeito nega a existência da dor, ansiedade e outros sentimentos que


representem o desprazer ao indivíduo.

Exemplo: diante do término de um namoro, o sujeito pode dizer “Está tudo bem.
Eu nunca gostei dele (a) mesmo. Estou ótimo (a)!”

9.1 Regressão

é um mecanismo onde o sujeito retorna a um estágio anterior à situação que


causa desconforto/desprazer ao sujeito. Nessa fase anterior, geralmente o
prazer era mais imediato e não havia a existência das circunstâncias atuais que
causam desprazer. Pode ser benéfico pois nos permite ter uma outra perspectiva
da situação, pois a angústia é temporariamente afastada; porém, se for usado
demais, pode levar o sujeito à fantasia e fuga da realidade.

Exemplo: diante do falecimento de um ente querido, o sujeito decide, por


exemplo, ficar brincando somente com seus brinquedos, pois isso o trás de volta
ao período infantil.

9.6 Identificação

ocorre quando o sujeito assimila as características dos outros (geralmente de


pessoas que são modelos para esse sujeito). O sujeito deseja ter as mesmas
características para si mesmo.

Exemplo: crianças que possuem os mesmos comportamentos dos pais.


124
9.4 Sublimação

é um mecanismo bastante útil ao lidar com as demandas e conflitos criados pelo


Id e superego. Quando o ego não consegue satisfazer uma necessidade
imediata, ele gratifica o Id de outra forma, de uma forma que seja mais
aceitável pelo superego. É a partir da sublimação, segundo a psicanálise, que
podemos nos tornar sujeitos civilizados.

Exemplo: alguém que não pode ter filhos apega-se aos bichinhos de estimação.

9.5 Racionalização

é quando o sujeito procura respostas lógicas para afastar o sofrimento.

Exemplo: diante de uma situação que cause sofrimento, a pessoa costuma


fazer a si mesma tantos questionamentos – e questionamentos dentro dos
questionamentos – que acaba deixando o sofrimento de lado. É comum o sujeito
criar muitas teorias, e teorias sobre teorias, a fim de tentar explicar e justificar
para si mesmo uma determinada situação.

9.6 Formação reativa

ocorre uma inversão do desejo real. A pessoa tenta de forma lógica explicar os
acontecimentos, mas tudo isso é uma forma de disfarçar os verdadeiros desejos,
que estão ocultos.

Exemplo: o sujeito possui uma postura e atitude extremamente rígidas com


relação à sexualidade, pode estar ocultando seu lado sexual mais libertino e o
que a sociedade consideraria imoral.

10.0 TEORIA DA SEXUALIDADE

A ideia de sexualidade, presente na obra freudiana desde a década de 1890,


consolidou-se com o estabelecimento da noção de pulsão nos "Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade", publicados em 1905 (Freud, 1905/1969). Por
meio dos conceitos de disposição perverso-polimorfa, zona erógena, pulsão
125
parcial e libido, a sexualidade configurou-se como porta de entrada para a
compreensão da vida psíquica. No presente artigo, pretendemos elaborar a
seguinte questão: qual a abrangência, a significação, e quais os problemas
teóricos trazidos pelo conceito de pulsão sexual?

A pulsão sexual, diferentemente do instinto sexual, não se limita às atividades


repertoriadas da sexualidade biológica, mas constitui o fator primordial que
impulsiona toda a série de manifestações psíquicas, estando, portanto, no
fundamento do aparelho psíquico e de seu funcionamento. Freud inaugura,
assim, uma nova e revolucionária compreensão da sexualidade humana.

Logo no início do seu percurso, na primeira metade da década de 1890, Freud


postulou a noção de defesa, pela qual o ego se defende de representações
ligadas à vida sexual do sujeito. Esta noção, precursora da teoria do
recalcamento, marca o seu ponto de ruptura com as concepções de Jean Martin
Charcot e Joseph Breuer que o inspiraram no começo de sua trajetória. Mais
significativamente, a noção de defesa expressa a singularidade e originalidade
do pensamento freudiano, ao introduzir a lógica do inconsciente.

Para fundamentar a sua teoria do recalcamento, Freud recorrera


primeiramente à hipótese da sedução, acreditando que o recalque se aplicava
às lembranças de atentados sexuais perversos sofridos de forma passiva pelo
sujeito em sua infância. Concebido o inconsciente como resultado do recalque
das cenas de sedução no psiquismo, a teoria da sedução não sobreviveu ao
impacto de novas descobertas freudianas: o papel da sexualidade infantil e da
fantasia na vida psíquica. Segundo essa nova perspectiva, a criança não seria
desprovida de atividade sexual, no sentido de ser reconhecidamente capaz de
construir, num plano inconsciente, inúmeras fantasias sexuais, apesar de sua
imaturidade biológica.

Freud acabará por ressignificar profundamente a noção de perversão,


situando a sexualidade infantil e perversa no fundamento da sexualidade
humana. É justamente nesse contexto que a noção de pulsão sexual irá emergir.
Definida, em termos clássicos, como o representante psíquico das excitações
provenientes do corpo, a pulsão sexual constitui a ferramenta teórica que
viabiliza a construção da teoria da sexualidade em Freud, teoria que se revelará

126
fundamental para a compreensão de todas as outras formulações que compõem
o conjunto de seu pensamento.

Uma das preocupações fundamentais de Freud foi encontrar a pulsão que


se oporia às pulsões sexuais. Inicialmente, postulou a oposição entre pulsão
sexual e pulsão de autoconservação, visando tematizar o conflito entre a
sexualidade impetuosa e o ego, entendido inicialmente como instância psíquica
dessexualizada. O caráter disruptivo da sexualidade é um fato evidente em suas
primeiras formulações. A pulsão sexual, segundo esta lógica inicial, é entendida
como força desestabilizadora para o ego, suscitando medidas de controle e
moderação. A defesa psíquica, o recalcamento, incidiria justamente contra a
agressão da pulsão sexual à esfera egoica.

