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Curso de

Formação Psicanalítica

WWW.SOBRAPSICO.ORG.BR
Fundamentos da Técnica
Psicanalítica I
FACILITADOR:
DR. DAVID PECIS
PSICÓLOGO, PSICANALISTA, HIPNOTERAPEUTA E TERAPEUTA NATURAL.
Dr. David Pecis é: 3
 Bacharel em Teologia (MEC);
 Graduado em Psicologia;
 Licenciado em Psicologia;
 Pós-Graduado em Saúde Mental e Práticas Terapêuticas;
 Mestre em Filosofia;
 Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Psicanálise;
 Doutor Honoris Causa em Psicanálise Clínica e Filosofia;
 Psicanalista, Hipnoterapeuta e Terapeuta Natural;
 Inscrito no Conselho Regional de Psicologia sob CRP 05/41228;
 Membro da Associação Brasileira de Saúde Mental;
 Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise, sob registro CBPRERJ nº 01201/RJ;
 Membro da Associação Brasileira de Hipnose (ASBH);
 Filiado ao Sindicato Nacional dos Terapeutas sob CRT n.º 44459;
 Membro da Associação Brasileira dos Terapeutas Holísticos, Registro CRTH-BR 0215;
 Diretor-Presidente do Instituto Brasileiro de Hipnoterapia;
 Diretor-Presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise Contemporânea e
 Diretor-Presidente da Ordem Nacional dos Psicanalistas.

www.drdavidpecis.com.br
Observação 4

 Esta aula foi em grande parte extraída da quarta


parte do Livro-Texto de nosso curso:
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos
psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma
abordagem didática, Porto Alegre: Artmed, 1999,
e, portanto, recomenda-se a leitura no original,
como forma de reforçar e aprofundar seu
conhecimento.
Sumário da parte I 5

 Formação do Analista
 Técnica Psicanalítica
 Condições necessárias ao Analista
 Entrevista inicial, indicações, contra-indicações e o Contrato
Terapêutico
 O Setting
 Resistências e Contraresistência
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FORMAÇÃO DO ANALISTA

Formação
Análise Pessoal Supervisão
Teórica
Emoção
Conhecimento Lógica/Razão

DOMÍNIO DA TÉCNICA
A Importância do Tripé 7

 Como podemos observar através do diagrama anterior, sem


a formação adequada, com base no “Tripé-Psicanalítico”, o
profissional não conseguirá alcançar o domínio da Técnica
Psicanalítica, pois é vivenciando cada etapa do processo
formativo e superando seus desafios é que ele deixa de ser
um informado (por vezes até mesmo “desinformado”) para
estar verdadeiramente FORMADO.
 Somente aqueles adequadamente formados é que alcançarão
o domínio da técnica psicanalítica.
Técnica Psicanalítica 8

 Técnica em sua concepção são as várias proposições de


como encaminhar o processo analítico; são os princípios do
bem-fazer análise, de como encaminhá-la em adequação ao
método. Suas proposições, pois, têm caráter normativo, e
expressam-se por “devemos”.
 É composta por procedimentos clínicos, terapêuticos e
interpretativos de intervenção que permitem definir o
quadro do tratamento psicanalítico.
Técnica Psicanalítica 9

 Por meio dos seus trabalhos sobre técnica psicanalítica,


mais consistentemente estudados e publicados no período de
1912 a 1915, Freud deixou um importante e fundamental
legado a todos os psicanalistas das gerações vindouras: as
regras mínimas que devem reger a técnica de qualquer
processo psicanalítico. Muito embora Freud as tenha
formulado como “recomendações”, elas são habitualmente
conhecidas como “regras”, talvez pelo tom pedagógico e
algo superegóico com que ele as empregou nos seus textos.
Técnica Psicanalítica 10

 Convém lembrar que, classicamente, são quatro essas


regras: a regra fundamental (também conhecida
como a regra da livre associação de idéias) a da
abstinência; a da neutralidade; e a da atenção
flutuante.
 Creio que é legítimo acrescentar uma quinta regra, a
do amor à verdade, tal foi a ênfase que Freud
emprestou à verdade e à honestidade como uma
condição sine-qua-non para a prática da psicanálise.
11

 Tais regras permanecem vigentes em sua


essencialidade, porém elas vêm sofrendo muitas e
significativas transformações, à medida que a
própria ideologia da psicanálise também está
passando por sucessivas e profundas modificações
nesse seu primeiro século de existência, por
intermédio de algumas rupturas epistemológicas.
Técnica Psicanalítica 12

 A propósito, pode-se dizer que, nesse período, a ciência


psicanalítica tem transitado fundamentalmente por três fases
bem marcantes, conquanto todas elas continuem válidas e
entrelaçadas.
 Assim, a primeira fase – que podemos chamar de
psicanálise pulsional – é aquela que foi rigorosamente
praticada pelos psicanalistas pioneiros e seguidores
imediatos, pela qual todo enfoque do psicanalista era
centrado exclusivamente na pessoa do analisando, no
embate entre as suas pulsões (desejos) e defesas.
Técnica Psicanalítica 13

 A segunda fase pode ser denominada psicanálise


objetal, porquanto todo o interesse do psicanalista
ficou predominantemente concentrado no mundo
das relações objetais internalizadas do paciente,
acompanhadas das respectivas fantasias
inconscientes, ansiedades e defesas primitivas que
estejam manifestas ou ocultas no seu psiquismo.
14

 Gradativamente, à medida que os autores foram


desvendando o fenômeno contratransferencial, a
partir de um melhor entendimento das contra-
identificações projetivas, o pêndulo do enfoque do
campo analítico foi incidindo para uma
responsabilidade, cada vez maior, na pessoa do
psicanalista, o que, parece-me, também se
constitui em um exagero.
Técnica Psicanalítica 15

 O terceiro período, o atual, pode ser denominado


psicanálise vincular, ou seja, o que importa não é tanto
aquilo que se passa unicamente no analisando, ou no
analista, mas, sim, nas diversas configurações vinculares
que se estabelecem no espaço de interação entre ambos.
 Apesar de o esquema apresentado aqui ser exageradamente
simplista, portanto imperfeito e que não deve ser tomado ao
pé da letra, ele permite deduzir que, igualmente, as aludidas
regras técnicas sofreram transformações paralelas, as quais
serão a seguir descritas separadamente.
Regras Técnicas 16

(Pag. 291)
 Regra fundamental ou regra da livre associação de ideias;
 Regra da abstinência;
 Regra da neutralidade;
 Regra da atenção flutuante;
 Regra do amor à verdade.
Regra Fundamental 17

