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PSICANÁLISE CLÍNICA

MÓDULO 17 - Psiquiatria Psicanalítica

Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo.


Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores
O PAPEL DA PSIQUIATRINA PSICANALÍTICA

A psiquiatria psicanalítica é freqüentemente conhecida por


psiquiatria dinâmica. Tanto em teoria quanto em prática,
ela define-se como sendo a abordagem que assume ser o
comportamento humano o produto de motivações; mesmo,
quando não haja consciência de cada motivação. Também,
que a personalidade desenvolve-se a partir de interações do
organismo portando suas particularidades únicas, em um
meio ambiente também particularizado. O meio ambiente
influenciando a personalidade e sendo por esta influenciado.
Investigam-se e entendem-se os transtornos funcionais,
como sendo causados pelas limitações de resistência e de
resposta aos estímulos em cada fase do desenvolvimento.
Conflitos internos, mensagens contraditórias emitidas ou
recebidas e as experiências infantis mais precoces são de
grande importância no desenvolvimento de reações e
percepções na vida adulta.

Psiquiatras psicodinâmicos não se limitam a um modelo


único e sim, tendem a levar em consideração conceitos
elaborados por Freud, Adler, Rank, Ferenczy, Horney, Rado,
Melanie Klein, Sullivan, Bion, Anna Freud, Margaret Mahler,
René Spitz, Erich Fromm e outros. Às vezes, considerações
abrangem as elaborações de Reich, Jung e as de vários
pensadores existencialistas; Buber, Frankl, Jaspers, Sartre,
Rogers, Ginott etc.. Muitos têm-se por ecléticos, isto é,
utilizam-se de conceitos de escolas distintas de

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pensamento, em busca de explicações que são mais
adequadas para os fenômenos de seus pacientes; também
adaptam práticas de "role playing", originadas no
psicodrama de Moreno; ou práticas derivadas das teorias
de aprendizagem social de Bandura, da teoria cognitiva de
Piaget, ou de Vygotsky e das demais teorias de
aprendizado.

A teoria do desenvolvimento psico-sexual de Freud; de Erik


Erikson: os marcos de atitudes adquiridas nos estágios de
desenvolvimento; em acréscimo, as constatações por John
Bowlby sobre o vínculo mãe-criança, acabam sendo
considerados como as bases do desenvolvimento afetivo da
psiquiatria dinâmica. Outros modelos teóricos têm
engrossado a lista de contribuições para as concepções
psicodinâmicas, entre elas figuram as teorias de
aprendizado, a teoria de campo de Kurt Lewin, a teoria
geral dos sistemas (Leopold von Bertalanffy), teoria
sistêmica de Salvador Minuchin no estudo de famílias etc.

Em contraste com a elaboração original Freudiana bastante


fechada nas ocorrências intrapsíquicas, agora, temos um
sistema aberto que leva em consideração fatores
biológicos, intrapsíquicos e sociais. Contextos interpessoais
têm sido incluídos, a exemplo de terapias de grupo, de
casal, de família e orientação dirigida à comunidade.
Enfoca-se também o cérebro, o órgão da mente, com toda
a sua complexidade de funções necessárias à percepção, à
análise de informações e à criatividade.

Desta forma, a psiquiatria tem seu papel alargado para


entender fenômenos humanos e para os predizer.
Entrevistas face à face, algum direcionamento de sessões,
adaptando o número de entrevistas às contingências de
cada paciente, o uso menos freqüente do divã; em geral,
apresentando muito mais poder de se ajustar a pessoas e
situações do que possui a prática do psicanalista
tradicional. O terapeuta sendo um observador participante,
nas palavras de Harry Stack Sullivan. Na década de
quarenta, Franz Alexander e Thomas French insistiram
sobre a importância de se distinguir a essência do processo
analítico dos rituais da técnica analítica. Defenderam eles
flexibilidade, as técnicas de psicoterapia adaptando-se às
necessidades psicodinâmicas de cada paciente individual.

A psiquiatria psicodinâmica difere também da psicanálise


clássica pelo fato da primeira ponderar sobre o uso legítimo
de medicamentos, já a segunda considera que o uso de
medicação psiquiátrica tende a alterar os mecanismos
psicológicos de defesa, promovendo repressão de
conteúdos emocionais e retirando motivação para o
progresso psicológico através das sessões de psicanálise.
Ainda, na psicanálise tradicional qualquer direcionamento
do terapeuta tende a ser visto como inoportuno e invasivo,
um desrespeito à individualidade do paciente. A psicanálise
tradicional se afasta do modelo médico, que é
essencialmente intervencionista. No entanto, Sigmund
Freud é um dos pioneiros dentro da medicina a fazer
conjecturas a respeito do alcance da psicofarmacologia em
um futuro então, ainda remoto. Na primeira metade do
século vinte, este assunto permaneceu irrelevante, sendo
reavivado com a revolução farmacológica da década de
cinqüenta.
Na psiquiatria psicodinâmica, através de medicamentos, o
terapeuta busca reduzir a intensidade dos sintomas e
corrigir disfunções do sistema nervoso central; o que
contribui para que pacientes aproveitem melhor suas
sessões de psicoterapia que passam a ficar centradas em
sua dificuldade em lidar com a vida, em entender suas
motivações. Sintomas excessivos causariam um desvio de
atenção do paciente para preocupações com o seu corpo,
para o seu mau funcionamento mental e para dificuldades
causadas pela conduta inadequada dos outros.

Um outro ponto importante é o do exame mais direto da


vida familiar do paciente, os demais membros da família
podendo ter um importante papel no sistema de vida mal
ajustado do paciente. De regra, esta investigação é
absolutamente essencial, quando se atende crianças e
adolescentes. A abordagem psicanalítica tradicional evitaria
a contaminação de informações e defenderia o atender
pacientes apenas individualmente.

