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Universidade Federal Fluminense

Graduação em Psicologia
Teorias e Técnicas Psicoterápicas 1

Felipe Orofino
Leandro Cunha
Tatiana Oliveira
Vanessa Monteiro
Victor Gripp
Victor Alves

LACAN ENUNCIADO Palestras no Brasil – O método Psicanalítico III


Curitiba, 1987; Jacques Allain Miller

 INTRODUÇÃO
O discurso do método Psicanalítico

Na presente conferência, Jacques Miller inicia sua escrita expondo o objetivo de


Lacan ao abordar a experiência da psicanálise na prática, para além da teoria.
De acordo com Miller, não há um único ponto técnico que não tenha vínculo
com a questão ética, de maneira que a distinção entre técnica e prática é apenas
para melhor exposição. Em realidade, no que tange à análise, as questões técnicas
são éticas, já que se trata do sujeito, a ele que nos dirigimos, e sua categoria é
ética. Também é importante frisar que não há um “jeito” lacaniano de se fazer
análise, no sentido de um “passo-a-passo” a ser seguido.
O autor diz que a forma de trabalho de Lacan é diferente dos termos utilizados
na Associação Internacional - principalmente os termos praticados nos EUA e
Inglaterra - e que, mesmo não tendo padrões, existem princípios; justamente os
quais serão trabalhados ao longo do texto.
São esses princípios da prática que são transmitidos através da própria análise,
da supervisão. É importante também que o analista não fique apenas com sua
prática, mas que observe a de seus colegas. Portanto, a proposta é se falar da
prática comum realizada em Paris, fazendo um “discurso do método” da
psicanálise.
O primeiro ponto abordado por Miller é o das ‘Boas-Vindas’ ao novo paciente. O
uso do “Bem-vindo!” deve ser tanto por razões financeiras, quanto pelo interesse
em uma nova investigação, um novo tratamento. Mesmo que existam chances de
aborrecimento durante o processo, esse sentimento de novidade normalmente
acaba prevalecendo.
Prosseguindo sua escrita, o autor diz que aquele que procura o analista não é
um sujeito, mas alguém que quer ser um paciente. Coisa estranha quando se pensa
a prática psiquiátrica, em que o paciente pode ser designado paciente pelos outros
(família, médicos, sociedade). Isso só se torna uma exceção na análise com
crianças, já que geralmente é escolha dos pais ou de outros.
Logo, há uma diferença clara entre o paciente psiquiátrico, designado pelos
outros, e o da psicanálise. Lança-se, assim, a seguinte questão: O que significa
para o psicanalista estar diante de alguém que gostaria de ser paciente?
Então, pode-se dizer que o primeiro pedido na experiência analítica é a
demanda para ser admitido como paciente; demanda esta que possui precedência
sobre as demais.
Miller observa ainda que a primeira avaliação é feita pelo paciente, ele quem
primeiro avalia seu sintoma, trazendo a demanda ao analista baseado nessa auto-
avaliação, pedindo um aval para ela. Ou seja, o ato analítico começa na demanda
de avaliar, autorizando a auto-avaliação de alguém que quer ser paciente.
Já na orientação da Internacional se distingue a análise terapêutica da análise
didática. Nesta última, quando alguém diz querer ser analista, o profissional
receptor dessa demanda não pode aceita-la imediatamente, é preciso autorização
de outros níveis, há toda uma hierarquia envolvida. Já a análise lacaniana não
distingue essas duas análises. Diante dessa situação, deve-se responder que a
demanda será anotada, posto que possa trazer um outro desejo escondido. O fato é
que todos que se apresentam possuem esse desejo de ser paciente - mesmo sendo
um ‘candidato’ autorizado pelo analista – e essa questão aparece no início de cada
experiência: no 1º encontro, a partir do 1º minuto, e até mesmo no 1º telefonema.
Logo, aceitá-lo ou recusá-lo já é um ato analítico, e o analista tem de responder
com profunda responsabilidade.
Diante disso, as entrevistas preliminares, na prática lacaniana, são
consequência direta da estruturação das boas vindas. Significam um adiamento do
começo, pois o analista se demora a iniciar o processo até que se satisfaça para
poder autorizar a demanda de análise.
Tais entrevistas podem durar um mês, uma semana, ou até mesmo durar um
ano. Algumas vezes o analista fica com o paciente nessa situação preliminar por
anos, de forma a se ter um “preliminar permanente”, existindo razões, adiante
elucidadas, para não se realizar a análise em seu rigor.
Prosseguindo com sua exposição, Miller aponta os 3 níveis que Lacan distingue
na análise, assim como seus vínculos, abordando-os no decorrer do seminário. O
esquema se baseia na seguinte dinâmica:

