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Curso: Psicopatologia, Psicanálise e Clínica Contemporânea

Turma 2

Aluna: Luciene Cristina Andriotti Moretto

Módulo III: Psicopatologia e a Clínica Psicanalítica

Título: O diagnóstico diferencial nas psicoses.

Em psicanálise a escuta do analista é a ferramenta que possibilita o manejo adequado e


talvez esperado, considerando o que chamamos de estruturas do aparelho psíquico, o
psicanalista se debruça na compreensão e observação de sintomas que caracterizam e
diferenciam essas estruturas. Diferentemente da clínica médica o psicanalista trabalhará,
geralmente com a “hipótese” do diagnóstico diferencial durante o tratamento com seu
paciente. Algumas vezes a distinção entre a estrutura neurótica e psicótica pode ser sutil, mas,
extremamente importante na condução do tratamento, pois em alguns casos, o psicótico não
apresenta claramente características que garantam sua condição, não surtam (rompem com a
realidade) por exemplo. Entretanto em certa medida e supondo uma escuta analítica afinada o
psicanalista deve não se “confundir”, entre uma estrutura e outra. Muitas vezes a análise
demanda tempo, para que o analista possa sustentar um diagnóstico diferencial, é no laço
transferencial que se constrói ao longo do percurso, que o analista vai apoiando a condução, o
manejo e a direção do tratamento. (Fontana, 2023).
A psicanálise, segundo Calligaris (2013, p.14) “por ser estrutural, quer dizer por ser fundada
na transferência, permite um diagnóstico de psicose mesmo na ausência de fenômenos
classicamente psicóticos”.
Nas primeiras sessões, o paciente pode ser considerado apenas um candidato a análise,
em seu texto “O início do tratamento”, Freud (1913) diz ter o hábito de praticar o que chama
de tratamento de ensaio, que seria basicamente um exame preliminar de uma ou duas
semanas, antes da entrada em análise propriamente dita. Durante as entrevistas preliminares o
analista precisa estar advertido e não se antecipar as interpretações sobre o paciente recém-
chegado, é fundamental que o analista em um primeiro momento se ocupe primordialmente
do laço transferencial. (Quinet, 1991).
Lacan no Seminário I, sobre os escritos técnicos de Freud, faz um apontamento para a
urgência da técnica, ele nos lembra de que é preciso distinguir os atos e os comportamentos
do sujeito. Também alerta para a posição do analista no início da análise, o sujeito ao longo
do percurso precisa ir trazendo confirmações, repetições, para que a hipótese ou interpretação
do analista seja justa. (Lacan, 1954).

É imprescindível que o analista localize no discurso do psicótico, elementos que


melhor sustentem essa hipótese e permita o manejo mais adequado. Esse cuidado é necessário
pois ao manejar o tratamento de um psicótico, tomando-o como neurótico por exemplo, o
analista pode desastrosamente conduzir a análise para o desencadeamento de um surto.

No nível mais básico, a teoria lacaniana demonstra que algumas metas e técnicas usadas com
neuróticos são inaplicáveis aos psicóticos. Não só elas são inaplicáveis como podem até se
revelar perigosas, desencadeando um surto psicótico. O diagnóstico, do ponto de vista
lacaniano, não é uma simples questão de preencher a papelada rotineira e superficial exigida
pelas instituições e empresas de seguros; ele é crucial para determinar a abordagem geral do
terapeuta no tratamento de um paciente individual, para situá-lo corretamente na transferência
e para que o terapeuta faça tipos específicos de intervenção. (FINK, 2018, p. 87)