Primariamente, o psiquiatra psicodinâmico coloca-se como


interessado nas questões várias do campo da saúde mental,
tendo um desempenho mais diretivo quanto à vida de seu
paciente e quanto às práticas preventivistas que visam
educar a comunidade. Para ele, a neuroquímica e a
neurofisiologia devem estar presentes na compreensão do
comportamento humano e da psicopatologia. Evita-se
posições reducionistas, que não reconhecem a contribuição
dos vários campos do conhecimento.

No trabalho clínico psicodinâmico, estabelece-se a


expectativa do terapeuta que mudanças maiores racionais e
construtivas venham a ocorrer, na vida de seu paciente, os
resultados práticos da terapia sendo considerados. Por
exemplo, um paciente obeso é ajudado a lidar com as
frustrações decorrentes da necessária mudança de hábitos;
no caso do paciente esquizofrênico, que ele compreenda a
importância de se manter medicado e que isto é desejável
etc. A psicoterapia atuando como um processo de
aprendizado mais do que de caça aos conflitos reprimidos
com o objetivo de se conseguir uma cura automática.
Naturalmente, continuando-se a olhar para a interpretação
dos conflitos reprimidos, como um potente fator que facilita
a recuperação da saúde mental; em acréscimo às reflexões
não diretivas, que ajudam o paciente a perceber a sincera
empatia de seu psicoterapeuta pelos seus sentimentos.

Através da experiência psicoterápica, busca-se o


desenvolvimento de novos modelos de comportamento, de
pensamento e de reações afetivas. Nem sempre há um
entendimento consciente de como esses novos modelos
foram adquiridos, não se podendo excluir as sugestões
feitas de forma indireta, fenômeno de identificação com o
terapeuta, experiências emocionais corretivas na interação
do paciente com o terapeuta e até mesmo o
condicionamento operante, no caso em que o paciente
toma observações e o comportamento não verbal do
terapeuta como referências válidas de aprovação e
desaprovação.

A natureza e a qualidade da interação do médico com o seu


paciente; a personalidade real de ambos, o grau de
motivação, confiança, esperança e fé que o paciente traz
para a experiência psicoterápica determinam o resultado da
mesma. Transferência e contra transferencia são assuntos
a serem identificados nessa interação; são referenciais
essenciais, para se medir a evolução do relacionamento
terapêutico e nisto, há uma maior semelhança com a
psicanálise tradicional. Ao término do tratamento, ocorre
uma fase pós analítica onde consolidam-se os ganhos
obtidos durante a psicoterapia; o paciente aprende a lidar
com o luto, em relação à perda da figura atuante do
terapeuta, bem como, em relação aos contatos com a
pessoa real do terapeuta. Em resumo, a psiquiatria
psicodinâmica está em compasso com um espectro amplo
de descobertas bio-psico-sociais, que fazem parte da teoria
psiquiátrica atual. Pela sua plasticidade, deverá ela
continuar a exercer uma forte influência integradora de
conhecimentos e de procedimentos dentro da psiquiatria
futura.

Prof. Dr. Silvio Saidemberg, Professor da disciplina de


psiquiatria FCM - PUC Campinas; Fellow em psiquiatria da
infância e da adolescência ( The University of Rochester,
NY); tìtulo: American Board of Psychiatry and Neurology
Psicanálise e Neurociências

Infelizmente, existe uma tendência no meio


médico e mesmo no psiquiátrico que julga
haver um antagonismo entre os progressos
sobre o conhecimento do cérebro e a teoria
psicanalítica de nossos dias, já bem diferente
em muitos pontos dos postulados freudianos.
Entretanto, não é questão de uma ou
outra,mas de uma e outra, como procurarei
mostrar.

O conceito atual neurocientífico de plasticidade cerebral,


das redes ou mapas neuronais com suas miríades de
sinapses sempre em mudança de maneira ativa em contato
com aquilo que vem da realidade interna e externa, dá uma
base orgânica estrutural para a teoria e prática
psicanalíticas atuais. A neurociência vem mostrando como o
estar consciente depende da sincronização, da sintonia
entre várias estruturas corticais e subcorticais.

O inconsciente (fantasia inconsciente), por sua vez,


dependeria, para se manifestar, de um bloqueio emocional
de certos conjuntos neuronais e suas sinapses, liberando
outras redes, mais ligadas ao mundo interno, em uma
espécie de neo-jacksonismo. Tal se passaria no sonho, nos
lapsos de língua, nas parapraxias e na construção de
sintomas neuróticos e psicóticos, conforme já Freud havia
observado. O ser humano necessita da fantasia, tanto
consciente como inconsciente, em alternância perene entre
essa realidade interna e o mundo exterior. Ambas são
necessárias à mente, para dar "alma" ao cérebro, sem as
quais este morreria.

O pensar parece ser em grande parte uma sintonia entre a


fantasia inconsciente, as captações sensoriais aferentes (o
cérebro não sobreviveria sem o corpo) e os engramas
(memórias) estabelecidos no decorrer da vida. Dormir seria
necessário para descansar certos setores sinápticos, ligados
à realidade exterior, deixando livres outros mais conectados
ao mundo interno, originando o sonhar. Sem esse
desligamento neurossináptico da consciência vígil, o
cérebro não sobrevive. Os especialistas em sono sabem
disso.

