Você está na página 1de 15

TERAPIA BIOENERGÉTICA

AULA 1

Prof.ª Nathalie Pailo Perozin


CONVERSA INICIAL

Bem-vindo(a) a esta aula!


No decorrer dos conteúdos, teremos como objetivo conhecer e aprofundar
nos fundamentos e nos conceitos teóricos da Bioenergética, além de
desenvolver a capacidade de realizar a aplicação prática dessa abordagem
terapêutica dentro do contexto das Práticas Integrativas e Complementares em
Saúde.
Começaremos os estudos pelos fundamentos da Bioenergética,
aprendendo sobre a origem dessa abordagem e alguns conceitos básicos
referentes à sua visão de homem e de mundo.

TEMA 1 – DA PSICOLOGIA À BIOENERGÉTICA

Veremos a seguir a relação entre a Bioenergética, a Psicologia Corporal


e a Psicologia como um todo. Para isso, utilizaremos uma figura, que nos ajudará
a compreender essa relação.

Figura 1 – Guarda-chuva da Psicologia

Fonte: Elaborada pela autora, 2021.

2
Como pudemos ver, para a Bioenergética, o guarda-chuva se abre da
seguinte forma: dentro da Psicologia existem diversas abordagens, uma delas é
a Psicologia Corporal; dentro da Psicologia Corporal existem três grandes
movimentos, que são o reichiano, o pós-reichiano e o neorreichiano; a
Bioenergética faz parte do movimento neorreichiano. Veremos mais detalhes de
cada um desses movimentos a seguir.
O movimento reichiano é aquele que dá origem à abordagem da
Psicologia Corporal, que tem como fundador Wilhelm Reich. O movimento pós-
reichiano mantém como base a teoria inicial de Reich, porém, começa a propor
pequenas alterações de compreensão da teoria, nomenclaturas e práticas
corporais – tem como principal autor Federico Navarro. Por fim, o movimento
neorreichiano se enquadra dentro da abordagem corporal devido à visão de
homem e de mundo de ambas ser compatível, porém, propõe mudanças bem
significativas na teoria, conceitos e práticas corporais. Podemos ver que dentro
do movimento neorreichiano existem três autores principais: Alexander Lowen,
fundador da Bioenergética, David Boadella, fundador da biossíntese e Gerda
Boyesen, fundadora da Biodinâmica. Nosso objetivo nesta disciplina é estudar a
primeira delas, a Bioenergética.