1) A Avaliação Clínica
Subjetivação

2) A localização subjetiva
Retificação

3) Introdução ao inconsciente

 A AVALIAÇÃO CLÍNICA

Sobre a Avaliação Clinica inicia dizendo que não se tratam de coisas difíceis; a
dificuldade está no grau e precisão que se quer obter: um efeito de direção do
tratamento.
Segundo ele, as entrevistas preliminares se colocam para o analista como um
meio de se fazer o diagnóstico, sendo capaz, portanto, de concluir previamente
algo a respeito da estrutura clínica da pessoa. As seguintes perguntas devem ser
respondidas: Trata-se de um caso de neurose? De psicose? Ou de perversão?
Há até uma frase interessante no texto, dizendo: “Não cabe dizer que há certa
neurose, com algo de perversão que pode beirar a psicose.” Logo, do ponto de vista
lacaniano, não se pode pertencer a duas estruturas, não havendo, desse modo,
recobrimento das estruturas.
Existem casos em que tal diferenciação é uma tarefa extremamente difícil. Por
vezes, após a entrevista preliminar, o analista fica em dúvida, e isso pode levá-lo
tanto a recusar a demanda, prolongar o tempo das entrevistas ou, ainda, assumir
um risco mais ou menos calculado.
Ora, por que se diz que o analista ‘assumiria um risco’ aceitando determinado
caso? Quanto a este aspecto, Miller salienta a questão da psicose. A avaliação
clínica é ainda mais fundamental quando se constata a possibilidade do paciente ser
psicótico.
Quando a psicose já é deflagrada, o problema é este: o analista deve decidir se
aceitará o caso com base nas suas possibilidades de curá-lo ou não, de fazer algo
por ele ou não.
No entanto, pacientes de estrutura psicótica podem ainda não apresentar surto
psicótico. Em outras palavras, muitas vezes a psicose está camuflada, não estando,
ainda, deflagrada. Ao aceitar a análise de um paciente cuja estrutura é
suspeitosamente psicótica, o profissional assume o risco de desencadear um surto a
partir de algum elemento (palavra, gesto, sinal) durante a análise; isto, porém,
pode ocorrer no início ou mesmo após um longo período de análise, talvez até
mesmo anos.
Por este aspecto, segundo a prática lacaniana, é realmente essencial que o
analista conheça a fundo a estrutura psicótica. É importante que saiba reconhecer
os pré-psicóticos, além dos casos deflagrados, pois há uma regra – seguida por
determinadas linhas – que explicita a necessidade de recusar a demanda de análise
dos primeiros justamente pelo risco do desencadeamento.
Interessante ponderar que não são todas as formas de psicanálise que seguem
esta mesma linha. Miller aponta um exemplo no qual Winnicott afirma que, caso o
paciente aborreça o analista, pode ser encaminhado ao hospital psiquiátrico e, caso
contrário, pode ser conservado em análise.
Melhor explicando, a psicanálise inglesa considera os sentimentos do próprio
analista para com o paciente, ou seja, a contratransferência, como um indicador do
direcionamento do tratamento: “Winnicott toma-se por uma placa sensível e lê em
si mesmo como um paciente, que se o aborrece, significa que tem algo de errado
em sua estrutura clínica” (MILLER). Sendo assim, o analista observa as próprias
reações diante de seu paciente, considerando que estas fazem conhecer a estrutura
do paciente mesmo.
Contudo, segundo Miller esta prática pode ser errônea, visto que possibilita
diagnósticos equivocados e isto se torna um grande problema, afinal há um sujeito
em análise. É por isto que a prática lacaniana não toma os sentimentos do analista
como a lente segundo a qual se percebe ou não uma psicose; Lacan apóia-se em
um diagnóstico que se calca no saber clínico. Isto demonstra a relevante diferença
entre ‘possuir a sensibilidade com relação ao desejo do Outro’ e ‘buscar os
fenômenos elementares de uma estrutura psicótica’ para um diagnóstico preciso.
Diz-se “fenômenos elementares”, na linguagem da psicanálise francesa, com
relação aos fenômenos psicóticos que podem preceder o delírio e o
desencadeamento da psicose. Estes elementos podem não existir na atualidade do
paciente, mas podem já ter aparecido em seu passado – por isto é fundamental
apurar a escuta para encontrar um possível elemento camuflado na narrativa do
paciente.
Quando o analista constata a psicose a partir de sua avaliação, constitui a