Para o aprendizado (aquisição de novos engramas), o sono


bem dormido é tão necessário, mostrando pesquisas com
estudantes, quanto a primeira metade da noite é
fundamental para consolidar o aprendido em vigília
(Houzel, 2002). Provavelmente seria porque no sono
profundo inicial funciona mais a realidade interna, ao
contrário do sono superficial, com a realidade externa mais
influente, entrando nos sonhos. Não é impossível que, para
a consolidação do aprendizado, seja necessário o que em
psicanálise se denomina autismo construtivo, a mente fica
voltada para dentro, para si mesma com seus objetos
internos, sem sonhos e contatos com o mundo exterior.
Isso poderá explicar certos lampejos criativos, tanto
artísticos como científicos. Na química, quando Kekulé
sonhou com o anel benzênico, ainda não conceituado, e na
fisiologia quando Banting sonhou necessitar ligar o canal
pancreático de cães para confirmar que as ilhotas de
Langermans secretavam a insulina.

Houzel, ao analisar a motivação onírica (um dos pilares da


psicanálise freudiana), não inclui o fator emocional, a
realização dos desejos e o repetir uma situação traumática
na tentativa de sobrepujá-la. Também, quando revela
depender a memória da riqueza de estímulos que
aumentam as sinapses do hipocampo, não faz qualquer
referência à motivação (tanto consciente como
inconsciente), não só bloqueando sentimentos indesejáveis
das lembranças como estimulando outros, e a atenção. Por
isso, provavelmente os deprimidos crônicos menos
motivados, procurando menos estímulos internos e
externos, são mais suscetíveis à "falta de memória" e por
isso provavelmente serem mais propensos à doença de
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Alzheimer.

Ainda Houzel, ao analisar o bocejo do ponto de vista


neurocientífico, o faz demasiadamente apegado a esse
campo, não incluindo em suas observações fatores
emocionais interpessoais (objeto da psicanálise atual).
Realmente o bocejo pode ter várias conotações, além das
mencionadas pela autora, como disfarçar uma situação em
que a pessoa é criticada, em comunicação inconsciente de
algo como: "Não estou nem aí". Até na psicologia canina,
muitas vezes parecida com a humana, pode se observar um
cão censurado pelo dono olhar para o outro lado e bocejar,
como que comunicando ao primeiro "Isso não me afeta,
não é comigo, não me interessa."

Houzel, no capítulo "Lembrando o que não aconteceu" de


seu livro, a falta de ênfase no emocional é patente. Muitas
lembranças e falsas lembranças , como o "déjà vu" são
incrementadas quando o fato vivido ou imaginado causou
maior impacto afetivo. Além disso, com a repressão
(recalque) emocional de um fato traumático vivido ou
fantasiado, a rememoração mostra que a pessoa não tinha
qualquer consciência de sua existência. A revivescência de
conflitos emocionais e a compreensão desta na
transferência em sessão analítica alteraram certas marcas
cerebrais em um sentido positivo, alargando horizontes da
pessoa sobre si mesma e seus relacionamentos. Pugh
(2002) cita pesquisas a respeito. Conseqüentemente
aparece maior paz interna, menor ansiedade, diminuição
dos sintomas clínicos e maior integração emocional. Para
ocorrerem tais mudanças na plástica cerebral é
indispensável a assiduidade do contato analítico (três a
cinco vezes por semana) durante anos, para se tornarem
duradouras.

Comentando as bases cerebrais do humor, Houzel cita


pesquisas atuais através do mapeamento de zonas ativas
do cérebro revelarem que anedotas relacionadas com o
significado das palavras ativam centros da linguagem no
lobo temporal. Por sua vez os trocadilhos ativam o córtex
pré-frontal medial ventral, processando sinapses
relacionadas com o som das palavras. O achar graça
dependeria tanto do sentido como do som das palavras. O
riso contagioso ativa o núcleo acumbente, também
responsável pela sensação prazerosa da maconha e de
outros vícios. Mais uma vez nota-se pouca consideração da
parte psicológica (emocional), pela qual acha-se graça
quando um impulso reprimido sexual ou agressivo foge
subitamente da censura. Redlich e Bingham (1962)
analisando, sob esse ponto de vista, cartoons de revistas
norte-americanas, mostram como o riso surge no caso de
pessoas ridicularizadas, satisfazendo impulsos agressivos e
sexuais reprimidos, por exemplo, as crianças e até mesmo
os adultos riem dos palhaços por falarem e cometerem
asneiras, fazerem coisas desastradas e assim por diante.
Sentem-se superiores e no riso descarregam a
agressividade contra eles. Na TV, programas como as
"videocassetadas", com pessoas sofrendo quedas ridículas e
outras situações humilhantes, bem como nas comédias de
"pastelão" americanas, com tortas sendo atiradas no rosto
do desafeto, os mesmos impulsos são satisfeitos. Tudo
relacionado com repressões dos instintos sexuais e
agressivos básicos, subitamente liberados com a surpresa
do ocorrido no fim do fato risível. Freud já havia estudado
esse assunto em O chiste e o inconsciente.

Cada cultura possui também piadas regionais, divertindo


mais àqueles a estas pertencentes, por exemplo, as
existentes entre os judeus. No Brasil os portugueses são o
alvo predileto de anedotas em desventuras engraçadas,
provavelmente por certa agressividade cultural recalcada
dos tempos coloniais, e por seus imigrantes, em geral de
pouca cultura e ingênuos, pensarem, falarem e atuarem de
maneira engraçada, fazendo os brasileiros se divertirem por
sentirem-se momentaneamente superiores. Por ironia, um
dos maiores neurocientistas atuais, Antonio Damásio, é
português, embora radicado nos Estados Unidos, e, no
passado, Egas Moniz, introdutor da angiografia cerebral e
da psicocirurgia (leucotomia), ganhador do prêmio Nobel,
também era português, mostrando a injustiça da inclusão
dos portugueses em situações risíveis.