TEMA 2 – A REGULAMENTAÇÃO DA PSICOLOGIA CORPORAL NO BRASIL

Uma vez que, conforme vimos acima, a Bioenergética é uma disciplina da


Psicologia, como é possível que um profissional sem formação em Psicologia
trabalhe com essa abordagem? Essa é uma questão importante de
esclarecermos, para que você compreenda a regulamentação dessa área de
atuação e possa se sentir seguro em sua atuação profissional.
Uma publicação do ano de 2009, feita pelo Conselho Federal de
Psicologia em parceria com os Conselhos Regionais de Psicologia, com o título
“Ano da Psicoterapia: Textos Geradores”, traz esse tema para discussão a partir
de textos de diversos autores. A publicação propõe a reflexão a respeito da
atividade de psicoterapia ser regulamentada como de uso exclusivo dos
psicólogos ou continuar sendo permitida também para profissionais de outras
áreas de formação.
Para compreendermos um pouco mais a situação dessa discussão e nos
fortalecermos em nossa prática profissional, veremos a seguir algumas
reflexões. Conforme Rodrigues (2009, p. 49), “[...] é necessário ter em mente
3
que o campo das psicoterapias é antigo, amplo e diversificado. Logo, tratá-lo
como bem exclusivo da Psicologia nos remete a um equívoco não apenas
epistemológico, mas também de ordem política”.
Ainda de acordo com o autor, o fazer psicoterapêutico se construiu a partir
de diversos campos de conhecimento, como a Filosofia, a Medicina, a
Sociologia, a História, e outros. Neubern (2009) confirma esse entendimento de
Rodrigues quando diz que a história da psicoterapia mostra que esta é composta
por um conjunto de influências diversas e que, por estar ligada a um campo
complexo do conhecimento, como a subjetividade, dificilmente pode se constituir
como campo exclusivo de uma única disciplina, como a Psicologia.
Rodrigues (2009) destaca ainda que independente da formação
acadêmica ou graduação de um psicoterapeuta, a sua qualidade profissional
será determinada pelo investimento que esse faz em um processo
psicoterapêutico pessoal associado a um processo de supervisão, profundo e
consistente, que irão pautar sua prática clínica. O autor sugere também que para
melhor controle de qualidade das práticas psicoterapêuticas sejam criadas
formas de avaliação, fiscalização e orientação ético-profissional.
Dutra (2009) complementa esse tema quando diz que a relação
psicoterapêutica dificilmente será pautada somente na “técnica” e na “teoria”. A
autora defende que “[...] existe uma dimensão que é da própria singularidade do
psicólogo, uma vez que seu conhecimento e seu saber, formal e informal,
passam a constituir o seu modo-de-ser-terapeuta” (Dutra, 2009, p. 63).
Segundo Neubern (2009), é necessário que a discussão sobre esse tema
seja aprofundada em torno do aspecto da “formação” do psicoterapeuta. De
acordo com o autor, mais importante que o título em si é o percurso traçado pelo
profissional que, compreendendo a complexidade do campo de estudo da
subjetividade humana, deve extrapolar os limites disciplinares, buscando
articulações entre disciplinas diferentes.
Outra questão importante a se considerar para a compreensão desse
tema é que devido à Psicologia Corporal não ser uma profissão regulamentada
no Brasil é possível que o profissional interessado faça formações
independentes na área e tenha exercício livre da profissão.
Por fim, o que o Conselho Regional de Psicologia 8° Região (Quinelato,
2021) indica é que o profissional da área da terapia corporal (ou no nosso caso,
da Bioenergética) respeite na divulgação de seu trabalho o título a ele concedido

4
pela instituição de ensino responsável. Deve ficar claro para seus pacientes e
clientes qual é sua formação, sem espaço para dúvidas – propagandas que não
deixam nítidas as informações sobre formação e habilitações de profissionais da
área podem induzir a sociedade ao erro, o que poderia caracterizar exercício
ilegal da profissão.

TEMA 3 – FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CORPORAL

Antes de nos aprofundarmos no estudo específico da Bioenergética,


estudaremos sua fundamentação, passando pela origem, história, e principais
autores da Psicologia Corporal.

3.1 Wilhelm Reich e a origem da Psicologia Corporal

A história da Psicologia Corporal começa a partir da teoria desenvolvida


por Wilhelm Reich, que foi aluno de Sigmund Freud e posteriormente atuou por
muitos anos como psicanalista.
Por meio de seus estudos e sua prática clínica, com o passar do tempo,
Reich constatou que o método utilizado pela psicanálise, de associação livre de
ideias e análise do sintoma isoladamente, apresentava limitações. Os pacientes
demonstravam resistência à associação livre de ideias e muitas vezes as
técnicas da psicanálise não se mostravam suficientes para que os pacientes
encontrassem a cura para seus desequilíbrios psíquicos.
Reich começou então a fazer sugestões de modificações na teoria e na
técnica da Psicanálise, porém, suas ideias geraram controvérsias, até que em
um dado momento ele foi considerado indesejado dentro instituições
psicanalíticas (como Sociedades e Associações) e foi expulso da maioria delas.
Seguiu, então, seu próprio caminho, desenvolvendo sua própria teoria.
Pode-se dizer que a principal característica de sua teoria, que a diferia da
psicanálise, foi a inclusão do corpo e da energia como aspectos essenciais no
processo terapêutico.
Uma das primeiras grandes mudanças realizadas por Reich em suas
sessões de atendimento foi retirar o paciente do divã (no qual ficava deitado de
costas para o terapeuta, sem contato direto com ele) e colocá-lo frente a frente
com o terapeuta. Com essa mudança, Reich passou a observar não apenas o
que era dito, mas também as expressões emocionais e corporais do paciente.