“assinatura clínica”, mas se suspeita de uma pré-psicose, deve buscar
metodicamente os fenômenos elementares. Estes fenômenos são de automatismo
mental; de automatismo corporal; e concernentes ao sentido e à verdade.
Os fenômenos de automatismo mental fazem referência à irrupção de vozes
alheias, de discursos imaginários que ocorrem na realidade psíquica do paciente.
Estes podem ter aparecido poucas vezes no passado do paciente e depois ter se
calado, mas podem também já ser evidentes – como no caso de psicoses já
deflagradas. De uma forma ou de outra, o analista deve focar sua atenção neste
sintoma.
Um outro elemento importante ao diagnóstico diz respeito ao modo como o
paciente compreende sua própria composição corporal, incluindo a questão do
estranhamento do próprio corpo (estranheza), da sensação de que partes do corpo
não lhe são próprias (desmembramento) e da distorção ao perceber o tempo ou o
deslocamento espacial.
Por fim, buscar os fenômenos concernentes ao sentido e à verdade também é
de fundamental interesse ao analista. O analista deve estar atendo às falas do
pacientes quanto ao seu testemunho “de vivências inefáveis, inexprimíveis ou de
certeza absoluta e, mais ainda, a respeito da identidade, da hostilidade de um
estranho” (MILLER). Por exemplo, quando o paciente afirma absolutamente que
determinada pessoa na rua o olhou com hostilidade e o perseguiu para fazer-lhe
mal, caso seja detectado o caráter ilusório, o analista deve considerar fortemente
este elemento em sua avaliação clínica. Pacientes psicóticos dizem ler no tempo
signos que lhe são destinados; ouvem nos objetos vozes que lhe falam; e não
conseguem trazer esta significação de forma precisa para o real, pois são de
caráter imaginário.
É delicado o diagnóstico que se faz em uma avaliação clínica, até mesmo
porque muitas vezes sintomas histéricos e psicóticos podem se confundir,
principalmente com relação aos fenômenos corporais de distância ou estranheza do
corpo.
Lacan mesmo já se confundiu, pois é comum que as mulheres não consigam,
por vezes, expressar o que sentem e com o que gozam, podendo aparentar uma
psicose. E não só isso, mas também a afeição histérica pelo desejo do Outro – tal
como o fato de pacientes histéricos levarem para a consulta traços de outro –
contribuem para uma proximidade com os automatismos mental e corporal,
principalmente com relação ao que pertence a si e ao que é outro.
Embora algumas ‘semelhanças’ se apresentem algumas vezes, é possível
distinguir os psicóticos dos histéricos, desde que o analista saiba reconhecê-los. Da
mesma forma, é possível distingui-los dos neuróticos obsessivos, ainda que hajam
aspectos parecidos quanto à obsessão dos neuróticos e à automação mental dos
psicóticos.
Por sua vez, para que o analista não confunda, também, psicose com
perversão, deve investigar a vida sexual do paciente; não exatamente em relação à
sua conduta sexual em si, mas sim ao seu desejo, até porque: “a estrutura
perversa não é o mesmo que a conduta pessoal perversa, mesmo porque sendo o
gozo sexual, perverso, no sujeito o desejo sexual pode perfeitamente ser neurótico”
(MILLER).
É interessante manter o foco neste tema por um momento. Miller constata que
o paciente de estrutura perversa conhece sobre o seu gozo e se trai quando busca
análise a fim de satisfazer sua pulsão voyeurista. Assim, considera esta uma
demanda recusável. No entanto, o neurótico cujo gozo é perverso procura a análise
por não se satisfazer com seu gozo (perverso) e também para entender o sentido
de seu desejo (neurótico); busca não normalizar, mas conciliar seus dois lados.
Nesta situação, o analista deve seguir uma ética quanto a aceitar ou não a
demanda do paciente que deseja apenas melhor conviver com estes dois lados ao
invés de corrigi-los.
Fazendo uma retomada de tudo o que foi apresentado quanto à avaliação
clínica, o diagnóstico não se basta apenas por esta, principalmente devido à
possibilidade de duvida do analista quanto à estrutura do paciente. Quanto às
distinções entre essas estruturas, para se chegar a uma conclusão mais precisa
deve-se passar da avaliação clínica à localização subjetiva, que investiga o que está
ao nível da linguagem, ou seja, na enunciação.