 Essa regra consistia fundamentalmente no compromisso


assumido pelo analisando, em associar livremente as idéias
que lhe surgissem espontaneamente na mente, e verbalizá-
las ao analista, independentemente de suas inibições, ou do
fato se ele as julgasse importantes ou não. O termo
“fundamental” era apropriado pois seria impossível
conceber uma análise sem que o paciente trouxesse um
contínuo aporte de verbalizações que permitisse ao
psicanalista proceder a um levantamento de natureza
arqueológica das repressões acumuladas no inconsciente, de
acordo com o paradigma vigente à época.
Regra da Abstinência 18

 Essa “recomendação de abstinência”, pelo menos de forma


clara, foi formulada pela primeira vez por Freud, em
Observações sobre o amor de transferência (1915, p. 214),
em uma época em que as análises eram curtas, e na clínica
dos psicanalistas predominavam as pacientes histéricas, que
logo desenvolviam um estado de “paixão” e de atração
erótica com o analista. A isso, acresce o fato de que, à
medida que a psicanálise se expandia e ganhava em
reconhecimento e repercussão, paralelamente também
aumentavam as críticas contra aquilo que os detratores
consideravam como sendo um uso abusivo e licencioso da
sexualidade. Preocupado com a imagem moral e ética da
ciência que ele criara, além da científica, e com o possível
despreparo dos médicos psicoterapeutas.
Regra da Abstinência 19

 Desde então, quanto ao grande risco de envolvimento sexual com as


suas pacientes envolvidas em um estado mental de “amor de
transferência”, Freud viu-se na obrigação de definir claros limites de
abstenção, tanto para a pessoa do analista como também para a do
analisando. Na verdade, Freud começou a postular esta regra a partir
dos seus trabalhos técnicos de 1912, quando se intensificaram as suas
preocupações com a imagem e a responsabilidade da expansão da
psicanálise, porquanto até então ele mantinha uma atitude de muita
permissividade, como pode ser comprovado com a análise do “homem
dos ratos”, em 1909, a quem Freud, em algumas ocasiões, no transcurso
das sessões, servia chá, sanduíches ou arenques. Tal como o nome
“abstinência” sugere, essa regra alude à necessidade de o psicanalista
abster-se de qualquer tipo de atividade que não seja a de interpretar,
portanto ela inclui a proibição de qualquer tipo de gratificação externa,
sexual ou social, ao mesmo tempo em que o terapeuta deveria preservar
ao máximo o seu anonimato para o paciente.
Regra de Atenção Flutuante 20

 Freud estabeleceu, como equivalente à regra fundamental


para o analisando, uma regra fundamental para o analista, a
conhecida “atenção flutuante” (na Standard Edition
Brasileira, está traduzida, ora por “atenção uniformemente
suspensa” (1912, p. 149), ora por “imparcialmente
suspensa” (p. 291). De forma análoga a Bion – e
antecipando-se a este autor – em Recomendações... (1912),
Freud postulou que o terapeuta deve propiciar condições
para que se estabeleça uma comunicação de “inconsciente
para inconsciente” e que o ideal seria que o analista pudesse
“cegar-se artificialmente para poder ver melhor”.
Regra de Atenção Flutuante 21

 Ao complementar essa regra de Freud, Bion argumenta que tal


estado de “atenção flutuante” é bastante útil para permitir o
surgimento, na mente do analista, da importante capacidade,
latente em todos, de intuição [vem dos étimos latinos, in + tuere
ou seja, olhar para dentro; uma espécie de um terceiro olho”], a
qual costuma ficar ofuscada quando a percepção do analista é feita
unicamente pelos órgãos dos sentidos. Uma questão que
comumente costuma ser levantada, é a que se refere sobre a
possibilidade de o analista atingir a condição de “cegar-se
artificialmente” e despojar-se de seus desejos, da memória e de
seus prévios conhecimentos teóricos. A resposta que me ocorre é
que não há nenhum inconveniente que o terapeuta sinta desejos ou
quaisquer outros sentimentos, assim como a memória de fatos ou
teorias prévias, desde que ele esteja seguro que a sua mente não
está saturada pelos aludidos desejos, memórias e conhecimentos.
O contrário de uma “atenção livremente
flutuante” seria o estado mental do
psicanalista de uma “atenção excessivamente
dirigida” a qual pode ser patogênica, tal como
pode ser exemplificado com uma participação
ativa do analista, com a qual ele pretende colher
informações que não sejam pertinentes à situação
analítica, mas, sim, que mais atendem à sua
curiosidade pessoal, inconsciente ou mesmo
consciente.
Um exemplo real: 23

 Tive uma paciente que durante os 9 meses de


Análise sempre falava do marido, e eu nunca
perguntei qual era a profissão dele, ou o cargo
social que ele ocupava, acabei sabendo porque já
no final do processo Analítico ela mesma falou, e
ainda enfatizou dizendo: “Como você nunca me
perguntou eu achei que deveria falar porque isso
pode ser importante pra sua análise...”
Regra de Neutralidade 24

 A abordagem mais conhecida de Freud a respeito dessa regra,


é aquela que consta em suas Recomendações... de 1913, no
qual ele apresenta a sua famosa metáfora do espelho, pela qual
ele aconselhava os médicos que exerciam a terapia
psicanalítica que “o psicanalista deve ser opaco aos seus
pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o
que lhes é mostrado” (p. 157). O conceito de neutralidade
deve se estender aos próprios desejos e fantasias do analista,
de modo a possibilitar que ele esteja disponível para os pontos
de vista dos seus analisandos, diferentes dos seus, sem ter que
apelar para um reducionismo sistemático de seus valores
prévios e também para que ele ocasionalmente aproveite a
profunda interação com o seu analisando e possa ressignificar
as suas próprias experiências emocionais antigas.
Regra de Neutralidade 25

 Classicamente, essa regra refere-se mais estrita e diretamente à


necessidade de que o analista não se envolva afetivamente com
o seu paciente, tal como sugere a metáfora do espelho, já
mencionada.
 Hoje pensamos que o analista deve refletir seu paciente sim,
mas não como um espelho duro e frio, mas como as águas de
um lago que proporciona além do reflexo uma agradável
sensação de paz e completude.
 Além disso, também pensamos que o psicoterapeuta deve
envolver-se afetivamente com o seu analisando, desde que ele
não fique envolvido nas malhas da patologia
contratransferencial, sendo que essa última condição de estado
mental do analista é fundamental para possibilitar o
desenvolvimento do analisando.
Regra do Amor a Verdade 26