Damásio (citado por Houzel), estudando principalmente as


emoções com experimentos criativos tanto em animais
como em humanos, vem confirmando estruturalmente
envolverem as emoções, o corpo e o cérebro. Concluiu que
se tem primeiro a emoção para depois senti-la. A angústia,
por exemplo, é a alteração corporal neurovegetativa com
sensação de aperto, "angor" na garganta, taquicardia, suor
frio etc. que provoca o sentimento de ansiedade após o
cérebro registrar as alterações corporais. Embora a
angústia preceda a ansiedade, ambas não existem
isoladamente.

No terreno da consciência, Damásio considera três níveis.


Primeiro o do proto-self, relacionado com a imagem do
corpo no cérebro. Seria o "ego corporal", de Freud. Quando
essa imagem muda no relacionamento com o mundo
exterior, surgem representações na consciência que,
quando se relacionam aos objetos causadores da mudança,
fazem aparecer a consciência do Eu Central, a noção "do
aqui e agora comigo", a segunda forma de consciência.

Em O erro de Descartes, Damásio, ainda citado por Houzel,


procura mostrar como primeiro vem a emoção e depois o
pensamento, portanto, não é "penso, logo existo", mas
"existo (tenho a noção de existir) e por isso penso". A
emoção e a consciência são inseparáveis, como a angústia
da ansiedade. Conclui Damásio: quanto mais o self
reconhece suas emoções, mais se torna apto para uma
melhor adaptação ao mundo interno e externo. É essa
exatamente a intenção do psicanalista para com seu
paciente: levá-lo a um melhor conhecimento de seus
conflitos emocionais inconscientes, a fim de poderem ser,
senão resolvidos, pelo menos atenuados.

Houzel refere-se à capacidade da percepção do sentimento


em alertar o organismo para a situação provocadora de
emoção, incentivando as reações adaptativas mais
adequadas. Algo, acrescentaria eu, já existente nos
mamíferos superiores, principalmente nos primatas. Apenas
nos últimos, a memorização é fugaz (hipotalâmica) não
sendo transferida para o córtex pré-frontal com a
intensidade do ocorrido no Homo sapiens, resultando no
pensamento mais sofisticado. Em suma, esses animais
superiores não chegam à consciência plena (terceira forma)
por deficiência na telencefalização. O pensamento, mesmo
nos macacos superiores, é rudimentar, apenas
incipientemente simbólico, enquanto no ser humano, sem a
capacidade para o simbolismo, não existiria o pensamento
(verbal) e a linguagem. Seria exatamente o ocorrido
segundo Segal (1978) nos esquizofrênicos. Neles haveria
confusão entre o símbolo e o simbolizado, resultando no
"pensamento concreto", por atacarem o pensar conforme
procurou mostrar Wilfred Bion (1988). Esse ataque levaria
o esquizofrênico a sentir o mundo como bizarro, a partir
disso o autismo, os distúrbios do pensamento e da
linguagem, a ambivalência e os delírios. Estes últimos
freqüentemente como tentativas de voltar ao contato com a
realidade. Vide Pacheco e Silva Filho (1989) reportando-se
a vários psicanalistas atuais como Ogden, J. Grostein, H.
Segal, H. Rosenfeld, W. Bios, M. Mahler e outros estudiosos
do assunto.

Na conscientização ampliada, dependente do


desenvolvimento maior da córtex, o Eu (self) recebe sua
identidade e perspectiva histórica; torna-se auto-biográfico
com passado, presente e futuro. Surgem em cena as
funções superiores como a linguagem e a criatividade.
Constrói-se a consciência moral na qual estão as relações
sociais e sentimentos abstratos, como amor, honra e
altruísmo. Citando ainda Damásio, Houzel ilustra como
lesões nas estruturas do proto-self arrasam todos os níveis
de consciência, comprovando ser a representação do corpo
na mente o nível básico. Em ataques epiléticos ou
ausências, a dissolução da consciência central leva junto a
consciência ampliada. Esta, por sua vez, pode ser
comprometida sem a segunda ser afetada, como em casos
de amnésia e início da doença de Alzheimer. Vigília e
consciência central não são sinônimos, como mostram
ausências por disritmia cerebral, em que a pessoa acordada
age automaticamente. Na hipnose, o hipnotizador se
tornaria o superego do hipnotizado, podendo bloquear a
consciência central e tornar o último, no transe profundo,
um autômato sob suas ordens. Ainda, os achados do
neurologista português levaram a conclusão de que tanto
com quanto sem cérebro não há consciência, o corpo
também é indispensável para a mesma. Houzel assinala
como ver ou imaginar objetos ativa os mesmos neurônios,
mostrando como são afetados de maneira idêntica por
estímulos da realidade externa e interna.

A imaginação, para Houzel, seria a ativação interna da


representação dos sentidos no cérebro. Como depende da
experiência, esta é a matéria prima da imaginação. Mas,
desculpe-me a autora, a imaginação (fantasia consciente)
não é só representação dos sentidos no córtex. Talvez isso
seja nos primatas que já a têm incipiente, nunca tão
desenvolvida como em nós. No ser humano, a constituição
do mundo interno simbólico individual não faria com que as
redes neuronais ativem-se reciprocamente sem
representações dos sentidos? Por puro autismo (ausência
de relação objetal externa) construtivo, como vimos no
autismo criativo, nas artes e nas ciências, diferente do
autismo destrutivo das crianças autistas e esquizofrênicas.

Ainda, para Pugh (2002) as observações kleinianas da


criança desenvolvendo a percepção de pessoas como
objetos totais aos 4 meses (posição depressiva de M. Klein)
parecem ser confirmadas pelo fato de nessa idade axônios
dispensáveis no córtex serem eliminados. Campos
sinápticos vão sendo integrados e a ponte inter-hemisférica
é ampliada pela mielinização. Além disso, lesões na zona
cortical heteromodal do hemisfério direito podem resultar
em regressão para a percepção de objetos parciais.
Soussumi (2001), psicanalista de nossa sociedade, com
vários estudos sobre a integração entre as neurociências e
a psicanálise, refere-se a três tipos de memória:

1) Procedural, concernente ao cérebro reptiliano e ao dos


mamíferos, armazenadora das primeiras recordações da
humanidade e, no indivíduo, da infância.

