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Capítulo 1

PRINCÍPIOS GERAIS DA ENTREVISTA

Este livro considera as entrevistas psiquiá­ po deste livro. Elas são tratadas resumida­
tricas com o objetivo de compreender e tra­ mente no Capítulo 2, “Princípios Gerais da
tar as pessoas com problemas emocionais Psicodinâmica”, juntamente com as influên­
ou com doenças psiquiátricas. Ele não con­ cias biológicas no comportamento. Preferi­
sidera princípios ou técnicas destinados a mos uma orientação teórica eclética ou plu­
pesquisa, procedimentos judiciais ou ava­ ralística.
liação da adequação para emprego, o que Depois de dois capítulos introdutórios,
geralmente envolve terceiros ou uma moti­ a próxima parte discute as mais significativas
vação não terapêutica. Essas entrevistas pos­ síndromes clínicas e tipos de personalidade,
suem pouco em comum com aquelas des­ que são determinantes importantes do des­
critas aqui, exceto pelo fato de que podem dobramento da entrevista e dos problemas
ser conduzidas por um profissional da saú­ posteriores no tratamento. Cada um des­
de mental. ses capítulos clínicos começa com uma dis­
Acreditamos que são necessários vá­ cussão sobre a psicopatologia, os achados
rios anos para que um estudante iniciante se clínicos e uma formulação psicodinâmica.
torne um entrevistador qualificado. No en­ Depois, eles discutem o comportamento ca­
tanto, o tempo em si não cria um entrevis­ racterístico na entrevista e oferecem con­
tador psiquiátrico experiente. O treinamen­ selhos referentes à condução da entrevista
to nas ciências básicas da psicodinâmica e para cada tipo de paciente. As vinhetas clí­
da psicopatologia é essencial, além dos pro­ nicas apresentadas neste livro foram extraí­
fessores médicos qualificados, que entrevis­ das, em sua grande parte, de nossa prática
tam os pacientes na presença dos alunos e clínica ou de nossa experiência no ensino.
que também observam e discutem as entre­ Essa abordagem não significa que es­
vistas conduzidas pelos estudantes. sas sejam as técnicas “corretas” ou que al­
Freud forneceu os fundamentos do guém possa aprender a entrevistar memo­
nosso atual conhecimento da psicodinâmi­ rizando-as. Nosso estilo de entrevistar não
ca, apesar de outros terem ampliado e es­ agradará nem será adequado igualmente a
tendido seus conceitos. Incluímos contri­ todos os leitores. No entanto, há estudan­
buições da psicologia do ego, da teoria das tes que têm poucas oportunidades de ob­
relações de objeto, da psicologia compor­ servar as entrevistas de médicos experien­
tamental, da psicologia do self, da psicolo­ tes ou de serem observados. Embora este
gia relacional e da psicologia intersubjeti­ livro não possa substituir um bom ensino
va, embora nem sempre identificadas como clínico, ele pode fornecer alguns vislumbres
tais. Qualquer tentativa sistemática de in­ úteis de como médicos experientes condu­
tegrar essas teorias está bem além do esco­ zem entrevistas.

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Uma segunda razão para fornecer res­ nal” ofereça alguma forma de ajuda, seja ele
postas clínicas específicas tem origem nas ha­ advogado, economista, arquiteto, psicólogo,
bituais e equivocadas interpretações dos prin­ assistente social ou médico. Na entrevista
cípios abstratos da entrevista. Por exemplo, médica, tradicionalmente, uma pessoa está
um supervisor que sugeriu a um aluno “in­ sofrendo e deseja alívio; espera-se, então,
terpretar a resistência do paciente” mais tar­ que o outro forneça esse alívio. A esperan­
de foi informado de que o terapeuta inex­ ça de obter ajuda para aliviar seu sofrimen­
periente disse o seguinte ao paciente: “Você to motiva o paciente a expor-se e a “contar
está sendo resistente”. Só depois de o pacien­ tudo”. Esse processo é auxiliado pela con­
te ter reagido negativamente é que o estu­ fidencialidade da relação médico-pacien­
dante compartilhou o fato com seu supervi­ te. Na medida em que o paciente conside­
sor e reconheceu seu erro. Após o supervisor ra o médico como uma potencial fonte de
mostrar a sensibilidade do paciente à censu­ ajuda, fala mais ou menos livremente sobre
ra e a necessidade de se ter cuidado, o resi­ qualquer assunto que ache ser pertinente à
dente refez sua forma de expressar, formu­ sua dificuldade. Portanto, com frequência é
lando: “Parece que você acha que isso não é possível obter uma considerável quantidade
um problema para tratar com um psiquia­ de informações sobre o paciente e seu sofri­
tra” ou “Algumas das minhas perguntas lhe mento apenas ouvindo o que ele tem a dizer.
parecem irrelevantes?”.
A Parte III trata das situações de entre­
vistas em que os entrevistados apresentam A entrevista psiquiátrica
problemas especiais. Elas poderão envol­
ver um paciente com alguma síndrome ou A entrevista psiquiátrica difere das entrevis­
­doença. Aqui, a ênfase deixa de estar no tipo tas clínicas em geral em uma série de aspec­
específico da psicopatologia e passa a estar tos. Como Sullivan demonstrou, o psiquia­
nos fatores inerentes ao quadro clínico, os tra é considerado um especialista no cam­
quais poderão ter prioridade na determina­ po das relações interpessoais; consequente­
ção da conduta do entrevistador. A consul­ mente, o paciente espera encontrar mais do
ta realizada na ala de um hospital geral ou que um simpático ouvinte. Qualquer pessoa
o paciente com uma característica cultural que justificadamente procura ajuda psicoló­
diferente pode servir de exemplo. gica espera a direção do especialista na en­
A parte final deste livro está reservada trevista. O médico demonstra essa perícia
para questões técnicas especiais que influen­ pelas perguntas que faz, por aquelas que não
ciam a entrevista psiquiátrica, como anota­ faz e por determinadas atividades, as quais
ções, e-mail e o papel do telefone, incluindo são apresentadas mais adiante. A busca pela
o celular ou pager do paciente. entrevista clínica tradicional é voluntária e,
de modo geral, acompanhada da coopera­
ção do paciente. Embora essa situação seja
A ENTREVISTA CLÍNICA o padrão em muitas entrevistas psiquiátri­
cas, há ocasiões em que a pessoa entrevista­
Uma entrevista profissional difere de outros da não foi voluntariamente à consulta do es­
tipos de entrevistas em que um indivíduo pecialista em saúde mental. Essas entrevis­
está consultando alguém que é considerado tas são discutidas em separado, mais adian­
um especialista. Espera-se que o “profissio­ te, neste livro (ver Cap. 14, “O Paciente Psi­

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cótico”; Cap. 15, “O Paciente Psicossomáti­ motivado a esconder seus sentimentos mais
co”; e Cap. 18, “O Paciente Hospitalizado”). profundos e as causas fundamentais do seu
Geralmente, as entrevistas médicas em transtorno psicológico.
áreas não psiquiátricas enfatizam a histó­ O medo do paciente de olhar além das
ria médica, com o propósito de obter infor­ suas defesas não é a única razão para escon­
mações que facilitarão o estabelecimento de der fatos na entrevista. Toda pessoa está preo­
um diagnóstico correto e a instituição do cupada com a impressão que causa nos ou­
tratamento adequado. Essa entrevista está tros. Com frequência, o médico, como uma
programada para a doença atual, a história figura de autoridade, representa, de forma
passada, a história familiar e a revisão dos simbólica, os pais do paciente; por isso, as
sistemas. Dados relativos à vida pessoal são suas reações são especialmente importantes
importantes quando podem interferir na para este. Na maioria das vezes, o paciente
doença atual. Por exemplo, se um paciente deseja obter o amor ou o respeito do mé­
descreve práticas sexuais inseguras, o entre­ dico, mas podem ocorrer outros padrões.
vistador perguntará se ele já teve uma doen­ Se suspeitar que alguns dos aspectos menos
ça venérea ou se foi testado para HIV. Caso admiráveis da sua personalidade estão en­
o paciente fique inseguro em relação à pri­ volvidos em sua doença, o paciente poderá
vacidade dos registros escritos, essa infor­ relutar em revelar tal material até que tenha
mação poderá não ser registrada. O psiquia­ certeza de que não perderá o respeito do en­
tra também está interessado nos sintomas, trevistador ao se expor.
na data de início e nos fatores significati­
vos da vida do paciente que possam estar
relacionados à sua condição. No entanto, o Entrevistas diagnósticas
diagnóstico psiquiátrico e o tratamento ba­ e terapêuticas
seiam-se tanto na história geral de vida do
paciente quanto na sua doença atual. Isso in­ Em geral, ocorre uma falsa distinção entre a
clui o estilo de vida, a autoestima, os padrões entrevista para diagnóstico e a terapêutica.
tradicionais de enfrentamento e o relaciona­ A entrevista que está totalmente orientada
mento do paciente com outras pessoas. para estabelecer um diagnóstico dá ao pa­
O paciente clínico acredita que seus sin­ ciente a impressão de que ele é um espéci­
tomas ajudarão o profissional a compreen­ me da patologia sendo examinado, o que de
der sua doença e a prescrever o tratamento fato o inibe quanto à revelação dos seus pro­
eficaz. Normalmente, ele deseja contar ao blemas. Se existe algum sinal do sucesso de
médico qualquer coisa que pensa estar re­ uma entrevista, esse é o grau do sentimen­
lacionada à sua doença. No entanto, muitos to de compreensão recíproca ­desenvolvido
sintomas psiquiátricos envolvem funções de­ pelo paciente e pelo médico. Frequente­
fensivas do ego e representam conflitos psi­ mente, o iniciante interpreta essa afirmação
cológicos inconscientes (ver Cap. 2, “Princí­ de forma equivocada, como um conselho
pios Gerais da Psicodinâmica”). Da mesma para fornecer reasseguramento ou aprova­
forma que o paciente se defende da ciência ção. Por exemplo, declarações que iniciam
desses conflitos, também os esconde do en­ com “Não se preocupe” ou “Isso é perfeita­
trevistador. Por isso, embora esteja motiva­ mente normal” são tranquilizantes, mas não
do a revelar-se para obter alívio do seu sofri­ empáticas. Observações como “Sei o quanto
mento, o paciente psiquiátrico também está você se sente mal...” ou aquelas que mencio­

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nam as circunstâncias nas quais o paciente discussão sobre sessões específicas com pa­
ficou “perturbado” são empáticas. Uma en­ cientes específicos. Apresentamos, aqui, vá­
trevista focada em compreender o paciente rios exemplos oriundos de nossas próprias
fornece informações diagnósticas mais va­ consultas.
liosas do que aquelas que buscam descobrir Este livro discute a consulta e a fase
a psicopatologia. Mesmo que o entrevista­ inicial da terapia, que poderá levar poucas
dor acredite que estará com o paciente ape­ horas, alguns meses ou mesmo mais tem­
nas por uma vez, é possível uma interação po. O entrevistador usa os mesmos princí­
terapêutica verdadeira. pios básicos nas primeiras entrevistas e no
tratamento mais prolongado.

Entrevistas iniciais e posteriores


Dados da entrevista
À primeira vista, a entrevista inicial pode­
ria ser definida, de forma lógica, como a pri­ Conteúdo e processo
meira entrevista do paciente com um pro­
fissional, mas, de certo modo, essa definição O conteúdo de uma entrevista refere-se tan­
não está correta. Todo adulto teve um conta­ to à informação factual fornecida pelo pa­
to anterior com um médico e tem uma ma­ ciente quanto às intervenções específicas do
neira característica de se comportar nessa entrevistador. Muito do conteúdo pode ser
situação. O primeiro contato com um pro­ transmitido verbalmente, embora ambas as
fissional da saúde mental é apenas o mais re­ partes também se comuniquem por meio do
cente em uma série de consultas com pro­ comportamento não verbal. Com frequên­
fissionais de saúde. A situação é mais com­ cia, o conteúdo verbal não está relaciona­
plexa com o paciente que já se submeteu à do à mensagem real da entrevista. Alguns
psicoterapia ou que tenha estudado psico­ exemplos comuns são o paciente que cor­
logia, porque isso o faz chegar, antes da sua ta um pedaço de papel em pedacinhos ou
entrevista psiquiátrica inicial, ao ponto do que se senta com uma postura rígida e os
autoconhecimento que exigiria vários me­ punhos cerrados, ou uma mulher sedutora
ses de tratamento com uma outra pessoa. que expõe suas coxas e provoca, não verbal­
Também existe a questão do tempo: Qual é a mente, um olhar furtivo e culposo do entre­
duração da entrevista inicial? Uma, duas ou vistador. O conteúdo envolve mais do que o
cinco horas? Certamente existem questões significado das palavras do paciente encon­
que diferenciam a entrevista inicial das pos­ trado no dicionário. Também diz respeito,
teriores; no entanto, essas, em geral, com­ por exemplo, ao estilo de linguagem do pa­
preendem mais de uma sessão. Os assuntos ciente – uso das formas verbais ativa ou pas­
que podem ser discutidos com determina­ siva, jargão técnico, comunicação coloquial
do paciente na primeira ou na segunda en­ ou ordens frequentes.
trevista, com outros pacientes, não poderão O processo da entrevista refere-se ao de­
ser discutidos antes de dois anos de trata­ senvolvimento da relação entre o entrevis­
mento. Ao longo deste livro, alertamos so­ tador e o paciente. Esse processo está espe­
bre os assuntos que deverão ser discutidos cialmente vinculado ao significado implícito
nas primeiras sessões e sobre aqueles que se­ da comunicação. O paciente apresenta vá­
rão deixados para fases posteriores do trata­ rios graus de consciência do processo, prin­
mento. Uma precisão maior necessitaria da cipalmente vivenciada na forma das suas