5
Foi dessa forma que começou a desenvolver sua nova abordagem terapêutica,
que passou por algumas fases, conforme veremos a seguir.
Inicialmente seu método de trabalho foi chamado de Análise do Caráter,
que consistia em considerar o caráter do paciente como um todo durante o
processo terapêutico, não apenas os sintomas, como era feito na psicanálise.
Frente a frente com o paciente, Reich observava as expressões emocionais
desse, indo além do que era apenas dito. Reich começou a perceber também
que existiam alguns padrões emocionais e comportamentais em seus pacientes
e foi reunindo esses padrões em tipos de caráter, os quais chamou de “traços de
caráter”.
Para auxiliar na compreensão do termo “caráter” e seu significado prático
no processo terapêutico, segundo Navarro (1995), o caráter é a maneira habitual
de agir e reagir de um indivíduo, por intermédio do seu comportamento. Ou seja,
ao compreender os principais traços de caráter de um indivíduo, era possível
identificar seus padrões emocionais e comportamentais e direcionar o projeto
terapêutico de forma mais assertiva.
A respeito da formação dos traços de caráter, esta ocorre desde a
fecundação do indivíduo até sua puberdade, principalmente, podendo se
estender também para a vida adulta. Conforme as experiências vivenciadas pelo
indivíduo, que podem ser prazerosas ou traumáticas, esse vai desenvolvendo
sua forma habitual de agir e reagir no mundo. No caso de experiência negativas,
o indivíduo utiliza mecanismos de defesa naturais para se proteger, e essa forma
de responder aos acontecimentos, dependendo de sua frequência e intensidade,
vai se cristalizando em seu comportamento. Ou seja, o indivíduo perde sua
fluidez, sua capacidade de agir e reagir conforme as situações se apresentam,
em vez disso, desenvolve um comportamento rígido e encouraçado.
Em seguida, o seu trabalho seguiu para uma nova fase, chamada de
Vegetoterapia Caracteroanalítica. Segundo Volpi (2019), nessa fase, a Análise
do Caráter foi revisada e ampliada por Reich, deixando de ser uma terapia
apenas psicológica, e passando a ser também biofísica, tendo como base as
reações neurovegetativas. Aqui, Reich desenvolveu o conceito de “couraças
musculares” – regiões corporais com tensões musculares crônicas –, e mapeou
o corpo em sete segmentos de couraça. Foi nessa fase que o aspecto corporal
ganhou destaque no trabalho de Reich, o que depois veio a se tornar o nome da
abordagem que dedica sua origem a ele, a Psicologia Corporal.

6
Por fim, ao se aprofundar nos estudos referentes à energia – para a qual
Reich deu o nome de “orgone” – a última fase de seu trabalho foi chamada de
Orgonoterapia, que, posteriormente, consolidou-se como uma ciência natural,
denominada Orgonomia (VOLPI, 2019). A partir de suas pesquisas e estudos,
Reich descobriu a importância da energia para a saúde do organismo. Constatou
que se um organismo estava bem energeticamente, ou seja, a circulação e a
vibração energética estavam fluindo positivamente, esse apresentava maior
potencial para a saúde (física e emocional). Já se um organismo estava com a
circulação e a vibração energética estagnada, ele apresentava maiores chances
de desenvolver desequilíbrios em sua saúde (física e emocional).
Reich concluiu, então, que os traços de caráter e as couraças musculares
não geravam apenas rigidez no comportamento e no corpo do indivíduo, mas
também bloqueavam a circulação saudável de energia no organismo. A partir
desse momento de seu trabalho, a base da teoria e da prática da Psicologia
Corporal, conforme é seguida até hoje, foi definida e nela se considera que os
aspectos mente, corpo e energia são inseparáveis na construção do bem-estar
e da saúde de cada indivíduo, assim como devem fazer parte do processo
terapêutico.
Algumas das principais obras de Reich, para se aprofundar mais, são A
análise do caráter e A função do orgasmo.