 DIAGNÓSTICO E LOCALIZAÇÃO SUBJETIVA


Continuando a falar a respeito da estrutura nas entrevistas preliminares, Alain
Miller prossegue ao diagnóstico em psicanálise. Ele deixa clara a distinção entre o
significado dessa palavra usado na psiquiatria para a psicanálise. Ao contrário de
ser algo mecânico, o diagnóstico seria algo a nível do sujeito.
Depois, o autor comenta a respeito da importância de uma certa ignorância
na psicanálise. Certa porque não se trata da ignorância do senso comum, se trata
de uma ignorância douta, do analista que sabe o que esta se passando, mas finge
não saber. Passa por cima desse saber e dá margem ao surgimento de um novo.
Falando, então, do caminho da avaliação clínica até a localização subjetiva,
Miller atesta que o sujeito é uma referência que não ilude e para o paciente; a
análise deve introduzir a posição que ele assume em relação a sua própria
constituição subjetiva.
Desse modo, é introduzida a idéia do fato e do direito. Ele diz que a questão do
direito está muito próxima da questão fálica e, por isso, é mais importante que a
questão dos fatos. Isto se dá porque a questão fundamental do sujeito que procura
a análise é “tenho direito a que?”. Seguindo essa lógica, o sujeito pode se recusar a
abandonar o que o impede de gozar, pois, inconscientemente, ele não se sente com
esse direito, o qual é simbólico sempre (apesar de operar na realidade).
Assim, quando uma pessoa tem direito e outra não, este se torna uma ficção,
porém uma ficção que opera no mundo e na subjetividade. Allain Miller cita a
castração simbólica como um problema de direito. Esse problema proporciona uma
série de questões, como “o que uma mulher tem direito?”. A partir daí, os homens
aumentam seus privilégios em detrimento das mulheres e essa é uma questão de
direito, pois o fato é que, para a reprodução da espécie humana, são precisos os
dois gêneros, os dois sexos.
Daí então surge o sentido do sujeito na clínica. Um sujeito que está voltado ao
direito, se estabelece quanto ao direito e não quanto ao fato. Por isso não se
investiga o sujeito em sua objetividade, pois nada encontrará. Dessa forma, o nivel
descritivo não é de muita valia na experiência analítica.
A partir daí, o autor passa da questão do fato à questão do dito do paciente,
para chegar ao direito. Ele dirá que somente passar dos fatos ao dito não é o
suficiente. Tem de haver um questionamento da posição tomada por quem fala
quanto a seus próprios ditos e, assim, localizar o dizer do sujeito. Confrontar o
enunciante e seu enunciado. Num dito de um paciente, há uma distancia entre ele
próprio e seu dizer.
Em seguida, Allain Miller fala a respeito da modalização do dito. Modular o dito
indica a posição que o sujeito assume perante ele. Um paciente, ao final de uma
sessão, pode dizer: “venho amanhã”, mas na verdade, ele pensa “venho amanhã é
mentira”. Alguém pode dizer algo sem acreditar no que disse.
Nesse ponto, Miller destaca novamente a postura do analista. Ele fala que, para
permitir que o próprio desejo se desenvolva, é necessário que o paciente pense que
há coisas que o analista não perceba. Ou seja, mesmo que o analista saiba tudo
que se passa, ele precisa supor uma certa ignorância. Assim, nas entrevistas
preliminares, é preciso permitir que o paciente minta, para que ele mesmo perceba
uma certa antinomia na lógica de seus ditos. E assim já começa a introdução do
sujeito no inconsciente, através da localização subjetiva.
É fundamental que o analista saiba diferenciar o dito e o dizer: uma coisa é o
dito como fato, outra é o que o sujeito realiza do que ele mesmo disse. Há uma
relação de instrumento do sujeito com as palavras para enganar o outro, mas no
caso da análise, o sujeito utiliza das palavras para enganar a si mesmo.
O dito traz algo de impessoal, ao uso cotidiano das palavras. Porém, não há um
só discurso que não traga a marca da posição do sujeito quanto ao que ele diz. O
sujeito diz uma frase e logo após vem sua posição a respeito dela.
Dessa forma, na interpretação analítica e na análise propriamente, fazer o
sujeito “comer o que disse” é primordial. Allain Miller cita ate um exemplo fora da
análise: se alguém diz “eu não te quero mais” e o outro responde “você é quem o
diz...” o primeiro pode recuar. Dessa forma, o simples fato de se tornar indiferente
ao que o outro disse, fazendo-o pensar sobre o que disse colocando de frente com
sua própria fala, seu próprio dito, e não causando o efeito que o sujeito queria,
pode fazê-lo recuar e explicitar sua posição subjetiva.