Posteriormente, com a consideração de outras psicopatologias, como a


esquizofrenia e a paranoia, Freud foi desafiado a reavaliar a sua teoria da
sexualidade. Chegou à conclusão de que o ego também era objeto de
investimento libidinal e que esse investimento, quando bem estruturado, servia
como fator organizador das pulsões sexuais na esfera psíquica. O corpo infantil,
inicialmente devassado por pulsões parciais autoeróticas – isto é, pulsões
sexuais fragmentadas, não-investidas ainda em um objeto externo – necessitaria
de um agente organizador para a sua dispersão pulsional. A descoberta de um
investimento da libido no ego, objeto interno por excelência, acabou por delimitar
qual seria esse agente organizador da fragmentação pulsional: o próprio ego.

Assim, com a conceituação do narcisismo na primeira metade da década


de 1910 (Freud, 1914/1969), uma grande reviravolta começa a se instaurar
nessa teoria. A constituição do ego passa a ser profundamente inserida em uma
problemática sexual. Para que haja a constituição do ego, far-se-ia necessário o
investimento libidinal nessa instância. Se antes a pulsão sexual ameaçava
constantemente a estabilidade do ego, agora ela é a própria matéria-prima para
a sua constituição.

Todavia, uma das preocupações fundamentais e permanentes de Freud


foi tematizar o fator que estaria contraposto à sexualidade. "A argumentação é
primeiramente clínica: o conflito psíquico exige que algo se oponha à
sexualidade, que seja posto em perigo por ela" (Laplanche, 1993/1997, p. 83-

127
84). Não sendo o ego o fator antissexual almejado, a teoria das pulsões corre o
risco de perder a dualidade essencial entre duas forças opostas.

O texto sobre a introdução ao narcisismo promoveu, portanto, uma série


de dificuldades para a teoria das pulsões. O foco desta passa a ser a oposição
entre libido do ego e libido do objeto, dois modos de investimento de uma mesma
pulsão: a pulsão sexual. Desse modo, a proposta original de estabelecer
oposição entre duas pulsões distintas encontra-se comprometida. Soma-se a
esse fato a observação dos fenômenos relativos à compulsão à repetição,
elementos que levarão Freud a formular uma segunda teoria pulsional,
recuperando a dualidade perdida com a descoberta do narcisismo.

O último dualismo pulsional proposto por ele, entre Eros e pulsão de morte
(Freud, 1920/2006), trouxe inúmeras interrogações, tornando-se um dos pontos
mais controversos de todo o seu percurso. A libido, energia da pulsão sexual,
incorporada ao conjunto das pulsões de vida (Eros), teria a função de tornar a
pulsão de morte inofensiva (Freud, 1924/2007). Diante dessa perspectiva, a
sexualidade, no final da teoria freudiana, assume papel diferente da força
impetuosa, eminentemente perturbadora (Laplanche & Pontalis, 1967/1982) que
havia sido atribuída à pulsão sexual nos primeiros esboços da teoria das pulsões.

Ao ser confinada ao conjunto das pulsões de vida, a pulsão sexual perde


o seu caráter também hostil à estabilidade do ego. Torna-se uma força que tende
exclusivamente à ligação e à manutenção dos laços vitais. Então, o problema
teórico que emerge a partir da construção da segunda teoria das pulsões se
refere, em grande parte, à dificuldade de conciliar os aspectos não-ligados da
sexualidade com essa restrição da pulsão sexual ao domínio de Eros – princípio
de ligação.

Se Freud recorreu ao termo pulsão para descrever a sexualidade humana,


podemos questionar até que ponto é possível dissociar os conceitos de pulsão
e sexualidade. Os remanejamentos operados em sua teoria não deixaram de
promover uma série de dificuldades no entendimento do conceito de pulsão
sexual. Todo o registro pulsional estaria inserido no campo da sexualidade, ou
haveria algo da ordem do pulsional que escaparia a esse campo? Sexualidade
e pulsão seriam ou não conceitos indissociáveis em Psicanálise?

128
Nesse contexto, as contribuições de Jean Laplanche mostram-se
especialmente valiosas. O autor prioriza a questão da pulsão sexual em suas
abordagens, reafirmando a importância da magistral ampliação da sexualidade
que Freud inaugura. Exploraremos as contribuições desse autor, com a
finalidade de elaborar a seguinte questão: a sexualidade estaria ou não restrita
ao campo da ligação no âmbito psíquico?

10.1 A teoria da sedução generalizada

A teoria da sedução generalizada, proposta por Jean Laplanche, resgata


elementos de todas as etapas do percurso freudiano – desde a teoria da sedução
em 1895 até o último dualismo pulsional entre Eros e pulsão de morte em 1920
–, reestruturando profundamente esses elementos. O autor irá fundamentar a
estrutura do aparelho psíquico a partir, justamente, da experiência inconsciente
e originária da sedução.

Enquanto na teoria da sedução em Freud, a sedução perversa, exercida


pelo adulto sobre a criança, correspondia a uma situação contingente, episódica,
na teoria da sedução generalizada, a sedução vem a corresponder, antes de
tudo, a uma situação antropológica fundamental – a relação entre o adulto e a
criança em termos gerais. De um lado, o adulto, com seu inconsciente sexual,
essencialmente perverso – habitado pela fantasia, pelos resíduos de sua
sexualidade infantil – e, de outro, a criança, sem inconsciente sexual a priori,
apenas com suas montagens biológicas, situadas predominantemente no nível
da necessidade e não do desejo (Laplanche, 1987/1992; 2007).