 Em diversas passagens de seus textos técnicos, Freud


reiterou o quanto ele considerava a importância que a
verdade representa para a evolução exitosa do processo
psicanalítico. Mais exatamente, a sua ênfase incidia na
necessidade de que o psicanalista fosse uma pessoa veraz,
verdadeira e que somente a partir dessa condição
fundamental é que a análise poderia, de fato, promover as
mudanças verdadeiras nos analisandos. Dessa firme posição
de Freud, podemos tirar uma primeira conclusão: mais do
que unicamente uma obrigação de ordem ética, a regra do
amor à verdade também se constitui como um elemento
essencial de técnica de psicanálise.
Regra do Amor a Verdade 27

 Freud estendia a sua postulação da indispensabilidade da


honestidade e verdade tanto à pessoa do terapeuta quanto à
do paciente. Em relação ao primeiro deles, ninguém
contesta a validade dessa assertiva de Freud, a ponto de
podermos afirmar que se o técnico que labora como analista
não possuir esse atributo de ser verdadeiro, de forma
suficiente, o melhor que ele tem a fazer é mudar de
especialidade.
No entanto, é necessário esclarecer que a verdade a que
estamos nos referindo não tem conotação de ordem moral e,
muito menos, representa uma recomendação para que o
analista saia a uma obsessiva caça às verdades negadas ou
sonegadas pelo paciente, até mesmo porque o conceito de
verdade absoluta é muito relativo. Antes disso, como foi
frisado, o importante é a aquisição de uma “atitude de ser
verdadeiro”, especialmente consigo próprio, único caminho
para atingir a um estado de liberdade interna, o que
seguramente é o bem maior que um indivíduo pode obter. De
fato, verdade e liberdade são indissociáveis entre si e não é
por nada que na bíblia sagrada consta um trecho de uma
profunda e milenar sabedoria: “...só a verdade vos
libertará...”.
“Um bom Analista” 29

 Bion costumava afirmar em seus seminários clínicos que a


prática da psicanálise é muito difícil. A teoria é simples. Se
o analista tem boa memória poderá ler todos esses livros e
decorá-los com facilidade. Daí poderão dizer: que bom
analista é tal pessoa; sabe todas essas teorias. Mas isto não
equivale a ser um bom analista. Um bom analista está
sempre lidando com uma situação desconhecida,
imprevisível e perigosa. (Revista IDE, 14, 1987, p. 5).
“Um bom Analista” 30

 Essa frase nos introduz à condição de que mais do que uma


necessária bagagem de conhecimentos (provindos de
seminários e estudos continuados), de uma, igualmente
necessária, competente habilidade (resultante de
supervisões), o analista deve possuir uma adequada atitude
psicanalítica (mercê de seus atributos naturais, e aqueles
desenvolvidos pela análise pessoal), sendo que esta última
consiste exatamente na posse do analista das “condições
mínimas necessárias” para enfrentar as angústias e os
imprevistos de uma longa viagem pelos meandros do
inconsciente do paciente e dele mesmo.
Condições necessárias ao 31

Analista
 Na atualidade, é impossível a compreensão dos fenômenos
psíquicos a partir de um enfoque centrado unicamente no
indivíduo. Pelo contrário, impõe-se, cada vez mais, a
convicção de que, desde os primeiros estágios evolutivos até
o pleno funcionamento em todas áreas de sua vida, o
psiquismo de cada sujeito interage permanentemente com
outras pessoas, sofrendo influências, às vezes passivamente,
ao mesmo tempo em que ele também é um, ativo, agente
modificador do seu entorno familiar, social, profissional...
Condições necessárias ao 32

Analista
 Portanto, não é mais admissível que uma análise funcione
unicamente com o método ultrapassado, no qual ao paciente
cabia o papel de trazer o seu “material”, enquanto o papel
do psicanalista limitava-se a observar e “interpretar” o
aludido material, com uma atitude de neutralidade absoluta,
na qual, como um “espelho” opaco frente aos seus
pacientes, ele refletiria tão-somente aquilo que viesse das
“livres associações de idéias” do analisando.
33

 Entre os analistas de hoje existe um


consenso, virtualmente absoluto, de que
um processo analítico repousa,
sobretudo, na dinâmica que existe no
campo analítico (termo de Baranger,
1961), estabelecido pelas influências
recíprocas entre o par analítico.
Atributos mínimos de um Analista (Pags. 34
453 à 456)

 Respeito
 Paciência
 Empatia
 Intuição
 Capacidade negativa (Bion)
 Ser verdadeiro
Capacidade Negativa 35

 Bion diz que o analista que consegue suportar o


não saber possui uma capacidade negativa, ou
seja, capacidade de ficar no vazio. Se o analista
não tem essa capacidade, suas interpretações terão
uma finalidade diferente. Não terão mais a
finalidade de realmente interpretar, mas de aliviar
sua própria angústia.
CONVITE 36

“Pois fica decretado a partir de hoje, que terapeuta é gente


também. Sofre, chora, ama e sente e, às vezes, precisa falar. O
olhar atento, o ouvido aberto, escutando a tristeza do outro,
quando, às vezes, a tristeza maior está dentro do seu peito.
Quanto a mim, fico triste, fico alegre e sinto raiva também. Sou
de carne e sou de osso e quero que você saiba isto de mim.
E agora, que já sabes que sou gente, quer falar de você para
mim?”

(Clara Feldman, 1983)


Entrevista Inicial 37

 A expressão entrevista inicial, embora apareça na forma


singular, não deve significar que se refira, sempre, a uma
única entrevista prévia à efetivação do contrato analítico,
ainda que muitas vezes possa ser assim; porém, em muitas
outras situações, essa necessária avaliação pode demandar
um período algo mais longo com um número bem maior de
contatos preliminares. Por essas razões, penso que a
denominação mais adequada seria a de “entrevistas de
avaliação” ou “entrevistas preliminares”; no entanto, a
terminologia de “entrevista inicial” já está consagrada na
literatura psicanalítica e por isso será a empregada no
presente texto.
38

 Inicialmente, é útil estabelecer uma diferença


conceitual entre entrevista inicial e primeira
sessão. A(s) entrevista(s) inicial(ais) antecede(m)
o “contrato”, enquanto o termo “primeira sessão”
já alude ao fato de que a análise já começou
formalmente.
A Entrevista Inicial é uma forma
imprescindível de contato prévio, até
mesmo pela singela e, ao mesmo tempo,
profunda razão de que tanto o analista
quanto o paciente têm o pleno direito de
decidirem se é com essa pessoa estranha que
está à sua frente que cada um deles,
reciprocamente, querem partilhar um
longo, profundo e imprevisível convívio e
contato íntimo.
40
Entrevista(s) Inicial(is)
Antecede o Contrato