A modelização do dito

A modalização indica a posição que o sujeito assume perante o dito. Na língua


as modalizações podem ser infinitas e inclusive o tom da voz pode modalizar.
Às vezes em uma analise o sujeito diz algo sem acreditar, para verificar a
reação do analista, se ele ira ou não acreditar. Nem sempre é necessário que o
analista se mostre inteligente frente ao que o paciente diz, pode ser necessário “um
certo ar de estupidez” para dar segurança ao paciente. Para que o desejo se
desenvolva é preciso um pouco de obscuridade, deixar passar algo que o outro não
pode perceber.
Vale ressaltar a diferença entre verdadeiro e exato. Exata é a verdade que se
conhece. Na analise a maioria das verdades que aparecem não podem ser
conhecidas. No caso dos sujeitos histéricos, o esforço em dizer a verdade constitui
a impossibilidade de dizê-la, gerando sofrimento.

A caixa vazia do sujeito

Há uma diferença entre o dito e a posição que o sujeito toma frente a ele,
sempre há um índice subjetivo do dito. Para exemplificar tomamos o exemplo
freudiano em que o paciente diz a respeito de uma personagem em seu sonho “não
é minha mãe”. No exemplo há o dito e o modalizar da negação, a denegação. O
paciente em questão acrescenta ao significante “mãe” um índice negativo que
modifica sua relação com o que foi dito. Um traço importante na neurose e a
relação com o desejo, não pode aceita-lo sem colocar uma marca negativa.
É de suma importância para o analista distinguir entre enunciado e enunciação,
e entre o dito e o dizer. Uma coisa é o que o sujeito diz, e outra é o que ele faz com
o que diz. Não há uma só frase ou palavra que não traga a posição subjetiva do
sujeito quanto ao que diz.
As diferenças entre enunciado e enunciação são decisivas para interpretação
analítica. Voltamos ao exemplo de Freud, dizer “não é minha mãe” é a prova de
que é. Pode parecer uma lógica sem sentido no registro da objetividade, o sentido
aparece quando é colocada a função do sujeito. Como diz Lacan “você o disse, eu
não fiz você dize-lo”. Deve-se apresentar ao sujeito suas próprias palavras. É como
faze-lo “comer o que disse”.

Dito e Citação

A linguagem sempre segue em sentido retroativo. Algo é dito, em seguida outra


coisa é dita, mudando o que foi dito anteriormente. Não há discurso que prossiga
sem continuamente alterar o que já foi dito.
No discurso há um continuo processo de citação. Frequentemente o sujeito não
sabe que o que diz é uma citação do discurso do Outro. Assim, o sujeito afirma algo
e em seguida vem sua posição, que pode negar ou confirmar. Isto mostra como o
sujeito não fala em seu nome, mesmo quando acha que fala.

Atribuição subjetiva

Miller atribui grande importância a uma frase de Lacan: “Para cada cadeia
significante questiona-se a atribuição subjetiva”. Não há uma única cadeia
significante em que não se pergunte ao sujeito, de quem fala, e de que posição
fala. Do ponto de vista da enunciação, não há unidade na cadeia significante. A
cadeia significante é polifônica, sempre modificando a posição subjetiva.
Por exemplo, um histérico pode alucinar, mas sua posição frente às alucinações
é diferente de um psicótico. Para o psicótico se constituiu um ponto de certeza. O
histérico pode aparentemente não duvidar, mas ao falar pode-se perceber que não
há um ponto de certeza.
Frente ao que o sujeito apresenta o analista deve saber o que deve e o que não
deve ser levado a serio. O analista não deve participar emocionalmente dos
problemas do paciente, incompreensão frente aos afetos do outro é muito
importante.

