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Conclui-se que o diagnóstico não se esgota em um rótulo.

Constitui-se em uma forma de expressão psíquica de um ser,


entretanto é a partir da escuta, e em parceria com o sujeito, que ele pode ser construído. E, para que o diagnóstico não assuma
o caráter de um estigma, deve sempre permear a ideia de uma hipótese para ser constantemente questionada ao longo do
processo de atendimento. O diagnóstico em psicanálise admite transformações ao longo de um processo de análise. Como a
clínica trabalha em um tempo lógico, não há diagnóstico único. Se no início da análise o Diagnóstico clínico x diagnóstico em
psicanálise: a importância da escuta na construção do diagnóstico diferencial 59 Revista Bionorte, v. 4, n. 1, fev. 2015.
profissional propõe uma pressuposição diagnóstica, ao final desta, o analisando a modula a partir de seu sintoma, o irredutível
de sua subjetividade, alterando assim a concepção inicial. Pela forma em que se dispõe a fazer um diagnóstico em psicanálise
pode-se colaborar a desconstruir as rotulações psicopatológicas, e assim adentrar na gênese da formação dos processos e na
dinâmica dos mecanismos de funcionamento psíquico. Portanto, um diagnóstico neste sentido visa abordar a articulação dos
processos e as transformações surgidas no decorrer de uma história individual e singular. Desta forma, a teoria funciona como
balizadora, oferecendo apoio ao psicanalista, e nunca, como pensamento esquemático pretendendo dar conta da complexidade
própria do sujeito. Construir diagnóstico estrutural em psicanálise não é simples. Ainda que se adotem traços estruturais, os
mesmos sintomas podem aparecer em diferentes estruturas. Assim como no campo médico, onde existem alguns sintomas que
são comuns para diversas doenças. Essa similaridade em determinadas síndromes pode gerar confusão. Entretanto, ainda é
possível reconhecer diagnóstico sendo realizado às pressas, em apenas uma consulta. Tais, podem ser equivocados,
promovendo rótulos e comprometendo a saúde psíquica do sujeito, assim como levar a tratamentos inadequados. Em uma
atuação clínica torna-se fundamental a compreensão da problemática apresentada levando-se em conta tanto os aspectos
descritivos quanto os estruturais, através dos quais se inicia a busca do significado do sintoma. A cuidadosa escuta analítica, não
contaminada pela premência de classificação nosológica permite essa busca.