2) Declarativa, concernente às lembranças.

3) Filogenética, referente ao estado mental primitivo e à


fantasia inconsciente (representação mental do instinto,
das pulsões, conforme M. Klein), tanto e principalmente
dos impulsos destrutivos como dos eróticos (Thanatos e
Eros de Freud). O complexo de édipo, para o autor,
também poderia ser aqui incluído.

Del Nero (1997) assinala como programas pré-gravados


inatos nos habilitam a ter uma pequena parcela da mente
pré-instalada. São afirmações perfeitamente coincidentes
com a pré-concepção de Wilfred Bion, atribuindo ao recém-
nascido uma imagem de bom objeto (seio), a qual, em
contato com o objeto, forma uma concepção. E mais
adiante, escreve Del Nero, ter o indivíduo habilidades
prévias (cerebrais) de estabelecer sincronia com os fatos do
mundo. É uma confirmação neurocognitiva da idéia
kleiniana do Ego incipiente no início da vida, não existindo o
narcisismo primário de Freud.
Por sua vez, Basile (1998) assinala como parte da amígdala
passou a ser tratada como "quase cortical", semelhante ao
hipocampo e à cápsula do núcleo acumbente (amígdala
expandida) que teriam importância primordial na explicação
do comportamento em geral e da fisiopatologia psiquiátrica.
Diria eu, importância primordial como efetores, mediadores
psicossomáticos transformando a angústia em ansiedade,
decorrentes não só de fatores externos (medos etc.), mas
sobretudo de conflitos inconscientes do mundo interno,
exigindo modificações do pensamento e do comportamento.

Koestler, A. (1967), citado por Persicano (2002) em


pensamento semelhante às três formas de consciência de
Damásio, refere-se aos "três cérebros" do ser humano: 1)
O reptiliano sensitivo-sensorial, incapaz de armazenar a
experiência. 2) O mesocórtex, já existente nos mamíferos,
tornando-os capazes de solucionar problemas elementares.
Seria o sistema límbico ligado ao hipotálamo em mão
dupla, filtrando as excitações antes de estas atingirem
aquela estrutura. Permite a adaptação ao meio (externo)
com base em experiências passadas. Avalia o significado
emocional das experiências, pela inter-relação hipotálamo-
hipófise-supra-renal. 3) O "terceiro cérebro" seria o néo-
córtex telencefálico, com predominância da parte auditiva
sobre a visual. Na criatividade o mesocórtex é
regressivamente incorporado ao neo-córtex em inter-
relação. A cultura em cada grupo humano dependeria desse
intercâmbio. Inicialmente passa de geração em geração
oralmente, só posteriormente, com a escrita comunicativa,
surgiriam novos valores individuais.

Na filogenia, o Homo habilis da Idade da Pedra seria ainda


incapaz de usar a fantasia inconsciente e mesmo a
consciente, daí o fato de não terem criatividade. Com a
evolução surge o homem de Neanderthal, que já a tem. Em
seguida surge o Homo sapiens, incluindo o Cro-Magnon.
Surgem as várias raças, adorando deuses animais e outras
ligadas às forças naturais. Ainda não existe qualquer
liturgia religiosa. Apenas com o incremento da fantasia
inconsciente, há 45 mil anos atrás, aparecem as primeiras
manifestações artísticas. A dança seria a primeira forma de
arte, já com um sentido erótico mais sofisticado e não
quase só agressivo, como nos antropóides. Logo vem o
desenho primitivo representativo. Como na criança
(desenvolvimento ontogênico), seriam as primeiras
manifestações de um psiquismo, da primeira consciência da
subjetividade, com fantasias de onipotência (sopro criador),
primeiro atribuído aos deuses, para o infante os pais, e
depois em parte outorgado para si.

Com o desenho começa o planejamento de vida, com idéias


do futuro. Os animais representados nas paredes das
cavernas tornariam, pela fantasia inconsciente, mais fácil
caçá-los. Desenhar, como depois fotografar, teria o
significado inconsciente de se apoderar do objeto, desse
modo fixado, congelado. O homem das cavernas gravou,
esculpiu e pintou, progressivamente nessa ordem. Passa a
não só observar a realidade externa como a reproduzi-la.
Surgem os sonhos e as fantasias conscientes, não
distinguidos no começo da realidade externa, tal qual
ocorre na criança.

Pela arte o homem primitivo teria começado a refletir,


dando um enorme salto no desenvolvimento cognitivo,
desenvolvendo um cérebro com um excesso de
possibilidades criativas, usadas para a solução de
problemas mais complexos e para a arte. Com isso vão
aparecendo as várias subjetividades no ser humano. Os
padrões rígidos coletivos sendo alterados em várias
culturas, com valores e modos de viver diversos.
Conclusão

Como tenho procurado mostrar nesta seção Ponto de Vista,


a psicanálise atual contribui cada vez mais para
compreensão da mente humana, seus distúrbios e seu
tratamento. Por outro lado, as neurociências vêm
confirmando inúmeros postulados psicanalíticos modernos,
no estudo das funções cerebrais mais diferenciadas.
Entretanto, os neurocientistas não podem mais deixar de
lado as contribuições da ciência do inconsciente, como nós
psicanalistas não desprezamos os desenvolvimentos dos
conhecimentos das ciências cognitivas e das neurociências
em geral.