3.2 Federico Navarro, a metodologia da vegetoterapia caracteroanalítica


e a disseminação da Psicologia Corporal no Brasil

Federico Navarro foi um autor pós-reichiano muito importante, pois foi


responsável por desenvolver a metodologia de exercícios da Vegetoterapia
Caracteroanalítica, os quais têm como o objetivo desbloquear as couraças
musculares de cada segmento corporal mapeado por Reich (VOLPI, 2019).
Após Reich definir o conceito de couraças musculares e mapear os
segmentos corporais, optou por pedir que Ola Raknes, seu aluno, amigo e
colaborador, desenvolvesse para ele os exercícios para o desbloqueio deles. Ola
Raknes, por sua vez, considerou que seu conhecimento em anatomia e fisiologia
não eram suficientes para criar tal metodologia, decidindo juntamente com Reich
repassar essa missão para alguém de seu confiança. Foi assim que Ola Raknes
convidou Federico Navarro para realizar essa tarefa (Volpi, 2019).

7
Navarro também se destaca na história da Psicologia Corporal, pois
divulgou o trabalho de Reich mundo afora, inclusive no Brasil, a partir do ano de
1986 (Volpi, 2019). O autor vinha para o país ministrar formações de
orgonoterapeutas, além de participar de congressos e realizar sessões
terapêuticas. Foi também responsável por escrever algumas obras que
organizam a metodologia reichiana, facilitando aos profissionais da área e
interessados a acessar, compreender e aplicar as técnicas da abordagem.
Uma curiosidade, inclusive, é que Navarro foi um dos grandes
responsáveis pela formação de José Henrique Volpi, um dos diretores do Centro
Reichiano em Curitiba, que hoje ministra formações em Psicologia Corporal,
juntamente com sua esposa Sandra Mara Volpi. O casal é também responsável
por organizar e promover o Congresso Brasileiro de Psicoterapias Corporais,
que, em 2021, completa sua 25° edição.
Algumas das principais obras de Navarro são Caracterologia pós-
reichiana, Metodologia da vegetoterapia caractero-analítica e
Somatopsicopatologia.

3.3 Alexander Lowen e a Bioenergética

Alexander Lowen foi responsável pela criação da Bioenergética,


abordagem neorreichiana da Psicologia Corporal. Reich foi professor de Lowen
por 12 anos (1940-1952) e seu terapeuta por três anos (1942-1945), mas antes
de conhecer Reich, Lowen já se interessava pela relação mente-corpo devido à
sua experiência pessoal com atividades esportivas (Lowen, 2017).
Segundo Lowen (2017), nos anos de 1930, ele foi coordenador de
esportes em acampamentos de férias e percebeu que um programa regular de
atividades físicas melhorou não apenas sua saúde, mas também seu estado
mental. De acordo com o autor, outros estudos também indicavam para ele que
um indivíduo pode influenciar suas atitudes mentais por meio de um trabalho
com o corpo. Conhecer o trabalho de Reich complementou e confirmou suas
ideias, assim como foi essencial para ajudá-lo a avançar na direção de seus
objetivos e sua autorrealização.
Apesar de confiar muito no trabalho de Reich e ter experimentado
pessoalmente seus benefícios, Lowen sentia que algumas alterações no método
eram necessárias e se propôs a seguir estudando e aperfeiçoando a abordagem
corporal, adequando-a às suas percepções pessoais.
8
A Bioenergética foi desenvolvida após o falecimento de Reich, a partir de
uma união terapêutica que Lowen fez com um colega de profissão, John
Pierrakos. Segundo o autor, nas sessões, Lowen experimentava em si mesmo
exercícios corporais, acompanhado por Pierrakos, e ia avaliando a melhor forma
de executá-los, assim como seus efeitos e resultados (Lowen, 2017). Sempre
acreditou na importância de vivenciar em seu próprio corpo aquilo que fosse
aplicar para seus pacientes, e foi dessa forma que desenvolveu as posições e
os exercícios básicos da bioenergética (Lowen, 2017).
Reconhecendo também a importância do processo analítico dentro da
sessão terapêutica, Lowen desenvolveu sua própria teoria em relação aos tipos
de caráter e, inclusive, mudou a nomenclatura utilizada por Reich e Navarro de
“traços de caráter” para “estruturas de caráter” – no decorrer de nossos estudos
utilizaremos a nomenclatura definida por Lowen, uma vez que estamos
estudando a abordagem desenvolvida por ele.
Pode-se dizer que na base de seu trabalho estão os princípios: da busca
pelo relaxamento das tensões musculares crônicas; do contato com o chão por
meio de exercícios de grounding; e da liberação e ampliação da respiração. Mais
para frente veremos detalhes dos exercícios bioenergéticos, como esses citados
anteriormente e outros.
O nome “Bioenergética” foi definido por Lowen, pois este acredita que
além do entendimento de que o que acontece com o corpo afeta a mente, os
processos energéticos do corpo determinam o que acontece tanto na mente
como no corpo (Lowen, 2017).
Podemos finalizar esse sobrevoo pela fundamentação da Psicologia
Corporal e da Bioenergética com uma frase de Lowen (2017, p. 36), que diz: “A
bioenergética é uma técnica terapêutica que ajuda o indivíduo a reencontrar-se
com o seu corpo e a tirar o mais alto grau de proveito possível da vida que há
nele”.
Algumas das principais obras do autor são Bioenergética, O corpo em
terapia e Medo da Vida.