O discurso do neurótico em uma análise, se sustenta em elementos geralmente claros,


quando o sujeito tem em seu discurso características que colocam para o analista uma dúvida
quanto a estrutura psíquica do sujeito é apropriado que se tenha alguma cautela, em outras
palavras, quando o discurso se estrutura de forma a se pensar em uma psicose, é melhor que
não haja dúvidas. Em muitas análises o paciente psicótico pode confundir o analista e
apresentar uma linguagem ou associações bem-organizadas, alguns, são sujeitos que
desconhecem o lugar de que falam, ou falam sempre a partir do outro, do “imaginário”, mas,
não se sustentam a partir de uma falta, como veremos adiante. Entretanto, o analista de certa
forma, pode sentir alguma “estranheza” na escuta e na narrativa destes pacientes psicóticos,
que apresentam um semblante neurótico. Por exemplo, o psicótico pode fazer uma questão,
mas diferentemente do neurótico, mudará a questão rapidamente, ou a responderá
prontamente, o psicótico não está à procura de um “saber”, ele vem mais pela “certeza”, por
isso o analista precisa ficar atento, alerta quanto aos sintomas e características apresentados,
sobretudo nas primeiras entrevistas. (Fontana, 2023).
As possibilidades de manejo com os pacientes psicóticos são examinadas no caso a
caso e podem em um processo de análise ajudar o sujeito a se sustentar na vida de forma mais
bem organizada.
A ausência da função paterna, é o principal critério e mais importante a se considerar
no diagnóstico de um sujeito psicótico na clínica diferencial das psicoses, a queda do nome do
pai, o retorno ao real que não foi simbolizado pela ausência da significação fálica é um
importante fator para a hipótese diagnóstica da psicose. (Fink, 2018)
É essencial, que a estrutura psicótica se designe pela não inclusão da norma edipiana.
O processo de simbolização na estruturação do sujeito, acontece devido a presença do pai ou
função paterna, essa função ou quem o encarna numa família, coloca-se geralmente entre mãe
e filho, que crie e faça barra na relação da mãe com a criança, a função paterna é uma “função
simbólica”, o filho não é o objeto que falta a mãe e o suposto falo da mãe, do desejo desta.
Essa interdição pelo pai é a metáfora para a lei que introduz a criança o significante do nome
do pai. Na verdade, a mãe ao dar autoridade de lei ao pai também está submetida a ela e,
portanto, inscrita na castração simbólica. (Calligaris, 2013; Fink, 2018)
O nome-do-pai coloca o sujeito então, na simbolização, a forclusão do nome-do-pai
quer dizer da não inclusão do sujeito na lei simbólica, sinalizando que o complexo de édipo
não se encaminhou até o fim, sendo assim, o sujeito se constitui não barrado, não dividido. O
sujeito ficaria preso ao primeiro tempo do édipo, objeto de gozo do Outro, falo da mãe. Como
o processo de simbolização não foi possível, os delírios e alucinações representam o retorno
do real, pela falta do que não foi simbolizado. (Fink, 2018).
Na clínica da psicose, o analista não deve indagar o paciente psicótico, trazer questões
sobre desejo, atos falhos, sonhos, interpretar ou terminar a sessão de maneira abrupta, não
deve deixar o paciente angustiado, levá-lo a uma elaboração ou fazer muitas perguntas sobre
seu passado, infância ou adolescência por exemplo, pois, o paciente pode se sentir
“perseguido” ou pressionado a uma significação da qual ele não sustenta, podendo gerar
ansiedade e paranóia. Na falta da significação, o paciente pode ser levado a um buraco que
pode despertar uma crise psicótica, fazendo-o entrar em uma crise e surtar.
Alguns surtos, podem levar ao delírio por exemplo, o que não especificamente precisa ser
compreendido como doença ou problema, mas como parte curativa do processo, mesmo assim
o analista deve evitar tais ensejos. (Fontana, 2023; Fink 2018)
Outro ponto divergente do atendimento a pacientes psicóticos, é o lugar do analista,
seria imprudente, que o analista tentasse ocupar a posição de autoridade, nesta clínica, o
analista não deve ocupar o lugar de sujeito suposto saber, como com pacientes neuróticos. É
muito importante, que o analista se atente a esse detalhe, evitando estar para seu paciente
psicótico associado a um “Outro” cruel e persecutório, se assim acontecer e o analista não
conseguir evitar essa posição, o manejo é sair desse lugar tão logo o perceba. (Fontana, 2023).
É crucial desse modo que o analista confirme com o paciente psicótico o que ele escutou,
evite objeções ou crie em seu pensamento um sentido duplo ou imaginativo extremamente
explorado na escuta com o paciente neurótico. O psicótico, conta com o imaginário, com as
colagens e mimetizações para suplementar o buraco simbólico. O analista, deve saber
diferenciar o discurso do psicótico e do neurótico para situar-se nas sessões e evitar esse
equívoco, o que o sujeito psicótico procura não é a posição de um sujeito suposto saber do
analista como na neurose, mas a de uma testemunha. (Fontana, 2023; Fink, 2017)