Primeira Sessão
Sugere que a análise já começou
formalmente...
41

Entrevista Inicial

Entrevistas de avaliação
Entrevistas preliminares
Finalidade da entrevista inicial 42

 Contato prévio entre analista e analisando para:


o Avaliar as condições mentais, emocionais, materiais e
circunstanciais da vida do paciente;
o Ajuizar os prós e os contras, as vantagens e desvantagens, os
prováveis riscos e benefícios;
o O grau e o tipo da psicopatologia, de modo a permitir alguma
impressão diagnóstica e prognóstica e reconhecer os efeitos
contratransferenciais que lhe estão sendo despertados.
o Percepção do analista em relação à veracidade da motivação do
paciente (consciente e inconsciente).
O que avaliar? 43

 O tipo de encaminhamento e como foi o contato inicial;


 A aparência exterior do paciente (vestuário, manifestação visível
de algum sintoma, comunicação verbal e não-verbal,
movimentação motora, discurso...);
 A realidade exterior – condições sócio-econômicas, entorno
familiar posição profissional, projeto de vida, dogma religioso;
 Histórico familiar – casos de depressão, suicídio, internações,
alcoolismo, uso de fármacos;
 Grau de motivação para o tratamento (longo, árduo e oneroso);
 A escolha e o estilo das suas relações objetais (compulsão por
repetir configurações vinculares – de natureza sadomasoquista,
simbiótica, fascinação narcísica).
Em relação ao mundo interior 44

do paciente:
 Id – pulsões predominantes (vida - sexualidade ou morte –
destrutividade, e como se manifestam)
 Ego – funções egóicas conscientes (maneira de pensar,
conceituar, ajuizar, discriminar, a motivação para querer
conhecer suas emoções e verdades, o modo de
comunicação); funções egóicas inconscientes – mecanismos
de defesa narcisistas, esquizoparanóides ou depressivos?
 Superego – mandamentos superegóicos ( culpas, auto-
acusações, punições, desvalias).
Indicações e Contra-indicações 45

 Idade – não há mais impedimento.


 Inicio da análise – mesmo sendo um período crítico de um
quadro clínico com sintomas agudos, situacionais,
neuróticos ou psicóticos, não há mais receio de se iniciar o
procedimento psicanalítico.
 Relativismo do diagnóstico clínico – o diagnóstico de uma
reação esquizofrênica aguda pode ser de excelente
prognóstico psicanalítico, enquanto um simples neurose
fóbica, se for de organização crônica, pode resultar em
prognóstico desalentador.
Indicações e Contra-indicações 46

 Casos de degenerescência mental.

 Pacientes que não demonstram a condição mínima


de abstração e simbolização.
O Contrato 47

 Contrato é um acordo firmado, escrito ou não,


sobre um objeto ou serviço prometido, podendo
constar também, responsabilidades das partes,
prazo de entrega do bem adquirido, custo, etc.
 É um termo de compromisso entre uma pessoa
que solicita alguma coisa de que necessita e outra
que está disposta a oferecer essa coisa.
O Contrato: Psicanalista 48

 Dispõe de qualificação técnica: própria análise, estudo e


reflexão sobre as teorias psicanalíticas, prática clínica
supervisionada.
 Oferece local confortável e sigiloso para conversarem e
pensarem juntos.
 Oferece horários claramente acordados e determinados e
durante esse tempo dedica-se exclusivamente ao paciente.
 Escuta o paciente com empenho eficiente e dedicação
exclusiva no tempo que lhe oferece.
49

 Informa que só o paciente pode aliviar o próprio sofrimento


lidando com ele e lhe propõe que trabalhe com o seu
sofrimento.
 Dispõe-se a auxiliar o paciente, refletindo com ele sobre o
sofrimento que experimenta e suas sobre suas possíveis
origens.
 Mantém a escuta atenta e continente à fala ou ao silêncio.
 Impõe o limite sobre as possíveis atuações do paciente que
envolvam risco à integridade de ambos.
 Não pode afirmar QUANTO o paciente será aliviado, nem
QUANDO o alívio se dará, nem que será permanente.
 Anuncia o custo financeiro do seu trabalho.
O Contrato: Paciente 50

 Quer alívio para o seu sofrimento, paixão, turbilhão afetivo,


aflição.
 Aceita comparecer a este local.
 Aceita o limite desses horários, ou não, quer mais tempo, se
atrasa, falta. Usa o tempo com pode e/ou quer.
 Faz associações e defronta-se com a dor advinda de
dentrode si. Pede que o analista o livre do sofrimento.
 Paciente resiste, defende-se.
 Ouve o que o psicanalista lhe diz - tanto quanto pode e no
momento em que pode - e fala tudo o que quiser e puder,
sem restrições ou silencia.
51

 Pensa, junto com o psicanalista, sobre o que lhe é dito ou


continua a defender-se com atuações (acting in).
 Sai do impasse, faz contato com conteúdos até então mantidos
inconscientes, pulsões vivas e operantes, defesas, conflitos e
angústias, estabelece nexo entre esses aspectos sabidos, mas não
pensados e continua em busca do alívio para o seu sofrimento.
 Pode encontrar modos mais favoráveis para lidar com seus
conflitos, sente-se melhor, faz uso de suas potencialidades a
favor de si mesmo. Torna-se mais realista em relação a si, às
outras pessoas e situações.
 Aceita ou não o custo financeiro do trabalho. Em caso positivo,
paga o psicanalista.
O Contrato: Dinâmica da 52

negociação
 Transação mantém-se por prazo indeterminado.
 Psicanalista
 Se mantém numa escuta continente sem memória e sem desejo (Bion).
 Ganha prestígio profissional e satisfação pessoal em realizar o seu
trabalho.
 Recebe dinheiro pelo seu trabalho.
 Alternam-se momentos de satisfação e de insatisfação.