129
Um dos pontos fundamentais da teoria de Laplanche é a distinção que
estabelece entre a gênese da sexualidade infantil e o desenvolvimento da
relação perceptivo-motora da criança. A emergência da sexualidade no ser
humano não se confunde aqui com as primeiras adaptações psicofisiológicas do
bebê. “Inicialmente, falar da criança é (...) falar de um indivíduo biopsíquico, e
seria aberrante a ideia de um bebê puro organismo, pura máquina, sobre o qual
viria se enxertar não sei o quê, uma alma, um psiquismo." (Laplanche,
1987/1992, p. 99).

O autor explora a situação originária que se estabelece em duplo registro:


no primeiro, há uma relação interativa, no segundo, não há interação possível
pelo fato de haver extrema defasagem entre o psiquismo adulto –
fundamentalmente marcado pelos conteúdos sexuais e inconscientes – e o
corpo-psiquismo infantil – extremamente elementar. A balança é profundamente
desigual.

Como afirma Jacques André (2008), "tal qual uma 'infecção', o sexual
contamina um corpo psíquico desprovido da resposta imunizadora adaptada" (p.
549). Do lado da criança, a princípio, há apenas o organismo com suas
montagens biológicas, pré-formadas, e do lado do adulto, há a implantação de
mensagens nesse organismo infantil – "(...) mensagens antes de tudo somáticas,
inseparáveis dos significantes gestuais, mímicos ou sonoros, que as
transportam" (Laplanche, 1993/1997, p. 14-15).

O adulto propõe à criança significantes impregnados de significação


sexual inconsciente, significantes verbais, não-verbais e até mesmo
comportamentais. Trata-se de elementos inconscientes que impregnam os
gestos, os dizeres, as ações dos adultos. Este mundo sexual adulto não se
caracteriza por um mundo objetivo que a criança tenha que descobrir e aprender.
Caracteriza-se por mensagens que ultrapassam até mesmo o registro linguístico,
podendo ser pré ou para linguísticas, que interrogam a criança antes que esta
possa vir a metabolizar eficazmente o que lhe atinge e excita. Neste contexto de
disparidade, de desigualdade entre dois polos, Laplanche (1987/1992; 2007a)
identifica a origem da pulsão sexual no ser humano.

130
Ao criar um vínculo de ternura e apego com a criança, o adulto introduz nesta os
elementos que fazem emergir a pulsão. "É na interação da ternura que desliza,
que se insinua a ação inconsciente do outro, a face sexual inconsciente da
mensagem do outro" (Laplanche, 1993/1997, p. 60). A abertura perceptiva e
motora da criança à autoconservação permite a introdução desses elementos
sexuais. Esse é o sentido que a noção de apoio vem a adquirir na teoria de
Laplanche.

Para exemplificar esse processo de implantação – ou intromissão, uma


variante mais violenta da implantação – dos significantes enigmáticos no corpo-
psiquismo infantil, Laplanche (1993/1997) recorre à situação de amamentação:
a mãe que oferece o seu seio para alimentar a criança. Esse seio que alimenta
e viabiliza a sobrevivência da criança, imprescindível para a sua
autoconservação, é o mesmo seio que carrega significações sexuais,
inconscientes para a mulher que o oferece. A mãe que se dirige à criança, de
maneira terna e protetora, não tem como evitar os efeitos de seu inconsciente
sexual sobre a sua comunicação com o bebê. Este recebe mensagens que
impactam seu corpo, necessitando de uma defesa, de uma proteção contra essa
invasão de estímulos, inevitável e imprescindível, decorrente dessa relação
primordial.

As zonas erógenas são lugares privilegiados de troca com o exterior,


lugares de cuidados, de polarização de algo externo. Pelos cuidados oferecidos
pelo adulto à criança algo externo vem enxertar-se no funcionamento endógeno.
A fonte da pulsão corresponderia, portanto, à implantação de um corpo estranho.
Como consequência desse fenômeno, a excitação endógena não está isenta do
impacto de um elemento exógeno, implantado no corpo.

Portanto, a erogeneidade do corpo infantil, de acordo com o ponto de vista


de Laplanche, não pode ser atribuída aos fatores hereditários, mas ao contato
com o outro, que erogeneiza esse corpo, promovendo alteração orgânica no
mesmo, implantando uma sexualidade que não estaria ali a priori: a sexualidade
infantil. "Nada permite afirmar que a erogeneidade das zonas erógenas esteja
ligada a uma tensão endógena inata" (Laplanche, 2000/2001, p. 24).

131
Em outras palavras, a sexualidade infantil não teria mecanismo endógeno
inato. Os termos implantação e enxerto, dentro desse contexto, não podem ser
mais precisos, posto que referidos a uma sexualidade que adviria por via
exógena, antes da maturação da sexualidade biológica. Segundo André (2012),
nesse fato reside a especificidade do ser humano, articulada justamente à
desqualificação que o campo do instinto sofre. O organismo do pequeno ser é
totalmente subvertido pela ação sedutora e inconsciente do outro, ponto de
partida para a emergência do sexual e do pulsional.

Como vimos, Laplanche (2000/2001; 2007a) recorre aos "Três ensaios


sobre a teoria da sexualidade" (Freud, 1905/1969), mais especificamente às
noções de sexualidade perversa polimorfa e de prazeres preliminares, para
definir com maior precisão a pulsão sexual no ser humano.

O sexual infantil é a grande descoberta de Freud. É o "sexual" alargado


além dos limites da diferença sexual, além do sexuado. É o sexual parcial, ligado
às zonas erógenas, funcionando segundo o modelo do Vorlust, onde vocês
tornam a encontrar a palavra Lust que quer dizer ao mesmo tempo prazer e
desejo. (Laplanche, 2000/2001, p. 23).