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fantasias sobre o médico e um senso de con­ comunicação não verbal e do seu momen­
fidência e confiança nele. Alguns analisam to em relação ao conteúdo verbal. A comu­
o médico, especulando sobre o porquê de nicação não verbal comum envolve as res­
ele dizer determinadas coisas em determi­ postas emocionais do paciente, como cho­
nados momentos. O entrevistador se esfor­ ro, risos, rubor e agitação. Uma forma muito
ça no sentido de uma consciência contínua importante pela qual se comunica os senti­
dos aspectos do processo, como: “Por que mentos é pelas características físicas da voz.
usei essas palavras na minha observação?” O entrevistador também observa o com­
ou “Por que o paciente me interrompeu nes­ portamento motor do paciente para infe­
se momento?”. rir processos mais específicos de pensamen­
O processo inclui a maneira pela qual to que não foram verbalizados. Por exem­
o paciente conta os fatos para o entrevista­ plo, brincar com a aliança de casamento ou
dor. Ele se mostra isolado, sedutor, agradá­ olhar o relógio comunica mais do que uma
vel, charmoso, arrogante ou evasivo? Seu ansiedade difusa.
modo de contar poderá ser fixo ou variar
com frequência durante a entrevista. O en­
trevistador aprende a ter consciência das Afeto e pensamento
suas próprias respostas emocionais ao pa­
ciente. Se ele as examinar à luz do que o Normalmente, a decisão de consultar um
paciente acabou de dizer ou fazer, poderá especialista em saúde mental é vivenciada
melhorar sua compreensão sobre a intera­ com certa ambivalência, mesmo quando o
ção. Por exemplo, poderá começar a ter di­ paciente já teve uma experiência anterior
ficuldade de concentrar-se no discurso de com esse tipo de situação. É assustador reve­
um obsessivo-compulsivo e, por isso, achar lar-se para um estranho. Isso é válido sobre­
que o paciente está usando as palavras mais tudo se o estranho não se esforça para dei­
para evitar contato do que para se comu­ xar o paciente à vontade, ou se ele mesmo
nicar. Em outra situação, a resposta emo­ se sente pouco à vontade. O paciente teme
cional do próprio médico poderá ajudá-lo embaraços, julgamentos prematuros ou crí­
a reconhecer uma depressão subjacente do ticas por parte do entrevistador. Entrevista­
paciente ou, ainda, que este é narcisista ou dores inexperientes são mais propensos à
borderline. ansiedade quando encontram um paciente
pela primeira vez. Este está ansioso a respei­
to de sua doença e dos problemas práticos
Dados introspectivos do tratamento psiquiátrico. Muitas pessoas
e de observação acham a ideia de consultar um profissional
da saúde mental extremamente inquietante,
Os dados comunicados na entrevista psi­ o que complica ainda mais a situação. Em
quiátrica são tanto introspectivos quanto de geral, a ansiedade do médico está centrada
observação. Dados introspectivos incluem na reação do seu novo paciente para com
o relato do paciente sobre seus sentimen­ ele, bem como na sua capacidade de ajudar.
tos e experiências. Em geral, esse material Se o entrevistador também é um estudan­
é expresso verbalmente. Dados de observa- te, as opiniões dos seus professores serão de
ção envolvem o comportamento não verbal grande importância.
do paciente e do entrevistador. O paciente O paciente poderá expressar outros
não possui consciência da importância da tipos de afeto, como tristeza, raiva, culpa,

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vergonha, orgulho ou alegria. O entrevis­ ca. A psicopatologia também lida com a efi­
tador deverá perguntar o que ele sente e o cácia dos mecanismos de defesa, as inter-re­
que acha que provocou tal sentimento. Se a lações entre eles e sua integração geral den­
emoção é óbvia, o entrevistador não preci­ tro da personalidade.
sará perguntar o que o paciente sente, mas
o que levou à emoção do momento. Se o Psicodinâmica. A psicodinâmica é a ciência
paciente negar a emoção nomeada pelo en­ que tenta explicar o desenvolvimento psí­
trevistador, mas identificá-la com um sinô­ quico total do paciente. Não somente seus
nimo, este aceitará a correção e pergunta­ sintomas e patologia do caráter são explica­
rá o que estimulou tal sentimento, em vez dos, mas também os pontos fortes e as vir­
de discutir com o paciente. Alguns pacien­ tudes da sua personalidade. As reações dos
tes expõem completamente suas respostas pacientes aos estímulos internos e externos
emocionais, enquanto outros as escondem ao longo de toda a sua vida fornecem os da­
até de si próprios. Embora suas opiniões se­ dos para as explicações psicodinâmicas. Es­
jam importantes, suas respostas emocionais ses tópicos são discutidos em detalhes no
são a chave para a interpretação da entre­ Capítulo 2, bem como nas aplicações espe­
vista. Por exemplo, uma paciente que esta­ cíficas nos vários capítulos clínicos da Par­
va descrevendo em detalhes a situação da te II deste livro. Nos últimos anos, a pesqui­
sua vida atual segurou as lágrimas quando sa neurocientífica forneceu conhecimentos
mencionou a sogra. O entrevistador pode­ úteis da função cerebral. Por exemplo, no
ria observar algo como: “Parece que este as­ caso do transtorno de estresse pós-traumá­
sunto é constrangedor” ou “Você está con­ tico, as técnicas de imagem cerebral identi­
tendo o choro?”. ficam áreas cerebrais lesadas como resultado
Os processos do pensamento do pa­ de estresse psicológico grave. Isso não anu­la
ciente podem ser observados em termos de o significado psicológico da experiência do
quantidade, taxa de produção, conteúdo e paciente. O único sobrevivente de uma com­
organização. Suas opiniões estão limitadas? panhia liquidada pelo inimigo em uma ba­
Em caso afirmativo, que assuntos restrin­ talha sofre mais do que simplesmente o tes­
gem o paciente? Suas ideias são expressas de temunho da morte de seus amigos e compa­
forma organizada e coerente? Os distúrbios nheiros. Ele se pergunta por que foi poupa­
graves no padrão de associações, na taxa de do e o que poderia ter feito de diferente para
produção e na quantidade total do pensa­ ajudar os demais. A culpa é um componen­
mento são facilmente reconhecidos. te essencial do aparelho psíquico humano,
e geralmente o paciente encontra uma razão
consciente ou inconsciente para responsa­
O paciente bilizar-se por seu sofrimento.

Psicopatologia. A psicopatologia se refere à fe­ Pontos fortes da personalidade. Frequen­


nomenologia dos transtornos emocionais. temente o paciente vai a uma consulta com a
Isso inclui os sintomas neuróticos ou psi­ expectativa de que o entrevistador está ape­
cóticos, bem como os transtornos compor­ nas interessado em seus sintomas e falhas de
tamentais e caracterológicos. Nessas catego­ caráter. Poderá ser tranquilizador o fato de
rias estão as falhas na capacidade de atuar o médico expressar interesse pelas v­ irtudes,
nas áreas de amor, sexo, trabalho, diversão, pelos talentos e pelos pontos fortes da sua
socialização, vida familiar e ordem fisiológi­ personalidade. Com alguns pacientes, essas

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informações são obtidas de forma voluntá­ reações emocionais que se originaram com
ria, mas, com outros, o entrevistador pre­ as figuras significativas da sua infância para
cisará perguntar: “Poderia contar-me algu­ as pessoas da sua vida atual. O relativo ano­
ma coisa de que gosta em você ou de que nimato do entrevistador e seu papel de pai/
se orgulha?”. Muitas vezes, as virtudes mais mãe-substituto facilitam esse deslocamen­
importantes do paciente podem ser desco­ to para ele. Essas questões de transferência
bertas por meio das suas reações durante a estão integradas com as reações realísticas e
entrevista. O entrevistador poderá ajudar o apropriadas do paciente para com o entre­
paciente a revelar suas características sau­ vistador e, juntas, formam a relação total.
dáveis. É normal estar tenso, ansioso, cons­ Muitos psicanalistas acreditam que to­
trangido ou culpado quando se está revelan­ das as respostas nas relações humanas es­
do suas deficiências a um estranho. Existe tão baseadas na transferência. Outros ­fazem
pouca probabilidade de que o paciente de­ distinção entre transferência e aliança tera-
monstre sua capacidade de divertir-se e de pêutica, que é a relação real entre a pessoa
orgulhar-se caso, logo depois de tristemen­ profissional do entrevistador e o compor­
te ter revelado algum material doloroso, o tamento saudável, observador e racional do
entrevistador lhe pergunte: “O que você faz paciente. A realística aliança terapêutica coo­
para se divertir?”. Muitas vezes, é necessário perativa também tem sua origem na infân­
conduzir sutilmente o paciente para longe cia e está baseada no vínculo da verdadei­
dos assuntos inquietantes, permitindo-lhe ra confiança entre a criança e sua mãe. Com
um período de transição antes de explorar frequência, o termo transferência positiva é
assuntos mais agradáveis. empregado livremente para referir-se a to­
Nessa área, mais do que em qualquer das as respostas emocionais positivas do pa­
outra, o entrevistador não reativo perderá ciente ao terapeuta, mas, no sentido exato
importantes informações. Por exemplo, se da palavra, o termo deverá ser limitado a
o paciente perguntar: “Você gostaria de ver respostas que sejam realmente transferên­
as fotos dos meus filhos?”, e o entrevista­ cias – isto é, atitudes ou sentimentos que são
dor parecer neutro, o paciente interpretará deslocados das relações da infância e que
isso como indiferença. Se o médico olhar são irreais no setting terapêutico. Um exem­
para as fotos e não fizer qualquer comentá­ plo é a onipotência comumente atribuída
rio, é improvável que o paciente mostre toda ao terapeuta. É desejável uma forte aliança
a sua capacidade de sentimentos afetuosos. terapêutica no tratamento para que o pa­
Normalmente, as fotos fornecem pistas para ciente deposite sua confiança e confidência
observações adequadas, que serão responsi­ no médico – processo ­ equivocadamente
vas e ajudarão o paciente a ficar à vontade. referido como “manutenção da transferên­
O entrevistador poderá comentar sobre as cia positiva”. O iniciante poderá interpretar
semelhanças familiares ou sobre sentimen­ de forma errônea esse conselho, entenden­
tos que estão aparentes na foto, indicando do que o paciente deverá ser encorajado a
que aceita sinceramente a oferta do pacien­ amá-lo ou a expressar apenas os sentimen­
te. Também poderá perguntar os nomes das tos positivos. Isso leva o entrevistador a um
­pessoas retratadas. comportamento “cortês”. Certos pacientes,
como os paranoicos, ficam mais à vontade,
Transferência. Transferência é um proces­ sobretudo no início do tratamento, se man­
so no qual o paciente desloca inconsciente­ tiverem uma transferência negativa mode­
mente aqueles padrões de comportamento e rada manifestada sob a forma de suspeita.

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Para outros pacientes, como muitos com la de espera e pedir um copo de água são
transtornos psicossomáticos ou depressão, exemplos comuns de manifestações sim­
a transferência negativa deverá ser reconhe­ bólicas dos desejos de transferência. O en­
cida e resolvida imediatamente, ou abando­ trevistador inexperiente tentará diferenciar
narão o tratamento. solicitações “legítimas”, reais, daquelas de­
Neurose de transferência refere-se ao mandas de transferência “irracionais” para,
desenvolvimento de um novo grupo dinâ­ então, atender às primeiras e frustrar e in­
mico de sintomas durante a psicoterapia in­ terpretar as últimas. Como resultado, serão
tensiva. O terapeuta se torna a personali­ cometidos muitos erros no manejo desses
dade central na dramatização dos conflitos episódios. O problema poderá ser simpli­
emocionais, os quais tiveram início na in­ ficado se for considerado que todas as soli­
fância do paciente. Enquanto a transferên­ citações incluem um significado de transfe­
cia envolve reproduções fragmentadas de rência inconsciente. Em seguida, a questão
atitudes do passado, a neurose de transfe­ se tornará uma perfeita mistura de satisfa­
rência é um tema constante e infiltrado da ção e interpretação. A decisão depende do
vida do paciente. Suas fantasias e sonhos es­ momento da solicitação, de seu conteúdo,
tão centralizados no entrevistador. do tipo de paciente, da natureza do trata­
Os fatores realísticos relacionados ao mento e da realidade da situação. O melhor
médico poderão ser pontos de partida para é não fazer a maior parte das interpretações
a transferência inicial. Idade, sexo, maneira de transferência até que uma aliança tera­
pessoal e a cultura social e étnica influen­ pêutica tenha sido firmemente estabelecida.
ciam a rapidez e a direção das respostas do Por exemplo, no primeiro encontro, o
paciente. Possivelmente, uma entrevistado­ paciente poderá saudar o entrevistador di­
ra provocará reações competitivas nas pa­ zendo: “Você tem um lenço de papel?”. Ele
cientes e respostas eróticas dos pacientes. começa sua relação fazendo uma solicita­
Se a juventude da entrevistadora e sua apa­ ção especial. O médico deverá simplesmen­
rência indicarem que ela é uma estagiária ou te atender à sua solicitação, já que recusas
estudante, esses fatores também influencia­ ou interpretações poderiam ser prematuras
rão a transferência inicial. Com os entrevis­ e rapidamente rechaçar o paciente. No en­
tadores ocorre o oposto. A transferência não tanto, uma vez que uma relação inicial já
é simplesmente positiva ou negativa, mas tenha sido estabelecida, o paciente poderá
uma recriação das várias fases do desenvol­ pedir um lenço de papel e acrescentar algo
vimento emocional do paciente ou um re­ como: “Acho que tenho um em algum lugar,
flexo das suas complexas atitudes em rela­ mas teria de procurar”. Se o entrevistador
ção às importantes figuras-chave da sua vida. escolher explorar esse comportamento, po­
Em termos de fenomenologia clínica, alguns derá simplesmente elevar suas sobrancelhas
padrões comuns de transferência podem ser e esperar. Normalmente, o paciente procu­
reconhecidos. rará seu próprio lenço enquanto comenta:
Desejo de afeição, respeito e satisfa­ “Você possivelmente atribui algum signifi­
ção das necessidades de dependência são a cado a isso!”, e o entrevistador poderá res­
forma mais comum de transferência. O pa­ ponder: “Qual, por exemplo?”. Isso fornece
ciente procura evidências de que o entrevis­ uma oportunidade para mais perguntas so­
tador o ama ou poderá amá-lo. Solicitação bre as razões do paciente.
de tempo especial ou de ponderações finan­ O entrevistador que forneceu lenços
ceiras, pegar emprestado uma revista da sa­ de papel em várias ocasiões poderá comen­