Para muitos neurologistas e psiquiatras excessivamente


organicistas, ainda somos uma espécie de filósofos,
desligados da verdadeira ciência. Alcunha talvez válida para
as escolas sectárias de psicanálise na sua ortodoxia. Fora
destas, que apesar de tudo podem dar sua contribuição, a
ciência psicanalítica já atinge hoje dimensões nada
desprezíveis para a compreensão do ente humano na sua
unidade e no seu relacionamento interpessoal, tanto na
saúde como na doença.

Em artigo anterior nesta revista (2002) procurei focalizar


mais detidamente o processo analítico. Ainda a respeito,
gostaria de citar Kantrowitz (1995) e Schalker (1995), duas
norte-americanas com dois trabalhos notáveis que revelam
a percepção das mais sensíveis do jogo transferência-
contratransferência. Na experiência emocional recíproca, o
paciente evolui reavaliando suas vivências e o mesmo se dá
com o analista, conforme vai percebendo como suas
reações emocionais determinam e condicionam as do
paciente. E com isso, o próprio analista evolui, não só como
profissional, mas também como pessoa. As autoras, com
muita sensibilidade e intuição, relatam como trabalham em
um interjogo emocional profundamente humano entre duas
pessoas, sem necessitar do jargão específico de qualquer
das "escolas" psicanalíticas existentes. Aliás, em
psicanálise, muitas vezes o mesmo termo é conceituado de
várias maneiras por diferentes analistas, o que impede
freqüentemente qualquer discussão criativa.

Finalizando, outro autor, o italiano Ferro (1996) possui as


mesmas características, como demonstrou em seus
seminários clínicos em nossa sociedade. São suas palavras:

"Acredito que como analistas deveríamos mostrar, cada vez


mais, para além das teorizações, aquilo que fazemos e
como fazemos, na concretude da sessão". Aliás palavras
muito semelhantes às de Bion (1973, 1974), em vários dos
seus escritos e conferências, muitas das quais pronunciadas
em São Paulo e Rio de Janeiro, tais como: "Na psicanálise,
duas pessoas ousam se perguntar sobre coisas esquecidas
e ignoradas, devendo ao mesmo tempo viver no presente,
disso resulta ambas ficarem mais fortes mentalmente".
Psicanálise e Psiquiatria

15/06/1985

Jorge Forbes

Uma vez que este é um ciclo de debates de Psicanálise e Psiquiatria, vou


iniciar contando um debate entre um psiquiatra e um jovem se iniciando na
psicanálise. É uma história passada há mais de 10 anos.

Semanalmente, nas 4as. feiras de manhã, o chefe do Serviço de Psiquiatria


onde o jovem fazia sua formação psiquiátrica, talvez impressionado pela
face de desalento de seu discípulo, lhe perguntava o que se havia passado.
Este sempre lhe respondia que estava muito desesperançado por discordar,
como sempre, do que lhe tentavam ensinar na noite anterior, em seu
seminário de psicanálise. Passados uns dois meses de repetição deste
diálogo, houve um dia que, no corredor, o psiquiatra disse: “É interessante
o esforço semanal que você faz de atacar sua inteligência para que possa
prosseguir na psicanálise”.

Esta história se passou entre duas pessoas que hoje repartem essa mesa, o
Professor Carol Sonnenreich e eu.
“É claro que o jovem era ele e que o psiquiatra era eu...”.
Junto essa pequena história com outra, com o que Lacan diz numa
conferência intitulada “Freud no século”. Essa conferência foi por ele dada
em um Serviço de Psiquiatria em Paris, no ano de 1956, comemorando os
100 anos de nascimento de Freud. Lacan ali se dirigia aos jovens
psiquiatras e diz que o fazia com muito prazer, sobretudo porque eles não
haviam ainda sido analisados, pois uma vez que o fossem, rapidamente
aprenderiam que suas inteligências nada mais eram que “resistências” e
que, inclusive, certa psicanálise havia para isso cunhado um termo:
intelectualização. Faço esse pequeno preâmbulo a título de gancho do que
me proponho tratar. Alguns aspectos das relações Psicanálise e Psiquiatria.
Tomarei pelo viés da clínica psicanalítica, tentando definir certos pontos
fundamentais. Não me preocuparei no cotejo minucioso com a clínica
psiquiátrica, não é essa minha intenção e entre outros motivos, dado o
grande número de psiquiatras aqui presentes, se for o caso, que o façamos
de viva voz. Se fiz esse preâmbulo, foi para ajudar a pensar que podemos
falar em clínica psicanalítica, sem que para tanto ataquemos a nossa
inteligência. Há razão na psicanálise, conforme Sonnenreich e Lacan, em
momentos diversos anunciaram.

Não é simples, nem evidente falarmos em clínica psicanalítica. A que nos


estaríamos referindo? À, por exemplo, clínica da supervisão? Àquela que
faz com que cada caso atendido, seja de imediato passado sob o crivo do
supervisor, que atestaria, imaginariamente, o correto, ou o incorreto, de um
suposto bem-fazer? Almeja essa clínica transformar o supervisando em
supervisor, sustentado, talvez, numa idéia que a psicanálise passa por
contágio, como se fosse uma infecção.

Seria a clínica psicanalítica, a clínica do sentimento? Aquela que


sustentaria, que através dos seus sentimentos, em algo chamado contra-
transferência, o analista seria o anunciante da verdade escondida na
profundeza da alma do outro? Ou talvez ainda pudéssemos dizer que a
clínica psicanalítica é aquela da cumplicidade (analista – parte sadia do
analisando) uma luta contra os maus impulsos, objetivando um Ego forte,
sadio e adaptado. Esta divisão que faço é, evidentemente, arbitrária,
superficial e com um quê de caricata. Mas, se a faço e a deixo assim, é
simplesmente por entender que toca pontos já por demais discutidos e de
conhecimento da maioria.