 Paciente
 Vai obtendo um crescente fortalecimento do ego.
 Torna-se mais flexível.
 Mais apto a enfrentar as inevitáveis tensões da vida.
 Liberta-se para desenvolver atividades construtivas e planos mais
eficientes e realistas para o presente e para o futuro.
A relação do dinheiro com a
sexualidade
 Sobre os honorários, Freud em “O inicio do tratamento” de 1913, diz que
esse é visto como meio de autopreservação, de obtenção de poder e que
nele há envolvidos, poderosos fatores sexuais. Ele segue dizendo que o
homem trata o dinheiro da mesma forma como ele trata as questões
sexuais, com um “falso pudor”, apresentando então que cabe ao analista
tratar do dinheiro de forma natural e franca, assim como deve ser com as
questões sexuais. Em uma experiência na clinica-escola, durante os
estágios supervisionados, ao atender uma moça pela primeira vez,
estabeleço a ela o contrato e sigo dizendo dos honorários que devem ser
pagos a cada encontro nosso. Ao lhe questionar quanto ela poderia pagar-
me pelo meu serviço oferecido, esta me diz não saber. Insisto e a mesma
pede para que eu lhe deixe pensar e na próxima semana ela trará o valor.
Fico de acordo com a moça e só depois de algumas sessões percebo que
ela também tem problemas em falar sobre suas questões sexuais e aí então
percebo que deveria eu, ter-lhe falado em relação aos honorários de uma
forma ainda mais natural, estabelecendo um valor para o meu serviço,
tendo assim me desvinculado desse “falso pudor”, assim como fala Freud
em 1913.
O Setting 54

 O setting, ou enquadre, psicanalítico foi criado por Freud a


partir de uma idéia básica: procurar facilitar, da melhor maneira
possível e com o mínimo de perturbação, o desenvolvimento de
um processo: o desabrochar da “neurose de transferência”
(Freud, 1914). Neste contexto, o setting psicanalítico poderia
ser entendido como a estratégia clínica fundamental, delineada
por Freud, para o enfrentamento das neuroses. Mais
precisamente, esta estratégia consistiria em tornar fixos um
conjunto de aspectos que, a princípio, seriam puramente
variáveis – tais como: a freqüência das sessões a cada semana;
a “atenção uniformemente flutuante”; a “regra psicanalítica
fundamental”; a “reserva analítica”; a utilização do divã; dentre
outros – , de modo a introduzir e manter na relação paciente-
analista um determinado “contorno”, uma singular ordenação.
O Setting 55

 Assim, o setting pode ser conceituado como a soma dos


procedimentos que buscam organizar normatizar e
possibilitar o processo psicanalítico. Resultando em um
grupo de orientações, atitudes e combinações, tanto as
contidas no contrato analítico, bem como as que vão se
(re)definindo ao longo da análise como: o número de
sessões por semana, os dias e horários das sessões, os
honorários, o plano de férias, etc.
 O setting analítico costuma sofrer uma carga de pressão por
parte de alguns pacientes (às vezes de certos analistas) no
sentido de se fazerem necessárias sucessivas modificações
em relação ao que foi inicialmente estabelecido e
determinado.
O Setting 56

 Segundo Zimerman (2005), na prática analítica, além dos


necessários arranjos pragmáticos, o setting visa às seguintes
funções:
 Criar uma atmosfera de confiabilidade, de regularidade e de
estabilidade.
 Estabelecer o aporte da realidade exterior, com suas
inevitáveis provações e frustrações.
 Ajudar o paciente/cliente a definir a predominância do
“princípio da realidade” sobre o “princípio do prazer”.
57

 Principalmente para pacientes demasiadamente regressivos,


a regularidade do setting favorece que este paciente
desenvolva as capacidade de diferenciação, separação,
individuação e responsabilização.
 Pode-se dizer que o setting, por si mesmo, funciona como
um importante fator terapêutico psicanalítico, pela criação
de um espaço que possibilita o analisando trazer seus
aspectos infantis no vínculo transferencial, assim repisando
antigas experiências emocionais que na época foram mal-
resolvidas, e, ao mesmo tempo, poder usar a sua parte adulta
pra ajudar o crescimento daquelas partes infantis.
Resistências e Contraresistência 58

 A resistência é um conceito fundamental para a


psicanálise. Encontra-se presente em quase todos
os textos freudianos, e atravessa todo o processo
de análise. Está implicada numa série de
fenômenos relacionados aos conflitos
intrapsíquicos, mas também aos que dizem
respeito à relação intersubjetiva.
59

 A palavra “resistência” apresenta diversos significados.


Contudo, na psicanálise, esta palavra toma um sentido
singular e bem difundido, merecendo o status de um
importante conceito central. Numa síntese das definições,
podemos dizer que o conceito de resistência na psicanálise,
segundo Roudinesco e Plon (1998, apud Mattos, s.d.)
designa: "o conjunto das reações de um analisando cujas
manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos
ao desenrolar da análise" e segundo Laplanche e Pontalis
(1998, apud Mattos, s.d.): "tudo o que, nos atos e palavras
do analisando, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente“.
Resistências e Contraresistência 60

 Alguns aspectos de uma resistência podem ser conscientes e


outra parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente.
As resistências são repetições das produções defensivas
realizadas pelo paciente em sua vida.
 A resistência representa uma atitude de oposição do paciente
às descobertas do analista aos seus desejos inconscientes.
Representa tudo aquilo que atrapalha o trabalho terapêutico
e funciona como obstáculo a elucidação dos sintomas e a
evolução do tratamento.
Resistências 61

 Freud descreveu os tipos e fontes das resistências


da seguinte maneira: “Não se deve supor que
essas correções nos proporcionem um
levantamento completo de todas as espécies de
resistência encontradas na análise. A investigação
ulterior do assunto revela que o analista tem de
combater nada menos que cinco espécies de
resistência, que emanam de três direções — o ego,
o id e o superego” (FREUD, 1926).
Resistências 62

 Do ego – “O ego é a fonte de três, cada uma diferindo em sua


natureza dinâmica”. São elas: a resistência da repressão, a
resistência da transferência – que estabelece uma relação com a
situação analítica, reanimando assim uma repressão que deve
somente ser relembrada – e a resistência originada do “ganho
proveniente da doença” baseada numa “assimilação do sintoma no
ego” (COSTA, 2009).
 Resistência da Repressão: Poderia ser considerada como a
manifestação clínica da necessidade do indivíduo de se
defender de impulsos, recordações e sentimentos que, se
emergissem na consciência, causariam um estado de
sofrimento, ou ameaçariam causar tal estado.
63

 Resistência da Transferência: Essencialmente semelhante à


resistência da repressão, possui a especial qualidade de, ao
mesmo tempo que a exprime, também refletir a luta contra
impulsos infantis que, sob forma direta ou modificada,
emergiram em relação à pessoa do analista.
 De ganho secundário: Esses ganhos secundários oriundos dos
sintomas são bem conhecidos sob a forma de vantagens e
gratificações obtidas da condição de estar doente e de ser
cuidado ou ser objeto do compadecimento dos outros, ou sob
a forma de gratificação de impulsos agressivos vingativos
para com aqueles que são obrigados a compartilhar o
sofrimento do paciente.
Resistências 64