Diferente da clínica médica, a clínica psicanalítica apresenta uma acepção muito peculiar do diagnóstico. Esse não é realizado de
maneira objetiva e direta, ou seja, de acordo com o conjunto de sintomas definindo imediatamente a doença ou distúrbio.
Como perspectiva clínica, a atuação profissional do psicanalista, não se vale de roteiros previamente definidos a serem seguidos.
Os roteiros fenomenológicos que orientarão a investigação devem ser estabelecidos dentro do espaço analítico, a partir da
condição de transferência, para determinar a direção do tratamento. A precipitação em estabelecer o diagnóstico, sob o risco de
rotular o paciente em uma patologia, pode empobrecer, em muito, a escuta, ao torná-la hipersensível a certas falas do sujeito
e/ou surda a outras (COUTINHO, 2007). A realização de um diagnóstico é importante para a organização e orientação de uma
proposta de tratamento. A partir daquele define-se as ações prioritárias deste. Não obstante, é frequente se observar casos, em
que a melhora do quadro clínico não se evidencia. Nestes é comum se verificar que o tratamento realizado encontra-se
inadequado em função de um diagnóstico equivocado (ARZENO, 1995; CUNHA, 2003; DUARTE, 2013). Figueiredo e Machado
(2000) orientam que para situar o diagnóstico em psicanálise, o profissional é levado a interrogar o estatuto do inconsciente em
relação à realidade. A psicanálise indica que toda relação do sujeito com o mundo é mediada pela realidade psíquica. Essa tem
no inconsciente sua fonte primária de reconhecimento da realidade psíquica (entendida como a internalização mental da
realidade factual). Para a promoção do diagnóstico o analista passa a ser incluído no funcionamento psíquico do sujeito por
meio da transferência. O sujeito endereça ao analista sua fala, ou seja, sua produção discursiva. A partir da escuta do discurso
dos aspectos considerados importantes pelo sujeito o diagnóstico começa a ser construído (QUINET, 2005). O diagnóstico pode
ser tomado como um mal necessário, ou como um bem perigoso. Vieira (2001) adverte que, apoiado em um diagnóstico se
conhece o indivíduo, mas se perde o sujeito. Assim, aponta três razões para o uso do diagnóstico; inicialmente para troca de
ideias, ou, apresentação do caso. Uma segunda considera, também, conhecer o estilo do analisante, onde verifica-se se sua
demanda se adequa a um tratamento psicanalítico. Por fim, caso o estilo seja adequado, encaminhar o cliente para condução do
tratamento. Segundo Santiago (2011), para que o sintoma represente alguma coisa para o sujeito, é preciso que o mesmo
adquira um sentido (freqeuentemente de incomodo ou desprazer) para o analisando. Para promover tal sentido o analista pode
ocupar o lugar de intérprete do sintoma. Entretanto sua oferta não deve restringir-se a uma nomeação. O analista deve
possibilitar ao sujeito Diagnóstico clínico x diagnostico em psicanálise: a importância da escuta na construção do diagnóstico
diferencial 52 Revista Bionorte, v. 4, n. 1, fev. 2015. que lhe traz um sintoma, enquanto uma formação do inconsciente que faz
com que o mesmo tropece, a chance da palavra o levantar. Neste caso, não deveria haver chance de se apresentar pelo silêncio,
que aliena o sujeito e o transforma em pura determinação. O diagnóstico clínico, habitualmente, contempla o órgão, ou região
anatômica, afetada, as funções comprometidas e as causas dessas alterações. As probabilidades de manifestação de
determinadas doenças, de acordo com a faixa etária, estilo de vida (nível de renda, escolaridade e trabalho) e localização
geográfica do paciente, também são levadas em conta. O bom diagnóstico clínico tem como base a orientação profissional e a
postura ética. Nesse sentido, faz-se mister reconhecer que, anterior ao diagnóstico, existe alguém que sofre, que está com
algum problema. Há algo que incomoda o sujeito, e esse deve ser indagado para a identificação da verdadeira causa de seu mal
estar (ARZENO, 1995). Para o acolhimento do sujeito, as entrevistas podem ter a função de oferecer ao sujeito um espaço de
escuta. A entrevista psicológica é uma técnica impreterível e de fundamental importância para a o processo de diagnóstico
psicológico. A partir do campo de entrevista, que se configura em função da estrutura psicológica particular do entrevistado.
Com ela, o psicólogo poderá ter acesso a alguns aspectos da personalidade do cliente e aos motivos que o levaram à solicitação
da entrevista, através das angústias, ansiedades e defesas que surgirão na comunicação (ABEL, 2013; SANTIAGO, 1984).
“O verdadeiro início da atividade científica consiste sobretudo na descrição dos fenômenos
[Erscheinungen] que são em seguida reunidos, ordenados e inseridos em relações
[Zusammenhänge]. Desde o momento da descrição, não podemos evitar aplicar ao mate-
rial certas idéias abstratas [abstrakten Ideen] que tomamos aqui ou lá e certamente não unica-
mente da experiência atual [Ehrfahrung].” (p.117) (grifo nosso)
Freud parte do fenômeno, mas este não está no fundamento de sua teorização,
ao menos não exclusivamente. Àqueles que insistiriam ainda em situá-lo sob a
rubrica do empirismo ele dará uma resposta definitiva. Em suas Novas conferências
(1933/1978) afirma:
“Senhoras e Senhores, vocês não se surpreenderão ao ouvir que tenho que trazer-
lhes algumas novidades com relação à nossa concepção [Auffassung] da angústia e das
pulsões fundamentais [Grundtriebe] da vida psíquica (...). Falo aqui de “concepção”
com uma intenção precisa (...) trata-se aqui verdadeiramente de concepções, ou seja,
de introduzir as idéias abstratas [abstrakten Vorstellungen] corretas cuja aplicação trará
ordem e clareza ao material bruto da observação.” (p. 81)
Porém, não basta acrescentar aí o valor das idéias abstratas. É preciso também
considerar o que seria o fenômeno para a psicanálise. Voltaremos a este ponto.
A partir do diagnóstico e das indicações para o desenvolvimento do tratamento,
que envolvem a participação do analista, este será pesquisador e terapeuta a uma
só vez como esse agente que é incluído no funcionamento psíquico do paciente-
sujeito através da transferência. Entramos, aqui, em outro conceito fundamental da
psicanálise. Articulando os dois conceitos, a clínica psicanalítica opera a partir do
que se apresenta da realidade psíquica nos desdobramentos da fala, da produção dis-
cursiva, de um sujeito. Este, por sua vez, se endereça a alguém que não vai escutá-
lo nem objetivamente (como um coletor de dados), nem subjetivamente (como
alguém que se envolve emocionalmente com seu paciente, sofre com ele etc.).
Outrossim, esse alguém vai escutá-lo, sendo chamado a cada intervenção, a cada
movimento, a decidir sobre a destinação e, conseqüentemente, sobre o rumo das
O DIAGNÓSTICO EM PSICANÁLISE: DO FENÔMENO À ESTRUTURA
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Ágora v. III n. 2 jul/dez 2000 65-86
produções discursivas que acolhe. E, principalmente, trabalhar sobre seus efeitos
no sujeito os quais não são previsíveis, pelo menos não ao modo das generaliza-
ções e descrições de regularidades presentes em outros métodos clínicos.
Nesse estado de coisas, as fronteiras entre as ‘realidades’ são relativizadas e o
diagnóstico se atrela de um modo particular ao tratamento. Trata-se então de retraçar
com detalhe os caminhos pelos quais se chegou ao diagnóstico, as construções
necessárias para tanto e os saberes aí mobilizados, sempre considerando o tempo
dos efeitos, o tempo da posterioridade (Nachträglichkeit)
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conceituado por Freud
como o que constitui desde a realidade psíquica, passando pela formulação do
trauma, até o próprio funcionamento do tratamento psicanalítico, aí incluindo a
ação do analista. Não se trata de um tempo que retorna ao passado, ao modo da
idéia de ‘regressão’. Não é um tempo linear, evolutivo. Trata-se de um presente que
retroage sobre um passado cujo resultado é a preparação de um futuro marcado
por essa retroação, e não o encadeamento de passado-presente-futuro num tempo
de evolução-regressão. Ele ‘retroage’ para produzir uma significação. A pesquisa
deve apreender esse movimento em seus desdobramentos. Podemos mesmo
hipotetizar que esse movimento é que possibilitaria uma nomeação em relação a
um diagnóstico.
Algumas outras observações se fazem necessárias. Nosso procedimento se dá
como uma maneira de avançar sobre nosso objeto de estudo sem cair no erro de
constituir uma pesquisa puramente empírica que se reduza apenas ao campo da clas-
sificação diagnóstica. Se isto acontece, estaríamos deslocando a psicanálise de seu cam-
po essencialmente articulado aos caminhos da subjetividade e de seus distúrbios.
Freud (1937/1978) deixa claro em seu texto Construções em análise que não são
os fenômenos que são confirmados ou infirmados pela clínica, mas sim as cons-
truções do analista, naquilo que elas têm de uma certa apreensão do que acontec