O termo alemão Vorlust designa prazer-desejo-preliminar. Para


Laplanche (2000/2001; 2007a), a pulsão se diferenciaria do instinto justamente
nesse quesito, expressando a busca por mais excitação, sendo um prazer de
acréscimo de tensão, em vez de apaziguamento, de modo análogo às atividades
sexuais preliminares.

A pulsão sexual infantil, tendo a sua origem no inconsciente, expressa


uma busca sem fim, não conhecendo apaziguamento. O pulsional está sempre
carente de ligação, sempre ambivalente. O clímax de toda atividade sexual não
apaziguaria a pulsão sexual. O pulsional sexual continua pressionando o corpo,
independentemente de qualquer orgasmo fisiológico, pois a sua origem não
estaria situada no somático, mas no inconsciente.

Há no homem o instinto de autoconservação, a pulsão sexual e o instinto


sexual. O primeiro, o instinto de autoconservação, é logo recoberto pelos
fenômenos propriamente humanos e sexuais da sedução. A pulsão sexual,
132
resultante das alterações sofridas pelo corpo-psiquismo infantil por meio do
contato com o outro, ocupa lugar principal e decisivo no homem, do nascimento
até a puberdade, escondendo-se no inconsciente, constituindo o objeto da
psicanálise. O instinto sexual, por sua vez, emerge na puberdade, mas encontra
o seu lugar ocupado pela pulsão sexual infantil, estando ele subordinado ao seu
universo fantástico.

Assim, o pulsional sexual e infantil, campo de força rigorosamente distinto


do instinto, "não deve ser confundido de modo algum com o sexuado, o genital,
o reprodutivo, e ainda menos com o gênero." (Dejours & Martens, 2012, p. 146;
tradução nossa). A pulsão sexual, na teoria da sedução generalizada, é a busca
irrefreável por mais tensão prazerosa, irredutível à satisfação de qualquer
necessidade.

Enfim, a analogia que Laplanche (2007a) estabelece entre os prazeres


preliminares (prazeres de acréscimo de tensão)e a pulsão sexual infantil é
particularmente significativa para a compreensão do pulsional, pois expressa
claramente o fato de que as excitações sexuais na infância – que perduram até
o final da vida do homem – são fruto de uma erogeneidade que não estaria
instalada a priori no corpo humano. Essas excitações, totalmente indissociáveis
dos objetos fantásticos, exprimem o caráter subjetivo da sexualidade. O instinto
sexual, esse sim pré-determinado e constitutivo do homem, quando aflorado,
estaria sempre confrontado pela pulsão sexual, irremediavelmente infantil,
fantástica e inesgotável.

10.2 A fonte da pulsão sexual

Em "Pulsões e destinos das pulsões", Freud (1915/2004) define a pulsão


como "conceito limite entre o psíquico e o somático, como representante
psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique,
como medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de
sua relação com o corpo" (p. 148).

133
Na teoria da sedução generalizada, essa medida da exigência de trabalho
não é exercida diretamente pelas fontes somáticas do corpo, mas por protótipos
inconscientes. As mensagens enigmáticas emitidas pelo adulto, carregadas de
sentido e desejo, impactam o corpo-psiquismo infantil.

A defasagem entre o universo sexual adulto e as possibilidades de


integração desse universo pela criança está na origem da pulsão – uma origem
traumática, decorrente de forte disparidade entre dois polos, o adulto e o infantil.
Haveria no confronto entre o adulto e a criança uma relação de atividade-
passividade – relação totalmente assimétrica, pelo fato de o psiquismo do adulto
ser infinitamente mais rico que o da criança. Essa assimetria constitui o ponto de
partida para o recalcamento originário – recurso defensivo que divide o
psiquismo infantil, originando as instâncias psíquicas.

Por meio do mecanismo do recalcamento há "a constituição e a


permanência de um inconsciente, assim como o efeito 'pulsão' indissociável
dele" (Laplanche, 1987/1992, p. 138). O modelo do recalcamento, entendido
como fracasso de tradução, presente na carta 52 (Freud, 1896/1969) de Freud
a Wilhelm Fliess, é fundamental para a compreensão dos elementos-chaves da
teoria de Laplanche. A fonte da pulsão, segundo ele (1987/1992), é o resquício
inconsciente do recalcamento originário, isto é, a excitação não-inibida pelo
processo de tradução.

A concepção de Laplanche (1993/1997) "não é a do advir do psíquico no


vital, mas do advir do sexual biopsíquico no pequeno ser humano também
biopsíquico" (p. 15). Em outras palavras, o pequeno ser não seria desprovido de
um psiquismo, mas sim desprovido de um psiquismo sexual, pulsional – ou seja,
não haveria a priori uma instância psíquica análoga ao id nesse pequeno ser. O
pulsional no ser humano é fruto de uma situação traumática e constitutiva sobre
o psiquismo elementar da criança.

Se há uma exigência de trabalho, ela deve ser concebida como aquela


exercida pelo id – o conjunto de objetos-fontes de pulsão, resultantes do
recalcamento originário, ou seja, da separação entre pré-consciente/consciente
e inconsciente no espaço intrapsíquico. Em relação à definição do termo objeto-

134
fonte, escreve Laplanche (1988): trata-se do "(...) impacto sobre o indivíduo e
sobre o ego da estimulação constante exercida, do interior, pelas
representações-coisa recalcada." (p. 80).

A impossibilidade de a criança metabolizar inteiramente os conteúdos que


lhe chegam promove separação entre o que consegue simbolizar e o que não
consegue. Neste último caso, a excitação provocada pela mensagem não é
controlada ou inibida. A problemática do recalque originário insere-se nessa
impossibilidade de metabolização interna de tudo que vem do exterior. Trata-se
de um processo em dois tempos.