 Do Id – Resistência que necessita de elaboração. Devido à


resistência dos impulsos instintuais a qualquer modificação
no seu modo e na sua forma de expressão. Segundo Freud
(1926): “E...como os senhores podem imaginar, é provável
que haverá dificuldades se um processo instintual, que por
décadas inteiras trilhou novo caminho que recém se lhe
abriu.”
Resistências 65

 Do Superego – resistência enraizada no sentimento de culpa


do paciente ou na sua necessidade de punição. Freud
considerava a “resistência do superego” como sendo a mais
difícil de o analista discernir e abordar. Ela reflete a ação de
um “sentimento inconsciente de culpa” (1923) e é
responsável pela reação aparentemente paradoxal do
paciente a todo passo que, no trabalho analítico, representa a
materialização de um ou outro impulso de que vão se
defendendo pressionados pela sua consciência moral.
Contraresistência 66

 A resistência pode partir do paciente, como pode proceder do


analista.
 É necessário compreender quando a resistência tem origem no
próprio analista ou quando ela decorre de um estado de contra-
identificação com o seu analisando.
 Resistência oriunda do próprio analista:
 O melhor indicador é quando ela se repete de modo sistemático com
todos os seus pacientes diante de uma complicação emocional
equivalente.
 Existem em todos os analistas determinados pontos cegos que se
constituem em resistências.
 A resistência também pode estar manifesta fora da situação
analítica, quando ele se nega a conhecer outros formas de pensar e
agir.
Contraresistência 67

 Na prática analítica:
 Entrevista inicial: medo de enfrentar situações regressivas. Ex:
estado depressivo do paciente, actings, sedução de pacientes
histéricas, psicose, etc.
 Contra-resistência: quando o paciente fica dividido em sua
motivação de enfrentar ou não essa ameaçadora situação nova.
Isso pode provocar uma contra-resistência no analista do tipo
de desistência.
 A atividade interpretativa: interpretar tudo o que o paciente disser,
pode esconder uma forma de racionalizar e resistir a um maior
envolvimento afetivo.
Observação 68

 Esta aula foi em grande parte extraída da quarta parte do


Livro-Texto de nosso curso: ZIMERMAN, D. E.
Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma
abordagem didática, Porto Alegre: Artmed, 1999, e,
portanto, recomenda-se a leitura no original, como forma de
reforçar e aprofundar seu conhecimento.
Sumário da parte II 69

 Impasses e RTN
 Transferências e Contra-transferência
 A Comunicação não-verbal
 O Silêncio
 A Atividade Interpretativa
 Actings
 Elaboração e Cura
Impasses e Reação Terapêutica 70

Negativa
 O Impasse pode ser definido como toda situação
suficientemente duradoura, na qual os objetivos do trabalho
psicanalítico pareçam não ser atingíveis, embora se
mantenha conservada a situação analítica. Ex.: Estagnação
(tudo parece bem, mas a análise está apenas dando voltas
em torno do mesmo lugar), Paralização (o analisando não
tem mais o que dizer e o analista sente-se de mãos atadas) e
RTN (oposição a cura, retorno a estaca zero).
Conceito de RTN 71

 A primeira vez que aparece a expressão “reação terapêutica


negativa”, é no Capítulo V (As Servidões do Ego) do trabalho de
Freud O Ego e o Id (1923), no qual ele afirma textualmente: “Há
pessoas que se conduzem muito singularmente no tratamento
psicanalítico. Quando lhes damos esperanças e mostramo-nos
satisfeitos com a marcha do tratamento, mostram-se descontentes
e pioram acentuadamente... Descobrimos, com efeito, que tais
pessoas reagem num sentido inverso aos processos de cura. Cada
uma das soluções parciais que haveria de trazer consigo um
alívio ou um desaparecimento temporário dos sintomas, provoca,
ao contrário, uma intensidade momentânea da doença, e durante
o tratamento, pioram em lugar de melhorar, mostra-nos a
chamada reação terapêutica negativa, é indubitável, que nestes
doentes, há algo que se opõe a cura, a qual é considerada por eles
como um perigo e que neles predomina a necessidade de doença e
não a vontade de cura.
Causas da RTN 72

 Para Freud, inicialmente a RTN tinha sua causa no


masoquismo moral e nos sentimentos de culpa
acompanhados de uma necessidade de castigo, decorrentes
de um implacável superego, o qual, por sua vez, resulta dos
desejos de um triunfo edípico tal como é representado na
mente do paciente qualquer sucesso que ele obtenha,
inclusive o êxito analítico. Posteriormente ele incluiu a
influência da Pulsão de Morte e a Compulsão a Repetição.
Ganho Secundário 73

 Chamamos de Ganho Secundário em Terapia,


todo e qualquer benefício que o paciente consegue
obter a partir de sua própria doença, seja a atenção
da família e amigos, ou mesmo uma pensão do
governo, logo, a melhora significaria a perda
destes “privilégios”.
Transferência 74

 Termo progressivamente introduzido por Sigmund Freud* e


Sandor Ferenczi* (entre 1900 e 1909), para designar um processo
constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os
desejos* inconscientes do analisando concernentes a objetos
externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na
pessoa do analista, colocado na posição desses diversos objetos.
Historicamente, a noção de transferência assumiu toda a sua
significação com o abandono da hipnose*, da sugestão* e da
catarse* pela psicanálise*. O termo transferência não é próprio do
vocabulário psicanalítico. Utilizado em inúmeros campos, implica
sempre uma idéia de deslocamento, de transporte, de substituição
de um lugar por outro, sem que essa operação afete a integridade
do objeto.
75

 Todas as correntes do freudismo* consideram a


transferência essencial para o processo psicanalítico.
Entretanto, conforme as escolas, as divergências são
múltiplas quanto a seu lugar no tratamento, seu manejo pelo
analista e o momento e os meios de sua dissociação. Um
século depois do nascimento da psicanálise, o conceito de
transferência ainda é objeto de um debate contraditório, cuja
origem se encontra na história de seu reconhecimento, de
sua avaliação teórica e de sua utilização por Freud a partir
do abandono da hipnose e da catarse.
Sobre o fenômeno da 76