TEMA 4 – VISÃO DE HOMEM E DE MUNDO DA PSICOLOGIA CORPORAL

Seguiremos agora para o estudo da visão de homem e de mundo da


Psicologia Corporal, ou seja, a forma como essa abordagem interpreta e
compreende o homem, sua relação com o meio, a sociedade, o mundo e a

9
realidade na qual ele está inserido. Pode-se dizer que a visão de homem e de
mundo de uma abordagem é o que caracteriza essa abordagem e aqueles
métodos e trabalhos que quiserem se encaixar dentro dela devem compactuar
com a mesma visão, como é o caso da Bioenergética em relação à Psicologia
Corporal.
Quando nos perguntamos, de forma objetiva, o que diferencia a visão da
Psicologia Corporal das demais abordagens da Psicologia, a resposta é: sua
visão de que mente, corpo e energia são inseparáveis e igualmente
determinantes na formação e no modo de ser e se comportar de um indivíduo. É
dessa união que as características do indivíduo se formam e é também a partir
desses três aspectos que a terapia corporal deve ser conduzida.
O aspecto mental do indivíduo, ou sua psique – um termo muito utilizado
por psicólogos – sempre foi o foco da psicologia. Ao pesquisar no dicionário é
possível constatar que “psique” tem muitos significados, como: mente, intelecto,
sentimentos, a parte imaterial do ser humano, entre outros. Por muito tempo se
acreditou que a mente e o corpo do indivíduo funcionavam de forma totalmente
independente e o que se apresenta em um desses aspectos nada tinha a ver
com o outro aspecto. Devido a isso, a psicologia e a medicina trabalharam
também de forma independente, acreditando que uma tinha o objetivo único de
tratar o corpo, enquanto a outra de tratar a mente.
Na Psicologia Corporal, esse conceito foi reavaliado. Como vimos, por
meio de seus estudos e prática clínica, Reich percebeu que a mente e o corpo
estavam diretamente relacionados e que o que acontecia com um desses
aspectos influenciava o outro.
A partir disso, o aspecto corporal – ou somático – foi incorporado ao
trabalho terapêutico da abordagem. Na visão da corporal, todas as experiências
vivenciadas por nós, desde a fecundação e durante toda nossa vida, geram
respostas emocionais e corporais. Quando passamos por uma situação positiva,
experimentamos emoções positivas, assim como nosso corpo responde de
forma fluida e expansiva. Já quando passamos por uma situação negativa, o
contrário acontece, experimentamos emoções negativas e nosso corpo
responde com contrações e contenções, perdemos a fluidez.
Dessa forma, as marcas deixadas em nós por essas experiências
impactam tanto a nossa mente, criando padrões emocionais e comportamentais,
como também nosso corpo, criando padrões posturais, modo de se movimentar,