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tar: “Observei que frequentemente você me teresse sobre a experiência ou a capacidade


pede lenços de papel”. A discussão explo­ do entrevistador de entender o paciente. São
rará se essa solicitação reflete uma prática exemplos: “Você é casado?”; “Você tem fi­
geral ou ocorre apenas no consultório do lhos?”; “Qual é a sua idade?”; “Você é judeu?”
terapeuta. Em qualquer evento, o diálogo ou “Você mora aqui na cidade?”. Em geral,
poderá evoluir para a atitude do paciente o entrevistador experiente sabe o significa­
em relação à autoconfiança e à dependên­ do dessas perguntas em virtude da sua ex­
cia de outros. periência e conhecimento dos dados do pa­
Ocasionalmente, sentimentos iniciais ciente e, intuitivamente, poderá reconhecer
de transferência poderão aparecer na for­ quando é preferível responder à pergunta de
ma de uma pergunta: “Como você pode fi­ forma direta. Na maioria dos casos, aconse­
car ouvindo pessoas se queixarem todos os lha-se o iniciante a perguntar: “O que você
dias?”. O paciente está tentando dissociar­ tem em mente?”ou “O que o leva a fazer essa
-se dos aspectos da sua personalidade que pergunta?”. A resposta do paciente poderá
menospreza e teme não serem aceitos pelo revelar sentimentos de transferência. Nesse
médico. O entrevistador deverá responder: momento, o entrevistador poderá interpre­
“Talvez você esteja preocupado com minha tar a pergunta do paciente afirmando: “Tal­
reação para com você” ou “Pacientes fazem vez você esteja perguntando sobre a minha
outras coisas além de se queixar”, e assim idade porque tem dúvidas se sou experien­
abrir o tópico de como o tempo de trata­ te o suficiente para ajudá-lo” ou “Sua per­
mento poderá ser utilizado. gunta acerca de eu ter filhos parece indicar
Os sentimentos transferenciais de oni­ que há dúvidas em relação a eu ser capaz de
potência são revelados por observações co­ compreender como é ser um pai”. Em ou­
mo: “Eu sei que você pode me ajudar!”; “Você tras ocasiões, tais perguntas traduzem mui­
deve saber a resposta.”; ou “O que os meus to mais o desejo do paciente de tornar-se
sonhos significam?”. Hollywood já desgas­ um amigo social do que um paciente, já que
tou a abordagem inicial padrão de: “O que ele não gosta da assimetria do papel que re­
você acha?”. Em contrapartida, o entrevista­ presenta, e acredita que uma relação simé­
dor poderá responder: “Você acha que eu te­ trica fornecerá o contato que almeja. Nesse
nho todas as respostas?”ou “Você acha que ponto, o entrevistador poderá explorar o as­
estou sonegando informações?”. Uma ma­ sunto das amizades do paciente e perguntar
nifestação mais difícil desse problema po­ se ele tenta discutir seus problemas com os
derá ser observada nos pacientes mais jo­ amigos, e se essas tentativas são bem-suce­
vens, que persistentemente se referem ao didas. Se o fossem, o paciente não estaria no
entrevistador de forma polida, como “Se­ consultório médico.
nhora” ou “Doutor”. O entrevistador encon­ Mais tarde no processo, é normal que
trará grande resistência se tentar interpretar o terapeuta se torne um ideal de ego para o
prematuramente esse comportamento, so­ paciente. Esse tipo de transferência positi­
bretudo se o paciente tiver sido criado em va com frequência não é interpretada. O pa­
um ambiente onde tal tratamento é tradi­ ciente poderá imitar os maneirismos, a fala
cional e sinal de boa educação. ou o estilo de vestir do terapeuta, em geral
Questões sobre a vida pessoal do en­ inconscientemente. Alguns admiram aber­
trevistador poderão envolver tipos diferen­ tamente o traje do médico, o mobiliário ou os
tes de transferência. No entanto, é comum quadros. Perguntas como: “Onde você com­
que a maior parte das perguntas revele in­ prou esta cadeira?” poderão ser respondi­

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das com: “O que leva à sua pergunta?”. Nor­ algo de humilhante em falar comigo?”. Em
malmente, o paciente responde que admira geral, é melhor ignorar o comportamento
o artigo e deseja comprar um também. Se o competitivo na entrevista inicial, porque o
terapeuta desejar alimentar essa transferên­ paciente está vulnerável ao que será viven­
cia, poderá dar a informação; se desejar in­ ciado como uma crítica.
terpretá-la, explorará o desejo do paciente Os pacientes do sexo masculino mos­
de competir com ele. Ao adquirir mais ex­ tram interesse no poder masculino do médi­
periência, o entrevistador fica mais confor­ co, no status ou no sucesso financeiro; com
tável, respondendo ocasionalmente a essas uma médica, eles ficam mais preocupados
perguntas, primeiro porque está mais tran­ com seu instinto maternal, seu poder de se­
quilo no seu papel de terapeuta, e segun­ dução e sua capacidade de ter uma carreira
do porque possivelmente encontrará uma e uma família. As pacientes estão preocupa­
oportunidade para comentar o episódio em das com a atitude do terapeuta do sexo mas­
uma interpretação posterior na sessão ou culino em relação ao papel das mulheres, se
em uma sessão subsequente, depois de ter ele poderá ser seduzido, que tipo de pai ele
acumulado mais material semelhante. é e como é a sua esposa. A paciente está in­
Os sentimentos de competição que se teressada na carreira da terapeuta e em sua
originam de relações antigas com os pais ou adequação como mulher e mãe. Poderá per­
irmãos poderão ser expressados na transfe­ guntar: “Como você administra tudo?”ou
rência. Um exemplo é o de um jovem que re­ “Co­mo você faz as escolhas difíceis?”.
gularmente chegava para as entrevistas ma­ Os temas competitivos poderão refle­
tutinas mais cedo do que o terapeuta. Um tir a rivalidade fraternal, bem como confli­
dia ele atipicamente chegou poucos minu­ tos edipianos. Os sentimentos de competi­
tos depois e observou: “Bem, hoje você me vidade do paciente poderão manifestar-se
ganhou”. Ele vivenciava tudo como uma lu­ quando este responder aos outros pacientes
ta competitiva. O terapeuta respondeu: “Eu do terapeuta como se fossem irmãos. Obser­
não percebi que estávamos competindo”, cha­ vações depreciativas espontâneas (“Como
mando a atenção para a construção do pa­ você pode tratar uma pessoa como esta?”
ciente sobre o evento e ligando-o a um tema ou “Eu odeio o cheiro de perfume barato.”)
que já havia sido discutido. são exemplos comuns. Nas entrevistas ini­
Outras manifestações comuns de trans­ ciais, é preferível não responder.
ferência competitiva incluem observações de­ Os pacientes idosos poderão tratar um
preciativas sobre o consultório, as maneiras e jovem entrevistador como uma criança. As
as roupas do terapeuta; opiniões desafian­ pacientes mães poderão trazer quitutes para
tes e dogmáticas; ou tentativas de avaliar a o terapeuta ou aconselhá-lo sobre sua saú­
memória do médico, seu vocabulário ou seu de, excesso de trabalho e coisas assim. Os
grau de conhecimento. Atitudes depreciati­ pacientes pais poderão oferecer conselhos
vas também poderão aparecer de outras for­ paternais sobre investimentos, seguros, au­
mas, como referir-se ao médico como “cara” tomóveis e assim por diante. A atenção pre­
ou interrompê-lo constantemente. Outros matura para as dimensões desses comen­
exemplos incluem o uso do primeiro nome tários insinuantes ou paternalistas poderia
do terapeuta sem autorização ou falar de for­ romper a relação em desenvolvimento. Es­
ma depreciativa com ele. O médico pode­ sas atitudes de transferência também pode­
rá abordar diretamente o sentimento sub­ rão ocorrer com pacientes mais jovens. Es­
jacente, perguntando: “Você acha que existe ses comentários são bem-intencionados no

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   13

nível consciente e são indicativos de senti­ terapeuta. Normalmente, isso sugere a ofer­
mentos conscientes positivos. Por isso, com ta do paciente de submeter-se ao terapeuta,
frequência não são interpretados, sobretu­ envolvendo autoridade ou poder social, ra­
do nas primeiras entrevistas. Em geral, en­ cial, genealógico, sexual ou outro. O tera­
trevistadores mais velhos com pacientes peuta que aceitar essa oferta não só estará
mais jovens induzem transferências paren­ abusando do paciente, como estará deixan­
tais. Se o paciente tem uma relação positi­ do escapar uma importante oportunidade
va com seus pais, poderá desenvolver uma terapêutica. De modo inverso, o terapeuta
transferência positiva inicial, submetendo­ que, sem ser autorizado, tem o impulso de
-se ao bom senso e à experiência do entre­ chamar um paciente adulto pelo seu primei­
vistador, ou procurando conselho em uma ro nome deverá explorar o significado con­
situação específica. Os pacientes mais ve­ tratransferencial desse impulso. É comum
lhos preferem médicos mais velhos, e os pa­ isso acontecer com pacientes com reconhe­
cientes de alto status geralmente procuram cido status inferior – social, econômico ou
profissionais de alto status. Pacientes mais por causa de patologia ou idade avançada.
velhos e influentes, do sexo masculino, es­ Compreender a tentação poderá ajudar o
tão inclinados a chamar o entrevistador do paciente; expressar isso na ação é destrutivo.
sexo masculino pelo seu primeiro nome Em geral, a transferência não é discu­
logo no início do contato, às vezes pergun­ tida no início do tratamento, exceto no con­
tando ou estabelecendo: “Espero que você texto da resistência. Isso não significa que
não se importe com o fato de eu chamá-lo apenas a transferência negativa seja discu­
de John!”. Essa situação poderá ser tratada tida; a transferência positiva também pode­
com a resposta: “Como preferir”. É imprová­ rá tornar-se uma resistência poderosa. Por
vel que isso aconteça com uma paciente, ex­ exemplo, se o paciente discute apenas sua
ceto se for com uma entrevistadora. afeição pelo médico, o entrevistador pode­
Alguns terapeutas usam os primeiros rá observar: “Você gasta muito mais tempo
nomes com seus pacientes. Isso não é bom discutindo seus sentimentos sobre mim do
nem ruim, mas sempre significa algo, e esse que falando sobre si mesmo ou seus proble­
significado deverá ser entendido. Os símbo­ mas”. Outros pacientes evitam mencionar
los usados na relação deverão refletir o res­ alguma coisa que esteja relacionada ao en­
peito mútuo e ser socialmente aceitos. De trevistador. Nesse caso, o médico deverá es­
modo geral, os terapeutas chamam as crian­ perar até que o paciente pareça suprimir ou
ças ou os adolescentes pelo primeiro nome, evitar uma opinião consciente e perguntar:
como fazem outros adultos. Os pacientes que “Pareceu que você hesitou por um momento.
tratariam o terapeuta pelo primeiro nome Você evitou algum pensamento?”. Quando
fora da situação terapêutica poderão preferir um paciente que falava livremente fica silen­
usar os primeiros nomes no ambiente pro­ cioso, em geral é por causa de pensamentos
fissional, e não há razão para não fazê-lo. No ou sentimentos sobre o médico. O paciente
entanto, isso sempre deverá ser simétrico. poderá dizer: “Fiquei sem assunto para falar”.
O paciente que deseja ser chamado por seu Se o silêncio persistir, o entrevistador poderá
primeiro nome, mas chama o terapeuta de comentar: “Talvez exista algo que você não se
“Dr. ___________”, está expressando o desejo sente confortável de comentar”.
de uma relação assimétrica que possui um
importante significado de transferência, que Resistência. A resistência é qualquer atitude
de­verá ser explorado mas não atuado pelo por parte do paciente que se opõe aos obje­

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tivos do tratamento. A psicoterapia orienta­ O terapeuta respondeu: “Você poderá


da para o insight precisa da exploração dos continuar a discutir os incidentes e
sintomas e dos modelos de comportamento, seus significados para você, mas eu não
e isso leva à ansiedade. Portanto, o paciente preciso saber os nomes”. Nesse ponto,
o paciente parou de falar dos colegas.
está motivado a resistir à terapia para man­
ter a repressão, repelir o insight e evitar a
Outro exemplo de resistência é ilustrado pela
ansiedade. O conceito de resistência é uma
má vontade do paciente em renunciar aos be­
das pedras fundamentais de toda a psicote­
nefícios secundários que acompanham sua
rapia dinâmica.
doença. Dessa forma, a paciente com um
A resistência poderá desenvolver-se a
sintoma conversivo de dor nas costas está
partir de quaisquer atitudes de transferência
de fato incapacitada de realizar suas inde­
previamente descritas. Cada um dos princi­
sejadas tarefas domésticas, enquanto esti­
pais tipos de transferência, às vezes, é usa­
ver doente e, ao mesmo tempo, recebe aten­
do como uma resistência. O paciente ten­
ção e simpatia.
tará extrair evidências do amor do médico
Uma resistência diferente é aquela ma­
ou esperará uma cura mágica por meio do
nifestada pela necessidade inconsciente de
seu onipotente poder. Mais do que resol­
punição. Os sintomas submetem o pacien­
ver seus conflitos básicos, o paciente poderá
te a um sofrimento que ele reluta em re­
simplesmente tentar uma identificação com
nunciar. Isso é especialmente notório no
o terapeuta ou poderá adotar uma atitude de
tratamento de pacientes deprimidos ou da­
competição em vez de trabalhar junto com
queles que sentem culpa intensa quando lu­
este. Esses processos podem assumir formas
tam contra sentimentos de crítica em rela­
sutis – por exemplo, o paciente poderá apre­
ção a um ente querido.
sentar material que é de interesse particu­
É uma observação clínica válida que
lar do médico, simplesmente para agradá­
pacientes mantêm modelos fixos mal-adap­
-lo. Assim como a transferência poderá ser
tativos de comportamento, apesar do insight
usada como uma resistência, poderá servir
e da anulação da repressão. Os neurocien­
como um fator motivador para o trabalho
tistas explicam esse fenômeno em termos
junto com o médico.
de persistência de padrões estabelecidos de
neurocircuitos. Isso significa que o terapeu­
Por exemplo, um residente veio até ta e o paciente deverão aprender a aceitar
um de nós para análise. Rapidamente aquilo que não podem mudar, independen­
o paciente foi informando ao terapeuta
temente das múltiplas repetições dos pa­
(que ocupava uma importante posição
drões alternativos.*
administrativa no programa) sobre a
má conduta de outros residentes. As
tentativas de explorar o significado Exemplos clínicos de resistência. Os exem­
da conversa foram úteis, mas o com­ plos clínicos de resistência são bastante cla­
portamento continuou. Finalmente, o
terapeuta sugeriu que o paciente omi­
tisse os nomes dos outros residentes. * Sandor Rado estava décadas à frente do seu
Isso depois de explorar a fantasia óbvia tempo, com sua crença em uma base neuro­
de que o analista recebera gratificação biológica da resistência às mudanças e de que o
dessa fonte particular de informação. paciente precisava mudar ativamente seu com­
O paciente respondeu, irritado: “Não portamento antes de poder desenvolver novas
era para dizer o que viesse à cabeça?”. respostas para antigas situações.