Transferência
 Embora o fenômeno transferencial esteja presente
em todas as interrelações humanas, o termo
“transferência” deve ficar reservado unicamente
para a relação que se estabelece no processo
psicanalítico, onde juntamente com a “resistência”
e a “interpretação”, constitui o tripé fundamental
da prática da psicanálise, dando o selo de
genuidade psicanalítica entre as demais
modalidades psicoterápicas.
Transferência (continuação) 77

 Primeiramente, seguindo Henri F. Ellenberger*,


consideremos que a existência da transferência é atestada,
antes de Freud, por uma terminologia abundante: afinidade,
influência sonambúlica, necessidade de direção,
transposição afetiva etc. Na verdade, a inovação freudiana
consistiu em reconhecer nesse fenômeno um componente
essencial da psicanálise, a ponto, aliás, de esse novo método
se distinguir de todas as outras psicoterapias* por empregar
a transferência como instrumento da cura no processo de
tratamento. Todavia, esse reconhecimento não se deu
espontaneamente e, até o fim da vida, Freud continuaria
impressionado com a recorrência do fenômeno (Esboço de
psicanálise*).
Transferência (continuação) 78

 A princípio, nos Estudos sobre a histeria* e em A


interpretação dos sonhos*, ele apreendeu a transferência sob
o prisma de um deslocamento do investimento no nível das
representações psíquicas, mais do que como um
componente da relação terapêutica. Retrospectivamente,
podemos reconhecer a função essencial da transferência no
relato do caso Anna O. (Bertha Pappenheim*) feito por
Josef Breuer*, ainda que, examinando-o de perto, o
comentário que acompanha esse relato ainda seja muito
pouco teórico.
Transferência (continuação) 79

 Foi por ocasião da análise de Dora (Ida Bauer*), em 1905, que Freud
teve realmente sua primeira experiência, negativa, com a materialidade
da transferência. Ele atestou, a contragosto, que o analista de fato
desempenha um papel na transferência do analisando. Ao se recusar a ser
objeto do arroubo amoroso de sua paciente, Freud opôs uma resistência*
que, em contrapartida, desencadeou uma transferência negativa por parte
dela. Alguns anos depois, ele qualificaria esse fenômeno de
contratransferência*.
 Desde 1909, Sandor Ferenczi observou que a transferência existia em
todas as relações humanas: professor e aluno, médico e paciente etc. Mas
ele notou que, na análise, tal como na hipnose e na sugestão, o paciente
colocava inconscientemente o terapeuta numa posição parental. Na
mesma época, em sua exposição da análise de um caso de neurose
obsessiva* (Ernst Lanzer*), Freud começou a discernir o fato de que os
sentimentos inconscientes do paciente para com o analista eram
manifestações de uma relação recalcada com as imagos* parentais.
Transferência (continuação) 80

 Em 1912, em “A dinâmica da transferência”, primeiro texto


exclusivamente dedicado a essa questão, ele distinguiu a
transferência positiva, feita de ternura e amor, da
transferência negativa, vetor de sentimentos hostis e
agressivos. A estas se acrescentariam transferências mistas,
que reproduzem os sentimentos ambivalentes da criança em
relação aos pais. Em 1920, em Mais-além do princípio de
prazer*, Freud tornou a se surpreender com o caráter
repetitivo da transferência. Constatando que essa repetição*
sempre se referia a fragmentos da vida sexual infantil, ele
ligou a transferência ao complexo de Édipo* e concluiu que
a neurose* original era substituída, na análise, por uma
neurose artificial, ou “neurose de transferência”.
Transferência (continuação) 81

 No processo analítico, esta devia conduzir o paciente a um


reconhecimento da neurose infantil. Segundo a teoria da
sedução*, abandonada em 1897, mas cujos vestígios nunca
seriam totalmente apagados, a transferência foi considerada
por Freud como um obstáculo ao trabalho de rememoração
e uma forma particularmente tenaz de resistência, indício da
proximidade do retorno dos elementos recalcados mais
cruciais.
Transferência (continuação) 82

 Com o desenvolvimento da teoria da fantasia*, Freud afastou-se da


idéia de rememoração. Embora continuasse a ligar a resistência à
transferência, colocou a ênfase na importância de sua utilização como
via de acesso ao desejo* inconsciente. Em 1923, em “Dois verbetes de
enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido”, a transferência foi
concebida por Freud como um terreno no qual é preciso conseguir uma
vitória. Utilizada pelo analista, ela é, na verdade, “o mais poderoso
adjuvante do tratamento”. A partir daí, foi o amor transferencial que
passou a reter toda a atenção de Freud. Com esse termo ele designou os
casos em que o paciente — em geral, uma mulher — declara estar
apaixonado por seu analista. Havendo observado que esse era realmente
um processo transferencial, uma vez que a mudança de analista era
acompanhada pela repetição do sentimento, Freud sublinhou a
absoluta necessidade de o terapeuta respeitar a regra da
abstinência*, não apenas por razões éticas, mas sobretudo para que o
objetivo da análise pudesse ser perseguido.
Recomendação de leitura 83

 Vol. XII – (8) OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR


TRANSFERENCIAL (NOVAS RECOMENDAÇÕES
SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III) (1915
[1914]).
Contra-transferência 84

 A contratransferência é um conceito psicodinâmico fundamental na


técnica psicanalítica. Entende-se por contratransferência as emoções
que o terapeuta experimenta no decorrer de uma análise, em relação ao
paciente, e que são relacionadas com circunstâncias sentidas na sua
própria vida, que o afetaram consciente e inconscientemente.
 Tal como os pacientes têm transferência, os terapeutas e analistas têm
contratransferência, já que todo o relacionamento atual é uma nova
edição de antigos relacionamentos e este aspeto será igualmente válido
para o analista.
 Assim, a contratransferência no analista e a transferência no paciente
são essencialmente processos idênticos, ou seja, cada qual
inconscientemente experiência no outro atitudes e sentimentos já
vividos com alguém importante do seu passado. A diferença está em
que o analista tem consciência disso e sabe manusear os seus
sentimentos na relação terapêutica.
A Comunicação não-verbal 85

 Hoje não mais se admite, por parte do psicanalista uma


reiterada “interpretação” sob a forma de cobrança do tipo:
“se não disser nada não poderei te ajudar” ou “está falando
disso pra não falar sobre você” etc
 Pelo contrário, na atualidade cabe ao analista não só a
compreensão e a interpretação daquilo que está
explicitamente significado e representado no discurso verbal
do paciente, mas também cabe-lhe a decodificação das
mensagens implícitas subjacentes ao verbo, assim como
também na ausência do verbo, como em algum gesto,
somatização, atuação etc.
O Silêncio 86