O primeiro tempo é aquele no qual o corpo-psiquismo infantil recebe as


mensagens enigmáticas. A mensagem é simplesmente implantada ou inscrita.
No segundo tempo, aquilo que foi implantado no corpo-psiquismo infantil passa
a operar violentamente no mundo interno. A mensagem revivificada – atuando
como um corpo estranho interno (objeto-fonte de pulsão) – exige medidas de
controle e integração da excitação que desencadeia (Laplanche, 2007a;
Cardoso, 2002).

Os códigos inatos ou adquiridos de que a criança dispõe são insuficientes


para fazer frente à mensagem enigmática. "A criança deve apelar a um novo
código, improvisado por ela, e recorrer aos esquemas fornecidos pelo ambiente
cultural" (Laplanche, 2007a, p. 199; tradução nossa). Essa exigência de tradução
corresponde à fundação do aparelho psíquico em nível pré-consciente, ou seja,
à fundação do ego.

Todavia, a tradução esboçada pela criança é sempre imperfeita, deixando


restos. Não há a possibilidade de se traduzir tudo, de inibir integralmente a
excitação provocada pela mensagem. Os restos de tradução, então, constituem-
se em oposição ao ego pré-consciente, formando o inconsciente – no sentido
freudiano e literal do termo. Vale ressaltar que a constituição do inconsciente na
criança não é de modo algum análoga a uma cópia do inconsciente sexual
adulto. A teoria da sedução generalizada não postula uma transmissão exógena
do inconsciente ou da sexualidade.

135
O trabalho de tradução remodela totalmente a mensagem. Reside aí a
essência da ideia de metabolização. Os conteúdos excitatórios, implantados na
criança, precisam ser metabolizados, sendo o inconsciente o resultado dos
restos desse processo de metabolização.

O inconsciente sexual, de acordo com o autor (Laplanche, 1997; 2007a),


apresenta as características já descritas na teoria freudiana: ausência de
temporalidade, de coordenação, de negação. Por resultar daquilo que escapou
à tradução, o inconsciente não é o domínio do sentido, mas dos significantes
privados de seu sentido original, não estando coordenados entre si. Em outras
palavras, o inconsciente é o domínio dos significantes des-significados os quais,
por sua vez, apontam para o que não foi passível de ser metabolizado pelo
psiquismo infantil. Estes significantes inconscientes são os grandes
impulsionadores da atividade psíquica, subvertendo o corpo somático,
constituindo objetos-fontes da pulsão: pulsão sexual de vida e pulsão sexual de
morte, como veremos adiante.

10.3 Pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte

Ao situar a sedução originária no fundamento da pulsão sexual, Laplanche


nos remete à seguinte questão: como situar a pulsão de morte – a pulsão não-
sexual na teoria freudiana – nessa nova formulação teórica?

De modo mais geral, a conceituação da pulsão de morte na obra freudiana


constitui o ápice de um movimento que, segundo Jean Laplanche (1993/1997;
2007a), tende a privilegiar a referência aos fatores hereditários e constitutivos do
ser humano, negligenciando fatores amplamente explorados no início do
percurso teórico de Freud: a constituição do inconsciente relacionada
diretamente à sedução exercida pelo adulto sobre a criança; a teoria do trauma
em dois tempos; o ponto de vista tópico, no qual o ego sofre o ataque de um
elemento provindo do espaço intrapsíquico; e o ponto de vista tradutivo no qual
o recalque é concebido como uma falha de tradução.

136
Na história do pensamento freudiano, distinguem-se duas teorias das
pulsões. A primeira, marcada pela dualidade entre pulsão sexual e pulsão de
autoconservação, e a segunda, marcada pela dualidade entre pulsão de vida e
pulsão de morte. A pulsão sexual é o elemento comum entre essas duas
formulações. Se, na primeira teoria das pulsões, a fonte da pulsão sexual
corresponde às excitações sexuais que brotam de diferentes zonas erógenas,
na segunda teoria, a pulsão sexual – parte integrante do conjunto das pulsões
de vida (Eros) – é uma força inerente ao organismo, que encontra uma primeira
expressão psíquica no id, a sede das pulsões.

Em relação à primeira teoria das pulsões, Laplanche identifica no


dualismo entre pulsão de autoconservação e pulsão sexual uma contraposição
entre as funções de autoconservação e a pulsão sexual, conceituada como força
não-subordinável aos propósitos da adaptação. "A especificidade do sexual só
se afirmar quando é reafirmada, de certa maneira, pelo menos potencialmente,
a existência de um domínio do não-sexual" (Laplanche, 1993/1997, p. 26).

As funções de autoconservação constituiriam o domínio não-sexual


almejado pelo autor, estando contrapostas às pulsões sexuais. Assim, são
claramente diferenciadas as noções de função e pulsão, contrariando a
tendência freudiana. O domínio do pulsional, no pensamento de Laplanche, não
se confunde com o das funções biológicas, sejam elas sexuais ou de
autoconservação.

Haveria então uma diferença fundamental entre função de


autoconservação, pulsão sexual, e função sexual. Em relação à função, esta
pode ser entendida como análoga ao instinto na teoria da sedução generalizada,
já que com os termos função de autoconservação e função sexual, Laplanche
quer designar instinto de autoconservação e instinto sexual, respectivamente. Ao
desconstruir a ideia de pulsão de autoconservação, o autor busca apontar a
única e verdadeira pulsão em seu entender: a pulsão sexual. Mostra que, no
início da teoria das pulsões, a pulsão sexual foi tematizada como força
desagregadora, hostil para o ego e o equilíbrio psíquico. Não é por acaso que,
na teoria freudiana, o recalcamento se aplica fundamentalmente à sexualidade

137
infantil cujas manifestações perversas são constantemente tematizadas como
ameaçadoras para a estabilidade do ego.