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   15

ros e representam a mistura de vários me­ posto seu problema para mim” ou “Você pa­
canismos. São classificados muito mais com rece sentir-se trancado”.
base nas suas manifestações durante a en­ Muitas vezes, os entrevistadores ini­
trevista do que de acordo com a psicodinâ­ ciantes inconscientemente provocam silên­
mica subjacente hipotética. cios por assumirem uma responsabilidade
Em primeiro lugar, estão as resistên­ desproporcional de manter a continuidade
cias expressas pelos padrões de comunica­ da entrevista. Fazer perguntas que possam
ção durante a sessão. O silêncio é o mais facil­ ser respondidas com “sim” ou “não” ou mu­
mente reconhecido e o mais desconfortável nir o paciente com respostas de múltipla es­
para muitos entrevistadores. O paciente po­ colha para uma pergunta desencoraja seu
derá explicar: “Nada vem à minha mente” ou senso de responsabilidade para com a en­
“Não tenho nada para dizer”. Depois de a fase trevista. Essas perguntas limitam a espon­
inicial da terapia ter passado, o médico po­ taneidade do paciente e restringem o fluxo
derá tranquilamente sentar e esperar pelo pa­ das ideias. O paciente se recolhe para a pas­
ciente. Essa abordagem raramente é útil nas sividade, enquanto o entrevistador se esfor­
primeiras entrevistas. ça em busca da pergunta correta que “abri­
O entrevistador deverá sinalizar seu in­ rá o paciente”.
teresse no silêncio do paciente. Ele poderá O paciente que fala muito poderá usar
comentar: “Você está silencioso. O que isso as palavras como um meio de evitar com­
significa?” ou “Fale-me sobre seu silêncio”. promisso com o entrevistador, bem como
Dependendo do tom emocional do silên­ de desviar suas próprias emoções. Se o en­
cio, revelado pela comunicação não verbal, trevistador não puder ter a palavra, poderá
o médico poderá decidir sobre um significa­ interromper o paciente e comentar: “Acho
do da tentativa e fazer a observação adequa­ difícil dizer qualquer coisa sem interromper
da. Por exemplo, ele poderá dizer: “A vergo­ você”. O paciente poderá replicar: “Oh, você
nha faz as pessoas se esconderem” ou “Talvez queria dizer algo?”. Uma resposta adequada
exista algo que seja difícil para você discutir”. seria: “Estou querendo saber o que dificulta
Se o paciente parecer sentir-se desamparado conversarmos juntos?”.
e com dificuldade de direção, o entrevista­ Censuras ou correções de pensamen­
dor poderá interpretar: “Você parece sentir­ tos são universais. Os indícios incluem in­
-se perdido”. O paciente poderá responder: terrupções no fluxo livre do discurso e mu­
“Você poderia me fazer algumas perguntas?”. danças bruscas de assunto, expressões faciais
O objetivo do entrevistador é ensinar o pa­ e outros comportamentos motores. Normal­
ciente a participar, sem provocar-lhe o sen­ mente, estes não são interpretados de forma
timento de que sua atuação tem sido inade­ direta, mas o entrevistador, às vezes, obser­
quada. Uma resposta possível é: “Em geral, va: “Você não parece livre para dizer tudo que
ajuda saber exatamente o que se passava em vem à sua mente”, “O que interrompeu seus
sua mente quando ela ficou em branco. A úl­ pensamentos?” ou “Parece que você está es­
tima coisa sobre a qual estávamos falando colhendo seus pensamentos”. Esses comen­
era a questão dos seus filhos. O que você es­ tários enfatizam mais o processo de censura
tava pensando naquele momento?”. do que o conteúdo. Outra forma de censu­
Se o silêncio for mais uma manifesta­ ra ocorre quando o paciente vem para uma
ção da rebeldia ou obstinação retentiva do consulta com uma agenda preparada, tor­
paciente, uma observação apropriada seria: nando evidente que o comportamento es­
“Você pode ter ficado ressentido por ter ex­ pontâneo durante a entrevista será o míni­

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mo possível. Essa resistência não deve ser rência enquanto apoia a aliança terapêutica.
interpretada nas primeiras entrevistas, já Poderá dizer: “Descobrir respostas que são
que o paciente será incapaz de aceitar que é importantes para você não apenas o ajuda a
uma resistência até bem depois. O Capítulo entender a si mesmo, mas também constrói
2 discute mais profundamente esse assunto. sua autoconfiança”. O paciente poderá não
O paciente que traz anotações para a aceitar esse comentário e responder: “Mas eu
entrevista poderá utilizá-las como uma for­ preciso que você me diga se estou certo ou
ma de controlar a entrevista ou de evitar não”. Esse é um dos problemas mais comuns
a interação com o entrevistador. Contudo, na psicoterapia, e um dos que será analisa­
trazer anotações para a entrevista nem sem­ do repetidamente em uma série de contextos
pre é uma manifestação de resistência. Por diferentes. O terapeuta, pelo seu reconheci­
exemplo, um paciente desorganizado pode­ mento e pela aceitação da necessidade de se­
rá utilizar as anotações como auxílio, ou um gurança e de direção do paciente, lhe oferece­
idoso poderá utilizá-las para compensar a rá algum apoio emocional sem infantilizá-lo.
deficiência de memória. Existem várias maneiras de o entrevis­
A intelectualização é uma forma de re­ tador desencorajar a intelectualização. Primei­
sistência encorajada pelo fato de a psicotera­ ro, poderá evitar fazer perguntas ao paciente
pia ser uma terapia de “conversa”, que em­prega que comecem com “Por quê?”. Normalmen­
as construções intelectuais. Os entrevistado­ te, ele não sabe por que ficou doente, nes­
res iniciantes apresentam uma dificuldade se momento ou dessa maneira especial, ou
especial no reconhecimento do uso defensi­ mesmo, por que se sente dessa forma. O mé­
vo do intelecto pelo paciente, exceto quando dico deseja saber o porquê, mas deverá des­
isso ocorre em pacientes obsessivos ou esqui­ cobrir formas de encorajar o paciente a re­
zofrênicos, nos quais a ausência de afeto é um velar mais sobre si mesmo. Quando “Por
vestígio óbvio. No entanto, no caso do pa­ quê?” vier à sua mente, o médico poderá
ciente histriônico, que fala de uma maneira pedir ao paciente para falar mais ou forne­
viva, geralmente com mais “emoção” do que cer mais detalhes. Perguntar: “Exatamente o
o entrevistador, o processo poderá não ser re­ que aconteceu?” ou “Como isso aconteceu?”
conhecido. Se o paciente manifestar algum induz a uma resposta com mais frequência
insight desse seu comportamento e pergun­ que indagar diretamente o “porquê”, pois
tar ao entrevistador: “Está correto?”, a resis­ isso tende a colocar o paciente em uma po­
tência estará operando independentemente sição defensiva.
de quanto afeto esteve presente. Apesar de Qualquer questão que sugira a exis­
o insight ser válido, o comentário secundá­ tência de uma resposta “certa” convidará à
rio revela a preocupação do paciente em re­ intelectualização. Além disso, dará ao pa­
lação à cooperação ou à aprovação do entre­ ciente a ideia de que o entrevistador não está
vistador. É o uso da intelectualização, para interessado nos seus verdadeiros sentimen­
ganhar o apoio emocional do terapeuta, que tos, e sim tentando enquadrá-lo em uma ca­
demonstra a resistência do paciente. Este es­ tegoria de um livro-texto. O uso do jargão
tará simultaneamente abrindo assuntos rela­ profissional ou de termos técnicos, como
cionados à aliança terapêutica à medida que “complexo de Édipo”, “resistência” ou “ma­
tenta colaborar com o médico em aprender soquismo”, também encoraja discussões in­
a “linguagem” e os conceitos do terapeuta, a telectualizadas.
fim de ganhar a sua aprovação. O entrevis­ Há pacientes que usam perguntas re­
tador poderá tratar a resistência de transfe­ tóricas, pois o efeito que elas provocam no

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   17

entrevistador convida à intelectualização. paciente a uma resposta “sim” ou “não” para


Por exemplo: “Por que você supõe que eu determinada pergunta. Se ele continuar a
fico zangado quando Jane aborda o assun­ generalizar, independentemente das repe­
to de dinheiro?”. Qualquer tentativa de lidar tidas solicitações para ser específico, o te­
com a pergunta explícita encorajará a inte­ rapeuta interpretará o aspecto da resistên­
lectualização. Em geral, se o entrevistador cia do comportamento do paciente. O que
permanecer quieto, o paciente continuará a não significa dizer-lhe: “Isso é uma resistên­
falar. O entrevistador experiente poderá ver cia” ou “Você está sendo resistente”. Esses
nisso uma oportunidade de descobrir deta­ comentários são vivenciados apenas como
lhes e perguntará: “Você gostaria de dar um críticas, não sendo úteis. Em vez disso, o
exemplo recente?”. O significado de um pa­ médico poderá dizer: “Você fala de genera­
drão está escondido nos detalhes dos epi­ lidades quando discute sobre o seu marido.
sódios específicos. O entrevistador poderá, Talvez existam detalhes sobre a relação que
também, estrategicamente fazer perguntas você tem problemas em me contar”. Esse co­
retóricas quando desejar estimular a curio­ mentário, por ser específico, ilustra um dos
sidade do paciente ou deixá-lo com algo mais importantes princípios da abordagem
para refletir. Por exemplo: “Fico pensando da generalização. O entrevistador que faz
se existe algum padrão para seus ataques de interpretações vagas, como “Talvez você ge­
ansiedade?”. neralize para evitar detalhes perturbadores”,
Às vezes, leituras sobre psicoterapia e encoraja exatamente a resistência que dese­
psicodinâmica são empregadas como uma ja remover.
resistência intelectual ou um desejo de agra­ A preocupação do paciente com um
dar o terapeuta. Também poderá ser uma único aspecto da sua vida, como sintomas,
manifestação de transferência de depen­ eventos atuais ou história pregressa, é uma
dência ou competitiva. O paciente pode­ resistência comum. Focar nos sintomas é es­
rá estar tentando manter “uma vantagem” pecialmente comum entre pacientes psicos­
sobre o médico ou estar procurando uma somáticos e com ataques de pânico. O mé­
“ajuda extra”. Alguns terapeutas costuma­ dico poderá interpretar como: “Parece que
vam proibir esse tipo de leitura ao pacien­ você acha difícil discutir assuntos diferen­
te. Geralmente, esse procedimento evitava tes dos seus sintomas” ou “É mais fácil para
o assunto. Agora, a literatura popular está você falar sobre seus sintomas do que sobre
cheia de informações para pacientes, como outros aspectos da sua vida”. O entrevista­
nas páginas da Internet, e inúmeras pessoas dor deverá descobrir formas para demons­
são treinadas para procurar informações. Se trar ao paciente que a reiteração constante
o fato de o paciente encontrar as informa­ dos sintomas não o ajudará e não levará ao
ções ajudá-lo, deixe passar. Se isso tiver uma alívio que ele procura. O mesmo princípio
mensagem de transferência, deixe-a desen­ se aplica a outras preocupações.
volver-se. Concentrar-se em detalhes triviais,
Generalização é a resistência na qual o enquanto se evitam os tópicos importan­
paciente descreve em termos gerais sua vida tes, é uma resistência frequente dos pacien­
e suas reações, mas evita os detalhes especí­ tes obsessivos. Se o entrevistador comentar
ficos de cada situação. Quando isso ocorrer, sobre esse comportamento, o paciente in­
o entrevistador poderá pedir-lhe detalhes sistirá que o material é pertinente e que ele
adicionais ou maior especificidade. Ocasio­ deverá incluir essa informação como “ex­
nalmente, poderá ser necessário obrigar o periência”. Por exemplo, um paciente rela­