Evolução da modalização do dito


O dito pode se modalizar de tal modo que uma demanda por mudança pode
significar não quere mudar. Há uma função importante já nas entrevistas
preliminares, o “mal-entendido”. O sujeito procura o analista por acreditar que ele
possa entender o que diz. Durante a analise o sujeito percebe que ele próprio não
se entende, aparece um “auto mal-entendido”.
Assim, a localização subjetiva é fazer aparecer à caixa vazia onde as variações
da posição subjetiva são postas. O próprio paciente não sabe o que diz, uma vez
que o lugar da enunciação é o próprio inconsciente.

 INTRODUÇÃO AO INCONSCIENTE

QUESTIONAMENTO DA
POSIÇÃO TOMADA POR LOCALIZAÇÃO DO
DITOS QUEM FALA DIZER
Remete ao próprio sujeito -
De direito (o lugar
De fato; para ele, é verdade ou
do INC);
mentira?
A verdade que Distância entre ele e o A verdade que não
conhecemos; dizer; podemos conhecer;
O que o analista tem a
dizer, nada tem a ver com
A enunciação direito
o lógico, com a boa
- ficção simbólica
Enunciado. vontade como: "você tem
(estrutura o sujeito
tudo para ser feliz"; e sim:
no mundo)
"o que você quer dizer com
isso?".

Miller cita Lacan dizendo que o bem-dizer é essa diferença entre o dito e o dizer
e essa é a chave da ética na psicanálise: fazer o paciente encontrar uma maneira
de dizer que não se confunda a posição subjetiva com o dito. Mas reintroduzir a
pessoa na posição de sujeito implicam amplos riscos que concernem à ética da
psicanálise.
Um bom exemplo é o caso de uma mulher que chega ao consultório de Miller se
apresentando dizendo: “Sou uma alcoólatra”. Durante dez anos essa mulher fez
parte dos alcoólicos anônimos, que se curam entre si e se apresentam dessa forma
e logo depois começam a falar sobre a dificuldade do alcoolismo. Ela freqüentava a
reunião quatro vezes por semana, nesse período de dez anos. Chegou dizendo “Sou
uma alcoólatra” e, detalhe: a partir desses dez anos ela não bebeu mais álcool,
mas continuava alienada ao significante “sou uma alcoólatra”, identificada a ele
sem distância alguma, não conseguindo se apresentar de outra maneira.
Miller se questionou se aceitaria ou não trata-la, algo da ordem ética, pois
haveria de distanciá-la do significante que permitia a ela não beber. Admiti-la seria
reabrir a distância entre ela e o significante. Depois de dois anos a mulher
recomeçou a beber. A principio o resultado foi contraterapêutico. Depois de cinco
anos encontrou um bom resultado.

Na entrevista preliminar não há ainda a neutralidade, o analista ainda conduz a


análise, pois o sujeito ainda não está associando livremente; o analista guia o
paciente de encontro ao inconsciente, para que daí ele possa começar o
questionamento de seus desejos, do que pretende dizer quando fala e, também,
perceber que há sempre uma boca mal-dita (no sentido de que a boca não
verbalizar o dizer – o que é de direito, que não estará de acordo com os fatos).
As entrevistas preliminares não são apenas para localizar o sujeito nessa
posição, mas para mudar efetivamente essa posição, fazendo ele guardar distância
do que é dito.

Miller cita um exemplo clínico da reformulação da demanda na análise, onde vai


falar do desejo na demanda, e já na primeira entrevista ele procura mudar a
posição do sujeito em relação ao dito a partir do momento que intui a sua
estrutura.
O autor divide, de acordo com Lacan, o desejo em três etapas:
1º tempo – O paciente liga dizendo que já fez análise há algum tempo e
que precisava muito recomeçá-la. Miller percebendo a urgência na voz dele decide
reagendar seus compromissos e agenda-lo para o dia seguinte.
Assim que chega ao consultório o paciente diz que já estava aliviado só por
ter falado com ele e que não achava necessário continuar a análise. Miller percebeu
que pelo dito havia uma intenção de descompromisso. Então ,por intuir que se
tratava de uma neurose obsessiva, Miller disse: “pense, e volte aqui a uma
semana”, sabendo que a palavra pensar tem um grande peso para os sujeitos
obsessivos. Não cobrou nada pela consulta.
2º tempo – O homem volta na semana seguinte dizendo que tinha pensado
logo que saiu da primeira consulta em anular o segundo encontro, pois não queria
reiniciar a análise. Isso em três minutos de entrevista; Miller diz: “pois bem,
então...” dá por acabada a análise e cobra três vezes mais que o valor de uma
consulta cara.
3º tempo – No dia seguinte ao encontro de três minutos, o paciente volta
para a consulta.