10
regiões corporais com excesso ou falta de tônus, podendo gerar inclusive
doenças físicas. Podemos chamar essas marcas de “estruturas de caráter” e
“couraças musculares”, como já vimos brevemente e nos aprofundaremos nos
próximos conteúdos.
Mais adiante, o aspecto energético foi incorporado na visão de homem e
de mundo da abordagem. A energia está presente em todo organismo vivo, tudo
que há na terra, que possui qualquer centelha de vida, possui energia. A energia
é responsável por nos manter vivos, por possibilitar o movimento, a troca, a
vitalidade, a sexualidade, a reprodução, o trabalho, as emoções, e muito mais.
Um organismo saudável é aquele com energia circulando e disponível para os
processos de carga e descarga. É necessário que haja um equilíbrio entre esses
aspectos, para que não haja excesso ou falta de energia.
Uma das causas de nossos desequilíbrios físicos e psíquicos é esse
excesso de energia, que não é descarregada conforme deveria, ou a falta de
energia, pela incapacidade de absorvê-la e permitir que circule no organismo. As
couraças musculares são responsáveis por limitar esse ciclo de carga e
descarga que deveria acontecer naturalmente, considerando um organismo
saudável.

TEMA 5 – AUTORREGULAÇÃO

Finalizaremos esta aula estudando o conceito de autorregulação, muito


utilizado na Psicologia Corporal e abordagens relacionadas. O processo de
autorregulação consiste na capacidade de um organismo em executar as
adaptações necessárias em si mesmo para que seu estado de saúde e vida seja
mantido.
O natural seria que todos os organismos preservassem essa capacidade
de autorregulação durante toda sua vida, porém, devido a interferências
externas, essa capacidade é afetada e prejudicada, dando espaço para o
desenvolvimento de desequilíbrios e doenças.
Um organismo saudável tem a capacidade de reagir às situações de vida
conforme elas se apresentam e logo após retornar ao seu estado natural. Ou
seja, se passamos por uma situação de medo, por exemplo, nosso organismo
deve responder a isso e estar preparado para reagir conforme for necessário.
Muitas vezes, nesse caso, a reação do organismo será a retenção da respiração,
o tensionamento de alguns músculos, os olhos e ouvidos mais atentos, a
11
priorização da racionalização em vez do emocional, o aumento dos batimentos
cardíacos, entre outras alterações. Isso é normal e esperado, pois são reações
que garantem a sobrevivência. São mecanismos de defesa que estão sendo bem
aplicados. A questão é que, assim que a situação de medo se resolver ou se
dissipar, o organismo irá retornar para seu estado natural, relaxado, fluído,
libertando-se de todas as reações ativadas no momento do medo.
Quando perdemos essa capacidade, as reações geradas pelo nosso
mecanismo de defesa ficam cristalizadas ou encouraçadas em nosso organismo.
Ou seja, após uma experiência de tensão, de susto, de medo, o organismo retém
algumas das alterações ativadas no organismo e não retorna totalmente ao seu
estado natural. Quanto maior for a frequência, a intensidade e a relevância das
experiências negativas vivenciadas, maior é a tendência de um indivíduo adquirir
couraças, caracteriais e musculares.
Existe um conceito desenvolvido por Reich, chamado de “fórmula do
orgasmo” ou “curva orgástica”, que é baseado no orgasmo sexual propriamente
dito, mas que se aplica na prática clínica das abordagens corporais de forma
mais abrangente. Essa fórmula considera que em qualquer processo de
autorregulação o organismo passa por uma primeira fase, chamada de fase de
tensão, em seguida, alcança uma carga que leva a curva até seu ápice, após
atingir o ápice, inicia-se uma fase de descarga, e por fim, alcança-se a fase de
relaxamento ou relaxação. Quando vivenciamos as experiências de forma
saudável, essa curva se completa, mantendo nosso organismo sempre
autorregulado. Segue a imagem dessa curva para melhor compreensão.

Figura 2 – Curva orgástica

Fonte: Elaborada pela autora, 2021.