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tou: “Tive um sonho na noite passada, mas tasia de transferência do paciente é mais re­
primeiro devo contar-lhe algo do passado”. presentada do que verbalizada ou mesmo
Deixado por conta dos seus próprios artifí­ conscientemente reconhecida por ele pró­
cios, falou a maior parte da sessão antes de prio. Exemplos seriam o paciente que aten­
contar seu sonho. O entrevistador tornará de seu celular durante a sessão para drama­
o paciente mais consciente dessa resistên­ tizar sua própria importância comparada
cia se replicar: “Conte-me o sonho primei­ com a do terapeuta, ou a mulher cuja se­
ro”. Na psicanálise, o paciente tem a opor­ cretária telefona para verificar o horário da
tunidade de descobrir por si próprio que ele próxima sessão, pois estivera preocupada
nunca dedicou tempo suficiente para explo­ demais para anotar na sua agenda.
rar seus sonhos. O acting out é uma forma de resistên­
A manifestação do afeto poderá servir cia na qual os sentimentos ou as pulsões per­
como uma resistência à comunicação signi­ tencentes ao tratamento ou ao médico são
ficativa. Emocionalidade exacerbada é co­ inconscientemente deslocados para uma
mum em pacientes histriônicos; sentimentos pessoa ou situação fora da terapia. Em ge­
como enfado são mais prováveis em obsessi­ ral, o comportamento do paciente é egossin­
vo-compulsivos. O histriônico usa uma emo­ tônico e envolve a atuação das emoções, em
ção para precaver-se contra sentimentos de vez de vivenciá-las como parte do proces­
dor profunda; por exemplo, a raiva constan­ so terapêutico. Geneticamente, esses senti­
te poderá ser usada para se defender contra mentos envolvem a reencenação das expe­
o orgulho ferido. “Sessões felizes” frequentes riências da infância, que agora são recriadas
indicam resistência na qual o paciente obtém na relação de transferência e então desloca­
gratificação emocional suficiente durante a das para o mundo exterior. Dois exemplos
sessão para precaver-se contra a depressão comuns envolvem pacientes que discutem
ou contra a ansiedade. Isso poderá ser tra­ seus problemas com outras pessoas além
tado pela exploração do processo com o pa­ do terapeuta e aqueles que deslocam o sen­
ciente e pelo fato de não mais fornecer essa timento de transferência negativa para ou­
gratificação. tras figuras de autoridade e que ficam mais
Além das resistências que envolvem zangados com elas do que com o terapeu­
padrões de comunicação, existe um segundo ta. Normalmente, essa resistência não fica
grupo importante de resistências c­ hamado aparente nas primeiras horas de tratamento,
atuação (acting out).* Essas resistências en­ mas quando a oportunidade se apresentar, o
volvem comportamentos que têm significa­ entrevistador poderá explorar o porquê do
dos na relação com o terapeuta e o processo comportamento. Na maior parte dos casos,
de tratamento. Elas não ocorrem necessa­ o paciente mudará, mas, às vezes, o médi­
riamente durante a sessão, mas o médico co precisará apontar a incapacidade de de­
está envolvido no fenômeno de forma dire­ sistência do seu comportamento, indepen­
ta, embora possa estar inconsciente da sua dentemente do seu reconhecimento de que
importância. Uma encenação (enactment) é este é irracional.
uma pequena dramatização na qual a fan­ Solicitações de troca do horário da
sessão poderão ser uma resistência. O pa­
* ciente poderá comunicar suas prioridades,
N. de T. Acting-out é um termo usado por Freud
para nomear a ação no lugar da recordação em incons­ cientemente, dizendo: “Podemos
pacientes resistentes. Seria a dramatização da trocar a consulta de quinta-feira? Minha es­
recordação. posa não poderá pegar as crianças na escola

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   19

nesse dia”. Interpretar isso como uma sim­ atrasar em tudo; sem relação a como me sin­
ples resistência poderá acarretar a perda da to com o tratamento”; “Sou muito distraído
oportunidade de ajudar o paciente a reco­ com consultas”; ou “Como você pode contar
nhecer que está dizendo que tem mais medo comigo no horário? Pontualidade é um dos
da sua esposa do que do seu terapeuta. Cer­ meus problemas”. Se o entrevistador não es­
to paciente poderá procurar uma desculpa tender a consulta, o atraso se tornará de fato
para perder a consulta; outro poderá ficar um problema que o paciente terá de enfren­
envolvido na luta de poder competitiva com tar. Geralmente, fica claro que o paciente
o médico, dizendo, de fato: “Nós nos encon­ que chega atrasado espera ver o médico no
traremos quando for melhor para mim”. Um momento em que chegar. Não é apropriado
terceiro poderá ver a boa vontade do médi­ para o entrevistador desforrar-se, mas não
co em mudar o horário como prova de que se espera que ele sente ociosamente e espere
realmente quer vê-lo e, por isso, será um pai pela chegada do paciente. Se o médico esti­
amoroso e indulgente. Antes de interpretar ver comprometido com alguma atividade e
tais solicitações, o médico precisa compre­ o paciente precisar esperar alguns minutos
ender a motivação mais profunda. Ele po­ quando chegar atrasado, a informação adi­
derá sinalizar que não está disposto a atender cional em relação ao significado do atraso
tal solicitação. A alegação de que não pode surgirá. Em geral, o motivo do atraso envol­
atendê-las geralmente revela o medo de de­ ve medo ou raiva.
sagradar o paciente. Existem problemas es­ Esquecer de pagar ou não pagar os ho­
peciais com o paciente cujas exigências do norários do médico é outro reflexo tanto de
trabalho mudam abruptamente, e a ausên­ resistência quanto de transferência. Esse as­
cia é comunicada em cima da hora. Manter sunto é abordado em detalhes mais adiante
o emprego é mais importante do que agra­ neste capítulo (ver “Honorários”).
dar o terapeuta. A melhor resposta do mé­ Adivinhar o pensamento ou tirar van­
dico é a empatia pela situação. tagem do médico é uma manifestação de
O uso de pequenos sintomas físicos transferência de competição e resistência.
como uma desculpa para as faltas às ses­ O paciente triunfalmente anunciará: “Eu
sões é uma resistência comum nos pacien­ aposto que sei o que você vai dizer” ou “Você
tes narcisistas, fóbicos, histriônicos e com disse a mesma coisa na semana passada”.
transtorno da somatização. Frequentemen­ O entrevistador poderá simplesmente per­
te, o paciente telefona para o médico, antes manecer em silêncio ou perguntar: “O que
da entrevista, para relatar uma doença leve direi?”. Se ele já tiver verbalizado sua teoria,
e perguntar se ele deverá ir. Esse comporta­ o médico poderá comentar algo como: “Por
mento é discutido no Capítulo 15, “O Pa­ que eu pensaria isso?”. Em geral, não é uma
ciente Psicossomático”. Em outra sessão, o boa ideia contar ao paciente que ele estava
médico explorará como o paciente se sen­ certo na sua suposição, mas, como em toda
tiu ao faltar à consulta antes de interpretar regra, existem exceções.
a resistência. O comportamento sedutor é destinado
Chegar tarde e esquecer as consul­ tanto a agradar como a gratificar o entrevis­
tas são manifestações óbvias de resistência. tador, ganhando seu amor e proteção mági­
Tentativas precoces de interpretação serão ca, ou para desarmá-lo e obter poder sobre
respondidas com afirmativas como: “Sin­ ele. Outros exemplos são questões como:
to muito ter esquecido a consulta, mas não “Gostaria de ouvir um sonho?” ou “Está in­
foi nada relacionado a você”; “Costumo me teressado em um problema sexual que te­

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nho?”. O entrevistador poderá responder: Solicitar favores ao médico, como pe­


“Estou interessado em qualquer coisa que dir emprestado pequenas quantias em di­
venha à sua mente”. Se essas questões ocor­ nheiro ou pedir o nome do seu advogado,
rerem repetidamente, poderá acrescentar: dentista, contador ou corretor de seguros, é
“Você parece preocupado com o que eu de­ uma forma de resistência. Trata-se de uma
sejo ouvir”. Vários “subornos” oferecidos tentativa de deslocar o objetivo da terapia:
ao entrevistador, como presentes ou con­ de ajudar o paciente a manejar-se mais efi­
selhos, são exemplos comuns de resistên­ cazmente para tornar-se dependente das
cia sedutora. habilidades de enfrentamento do terapeu­
Com frequência, os entrevistadores ta. Frequentemente, isso envolve a errada
iniciantes ficam ansiosos com as proposi­ suposição, de ambas as partes, de que o te­
ções sexuais evidentes ou não. É mais co­ rapeuta sabe mais do que o paciente sobre
mum que essas propostas envolvam um te­ como lidar com o mundo exterior. Às vezes,
rapeuta do sexo masculino e uma paciente o terapeuta faz exceções no tratamento dos
do sexo feminino. O médico sabe que acei­ pacientes que podem ter deficiências nessa
tar tal convite é uma violação de fronteira área, como os pacientes adolescentes, depri­
e reconhece as propostas como resistências midos, com deficiência cognitiva ou psicó­
de transferência. Todavia, o desconforto é ticos (ver os capítulos apropriados).
frequente. Na maior parte das vezes, esse Outros exemplos de atuação do pa­
desconforto tem origem na culpa do en­ ciente (muitas vezes chamada de forma
trevistador por gostar do convite, e ele tem errônea de “acting in”) incluem o com­
medo de que seus sentimentos possam in­ portamento durante a entrevista, que é in­
terferir com a abordagem apropriada da pa­ conscientemente motivado para desviar os
ciente. Muitas vezes, isso é revelado por de­ sentimentos ameaçadores, ao mesmo tem­
clarações como “Isso não seria apropriado po que permite a descarga parcial da ten­
em uma relação médico-paciente” ou por são. Exemplos comuns seriam deixar a en­
um comentário para o supervisor, como “Eu trevista para tomar um copo de água, ir ao
não quero magoar os sentimentos da pa­ banheiro, andar ao redor do consultório.
ciente pela rejeição”. O médico deverá ex­ Por exemplo, o paciente está relatando uma
plorar em sua própria mente se sutilmen­ experiência triste e quase à beira das lágri­
te estimulou tal comportamento por parte mas quando para e pede um copo de água.
da paciente, como em geral é o caso. Se Nesse processo, ganha controle das suas
não induziu a proposta, poderá perguntar emoções e continua a história, mas sem o
à paciente: “Como isso ajudaria você?”. Se mesmo sentimento. O entrevistador po­
ela indicar que precisa de amor e seguran­ derá comentar: “Beber um pouco de água
ça, o médico poderá responder: “Mas nós ajuda a controlar suas emoções”. Muitas
dois sabemos que aceitar seu convite sig­ vezes, o paciente experimenta essas inter­
nificaria o oposto. Meu trabalho é ajudá­ pretações como críticas ou sente-se trata­
-la a trabalhar seu problema, mas sua in­ do como criança. Rigidez de postura e ou­
tenção tornaria isso impossível”. Quando tros comportamentos ritualizados durante
um(a) terapeuta tiver autoconfiança pro­ a sessão são outras indicações de resistên­
fissional suficiente, não mais responderá à cia. Por exemplo, um paciente sempre di­
sedução explícita sentindo-se lisonjeado e zia “Obrigado” ao final de cada sessão. Ou­
ansioso, desde que também tenha autocon­ tra ia ao banheiro antes de cada consulta.
fiança adequada como homem ou mulher. Quando questionada sobre a “rotina”, di­

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   21

zia que não desejava experimentar qual­ Entrevistador


quer sensação naquela parte do seu corpo
durante a sessão. Entrevistador inexperiente. A psicotera­
Um outro grupo de resistências mos­ pia é uma experiência muito intensa não só
tra claramente a relutância do paciente em para o paciente, mas também para o tera­
participar do tratamento, mas sem envol­ peuta. Cada médico traz uma experiência
ver muito a transferência. Por exemplo, as pessoal e profissional diferente para a en­
transferências normais não parecem de­ trevista. A estrutura do seu caráter, valores
senvolver-se com muitos pacientes antisso­ e sensibilidade aos sentimentos dos outros
ciais, com alguns que são forçados ao trata­ influenciam suas atitudes em relação aos de­
mento por pressões externas ou com alguns mais seres humanos – tanto pacientes como
que têm outros motivos para o tratamento, não pacientes. O uso terapêutico do self é
como evitar alguma responsabilidade. Com um conceito complexo, que se desenvolve
certas combinações de terapeuta e paciente, em cada médico ao longo dos anos de trei­
a personalidade real e a cultura do terapeu­ namento e da prática inicial. Com frequên­
ta são muito diferentes ou muito similares cia, diz-se que são necessários cerca de 10
àquelas do paciente. Nesses casos, uma mu­ anos para uma pessoa alcançar a maturi­
dança de terapeuta é indicada. dade no papel terapêutico. Dois aprendizes
Alguns pacientes não mudam após re­ não progridem exatamente na mesma pro­
conhecerem seu comportamento. Isso é co­ porção, e existem muitos médicos diferen­
mum em certos transtornos de caráter e é tes, assim como aprendizes. As experiências
diferente do paciente psicologicamente ob­ de vida do médico – passadas, presentes e
tuso e que não consegue aceitar o insight. futuras – afetam esse trabalho muito pes­
Essa resistência está relacionada ao fenô­ soal. Erros fazem parte do aprendizado; e se
meno clínico que levou Freud a formular o iniciante tiver muito medo de cometer er­
a “compulsão à repetição”. Neurocientistas ros, estará condenado a permanecer como
compreendem esse fenômeno como devi­ iniciante indefinidamente.
do a determinantes biológicos do compor­ Na entrevista do iniciante, a persua­
tamento, geneticamente programados, ou a são teórica do seu professor exercerá uma
padrões iniciais de neurocircuitos já esta­ in­fluência sobre sua abordagem com o pa­
belecidos. ciente. No entanto, à medida que se torna
Uma resistência comum em pacientes mais experiente, esse fator se dilui dentro
deprimidos é apenas aceitar reconhecimen­ da experiência, e a sua própria personalida­
tos e interpretações para flagelar-se ainda de passa a ter uma influência muito maior.
mais. Perguntam: “Por que isso tudo?” ou di­ Um médico habilidoso é alguém que
zem “Estou desesperado; tudo que faço está se tornou habilidoso. Ninguém se torna
errado”. Esse comportamento, a “reação te­ perito pela leitura dos princípios. Contu­
rapêutica negativa”, é discutido no ­Capítulo do, existem problemas comuns específicos
6, “O Paciente Masoquista”, e no Capítulo 7, apresentados pelos entrevistadores inician­
“O Paciente Deprimido”. tes. O entrevistador iniciante é mais ansioso
Independentemente da complexidade do que seus colegas experientes. Os meca­
desses conceitos, é importante conhecer os nismos de defesa que emprega para man­
aspectos psicodinâmicos mais importantes ter sua ansiedade sob controle diminuem
que são úteis na discussão da relação tera­ sua sensibilidade para as flutuações sutis nas
peuta-paciente. respostas emocionais do paciente. Uma vez