Certas peculiaridades do modo de falar do psicótico são resumidas na


psiquiatria contemporânea pelo termo vago concreto. Este termo apresenta é
claro, um aspecto da fala do psicótico, mas parece contrastar com a fluidez da
fala do neurótico, que é colocar a ênfase no lugar errado. Não devemos
confundir um ritmo lento e pesado ou uma estagnação conceitual com a fala
do “psicótico”. Concreto também parece enfatizar ausência do imaginário, o
que também pode não ser o caso. A diferença mais crucial entre o discurso
do psicótico e o do neurótico é a inabilidade (na psicose) ou habilidade (na
neurose) de enxergar muitos significados diferentes em uma ou a mesma
parte da fala. Isso nos leva a relação entre discurso e significado, em termos
linguísticos entre o significante e o significado que é muito diferente na
neurose e na psicose. (FINK, 2017, p.396).

Na psicose, o significante e o significado estão unidos, não existe lacuna entre um e outro,
isso quer dizer que na psicose o sujeito não necessariamente é precário na linguagem, pode
inclusive falar muito bem, mas isso não quer dizer que haja um trabalho de significação do
que é dito por ele.
Por exemplo, o neurótico diz alguma coisa querendo dizer “outra” mesmo inconsciente disso.
O psicótico, não consegue se colocar assim no discurso com seu analista.
É essencial que o analista, se coloque de maneira prestativa, ativa e atenta com o paciente
psicótico, não “intervir” ou “interpretar” como no manejo com os neuróticos, não significa
que o analista deva ser indiferente, apático ou inativo, ou que o paciente não seja levado a
sério nas sessões, pois no psicótico encontra-se o sofrimento e eles podem procurar a análise,
como maneira de sustentar ou aliviar-se de seus sintomas, pela via de uma transferência
positiva, muitas vezes a ida ao analista já representa uma saída para ele, uma forma de
contextualizá-lo em relação a dinâmica da vida. (Fontana, 2023; Fink, 2017)

A clínica da psicose é a clínica da relação e da experiência do sujeito com seu corpo,


com a linguagem e com o sintoma, e se apresenta de maneira singular no discurso. O analista
se serve de uma escuta sustentada em seu tripé, análise pessoal, teoria e supervisão para que a
direção do tratamento se apresente adequada e ética.

Referencias Bibliográficas:

FINK, Bruce. Fundamentos da técnica psicanalítica. Uma abordagem lacaniana para


praticantes, Blucher, 2017.

FINK, Bruce. Introdução a clínica lacaniana. Edição Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2018.

QUINET, a. As 4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

LACAN, J. (1953-54) O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro:


Jorge
Zahar, 2009.

CALLIGARIS, Contardo. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. São Paulo.
Zagodoni, 2013.

FONTANA, Francis. A clínica das neuroses. Portal ESPE, 05/08/2023. Disponível em:
https://espe.app.toolzz.com.br/play/player/98223627?institution=espe&school=posgraduacao.
Acesso em: 15/11/2023.

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