Em um momento de seu “Seminário XI”, Lacan define a clínica


psicanalítica como o tratamento do Real pelo Simbólico. Já antes, em seu
Seminário das “Psicoses”, dizia que a psicanálise se preocupa com a
estruturação do sujeito pela palavra, ou melhor, dito, pelo significante.
Assim, poderíamos dizer que a psicanálise é a clínica do significante,
embora nem tudo aí se passe a esse nível. A psicanálise é uma clínica
freudiana, com uma específica determinação do sintoma. Em Freud o
sintoma se articula na fala. “Todo fenômeno que participa como tal do
campo analítico, da descoberta analítica, do que temos a fazer no sintoma,
nomeadamente na neurose, é estruturado como a linguagem” entende
Lacan que sobre isso diz também que: “a única maneira de abordagem,
conforme a descoberta freudiana é de colocar no registro mesmo, onde o
fenômeno nos aparece, isto é, no nível da fala”. É com esta frase que Lacan
resolve e abandona, em seu Seminário das “Psicoses” a velha discussão
entre organogênese e psicogênese. Essa é assim a primeira especificidade,
que me ocorre dizer da psicanálise em relação à psiquiatria. O sintoma
psicanalítico está articulado na fala.
Uma vez tendo tentado uma definição da clínica psicanalítica, prossigo.
Uma das relações que veria entre psicanálise e psiquiatria é uma relação de
medo.
Não deve ser só o desinteresse e as diferenças de campo que podem
explicar a pouca freqüência de encontros como esse de psicanalistas e
psiquiatras.
Digo, ingenuamente, medo e diria não ingenuamente angústia, lugar desde
o qual o analista se interroga sobre o seu ser. Retomando o medo, parece
que os analistas têm medo de se confundirem, ou serem chamados de
psiquiatras. Isso, em algumas esferas, quase se tornou um insulto. O mais
novo insulto da língua portuguesa: psiquiatra. Nesse xingamento, deve-se
entender, reacionário, autoritário, rotulador. E à diferença, o psicanalista
seria, o libertário, o que não faz diagnóstico, o que compreende, para quem,
cada caso é um caso e do qual nada se pode generalizar.

É óbvio que entendo isso falso pelos dois lados. Como já disse, continuo
pelo lado da psicanálise. Entendo que hajam claras diferenças entre
psicanálise e psiquiatria, mas não por isso deveria escamotear que a
psicanálise é herdeira da psiquiatria. Talvez, uma filha pródiga, talvez uma
filha querida, a opinião dos pais varia, mas herdeira da psiquiatria. Lacan,
ao abrir seu mais famoso livro, os “Escritos”, faz uma homenagem a uma
só pessoa, à que se refere como “meu mestre”, Clérambault, que conceituou
o automatismo mental, que Lacan pode desenvolver o seu tão conhecido
“Outro que fala em mim”. Durante toda sua vida, ao contrário do que
alguns poderiam imaginar, Lacan nunca abandonou o hospital psiquiátrico
e mesmo até o recomendava aos que se pretendiam analistas; esse defrontar
com a loucura, momento maior do inconsciente a céu aberto.
Poderíamos, é claro, também falar de Freud, que chega à psicanálise pelos
pontos interrogantes que a medicina em que estava inscrito lhe apresentava.
As diferenças, portanto, entre psicanálise e psiquiatria, a meu ver, não
podem ser feitas sumariamente, numa partição consultório e hospital. Não
me estendo mais sobre os exemplos de Freud, ou Lacan, gostaria agora de
voltar a abordar, o que de genérico pode ser pensado em relação à clínica
psicanalítica, ou clínica do significante, como antes referida; certos pontos
que a serem precisados, talvez possam por vocês ser cotejados, com a
clínica psiquiátrica. Me referirei a três momentos da análise: a entrada, o
percurso e o fim.
A Entrada em Análise

A entrada em análise é feita por uma demanda, por uma demanda dirigida
ao analista. Normalmente, essa demanda se apresenta como um pedido de
restituição de um saber, que falta para aliviar o do que a pessoa sofre.
Talvez seja essa a forma mais simples de introduzir para vocês, o que
Lacan chamou, que sob a transferência, o analista ocupa a posição de
Sujeito Suposto Saber. Essa falta desse saber, que gera o sofrimento, é que
podemos juntar com a famosa concepção, que a clínica é o “real” enquanto
o impossível a suportar. O impossível a suportar que se articula em sintoma
e daí o sofrimento.

Em psicanálise, o analista faz parte do sintoma; a transferência passa por


um significante do analista e este, por fazer parte do sintoma, por não estar
o analista excluído, ou observador do tratamento, a ele é dado neste
período inicial de contato com o paciente, de fazer um cálculo. Um cálculo,
portanto, da posição que deverá ocupar no tratamento e desde a qual lhe
será possível manejá-lo e conduzi-lo. Conduzir o tratamento, que não deve
ser confundido com conduzir o paciente. É neste momento que o tão mal-
falado diagnóstico volta à baila. Neste tempo inicial chamado por Lacan de
Entrevistas Preliminares, prática que podemos depreender de seu ensino, o
diagnóstico recobra a importância.

Uma vez que dissemos que a psicanálise trata da articulação do sujeito ao


significante e sendo que isto é operado pela castração, Lacan recupera em
Fred, três maneiras distintas de dizer NÃO à castração, que originam:
neurose, psicose e perversão; recalque, recusa e forclusão. Poderíamos
discutir mais essa questão diagnóstica, pensá-la também em relação a
respostas frente ao desejo do Outro, mas isso nos obrigaria, explanações de
conceitos, que ultrapassam nosso limite, aqui. Nessa parte, finalizaria
dizendo que há uma responsabilidade por parte doanalista, responsabilidade
que Lacan devolve ao analista com tal vigor, desde o primeiro momento
que este se encontra com a pessoa que lhe vem pedir análise.
Responsabilidade essa que se vê, desde a mais simples questão: será que é
a mesma a posição do analista frente a um neurótico e a um psicótico? Será
que é a mesma posição que ele pode ocupar nesses
tratamentos?
Pelo dito anteriormente , sustento que não.
O Percurso do Tratamento

Freud legou um “que fazer” ao analisando. A ele cabe associar livremente.