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que, em geral, o iniciante está em uma insti­ quiátrica não poderá ser supervisionada da
tuição de treinamento, uma fonte significa­ mesma forma, e muitos anos são necessá­
tiva da sua ansiedade é o medo de fazer algo rios para adquirir habilidade nas entrevis­
errado e perder a aprovação do seu profes­ tas. Embora o professor possa garantir ao
sor. Também poderá haver ressentimento, aprendiz que ele exagera a importância des­
que resulta da não obtenção do elogio do se fator, este continuará a imaginar que o
supervisor. Com frequência, seu medo de paciente se restabeleceria bem mais rápido
ser inadequado é deslocado para o paciente, se estivesse sendo tratado pelo supervisor.
ao imaginar que este ficará sabendo do seu O jovem médico projeta no supervisor os
estado de “estudante” e que perderá a con­ mesmos sentimentos de onisciência que o
fiança nele como médico competente. As re­ paciente projeta nele.
ferências do paciente para tais problemas A atitude do médico iniciante em rela­
são mais bem manejadas de forma aberta e ção ao diagnóstico tem sido discutida. Ele po­
franca, porque geralmente os pacientes es­ derá ficar preocupado e passar a focar os fa­
tão cientes de que frequentam uma institui­ tores orgânicos excludentes para todos os
ção de treinamento. A aceitação, por parte casos por ser mais experiente e seguro no pa­
do jovem médico, dos medos do paciente pel de médico tradicional. Ele segue o esbo­
por ele ser inexperiente fortalecerá a credi­ ço do exame psiquiátrico com obsessiva per­
bilidade e a confiança do paciente. feição para não negligenciar algo importante.
É comum o iniciante sentir um dese­ Em outras situações, o entrevistador
jo de ter melhor desempenho do que seus ficará tão fascinado com a psicodinâmica
colegas aos olhos dos professores. Nem to­ que se descuidará na descrição adequada da
dos esses sentimentos de competição estão psicopatologia. Um residente perguntou a
relacionados à rivalidade fraterna; ele tam­ uma paciente sobre sua atitude compulsiva
bém deseja ser mais habilidoso do que seu de puxar o cabelo. Fez perguntas em rela­
professor. Atitudes desafiadoras em relação ção às origens, eventos precipitantes no dia
às pessoas que representam autoridade são a dia de sua vida, como se sentia em relação
outras manifestações de competitividade ao fato, onde estava quando fazia isso, e coi­
que impedem o entrevistador iniciante de sas assim. Ele falhou em observar que ela es­
se sentir à vontade com seu paciente. tava usando uma peruca e foi surpreendido
O médico inexperiente em qualquer quando, depois, ela contou para o supervi­
especialidade sente culpa por “praticar” sor que estava careca. Já que a paciente pa­
com o paciente. Essa culpa é exagerada no receu estar completamente “intacta”, e o re­
estudante de medicina que falha 3 ou 4 ve­ sidente não encontrara essa síndrome antes,
zes ao realizar sua primeira punção de veia, não pensou em fazer a próxima pergunta
sabendo que o residente poderá ser bem­ do supervisor: “Você algumas vezes coloca
-sucedido na sua primeira tentativa. Em o cabelo na boca?”. A paciente respondeu
qualquer área da medicina, o jovem médi­ que sim e continuou revelando sua fanta­
co tem sentimentos de culpa conscientes e sia de que as raízes do cabelo eram piolhos
inconscientes quando acha que outro cole­ que estava compelida a comer. Um conheci­
ga teve um desempenho melhor. Em mui­ mento adequado da psicopatologia e da psi­
tas especialidades médicas, um residente codinâmica ajuda na exploração dos sinto­
sob supervisão poderá prestar quase a mes­ mas do paciente.
ma qualidade de tratamento que um médi­ Em alguns aspectos, o entrevistador
co experiente. No entanto, a entrevista psi­ inexperiente se parece com o estudante de

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   23

histologia, que primeiro examina no mi­ Em geral, o jovem médico imita os gestos,
croscópio e vê apenas inúmeras cores boni­ os maneirismos e as entonações de um su­
tas. À medida que sua experiência aumen­ pervisor que observou. Essas identificações
ta, reconhece as estruturas e as relações que são múltiplas e mutáveis até mesmo vá­
anteriormente escapavam à sua atenção e rios anos após o entrevistador já as ter in­
percebe um constante aumento no núme­ tegrado ao seu próprio estilo. Assim, con­
ro de sutilezas. segue relaxar enquanto está trabalhando
A tendência do iniciante é interrom­ e, ao mesmo tempo, ser ele mesmo. Nessa
per o paciente para fazer todas as suas per­ fase, frequentemente lançará mão de tru­
guntas. Com mais experiência, ele reconhe­ ques, que às vezes são usados de uma ma­
ce se um paciente completou sua resposta à neira estereotipada – por exemplo, repetin­
questão ou se ele simplesmente precisa de do a última palavra ou frase do paciente em
um pouquinho de encorajamento para con­ intervalos frequentes ou usando excessiva­
tinuar sua história. À medida que a com­ mente clichês, como “Não entendo”; “O que
petência do iniciante aumenta, é possível você acha?”; “Ham, ham”; ou “E, então, o
que ele preste atenção no conteúdo do que que aconteceu?”. À medida que ficar mais à
o paciente está dizendo e, ao mesmo tem­ vontade, o entrevistador explorará natural­
po, considere como este se sente e o que mente uma variedade de respostas diferen­
está contando sobre si mesmo pela inferên­ tes com as quais está familiarizado.
cia ou omissão. Por exemplo, se o paciente
espontaneamente relata várias experiências Contratransferência. Os entrevistadores
do passado, nas quais sentiu que foi maltra­ apresentam aos seus pacientes dois tipos de
tado pelo profissional médico, o entrevista­ respostas emocionais. O primeiro são as rea­
dor poderá dizer algo como: “Não surpreen­ ções referentes a como o paciente realmen­
de você ser receoso com os médicos”. te é. O médico poderá gostar do paciente,
A entrevista será mais eficazmente ter simpatia ou mesmo sentir-se provocado
organizada em torno dos indícios forneci­ pelo paciente, que são reações que o pacien­
dos pelo paciente e não em torno do rotei­ te provocaria na maior parte das pes­soas.
ro do exame psiquiátrico. Com frequência, As respostas de contratransferência pode­
o aprendiz se sente mais confortável se pu­ rão ser específicas do entrevistador. Elas
der seguir uma orientação formal, mas isso ocorrem quando o entrevistador responde
dá à entrevista uma qualidade truncada e ao paciente como se ele fosse uma figura im­
desconexa, e resulta em pouco sentimento portante do seu passado. Quanto mais in­
de harmonia. tensos os padrões neuróticos do entrevista­
Embora o principiante possa falar mui­ dor e quanto mais o paciente realmente se
to e não ouvir, ele também tenderá para a pas­ assemelha a essas figuras, maior a probabi­
sividade. Sua insegurança profissional faz com lidade de respostas de contratransferência.
que seja difícil saber quando oferecer reas­ Em outras palavras, é maior a ­probabilidade
seguramento, conselho, explicações ou in­ de uma entrevistadora que tinha uma re­
terpretações. Com medo de dizer a coisa er­ lação de competitividade intensa com sua
rada, o entrevistador muitas vezes acha mais irmã apresentar respostas irracionais para
fácil deixar passar as situações em que algu­ pacientes do sexo feminino da sua própria
mas intervenções ativas são necessárias. idade do que outros terapeutas. Se reagir
Uma autoimagem profissional é ob­ dessa maneira com todos os pacientes, in­
tida pela identificação com os professores. dependentemente da idade, do sexo ou do

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tipo de personalidade, o problema será mais O médico pode utilizar o exibicionis­


grave. As respostas de contratransferência mo como uma forma de solicitar afeição ou
também poderão ser um meio valioso para admiração dos pacientes. Exibir o próprio
a compreensão do inconsciente do paciente conhecimento ou estado social ou profis­
(ver Cap. 19, “O Paciente Borderline”). Essas sional em um grau inadequado é um exem­
respostas estão menos relacionadas à psico­ plo, e, normalmente, origina-se do desejo de
logia do entrevistador e mais a uma mani­ ser onisciente para compensar algum senti­
festação da psicodinâmica do paciente. mento profundo de inadequação.
As respostas de contratransferência Terapeutas experientes comentaram
po­derão ser classificadas dentro das mes­ que é difícil ter apenas um caso de terapia
mas categorias que são usadas na discussão de longo prazo, porque o paciente se torna
de transferência. O médico poderá ficar de­ muito importante para eles. Outros fatores
pendente da afeição e do elogio do paciente poderão fazer o médico atribuir a determi­
como fontes da sua própria autoestima ou, nado paciente uma importância especial.
de modo inverso, poderá sentir-se frustra­ O “VIP” cria tanta dificuldade para o mé­
do e zangado quando o paciente for hostil dico que uma subseção posterior (ver “Pa­
ou crítico. Qualquer terapeuta poderá, oca­ ciente especial”) está destinada à discussão
sionalmente, usar o paciente dessa forma. desse paciente.
O médico poderá, de forma inconsciente, Todas as pessoas habilitadas a tratar
procurar afeição do paciente e somente vir reagem à necessidade do paciente de dotá­
a reconhecer o que está fazendo quando este -los com poder especial. A natureza da re­
responder. Os médicos iniciantes do sexo lação médico-paciente redesperta o desejo
masculino poderão deparar-se com pacien­ do médico de ter todo conhecimento e todo
tes do sexo feminino que escrevem cartas poder. Trata-se de um aspecto recíproco do
ou poemas de amor ou propostas de casa­ desejo do paciente de um terapeuta onis­
mento. Um entrevistador aprendiz comen­ ciente e onipotente que poderá curá-lo pe­
tou que seu modelo inicial para as relações los poderes mágicos. Se o entrevistador as­
homem-mulher era de encontros. Existem sumir esse papel, o paciente não será capaz
manifestações mais sutis desse problema, de superar seus sentimentos básicos de im­
como a oferta excessiva de reasseguramen­ potência e inferioridade. Todavia, o desejo
to, ajuda ao paciente para obter casa ou em­ de tornar-se onipotente é universal e poderá
prego, e assim por diante, quando essa assis­ ser reconhecido no comportamento do mé­
tência não é de fato necessária e serve como dico. Por exemplo, o entrevistador poderá
um suborno para obter o amor do paciente ser incapaz de ver inconsistências ou impre­
mais do que ser uma intervenção terapêuti­ cisões em certas interpretações ou poderá
ca adequada. Desdobrar-se para ajustar ho­ recusar-se a examinar seus próprios comen­
rários ou honorários, providenciando tem­ tários. Uma insistência em sua própria infa­
po extra e sendo excessivamente amável, é libilidade poderá levá-lo à conclusão de que
uma forma de cortejar a aprovação do pa­ os psicoterapeutas anteriores não conduzi­
ciente. Não permitir ao paciente ficar zanga­ ram a terapia de forma adequada ou não
do é o outro lado da mesma moeda. No en­ compreenderam precisamente o paciente.
tanto, os médicos são pessoas, e alguns são Um mecanismo similar é demonstrado
mais calorosos, ou amigáveis, ou mais auxi­ pelo médico que conta à esposa uma ­vinheta
liadores do que outros. Não há nada de er­ clínica que revela o quão gentil e compreen­
rado em ser amável. sivo ele foi, conta o quão desejável e atraen­