Todavia, Laplanche (1987/1992) identifica na descoberta do


narcisismo o marco de profunda reviravolta nos postulados iniciais da
teoria da sexualidade. Na metade da década de 1910, as contribuições de
Freud (1914/1969) enfatizavam os aspectos ligados, de ligação e
totalizantes da sexualidade. Como consequência do forte impacto do
narcisismo na teoria das pulsões, houve certo desequilíbrio no conjunto
conceitual freudiano. A sexualidade desestabilizadora e ameaçadora para
o ego – apesar de jamais negada por Freud –, perdeu muito de sua força
pela atenção dada à oposição entre libido do ego e libido dos objetos.

Nesse enfraquecimento teórico do sexual disruptivo, Laplanche


(1993/1997) identifica na conceituação da pulsão de morte um retorno aos
aspectos anteriormente reconhecidos na pulsão sexual. Entre esses aspectos
estariam aqueles menos narcísicos e mais desestruturantes, fragmentados e
fragmentadores da pulsão que, se efetivamente problematizados, pouco se
conciliariam com a restrição da pulsão sexual ao domínio de Eros, princípio de
ligação.

Eros seria apenas uma parte da sexualidade, não abrangendo todos os


aspectos da pulsão sexual. Se na primeira teoria das pulsões a pulsão sexual
"visava qualquer coisa exceto a unidade, e não estava ligada por nenhum plano
pré-estabelecido" (Laplanche, 1993/1997, p. 22), na segunda teoria, essa
mesma pulsão tende a estabelecer unidades cada vez maiores – seu objetivo
passa a ser unir, atar, ligar.

Então, o que fazer com a sexualidade não-ligada, aquela que age de


forma impetuosa, buscando a descarga abrupta e absoluta, desconsiderando os
seus efeitos sobre o ego e o princípio de realidade, destruindo assim as
possibilidades de manutenção dos vínculos objetais?

A pulsão de morte, de acordo com essa perspectiva, vem justamente


reafirmar e precisar aspectos essenciais da pulsão sexual não-ligada: aqueles
parciais, sujeitados ao processo primário e à compulsão à repetição. Com base
138
nesses dados, Laplanche lança mão de uma proposição original: "pulsão de
morte e pulsão de vida são dois aspectos da pulsão sexual" (Laplanche,
1987/1992, p. 155).

A pulsão sexual, não sendo uma força inerente ao organismo, também


não sendo simplesmente o resultado de uma transposição psíquica da excitação
sexual somática, seria a força subsequente ao trauma vivenciado pela criança
por meio do fenômeno da sedução.

Toda a problemática da pulsão no pensamento de Laplanche está inserida


fundamentalmente numa questão objetal. Não é por acaso que ele utiliza o termo
objeto-fonte para definir a fonte da pulsão. A força pulsional, em termos gerais,
é gerada pela implantação (anteriormente à incorporação ou introjeção) de um
objeto no espaço intrapsíquico, que excita e mobiliza o corpo-psiquismo infantil,
subvertendo a soma, imperando sobre o instinto. Em outras palavras, a
expressão objeto-fonte se refere aos efeitos do contato com o objeto externo no
espaço intrapsíquico. Mas esse objeto interno, gerador da pulsão – esse objeto-
fonte –, se reveste de diferentes aspectos: parciais e totais.

Ao tratarmos dos objetos-fonte de pulsão, mostra-se fundamental


distinguir o objeto total do objeto parcial, levando em conta o fato de que "o objeto
parcial mal é um objeto, mais próximo do índice do que do objeto 'objetal'"
(Laplanche, 1987/1992, p. 156). A pulsão sexual de morte corresponderia ao
efeito do objeto parcial – instável, informe, fragmentado, mais voltado para a
metonímia do que para a metáfora – no espaço intrapsíquico.

A pulsão sexual de vida, por sua vez, corresponderia ao objeto total,


estando ligada ao objeto em via ou em ato de totalização, de modo
predominantemente estável e não-fragmentado, mais voltada para o
deslocamento metafórico do que para o metonímico. O autor (Laplanche,
1987/1992) acrescenta que essa diferença entre objeto parcial e total o levou a
classificar, em determinados momentos, os dois tipos de pulsão como pulsão de
índice (pulsão sexual de morte) e pulsão de objeto (pulsão sexual de vida).

Entre o regime do processo primário (energia livre) e o regime do processo


secundário (energia ligada), existem formas intermediárias de circulação da
139
energia. Não haveria necessariamente uma oposição entre os dois processos,
mas uma série complementar, partindo da fragmentação absoluta do id até os
processos narcísicos. A libido, expressão psíquica da sexualidade, é o substrato
energético de ambas as pulsões, não havendo uma energia contraposta à libido.
Neste ponto, Laplanche não está distante das formulações de Freud. Embora
tenha formulado dois tipos de pulsão, Freud jamais admitiu a existência de dois
tipos de energia pulsional. "Freud (...) nunca admitiu uma energia especial para
a pulsão de morte" (Laplanche, 1987/1992, p. 154-155).

Enfim, a diferenciação entre pulsão sexual de vida e pulsão sexual de


morte se efetua, essencialmente, de acordo com os seguintes fatores da pulsão:
sua relação com o ego, sua finalidade, seu modo de funcionamento energético
e seu objeto-fonte.

A pulsão sexual de vida, consoante ao ego, visa à síntese, à constituição


e manutenção de laços, funcionando segundo o princípio de energia ligada. Seu
objeto-fonte corresponde ao objeto-total, regulador e apaziguador. Em
contrapartida, a pulsão sexual de morte, hostil ao ego, visa à descarga pulsional
total, ao preço do aniquilamento do objeto, funcionando segundo o princípio de
energia livre. Seu objeto-fonte corresponde aos aspectos clivados, unilaterais –
aos indícios de objeto –, no espaço intrapsíquico (Laplanche, 1988).