Miller cita esse exemplo para falar da dinâmica do desejo na neurose


obsessiva,que consiste em afirmar, negar e negar a negação e essa negação não se
iguala ao primeiro afirmar. Foi preciso que ele interviesse de fato na segunda
etapa do atendimento para que se consumasse a negação e assim haver a negação
da negação e a análise prosseguir.
No primeiro tempo, há a afirmação do desejo: vou à análise, no segundo há a
negação do desejo, porém sem permanece a demanda de tratamento.
Portanto essa é a estrutura da neurose obsessiva, pois não é apenas a dúvida
ou a oscilação, mas a incapacidade de decidir, precisando haver uma negação do
desejo, para só decidir no terceiro tempo.
Esse segundo tempo é uma maneira de recuar diante do próprio desejo. O
paciente não quer o que pede e foi preciso demonstrar isso, ou seja, o dito não está
de acordo com o dizer, e é preciso confrontar o paciente com isso.
No sujeito histérico o desejo é dividido com muito mais refinamento. Enquanto
no sujeito obsessivo há a contradição, essa oscilação entre o sim e o não o histérico
vive num paradoxo, vive o ‘não’ e o ‘sim’ ao mesmo tempo. Miller (Lacan) fala que
esta é a forma primária da neurose obsessiva, por isso Lacan escreve todo sujeito
como sujeito histérico: S (sujeito barrado).
O mais importante para sair da entrevista preliminar e abrir o espaço analítico é
o sujeito, que não são os dados, mas uma descontinuidade dos dados, aquela caixa
vazia, que não é tranqüila, mas cheia de frênitos.
O analista produz o sujeito num outro lugar que não é a objetividade, mas o
lugar dos detalhes, das minúcias, dos lapsos, do esquecimento, nos pequenos
deslizes, onde o sujeito introduzido no mal-entendido vai ser levado a questionar e
diferenciar o dizer do dito.
Miller cita a ontologia, que vai se preocupar com o que é, e a ética, na qual o
sujeito é constituído na análise, e a ética vai se preocupar com a falta-a-ser.
Uma introdução do inconsciente é então, uma introdução nessa falta-a-ser,
introduzida nessa descontinuidade onde o neurótico a todo o momento procura
justificar para o grande Outro, que escuta a sua fala. Entretanto ao analista ouvir
essa justificativa de uma causalidade para a sua existência, ele não tem que agir
com ternura e boa vontade, como “Oh, você tem tudo para ser feliz”, pois não se
espera uma resposta ao nível dos fatos, mas ao nível do direito, a respeito da
posição do sujeito nessa justificativa.

 CONCLUSÃO
Retificação subjetiva

Lacan chamou de retificação subjetiva a passagem do ato de se queixar das


coisas e dos outros para queixar-se de si mesmo.
Para psicanálise o sujeito deve dissociar-se do significante eleito para ser o
significante mestre, o mesmo responsável por preencher a falta-a-ser.
A psicanálise entende o sujeito “normal” como sendo barrado, e por não saber o
motivo da própria existência o neurótico inventa um, pois pra ele é muito difícil
conviver com a falta, diferente do paranóico que tem um motivo mirabolante de
sua existência o qual ele acredita firmemente.
O perverso de Freud é outro que não sofre a falta-a-ser, pois tem plena
convicção de que existe para gozar e tem os meios exatos para fazer isso.
J. A. Miller cita o exemplo de uma paciente que se apresenta como alcoólatra na
entrevista preliminar embora não bebesse ha 10 anos, Miller por acreditar que na
verdade se tratava de uma neurótica que bebia e não de uma alcoólatra, teve que
se questionar se aceitaria ou não o caso, pois poderia ser perigoso afastá-la desse
significante que a permitia não beber.
O método psicanalítico, portanto, consiste em dissociar o analisando de seu
significante mestre que é a causa inventada pra justificar o existir e levá-lo a
questionar ao fazer isso o analista está assumindo uma responsabilidade muito
grande e deve honrar o compromisso até o fim.

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