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   25

te seus pacientes o acham ou relata sua bri­ por meio de outros pacientes, funcionários,
lhante interpretação. Desanimado com o boletins médicos ou observações diretas.
lento progresso da psicoterapia, poderá su­ Na tentativa de manter um papel pro­
tilmente exagerar e distorcer o material das fissional, o médico fica defensivamente ten­
sessões para impressionar os colegas. Pode­ tado a esconder-se atrás de clichês analíti­
rá pressionar o paciente a melhorar a fim cos tipo: “Como você se sente a respeito
de aumentar seu prestígio e reputação. Às disso?”ou “O que isso significa para você?”.
vezes, tentará impressionar os colegas com Muitas vezes, exemplos sutis ocorrem quan­
a riqueza, o brilhantismo ou a importância do o discurso do terapeuta, ou seu tom de
dos seus pacientes. voz, é crucial na revelação da implicação da
A contratransferência está operando sua observação. Por exemplo: “Sua ideia de
quando o terapeuta é incapaz de reconhe­ que eu estava flertando com a enfermeira a
cer ou se recusa a conhecer o real significado desconcertou” implicará que o flerte existiu
das suas próprias atitudes e comportamento. apenas na mente da paciente. No entanto, se
Essa admissão poderá ser externada: “Sim, o entrevistador observar: “A minha imagem
eu estava preocupado na última vez” ou “Mi­ flertando com a enfermeira a desconcertou”,
nha observação soa depreciativa”. Com fre­ a percepção da paciente não será desafiada,
quência, o médico está preocupado com o e o entrevistador poderá explorar o impac­
fato de que o paciente tentará virar a mesa e to da experiência sobre ela.
analisá-lo mais. Nessa situação, poderá res­ Uma manifestação comum da contra­
ponder: “Decifrar por que eu disse aquilo transferência é a excessiva identificação com
é importante, mas, na verdade, é problema o paciente. Nessa situação, o entrevistador
meu. Seria injusto sobrecarregar nosso tra­ tentará transformar o paciente na sua própria
tamento com isso, mas, até onde for relevan­ imagem. Talvez a armadilha universal para
te, compartilharei com você. Em vez disso, os psicoterapeutas seja as fantasias de Pig­
vamos compreender o máximo que puder­ malião. A dificuldade em prestar atenção ou
mos sobre suas reações para comigo”. O pa­ lembrar o que o paciente disse poderá ser a
ciente preocupa-se se o terapeuta tem dois primeira pista para o entrevistador da sua
pesos e duas medidas, analisando o com­ contratransferência. O médico que se iden­
portamento do seu paciente, mas não o seu tifica excessivamente com seu paciente po­
próprio. Ocasionalmente, um paciente po­ derá ter dificuldades de reconhecer ou com­
derá aproveitar-se da abertura do terapeuta preender os problemas que são similares aos
em função de um erro. O médico que per­ seus próprios ou poderá ter uma compreen­
mite que o paciente o trate de modo sádico são imediata do problema, mas será incapaz
também tem um problema de contratrans­ de lidar com ele. Por exemplo, um entrevis­
ferência. Problemas similares surgem quan­ tador obsessivo que está preocupado com
do o paciente tem informação em relação ao o tempo diz, ao fim de cada horário, “Eu o
terapeuta proveniente de fora da situação do verei amanhã às 15h30min”. Não é provável
tratamento. Um exemplo comum é o pa­ que ele seja capaz de ajudar seu paciente a
ciente que vive na mesma vizinhança, tem resolver uma dificuldade similar.
filhos na mesma escola dos filhos do tera­ O terapeuta iniciante poderá experi­
peuta ou trabalha na mesma instituição que mentar prazer vicário (em lugar de outro)
ele. O exemplo mais comum na vida do re­ no comportamento sexual ou agressivo do
sidente psiquiatra é o paciente hospitalizado seu paciente. Poderá sutilmente encorajá-lo
que obtém informações sobre seu médico a enfrentar seus pais de uma maneira que

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ele mesmo admira. Poderá prover as neces­ ansiedade ou triunfo neurótico sobre a for­
sidades de dependência do paciente, por­ ma como lidou com o paciente.
que gostaria de ser tratado de forma similar. Enfado ou incapacidade de concen­
Os psicoterapeutas que estão sob tratamen­ tração no que o paciente está dizendo mui­
to analítico descobrem que seus pacientes to frequentemente reflete raiva ou ansieda­
frequentemente estão trabalhando no mes­ de inconsciente por parte do entrevistador.
mo problema que eles. Se ele diversas vezes se atrasa ou esquece a
Lutas de poder, competição e discus­ sessão, em geral esse comportamento indi­
sões ou questionamentos persistentes ao ca evitação de sentimentos de hostilidade
paciente são exemplos comuns de contra­ ou sexuais em relação ao paciente.
transferência. A tarefa do entrevistador é Outro problema comum de contra­
compreender como o paciente vê o mun­ transferência origina-se na falha do tera­
do e ajudá-lo a entender-se melhor. Não é peuta em ver que as ocasiões em que o apa­
bom impor os conceitos do entrevistador rente “observar do ego do paciente”, junto
ao paciente. Manifestações mais sutis des­ com a curiosidade entusiástica do signi­
se problema incluem o uso de palavras ou ficado dos sonhos, com a recuperação de
conceitos que estão um pouco além da com­ memórias passadas e com o insight da di­
preensão do paciente; assim, demonstram a nâmica inconsciente, são, na verdade, um
posição “elevada” do médico. Outros exem­ enactment da transferência. O resultado é
plos incluem a tendência a dizer “Eu disse uma terapia muito intelectualizada, relati­
isso a você”, quando o paciente descobre que vamente desprovida de emoção.
o médico estava correto ou quando este sor­ Frequentemente, a expressão direta da
ri diante de seu desconforto. emoção na transferência fornece uma opor­
Desejar ser o filho ou o irmão mais tunidade para enactments contratransferen­
novo do paciente é uma resposta de con­ ciais. Por exemplo, um terapeuta falou para
tratransferência que geralmente ocorre com seu paciente: “Não é exatamente a mim que
pacientes que são mais velhos que o entre­ você ama (ou odeia), é a seu pai”. A transfe­
vistador. Mais uma vez, quanto mais o pa­ rência não significa que os sentimentos em
ciente realmente se parecer com os pais ou relação ao terapeuta não sejam reais. Falar
o irmão do terapeuta, maior a ­probabilidade ao paciente que seus sentimentos estão des­
de essas respostas ocorrerem. Nesses casos, locados é desrespeitoso e depreciativo. De
o terapeuta poderá aceitar, das pacientes, modo similar, às vezes, os terapeutas ini­
presentes como comida ou roupas, e dos pa­ ciantes respondem à expressão de raiva do
cientes, conselhos de negócios ou outro tipo paciente com um comentário do tipo “Isso
de assistência. Existe uma linha sutil nessa é um sinal real de progresso, de que você é
área do comportamento que viola as fron­ capaz de ficar furioso comigo”. Observa­
teiras da ética profissional. ções dessa natureza desdenham os senti­
Há uma série de manifestações não es­ mentos do paciente. Embora a neurose de
pecíficas de contratransferência. Às vezes, transferência envolva a repetição de atitu­
o entrevistador vivenciará ansiedade, ex­ des do passado, a resposta emocional é real;
citação ou depressão na presença de certo na verdade, frequentemente mais forte do
paciente ou depois que este deixar o con­ que foi no cenário original, porque é neces­
sultório. Sua reação poderá envolver um sário menos defesa. O desconforto do te­
problema de contratransferência ou refletir rapeuta com as reações emocionais inten­

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   27

sas do paciente poderá levar à defesa sutil. entrevistas com pacientes borderline, o re­
Um exemplo é o do médico que pergunta: conhecimento mútuo da contratransferên­
“Essa não é a mesma forma que você sente cia do médico poderá ser especialmente útil
em relação à sua irmã?” ou dizer “Nós sa­ no processo terapêutico (ver Cap. 9, “O Pa­
bemos que você teve sentimentos similares ciente Borderline”).
no passado”. Esses comentários desviam a
discussão para longe da transferência mais Paciente especial. O paciente especial é dis­
do que encorajam a sua exploração. Tanto cutido nesse ponto porque as características
o médico quanto o paciente compreende­ principais da distinção dessa entrevista es­
rão melhor os sentimentos deste se o entre­ tão centradas nas reações do entrevistador
vistador perguntar: “Por que sou um filho ao status do seu paciente. O problema con­
da puta?” ou “Do que você gosta em mim?”. tinuará a ocorrer ao longo de toda a carrei­
Essa abordagem leva os sentimentos do pa­ ra do médico, embora o critério que defi­
ciente a sério. Quando o paciente elabora ne o paciente como “especial” possa mudar.
seu sentimento, normalmente descobre so­ Nos anos iniciais do treinamento do médi­
zinho o aspecto transferencial da sua res­ co, esse paciente pode ser um estudante de
posta. À medida que delineia por completo medicina, um funcionário de uma univer­
os detalhes da sua reação, com frequência, sidade, o parente de um membro do qua­
ele diz: “Você não reage da mesma forma dro de funcionários ou um conhecido de
que meu pai fazia quando eu me sentia as­ um professor de prestígio.
sim” ou “Isso me faz pensar em algo que À medida que a experiência e o status
aconteceu anos atrás com minha irmã”. En­ do médico aumentam, o status de seus pa­
tão, o entrevistador poderá demonstrar o cientes especiais também aumenta. Não im­
componente de transferência do sentimen­ porta quão experiente ou seguro seja o en­
to do paciente. trevistador, sempre existirá uma pessoa de
Na busca por detalhes nas reações renome tal que o médico se sentirá descon­
emocionais do paciente, com frequência, fortável em relação a ela. Existe uma gran­
emergem percepções distorcidas do tera­ de variedade de atitude dos pacientes espe­
peuta. Por exemplo, ao descrever por que ciais sobre seu status, assim como existe em
achava que amava seu terapeuta, uma pa­ qualquer outro grupo de pessoas. Aquelas
ciente disse: “Por alguma estranha razão pessoas cujo status especial depende da sua
imagino você com bigode”. A exploração de importância pessoal para o entrevistador
tal pista identificou o objeto original do sen­ normalmente esperam ser tratadas como
timento de transferência no passado da pa­ qualquer outro paciente.
ciente. Alguns pacientes esperam e requerem
As discussões da contratransferência uma consideração especial. O entrevistador
tipicamente deixam no iniciante o senti­ poderá ficar indeciso sobre onde termina a
mento de que essa reação é ruim e deverá realidade e começam as expectativas neuró­
ser eliminada. Seria mais preciso dizer que ticas. A resolução do dilema envolve a con­
o terapeuta tenta reduzir a extensão das suas sideração dos direitos do paciente comum.
respostas neuróticas que interferem no tra­ O status de paciente especial poderá privá­
tamento. O médico consciente da sua con­ -lo dos direitos básicos. As extraordinárias
tratransferência poderá usá-la como outra providências do médico que, de fato, equi­
fonte de informação sobre o paciente. Nas param esse paciente a outros possivelmente

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28   MacKinnon, Michels & Buckley

não prejudicarão o tratamento. Por exem­ drontado. Poderá achar que não deve se quei­
plo, levar em consideração a figura polí­ xar, expressar raiva ou tomar muito tempo do
tica de notoriedade nacional cuja posição seu médico. O jovem médico sentirá orgu­
poderá ser prejudicada se o público desco­ lho de usar o jargão ou de dar explicações in­
brir que consultou um profissional em saú­ telectualizadas aos pacientes médicos. Um
de mental. O médico, ao conduzir a consul­ paciente médico descreveu uma expe­riência
ta na casa do paciente, oferecerá a mesma aterrorizante durante a qual um urologista
privacidade que os outros pacientes têm no fazia um monólogo contínuo das suas mano­
consultório. Nesse caso, a aplicação do prin­ bras, enquanto passava o cistoscópio e des­
cípio é clara, mas, em outras ocasiões, o mé­ crevia as descobertas clínicas na bexiga do
dico precisará decidir se favorecerá a situa­ paciente médico, as quais, não sendo do co­
ção real da vida do paciente ou o princípio nhecimento do paciente, tinham pouca re­
de que o entrevistador não deverá sair do levância patológica. Aparentemente, o uro­
seu procedimento usual para gratificar as logista achou que um paciente médico seria
demandas neuróticas. Se as consequências tranquilizado com essa informação extra.
forem graves, será preferível arriscar errar
gratificando a neurose do paciente. Papel do entrevistador. A função mais im­
Surgem problemas no tratamento des­ portante do entrevistador é ouvir e compreen­
se paciente não apenas porque sua situação der o paciente a fim de ajudá-lo. Um ocasio­
é especial, mas também porque ele é espe­ nal aceno de cabeça ou “ham-ham” é o sufi­
cial para o médico. O sucesso do seu tra­ ciente para que o paciente saiba que o entre­
tamento assume uma importância absolu­ vistador está prestando atenção. Além disso,
ta, e o médico está totalmente preocupado um comentário empático, quando adequa­
em manter a boa vontade do paciente, dos do, ajudará a estabelecer o rapport. O en­
seus parentes e dos seus amigos. Uma pro­ trevistador poderá fazer observações, como
teção para o paciente e para o médico é to­ “Claro”, “Imagino” ou “Naturalmente”, para
mar providências especiais quanto à seleção apoiar atitudes que são comunicadas pelo
do terapeuta. O médico experiente que está paciente. Quando o sentimento do pacien­
hospitalizado por uma depressão significa­ te estiver bem claro, o entrevistador poderá
tiva ou o filho psicótico de uma personali­ sinalizar sua compreensão com as afirma­
dade proeminente deverão ser destinados a ções: “Você deve ter se sentido horrível sozi­
alguém que não se intimidará por seu status. nho” ou “Isso deve ter sido muito constran­
Escolher um entrevistador que tenha menor gedor”. Em geral, o entrevistador não faz
probabilidade de ficar inseguro minimizará julgamentos, mostra-se interessado, preo­
muitos problemas. cupado e amável.
O paciente médico apresenta proble­ Frequentemente, o entrevistador faz
mas específicos. Aquele que o tratar oferece­ perguntas, as quais poderão servir para ob­
rá mais explicações detalhadas em algumas ter informações ou para esclarecer seu pró­
ocasiões e nenhuma explicação em outras, prio entendimento ou o do paciente. As
assumindo que o paciente já tem conheci­ perguntas poderão ser uma forma sutil de
mento suficiente. Às vezes, o paciente médi­ sugestão ou, pelo tom da voz em que são
co espera ser tratado como um colega e ter feitas, dar permissão ao paciente para fazer
uma discussão “médica” sobre seu próprio algo. Por exemplo, o entrevistador poderá
caso. Poderá ter medo de fazer perguntas que perguntar: “Você já disse ao seu chefe que
poderão fazê-lo parecer ignorante ou ame­ você acha que merece um aumento?”. Inde­