Assim, o campo do sexual abrange também os aspectos violentos e


desestruturastes da vida psíquica, não estando confinado às possibilidades de
ligação e integração da força pulsional. "O que chamo 'pulsão de morte' é a
sexualidade infantil funcionando de modo puramente anárquico" (Laplanche,
2007b, p. 12).

Ao lançar luz sobre a face fragmentada e violenta do sexual, o autor


adiciona: "o ser humano tem obrigação de encontrar os meios de enquadrar (...)
a sexualidade infantil perversa. Se não o faz, vai à morte, tanto à sua morte
coletiva quanto à sua morte individual" (Laplanche, 2007b, p. 13-14).

Com a oposição entre pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte,


Laplanche (1987/1992) sustenta que as instâncias psíquicas são fundadas e
funcionam por meio de um jogo complexo entre as forças de ligação e
140
desligamento da sexualidade. A sexualidade implantada pela intromissão ou
implantação dos significantes enigmáticos constitui a porta de entrada ao
território pulsional.

As pulsões de vida e de morte são tematizadas por Freud (1920/2006)


como duas forças inerentes ao organismo, uma tendendo à manutenção e
renovação da vida (Eros), a outra visando levar o organismo a um estado
supostamente anterior ao surgimento da vida, o estado inorgânico. As
repercussões psíquicas dessas duas forças orgânicas, Eros e pulsão de morte,
equivaleriam ao registro pulsional. Entretanto, essas duas forças atuariam na
matéria viva desde o mais remoto início da vida orgânica, como algo inerente à
constituição do sujeito.

De acordo com a leitura de Laplanche, a postulação da pulsão de morte


corresponde ao ápice de um movimento na teoria freudiana que privilegia os
fatores biológicos – e, para sermos mais exatos, endógenos – no movimento de
constituição da pulsão. A problematização da gênese do pulsional perde muito
de sua força à medida que a pulsão passa a ser concebida como uma força
inerente ao organismo. Após a segunda teoria pulsional, fica indicado que "as
pulsões estão presentes desde toda a eternidade, de modo que a gênese do
sexual no indivíduo não é de modo algum um problema" (Laplanche, 1993/1997,
p. 95). Para este autor, com a gênese da pulsão deixando de ser devidamente
problematizada, não é de surpreender que justamente a conceituação da pulsão
sexual, tendo em vista a sua evolução, tenha apresentado pontos incompatíveis,
difíceis de atingir uma conciliação.

11.0 COMPLEXO DE ÉDIPO


141
Uma boa maneira de iniciarmos este percurso pelas especificidades do
Complexo de Édipo é defini-lo como conceito. Para tanto, contamos com a ajuda
do consagrado verbete de Laplanche e Pontalis (1992), que o caracteriza como
um:

Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em


relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o complexo apresenta-se como
na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo
sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma
negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo
e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas
encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do complexo de
Édipo. Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três e
os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período
de latência. É revivido na puberdade e é superado com maior ou menor êxito
num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de Édipo desempenha papel
fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo
humano. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de referência da
psicopatologia. (p. 77)

Já em tal definição se fazem presentes alguns pontos importantes e que


orientarão sobremaneira as ideias desenvolvidas aqui. Por exemplo, a filiação
142
do complexo psicanalítico descrito por Freud ao mito grego Édipo Rei,
popularizado graças à tragédia escrita por Sófocles; e o caráter trifásico (positivo,
negativo e completo) atribuído pelo pai da Psicanálise a este fenômeno.
Vejamos, então, por meio de um breve histórico, a evolução do Édipo como

Cabe aqui chamar atenção para o seguinte detalhe: o termo “complexo de


Édipo” é atribuído à nova situação emocional vivida pelo menino em sua
puberdade, e não aos desejos que remontariam aos primórdios da infância. Isso
porque, neste momento, Freud ainda permanecia atido à hipótese de uma
anarquia auto erótica no contexto da sexualidade infantil, o que inicialmente o
conduziu à negação quanto a qualquer possibilidade de uma escolha genital de
objeto no período anterior à adolescência (Mezan, 1998a).

O complexo de Édipo é o primeiro momento conflituoso vivido pelos


homens durante o período da primeira infância e está diretamente atrelado às
relações familiares que estabelecemos desde pequenos.
O grande neurologista baseou-se na tragédia de Sófocles para nominar a sua
teoria: Édipo Rei. No mito, Sófocles conta a história de Édipo, que teve uma
terrível sentença de casar-se com sua mãe e matar seu pai, já abordando temas
como o incesto e a ambivalência de sentimentos de amor e ódio aos pais.
Quando Freud desenvolveu sua teoria, ele explicou o Édipo em três
tempos. O primeiro diz respeito ao momento inicial, em que a criança está muito
ligada à mãe, enxergando-a como um espelho e extensão do próprio corpo, e se
reconhece como o único objeto de desejo dela — fantasiando um desejo
incestuoso pela mãe.
Já no segundo tempo, Freud explica que o pai se torna presente como
uma figura proibidora, tanto das atividades cotidianas desenvolvidas pela criança
quanto da sua fantasia de desejo pela mãe. Aqui, é muito comum discursos como
“cuidado que seu pai pode brigar com você” e “vou chamar o seu pai para
conversar com você”, normalmente proferidos pela mãe.
Quando a criança atinge uma maturidade um pouco mais desenvolvida, o pai
aparece como uma figura de identificação, já no terceiro tempo. Nesse período,
é o nosso pai cotidiano, que tem seus defeitos e qualidades e são reconhecidos
pela criança. Assim, o complexo se dissolve por completo.

143
Dessa forma, baseando-se nos três tempos, Freud descreveu sua teoria
apontando as possíveis consequências de um complexo de Édipo mal resolvido.