 A literatura psicanalítica é relativamente escassa na


apresentação de trabalhos que versem especificamente sobre
o fenômeno do silêncio no campo psicanalítico. De modo
geral, os autores que o abordam restringem-se mais
particularmente à pessoa do “paciente-silencioso” e o
enfocam predominantemente sob o vértice de uma
modalidade de resistência à Análise.
 É importante destacar que em certos casos, além de uma
modalidade resistencial, o silêncio também exerce uma
importante função de comunicação não verbal na interação
analista-analisando.
O silêncio do paciente 87

 Inicialmente é importante estabelecer uma diferença entre


silêncio e mutismo. O primeiro pode acontecer sob distintas
modalidades, graus e circunstâncias, enquanto mutismo alude
a uma forma mais prolongada e com uma determinação mais
definida por parte do paciente em manter-se silencioso na
análise, as vezes de forma absoluta ou com esporádicos e
lacônicos comunicados verbais.
 O próprio mutismo também deve ser distinguido quanto a
possibilidade dele estar representando uma timidez expressiva
de uma proteção ao Self ameaçado, portanto a serviço da
pulsão de vida, ou, se o mutismo adquire uma forma
arrogante, constituinte de uma conduta própria de um
negativismo mais amplo e arraigado, logo, sob a égide da
pulsão de morte.
Assistir cena do filme 88

Voltando a Viver.
 Do início até 13:50 min
Actings 89

 Pode ser definido, a partir da situação psicanalítica, como


toda forma de conduta, um tanto quanto exagerada, que se
manifesta como uma maneira única de substituir algum
conflito ou angústia que não consegue ser lembrada,
pensada, conhecida, simbolizada ou verbalizada.
 Continua na página 391 no Título “FREUD”.
Acting Out 90

 Noção criada pelos psicanalistas de língua inglesa e depois


retomada tal e qual em francês, para traduzir o que Sigmund Freud
denomina de colocação em prática ou em ato, segundo o verbo
alemão agieren. O termo remete à técnica psicanalítica e designa a
maneira como um sujeito passa inconscientemente ao ato, fora ou
dentro do tratamento psicanalítico, ao mesmo tempo para evitar a
verbalização da lembrança recalcada e para se furtar à
transferência. No Brasil também se usa “atuação”. Foi em 1914
que Freud propôs a palavra Agieren (pouco corrente em alemão)
para designar o mecanismo pelo qual um sujeito põe em prática
pulsões, fantasias e desejos.
Acting out (continuação) 91

 Aliás, convém relacionar essa noção com a de ab-reação


(Abreagieren). O mecanismo está associado à rememoração,
à repetição e à elaboração. O paciente “traduz em atos”
aquilo que esqueceu: “É de se esperar, portanto”, diz Freud,
“que ele ceda ao automatismo de repetição que substituiu a
compulsão à lembrança, e não apenas em suas relações
pessoais com o médico, mas também em todas as suas
outras ocupações e relações atuais, bem como quando, por
exemplo, lhe sucede apaixonar-se durante o tratamento.”
Acting out (continuação) 92

 Para responder a esse mecanismo, Freud preconiza duas


soluções: (1) fazer o paciente prometer, enquanto se
desenrola o tratamento, não tomar nenhuma decisão grave
(casamento, escolha amorosa definitiva, profissão) antes de
estar curado; (2) substituir a neurose comum por uma
neurose de transferência, da qual o trabalho terapêutico o
curará. Em 1938, no Esboço de psicanálise, Freud sublinha
que é desejável que o paciente manifeste suas reações dentro
da transferência. Os psicanalistas de língua inglesa
distinguem o acting in do acting out propriamente dito. O
acting in designa a substituição da verbalização por um agir
no interior da sessão psicanalítica (mudança da posição do
corpo ou surgimento de emoções), enquanto o acting out
caracteriza o mesmo fenômeno fora da sessão.
Vídeo sobre Acting In 93
A Atividade Interpretativa 94

 A interpretação analítica pode ser descrita como uma


comunicação feita pelo analista ao analisando, comunicação
esta que esclarece, indica ou transforma o sentido de certos
pontos enigmáticos contidos no discurso do analisando,
trazendo à consciência o recalcado, infantil e sexual que
neles reside, permitindo a elaboração que é tão necessária
ao processo de cura.
Elaboração e Cura 95
 Os termos “cura” e “psicanalítica” guardam entre si uma certa
imprecisão conceitual e semântica e, por essa razão, é necessário
esclarecer o vértice que, aqui, esta sendo adotado.
 Dessa forma, o conceito do que esta sendo considerado como
“analítico” não se prende exclusivamente ao formalismo das
combinações convencionais do setting analítico (mínimo de 4
sessões semanais; uso indispensável do divã; rigor na livre
associação de idéias; neutralidade absoluta; interpretação
sistemática e exclusiva no “aqui-agora-comigo” da neurose de
transferência; etc).
 Como forma esquemática, creio que se pode dizer que a
obtenção de um objetivo terapêutico se processa de duas
maneiras: 1) a de um benefício terapêutico; 2) a de um resultado
analítico.
96
 O benefício terapêutico pode atingir uma gama distinta de
objetivos que guarda uma certa hierarquia entre si, como são as
seguintes:
a) A resolução de crises situacionais agudas (pode ser obtida em prazo
curto e, se bem manejadas, costumam ser d excelente prognóstico).
b) A diminuição progressiva da intensidade de sintomas ( se não
estiverem organizados em uma cronificação, também são de bom
prognóstico).
c) Um melhor reconhecimento e utilização de algumas capacidades
sadias do ego, que estavam latentes, ou bloqueadas, e a possível
liberação das mesmas.
d) Uma melhor adaptação interpessoal (tanto no plano da vida familiar,
como na profissional e na social). Não obstante o grande mérito que
representa esse benefício terapêutico, deve ser levado em conta que
mesmo quando resulta uma inequívoca melhora no padrão de ajuste
inter-relacional, essa melhora pode ser algo instável, sujeita a
recaídas, quando ela não tiver sido construída com os alicerces das
profundas modificações da estrutura interna do indivíduo.
A cura psicanalítica 97

O processo pelo qual se dá a "cura" em


psicanálise está relacionado, desde Freud,
com uma expansão do campo da
consciência. "Tornar consciente o
inconsciente" sempre foi e continua ainda a
ser um dos principais objetivos do
tratamento psicanalítico.
98

“Eu trato, Deus cura.” (Freud,


1912)

Fim...

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