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A entrevista psiquiátrica na prática clínica   29

pendentemente da resposta, ele indica que o paciente e consigo mesmo, como resulta­
tal fato seria concebível, permissível e talvez do da oferta de falsas promessas. É preferí­
até mesmo esperado. vel oferecer apoio na forma da compreensão
Com frequência, o entrevistador faz que está fundamentada nas formulações es­
sugestões para o paciente implícita ou ex­ pecíficas do problema do paciente. Ao mes­
plicitamente. A recomendação de uma for­ mo tempo, o entrevistador procurará aliviar
ma específica de tratamento traz a suges­ os sintomas do paciente e a gratificação in­
tão implícita de que ele espera que seja de consciente que eles lhe dão. Ele tornará o
ajuda. As perguntas que o entrevistador faz paciente consciente dos seus conflitos –
geralmente dão ao paciente a sensação de consciência que poderá ser dolorosa e frus­
que é esperada a discussão de certos assun­ trante, a menos que o entrevistador seja ca­
tos, como sonhos ou sexo. Na psicoterapia, paz de oferecer soluções possíveis para tais
o entrevistador sugere que o paciente discu­ conflitos. Com frequência, o paciente ima­
ta quaisquer decisões importantes antes de gina novas soluções depois de o conflito ter
tomá-las e pode sugerir se ele deve ou não sido profundamente explorado.
discutir certos sentimentos com as pessoas A atividade mais importante na psi­
importantes da sua vida. coterapia psicanaliticamente orientada é
Os entrevistadores poderão ajudar a interpretação. Seu objetivo é desfazer o
os pacientes com problemas práticos. Por processo de repressão e permitir que pensa­
exemplo, um jovem casal solicitou aconse­ mentos e sentimentos inconscientes se tor­
lhamento psicológico devido à ­dificuldade nem conscientes, possibilitando ao pacien­
de relacionamento. Ao final da consulta, te desenvolver novos métodos de enfrentar
perguntaram se tentar ter um filho os aju­ seus conflitos, sem a formação dos sintomas
daria. Um clérigo bem-intencionado havia (ver no Cap. 2 a discussão sobre a formação
sugerido que um filho poderia aproximar dos sintomas). As fases iniciais de uma in­
mais o casal. O entrevistador advertiu que terpretação são a confrontação, que mostra
um filho poderia ser uma fonte de estresse que o paciente está evitando algo, e a clari­
adicional no momento e recomendou que ficação, que formula a área a ser explorada.
esperassem até a relação melhorar. Uma interpretação “completa” delineia
O entrevistador fornece ao pacien­ um padrão de comportamento na vida atual
te certas gratificações e frustrações no pro­ do paciente, mostrando o conflito básico en­
cesso do tratamento. Ele ajuda o paciente tre um desejo inconsciente e o medo, as defe­
por meio de seu interesse, compreensão, en­ sas que estão envolvidas e alguma formação
corajamento e apoio. Ele é o aliado do pa­ do sintoma resultante. Esse padrão é rela­
ciente; nesse sentido, oferece oportunidades cionado à sua origem no início da vida; sua
para experimentar a proximidade. Quando manifestação na transferência é mostrada; e
o paciente fica inseguro de si mesmo, ele o benefício secundário, formulado. Nunca
poderá fornecer reasseguramento com um será possível abranger todos esses aspectos
comentário do tipo: “Vai fundo, você está ao mesmo tempo. Uma interpretação simi­
agindo bem”. O reasseguramento generali­ lar, usando o modelo das relações de obje­
zado como “Não se preocupe, tudo se resol­ to, colocaria menos ênfase no desejo incons­
verá” é de valor limitado para a maior parte ciente e no componente de defesa. Em vez
dos pacientes. Isso porque o entrevistador disso, o terapeuta investigará as introjeções
não sabe se o que o paciente teme será re­ conscientes e inconscientes do paciente rela­
solvido. Assim, perderá credibilidade com tivas a um ou a ambos os pais, aceitando ou

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defensivamente rejeitando esse pai ou mãe. ta desloca-se para trás e para diante à medi­
Essa formulação ocorrerá repetidamente até da que trabalha em determinado problema.
que o terapeuta possa observar: “Parece que As interpretações mais iniciais são objetiva­
sua mãe, na sua cabeça, ainda está lhe dizen­ das na área em que a ansiedade consciente é
do o que fazer, e você parece incapaz de de­ maior, que, normalmente, são os sintomas
sistir dessa ligação raivosa”. apresentados pelo paciente, sua resistên­
cia ou sua transferência. O material incons­
Um paciente relatou ter ficado com ciente não é interpretado até que tenha se
raiva quando sua esposa jogou fora um
tornado pré-consciente. Para ilustrar esses
par dos seus sapatos velhos sem sua
permissão. Revelou que não compreen­
assuntos, considere um jovem homem com
deu totalmente sua reação porque os ataques de pânico:
sapatos já não serviam mais e ele mes­
mo os jogaria fora. A história familiar A primeira confrontação do terapeuta
relevante incluiu a descrição da sua objetivou a resistência do paciente,
raiva de sua mãe por suas repetidas com a observação: “Você usou uma boa
violações a seu espaço, sua privacidade parte do seu tempo falando sobre seus
e seus bens. O entrevistador, que já sintomas”. O paciente respondeu: “Sobre
havia trazido à tona essa informação, o que você gostaria que eu falasse?”.
disse ao paciente: “Então, seu pior pe­ O entrevistador sinalizou que gostaria
sadelo se tornou realidade; sua esposa de saber mais sobre o que acontecera
se tornou sua mãe”. “É isso”, replicou o exatamente antes do último ataque
paciente, “ela me fez sentir que ainda começar. A resposta do paciente levou
era um menino. Posso ter tido algo a a uma clarificação do entrevistador:
ver com isso”. E acrescentou: “Eu posso “Essa é a terceira vez esta semana que
tê-la ajudado vestindo-me de maneira você teve um ataque depois de ficar
inadequada para um homem da mi­ com raiva da sua esposa”. O pacien­
nha idade em Manhattan”. O paciente te aceitou essa observação, mas foi
ficou em silêncio, refletindo sobre seu somente na sessão subsequente que
comentário. O terapeuta observou: ele acrescentou que ficava com raiva
“Então, você está devotando sua vida sempre que sentia que sua esposa ficava
a transformar sua mãe na mãe que mais amiga da mãe dela do que dele.
você gostaria de ter”. O paciente ficou Mais tarde, soube-se que o paciente
visivelmente comovido e observou: “Eu tinha uma intensa competição com
tenho que superar isso ou vou arruinar sua irmã e que sempre tinha medo de
meu casamento”. a mãe a preferir a ele. Nesse ponto, foi
possível interpretar o desejo do paciente
As interpretações poderão estar dire­ de atacar sua irmã e seu medo de que
cionadas às resistências e defesas ou ao con­ seria rejeitado pela mãe como punição.
teúdo. Em geral, a interpretação visa ao ma­ Os mesmos sentimentos foram recria­
terial mais próximo à consciência, o que dos em sua atual relação com a esposa.
O entrevistador interpretou não apenas
significa que as defesas são interpretadas
o ciúme do paciente da atenção da
mais cedo do que o impulso inconsciente,
esposa para com a mãe, mas também
do qual as defesas ajudam a precaver-se. Na a inveja do amor que a sogra conferia
prática, qualquer interpretação simples en­ à filha. Em outro momento, o benefício
volve tanto a resistência quanto o conteú­ secundário do sintoma do paciente
do, e normalmente é repetida muitas vezes, foi interpretado como o fato de que
embora com variação de ênfase; o terapeu­ seu ataque de pânico invariavelmente

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trazia uma indulgência empática de sua mais óbvio é a paciente que apenas deseja
esposa. O processo total foi repetido na discutir seu interesse erótico pelo entrevis­
transferência, em que o paciente ficou tador. Este poderá comentar: “Parece que
enfurecido com o terapeuta por este seus sentimentos para comigo a estão per­
não demonstrar maior consideração
turbando mais do que seus sintomas”.
por seus sintomas, e então descreveu
O impacto de uma interpretação sobre
um sonho em que ele era o paciente
favorito do terapeuta. um paciente poderá ser visto de três manei­
ras: primeira, o significado do conteúdo da
As interpretações são mais eficazes interpretação nos conflitos e nas defesas do
quando são mais específicas. Nesse exem­ paciente; segunda, o efeito da interpretação
plo, uma interpretação específica seria: na relação de transferência; e terceira, o efeito
“Você ficou zangado quando sentiu que sua na aliança terapêutica, que é a relação entre o
esposa cuidava mais da mãe do que de você”. entrevistador e a parte saudável, observadora
Uma afirmação genérica poderia ser: “Seu do ego do paciente. Cada interpretação opera
aborrecimento parece estar direcionado simultaneamente em todas as três áreas, em­
para as mulheres”. Uma interpretação ini­ bora às vezes mais em uma do que em outra.
cial é inevitavelmente incompleta. Confor­ As manifestações clínicas das respos­
me mostrado nesse exemplo, muitas etapas tas do paciente variam bastante. Ele pode­
são necessárias até que se possa formular rá exibir respostas emocionais como sorrir,
uma interpretação completa. Quando o en­ chorar, corar ou ficar com raiva, indican­
trevistador está indeciso, as interpretações do que a interpretação foi efetiva. Um novo
são mais bem oferecidas como possibilida­ material poderá emergir na forma de uma
des para as considerações do paciente do informação adicional sobre a história ou um
que como pronunciamentos dogmáticos. sonho. Às vezes, o paciente relata que seu
Uma introdução para a interpretação po­ comportamento no mundo exterior mu­
deria ser “Talvez” ou “Parece-me que”. dou. Ele poderá ou não ter consciência do
O momento é um aspecto crítico da significado confirmatório desse material.
interpretação. Uma interpretação prema­ De fato, poderá negar vigorosamente que a
tura é ameaçadora; ela aumenta a ansieda­ interpretação está correta, apenas para mu­
de do paciente e intensifica sua resistência. dar sua opinião mais tarde, ou poderá con­
Uma interpretação tardia retarda o trata­ cordar de imediato, mas como um gesto de
mento, e o entrevistador pouco poderá aju­ agrado ao terapeuta. Se o paciente negar ou
dar o paciente. O melhor momento para in­ rejeitar uma interpretação, o entrevistador
terpretar é quando o paciente ainda não está não deverá insistir na questão. A discus­
ciente do material, mas é capaz de reconhe­ são é ineficaz, e o impacto terapêutico não
cer e aceitá-lo – em outras palavras, quando está necessariamente correlacionado com a
ele não achar o material muito ameaçador. aceitação consciente do paciente.
Sempre que existir uma forte resistên­ As interpretações são perdas na medi­
cia operando na transferência, será essencial da em que objetivam a remoção da defesa do
que o entrevistador direcione suas primei­ paciente ou o bloqueio de uma rota simbólica
ras interpretações para essa área. Uma pa­ ou substituta para a obtenção da gratificação
ciente iniciava toda sessão discutindo seus de um desejo proibido. Certos pacientes são
encontros mais recentes. Ela achava que o capazes de se defender contra esse aspecto da
terapeuta, como seu pai, estaria preocupa­ interpretação pela sua aceitação como outra
do com sua atividade sexual. Um exemplo forma de gratificação – isto é, o entrevista­

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dor estará falando com eles, deseja ajudá-los átrico. Ele é enfatizado em uma série de li­
e, por essa razão, usará seu poder onipoten­ vros-texto psiquiátricos; por essa razão, é
te para curá-los. Isso é facilmente reconhe­ discutido aqui em termos de suas influên­
cido quando o entrevistador faz uma inter­ cias na entrevista. Normalmente, está di­
pretação, e o paciente retruca: “Você é muito vidido em história (ou anamnese) e esta-
esperto, realmente compreende meus pro­ do mental. Embora essa organização siga o
blemas”. Poderá haver uma mudança na qua­ modelo da história médica e do exame fí­
lidade da aliança terapêutica depois de uma sico, ela é na realidade muito mais arbitrá­
interpretação correta devido a um maior ria. A história médica inclui achados sub­
sentimento de confiança no terapeuta. Um jetivos como dor, respiração curta ou pro­
paciente ficou menos preocupado com fan­ blemas digestivos; já o exame físico está li­
tasias sobre o entrevistador como resultado mitado a achados objetivos como sons car­
de uma interpretação da transferência. díacos, reflexos, descoloração da pele e as­
Espera-se que o entrevistador estabe­ sim por diante. Muitas das descobertas que
leça limites para o comportamento do pa­ pertencem ao estado mental são subjetiva­
ciente no consultório no momento em que mente reveladas, e o entrevistador poderá
este for incapaz de se controlar ou quando não ser capaz de observá-las de forma di­
empregar um julgamento inapropriado. Por reta. Alucinações, fobias, obsessões, senti­
exemplo, se um paciente enfurecido levan­ mentos de despersonalização, delírios pré­
tar do seu assento e caminhar ameaçadora­ vios e estados afetivos são exemplos. Além
mente em direção ao entrevistador, esse não disso, a descrição geral do paciente é tecni­
será o momento de interpretar: “Você pare­ camente parte do estado mental. No entan­
ce zangado”. Ao contrário, o entrevistador to, será mais proveitoso se for colocada no
dirá “Sente-se” ou “Não serei capaz de aju­ início do registro escrito.
dá-lo se está me ameaçando, então, por que
você não se senta?”. Do mesmo modo, o pa­
ciente que se recusa a sair ao final da sessão, História psiquiátrica
que usa o chuveiro do banheiro do médico,
que lê sua correspondência, ou que escuta Objetivo
na porta do consultório deverá saber que
tal comportamento não é permitido antes Uma história cuidadosa é a base do diagnós­
de o médico tentar analisar seu significado. tico e do tratamento de cada paciente. Cada
ramo da medicina tem seu próprio méto­
do de obter e organizar a história precisa e
EXAME PSIQUIÁTRICO* abrangente da doença do paciente e seu im­
pacto na vida deste. Na prática geral da me­
O esquema para organizar as informações dicina, a técnica habitual baseia-se em ve­
da entrevista é referido como exame psiqui- rificar, de acordo com as próprias palavras
do paciente, o início, a duração e a gravida­
*
de das queixas atuais; em rever os proble­
Esta seção (“Exame Psiquiátrico”) foi rigorosa­ mas médicos passados; e em perguntar so­
mente adaptada da seguinte literatura: MacKinnon
RA, Yudofsky SC: Principles of the Psychiatric
bre o funcionamento atual dos órgãos e dos
Evaluation. Baltimore, MD, Lippincott Williams sistemas anatômicos. Esse foco é destina­
& Wilkins, 1986, pp. 40-57. Copyright 1986, Lip­ do essencialmente a investigar a função dos
pincott Williams & Wilkins. Utilização autorizada. sistemas tecidual e orgânico, uma vez que

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