11.1 Complexo de Édipo: idade

Cada tempo do mito edipiano tem idades diferentes que representam a


maturidade da criança, tanto cognitiva quanto emocional. Via de regra, o período
completo dura dos três aos cinco anos.
Durante esse momento conflituoso, a criança vai percebendo que não é mais o
centro da atenção dos pais e começa a percebê-los como figuras distintas que
fornecem amor, carinho, mas também frustrações — ao proibir alguns de seus
comportamentos e atitudes.

11.2 Por que o complexo de Édipo é importante?

Para a Psicologia, o complexo de Édipo garante uma sustentação teórica


fundamental para analisar o dia a dia das pessoas e fazer uma psicoterapia de
qualidade. Para quem não é profissional da área, conhecer as diferentes fases
do mito edipiano fornece uma melhor compreensão da realidade, sobretudo
familiar e sexual.
Durante seus estudos, Freud constatou a extrema importância do complexo
de Édipo como uma maneira de explicar como os adultos agem da forma que
agem. Em outras palavras, ao analisar esse período vivido, é possível
compreender as atitudes que são tomadas no dia a dia, tanto dos adolescentes
quanto dos adultos.
Isso acontece porque, durante os três tempos, o menino deve se identificar
com a figura paterna e reconhecer na figura materna as qualidades femininas
que serão buscadas em um futuro relacionamento. Justamente por isso,
dependendo de como cada sujeito vive o seu complexo, algumas
consequências negativas podem acontecer, como: ciúme excessivo,
submissão, forte dependência afetiva, opressão e violência contra o gênero
oposto.

144
11.2.1 Funções do complexo de Édipo

Uma das principais funções do complexo de Édipo é o reconhecimento


das limitações da vida. Embora seja um tema que envolva muito a sexualidade,
Freud compreende que não se restringe somente a isso e trabalha questões
como a dificuldade de lidar com as frustrações a partir do período edipiano.
Para facilitar: quando o menino compreende que a sua mãe não pode ser o seu
objeto de amor, ele deve lidar com essa frustração para, então, identificar como
ele desejará uma mulher no futuro. E mais, ao olhar para o pai, reconhece quem
ele quer ser no futuro, consolidando sua masculinidade.
Dessa forma, esse período permite a descoberta do objeto de amor, assim
como a aceitação das limitações e das imposições que a vida traz,
identificando um ideal a ser seguido e aceitando o próprio gênero.

11.3 Complexo de Electra

Até agora, falamos somente dos meninos. No entanto, Freud não deixou de
lado esse período crítico na vida das mulheres e desenvolveu o complexo de
Édipo invertido, conhecido popularmente como complexo de Electra — termo
desenvolvido por Carl Jung, um grande estudioso de Psiquiatria, Psicologia e
Psicanálise — ou complexo de Édipo feminino.

145
O funcionamento é igual ao do de Édipo, basta inverter os papéis. Nesse
sentido, a menina reconhece seu pai como objeto de desejo e se identifica com
a mãe durante o terceiro tempo, consolidando sua feminilidade.

“A dissolução do complexo de Édipo”: resumo do livro

Em 1924, Freud publicou o livro O Ego e o ID e outros trabalhos, em que


ele contou sobre a dissolução do complexo de Édipo e seus reflexos durante
a vida. Embora seja um tema bastante complexo, é possível entender a
dissolução como um momento de fixação inconsciente do período edipiano.
Isso significa dizer que o menino irá introjetar tudo aquilo que foi vivido durante
os três tempos, buscando seu objeto de desejo e mantendo como referência de
masculinidade o seu pai. Enquanto isso, a menina assume sua feminilidade por
meio do que foi experimentado no complexo em busca do seu objeto de amor.

11.4 Frases do complexo de Édipo

É muito comum aparecerem frases de grandes teóricos e estudiosos nas provas.


Abaixo, separamos algumas frases do complexo de Édipo que podem
aparecer em diferentes concursos para você se preparar. Confira!
• “A civilização começou no primeiro momento em que um homem irritado jogou
uma palavra em vez de uma pedra”.
• “A neurose é a incapacidade de tolerar a ambiguidade”.
• “Pela primeira vez, a criança deve trocar prazer pela dignidade social”.
• “A renúncia progressiva dos instintos parece ser um dos fundamentos do
desenvolvimento da civilização humana”.
Compreender as funções do complexo de Édipo, sua dissolução e como ele
atua diretamente na vida de todas as pessoas é fundamental para reconhecer
como podem surgir as dificuldades da vida. Ainda, para quem está estudando
para o vestibular, é um tema de extrema importância, que contextualiza
perguntas de Filosofia e Sociologia.
Agora que você já sabe tudo sobre o complexo de Édipo e de Electra, que tal
fazer alguns exercícios na nossa plataforma? Você pode se cadastrar
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146
REFERÊNCIA

- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
51772006000200007

- https://www.comunidadeculturaearte.com/quem-foi-o-psicanalista-jacques-lacan/

- https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/winnicott-principais-conceitos

- 1958: Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

- 1964: A criança e seu mundo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

- Figueiredo, L. C.; Cintra, E. M. U. Melanie Klein. Estilo e Pensamento. São Paulo:


Escuta, 2004.

- Figueiredo, L. C.; Cintra, E. M. U. Melanie Klein. São Paulo: Publifolha, 2008.

- http://psicanalisekleiniana.vilabol.uol.com.br/biografia.html

- https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0212.pdf

- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
432X2007000200005

- http://abrafp.blogspot.com/2009/11/biografia-de-anna-freud.html

- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65641999000100003

- ROUDINESCO, ELISABETH - Dicionário de Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-


1997.

- CHEMAMA, ROLAND - Dicionário de Psicanálise Larousse, Artes Médicas, RS-1995.

- LAPLANCHE E PONTALIS – Vocabulário da Psicanálise, Martins Fontes, SP-2000.

- INTERNET : http://www.annafreudcentre.org (Museu Anna Freud).

- INTERNET : http://gradiva.com.br (Revista de Psicanálise).

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