12
Um dos principais objetivos da Corporal, assim como da Bioenergética, é
restaurar a capacidade, ou parte da capacidade, de autorregulação do
organismo do paciente. Para isso, é necessário considerar diversos caminhos,
que veremos mais adiante, mas, resumidamente, entre eles estão: o trabalho
com as estruturas de caráter a partir da análise verbal (conversa com o paciente),
para amadurecimento emocional e da personalidade do paciente; aplicação de
práticas corporais com o objetivo de flexibilizar as couraças musculares e o
restabelecer o fluxo energético; estimular o paciente a ter mais contato com o
seu corpo e sua potência energética; buscar desenvolver a liberdade do paciente
em lidar com suas emoções e sensações; entre outros.

NA PRÁTICA

Tivemos um conteúdo bastante teórico nesta aula, porém, essenciais


como base para nossa prática terapêutica.
A partir da compreensão a respeito da visão de homem e de mundo da
Psicologia Corporal, como profissionais da abordagem Bioenergética, devemos
ter em mente que nosso trabalho consiste sempre em compreendermos e
trabalharmos cada indivíduo/paciente em seus aspectos energéticos, corporais
e mentais. Na sequência, estudaremos em detalhes cada um desses aspectos
e como atuar de fato em cada um deles. Neste momento, registrar que o nosso
trabalho abrange esses três fatores é o primeiro passo.
O estudo a respeito do conceito de autorregulação é essencial para nossa
prática profissional. Ao compreendermos que todos os desequilíbrios advêm de
um distanciamento da capacidade de autorregulação do indivíduo, devemos
manter em mente que um de nossos objetivos profissionais é proporcionar mais
contato com essa capacidade.
Aprenderemos, mais adiante, que faremos isso a partir do trabalho verbal
(para conhecer mais a história do paciente, seus padrões e suas estruturas de
caráter) e práticas corporais e energéticas (para flexibilização das couraças
musculares, melhor circulação energética e equilíbrio na capacidade de carga e
descarga dela). Esses três pilares de atuação compreendem também outros
aspectos do indivíduo, como o ego, as emoções, os comportamentos etc., mas
isso veremos com calma mais à frente.

13
FINALIZANDO

Nesta aula, iniciamos nossos estudos referentes à Terapia Bioenergética.


O primeiro conteúdo abordado foi a respeito de onde se encontra a
Bioenergética dentro da Psicologia. Vimos que essa é uma abordagem que faz
parte da Psicologia Corporal, neorreichiana e desenvolvida por Alexander
Lowen.
Em seguida, estudamos como é possível um profissional que não é
psicólogo trabalhar com a Bioenergética. Compreendemos que existem diversas
discussões a respeito da regularização da prática psicoterapêutica no Brasil.
Atualmente, essa é uma profissão não regulamentada no país e, portanto, é
possível fazer formações independentes na área, sendo importante apenas
respeitar o título dado ao profissional pela instituição de ensino pela qual se
formou e fazer a divulgação adequada do seu trabalho, sem gerar dúvidas para
os pacientes e clientes que o procuram.
Na sequência, estudamos a respeito da fundamentação da Bioenergética,
passando pela sua origem, sua história, conceitos básicos e principais autores,
assim como indicações de suas principais obras.
Caminhamos, então, o estudo da visão de homem e de mundo da
Psicologia Corporal, compreendendo que a característica principal dessa
abordagem é a visão de que a mente, o corpo e a energia são inseparáveis e
determinantes na formação do indivíduo, assim como são pilares do processo
terapêutico da abordagem.
Finalizando a parte teórica desta aula, estudamos o conceito de
autorregulação e como ele é fundamental na teoria e na prática da Psicologia
Corporal e da Bioenergética.
Por fim, foram apresentadas as aplicações práticas dos conteúdos
estudados. Como esta aula foi bastante teórica, não tivemos um conteúdo tão
aprofundado sobre a prática, porém, foi destacada a importância desses
conhecimentos como base para a prática terapêutica dentro da abordagem e de
que forma serão úteis para isso.

14
REFERÊNCIAS

LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus, 2017.

NAVARRO, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.

QUINELATO, D. L. L. Dúvida Psicologia Corporal. Mensagem recebida por e-


mail em 4 de fevereiro de 2021.

VOLPI, J. H. Psicoterapia Corporal – Um trajeto histórico de Wilhelm Reich. 2.


ed. Curitiba: Centro Reichiano. 2019.

15

Você também pode gostar