O SINTOMA, O DIAGNÓSTICO E A PSICANÁLISE 11 Na análise não só se busca restaurar uma ordem, mas também instaurar as
condições da possibilidade de restaurá-la. Se considerarmos que o inconsciente possui uma pulsação temporal, o sintoma ocorre
em um momento de fechamento, de estranhamento e num de abertura. Antes da análise existe um sintoma, que nem sempre
corresponde a estrutura diagnosticada nas entrevistas preliminares Nas entrevistas preliminares pode-se diagnosticar o sentido
dos sintomas , sua estrutura, o ser ou não analisável. A estrutura é a parte constante que nos permite ir tecendo hipóteses. Em
nível estruturalista, do ponto de vista lacaniano, é a posição que o sujeito assume frente à castração que diferenciará as
estruturas, o que só pode ser conhecido no final da análise, depois da travessia do fantasma, quando a castração imaginada
passaria à castração simbólica. Nesse ponto coloca-se a questão: ‘É possível se chegar a um diagnóstico estrutural a partir de
uma entrevista preliminar?’ Quando nos reportamos à questão diagnóstica, precisamos considerar que no método
estruturalista, no qual se apoia a teoria psicanalítica, o saber é construído ao longo de uma atividade (relação terapêutica),
sendo a ênfase colocada na interação entre dois sujeitos, no qual o único instrumento disponível é a escuta do analista, na
dimensão do discurso do analisando, para delimitar o campo de investigação - que é a estrutura do sujeito, o que implica em
uma avaliação subjetiva. Quando lidamos com fenômenos psíquicos, processos mentais, o raciocínio hipotético-dedutivo, a
lógica da causalidade cartesiana não consegue explicar e apreender suas dimensões e variabilidades, pois parece não existir
inferências estáveis entre as causas psíquicas e os sintomas, na determinação de um diagnóstico. Em psicanálise, é o método
estruturalista o que nos permite conduzir nosso raciocínio através do discurso. Segundo Dor (1994:18) ‘é no dizer que algo da
estrutura do sujeito é localizável. Ora, é com a estrutura que se deve contar para estabelecer um diagnóstico’. ‘... o analista deve
estar apto a se apoiar em certos elementos estáveis, tanto na elaboração do diagnóstico, quanto na escolha da condução da
cura, que daí depende. Como veremos, esse balizamento necessita, entretanto, de uma grande vigilância’(Dor, 1994:15). Porém,
não existem agenciamentos estáveis entre a natureza das causas e a dos efeitos. 12 Na clínica psicanalítica, o diagnóstico
estabelecido ‘provisoriamente’ através das entrevistas preliminares, constitui-se em um ato deliberadamente posto em
suspenso e relegado a um futuro, visto a impossibilidade de se estabelecer um diagnóstico sem um certo tempo de análise e
também da impossibilidade do analista se posicionar quanto à aceitação de um paciente, considerando-se a orientação da cura,
sem um posicionamento diagnóstico. A dinâmica existente entre os sintomas e a identificação diagnóstica pressupõe a
existência de um processo inconsciente, enquanto cadeia de procedimentos intrapsíquicos e interpsíquicos, que funcionam no
nível do processo primário, tornando impossível o estabelecimento da equivalência sintoma - diagnóstico, visto que um mesmo
sintoma pode estar presente em vários quadros clínicos. Uma mesma expressão sintomática pode estar presente em diferentes
organizações estruturais, daí a importância da vigilância para com a decodificação rigorosa dos traços da estrutura em
detrimento do despistamento dos sintomas. O inconsciente não pode ser empiricamente observado, sem a participação do
analisando, sem suas associações, sem seu discurso.

Do ponto de vista psicanalítico, existe uma relação entre o registro do observável (fenomenológico) e o registro da estrutura
( que é transfenomenológica), e, por pressuposto, é somente através do observável que podemos nos encaminhar para um
diagnóstico estrutural. A estrutura, em si, não é o observável, então, buscamos articular o que vamos observando para inferir, a
partir daí, a estrutura em jogo - isto é, como funciona o observável em relação à posição subjetiva. Nesse ponto, a discussão
sobre a questão do diagnóstico nos impele a uma diferenciação de níveis e contextos. Quando falamos em diagnóstico, nos
reportamos à utilização de um termo da área médica, onde cabe ao médico estabelecer um diagnóstico, utilizandose de técnicas
e instrumentos que permitam um exame direto, observável, objetivando determinar a natureza da afecção e localizá-la a nível
nosológico, procurando então estabelecer uma etiologia, um diagnóstico diferencial, que o conduza à uma estratégia
terapêutica, como é utilizado na psiquiatria.

As etapas do tratamento psicanalítico

Podemos dividir um tratamento psicanalítico em duas fases ou etapas bem distintas: a fase de entrevistas preliminares (que
Freud chamava de “tratamento de ensaio”) e o processo psicanalítico em si.
1. A etapa de Entrevista
O propósito da entrevista na psicanálise é a realização de uma sondagem que reúna dados e impressões suficientes para a
determinação de uma hipótese diagnóstica acerca da queixa do paciente, além da identificação da estrutura de personalidade
do mesmo (se neurose, perversão ou psicose).
Utiliza-se já na fase de entrevista a técnica de livre associação com esse fim em mente. Vale notar que a hipótese diagnóstica
formulada pode divergir da queixa original do paciente. O paciente chega com uma demanda de amor ou de cura. Cabe ao
psicanalista construir uma demanda de análise a partir disso.
Ao final da etapa de entrevistas, o psicanalista pode decidir se irá aceitar ou não o paciente. Vencida essa etapa, inicia-se a
psicanálise em si, o “deitar-se no divã”. Nesse ponto, espera-se que a transferência esteja estabelecida ao menos em nível
simbólico entre o psicanalista e o indivíduo sob análise.
2. A etapa da Análise
Assim começa então a busca (ouso dizer: uma bela aventura) pelas causas profundas, pelos eventos e recordações recalcados e
reprimidos, que são as causas da angústia e sofrimento do paciente para chegar-se à cura desejada, ao alívio esperado de
sintomas.
Portanto, a entrevista (no início do tratamento) e a análise (o tratamento em si) são as duas grandes fases ou etapas do
tratamento psicanalítico.
Conclusão
Se você se interessa pela terapia psicanalítica, tem interesse em entender com mais detalhes as etapas do tratamento
psicanalítico e, quem sabe, tornar-se um(a) Psicanalista de atendimento clínico? Deixe seu comentário, dúvida ou sugestão
abaixo, inclusive dizendo o que mais você gostaria de aprender sobre o tema.

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