E ao analista? É uma pergunta que há muito ronda as diferenças dos
próprios analistas, à qual alguns tentaram responder, criando verdadeiras
cartilhas do “bem fazer” analítico, burras como todas as cartilhas e tantas
vezes denunciadas por Lacan. Não há um “bem-fazer”, ou um “que fazer”
do analista, que possa ser sustentado fora dos conceitos fundamentais da
psicanálise. A ele analista é dada a interpretação e a construção, sim, mas
não há uma fórmula anterior para explicá-las: como, quando e aonde. Não
há resposta programada à famosa pergunta: “Meu paciente falou isso, o que
é que eu devo dizer?”, ou pior: “Estou me sentindo mal porque meu
paciente só falou”, como se falar fosse pouco, em análise. À interpretação,
podemos associar o termo pontuação. O analista ao pontuar a cadeia de
significantes, aponta um sentido, sentido esse que se entrelaça entre o
registro do Simbólico e do Real. Assim, podemos entender a citação,
anteriormente referida de Lacan, que a Psicanálise é o tratamento do Real
pelo Simbólico. Apontar o sentido é distinto de apontar a significação.
Esta, diferentemente da anterior, se faz na articulação do Simbólico com o
Imaginário, um trabalho, habitualmente operado pelo analisando, nos
espaços inter-sessões. Tendendo as sessões, a serem cortadas no momento
do enigma, momento da pontuação. Esse momento tem um tempo, um
tempo que é dado pela própria operação da cadeia de significantes, ou dito
mais simplesmente, pela associação livre. Por isso, que o tempo de uma
sessão varia e não é, por exemplo, correlato ao tempo de um medicamento
que utilizamos na psiquiatria e que de antemão, já conhecemos um prazo
habitual de atuação, que quando não correspondido, se altera o
medicamento. Esse, o tempo, é mais um ponto que Lacan devolve à
responsabilidade do analista. Sobre a construção, poderíamos dizer que esta
se refere ao ponto de inércia de uma análise, aquilo que Freud, em seu texto
que tem por título “Construções em Análise”, referiu que fica à parte do
conteúdo da neurose, aquilo que não passa pela cadeia significante; se
quisermos uma aproximação com a matemática, diríamos que funciona
enquanto axioma. Dessas duas operações da clínica, são relativas às duas
posições do analista no tratamento. Como grande Outro, suposto de um
saber, no que tange à interpretação e como “petit a”, objeto de desejo,
inominável, no que se refere à construção. Com isto chegamos ao terceiro
item, a que nos propusemos, o fim da análise.
O fim de análise

O Fim da análise , podendo ser entendido como finalidade e como término.


Sobre a finalidade e sobre o fim, retomaria uma frase de Freud, tantas vezes
por Lacan citada: “Não importa o que for, é preciso chegar lá”. Se o
analista tem “horror a seu ato”, como diz Lacan, é entre outros motivos,
porque a psicanálise não tem nada a ver com o bom-senso. Ao aceitar uma
análise, o analista tem a responsabilidade de levá-la até o fim e este não é
visto coloridamente por Freud. Toda análise bem conduzida chega a um
impasse, o impasse do rochedo da castração. Se, supostamente, aquele que
vem à uma análise sofre porque goza e goza porque descobriu um objeto
que lhe completa e o que gostaria que acontecesse fosse uma ortopedia
psíquica, no sentido de gozar adequadamente, no fim de uma análise, ao se
deparar com a castração, ao se deparar com o inominável objeto de desejo,
esse gozo fica relativizado e o desejo possibilitado. Desejo, no entanto, sem
nenhuma garantia de estabilidade, desejo testemunho do incerto e não do
certo. É sobre este impasse da castração enunciado por Freud, que Lacan
propôs o passe, uma alteração na articulação do ser do sujeito, articulação
essa no matema lacaniano representada pela ligação do sujeito com seu
objeto, que escapa à representação significante, que escapa à associação-
livre. Este momento, Lacan denominou como momento fantasmático, como
“o salto no Real”. Fica clara a divisão do sujeito entre saber e ser,
enunciado na famosa inversão da frase cartesiana que dizia “penso logo
existo” para “penso onde não existo e existo onde não penso”. Dito de
forma mais simples, valendo-se mesmo do título do artigo de Freud,
verifica-se no fim de uma análise que há um “Mal-Estar na Civilização”.

Na civilização se está mal, porque existe uma discordância do instrumento


que temos para enunciar nosso desejo: a palavra e aquilo que queremos
nomear: o objeto. Sendo assim, no fim de uma análise há uma decepção,
isso não é lá uma grande propaganda. Uma decepção no analisando, sobre
sua esperança de que embora ele soubesse, que ele não sabia o que lhe
faltava, alguém, o outro, o analista deveria sabê-lo. O fim de uma análise
traz ao sujeito a sua verdade, que estar neste mundo,
que ser, um ser de fala, que ser um “fale-ser” é inconciliável com a
garantia, mesmo que se quisesse refúgio no sintoma neurótico.
A Diferença entre Psiquiatra, Psicólogo e Psicanalista

As atuações das três profissões “psis”.

O termo “psi”, bastante utilizado pelas pessoas, muitas vezes pode ser
permeado de confusão quanto aos significados, principalmente quando se
refere aos profissionais indicados por este termo: psiquiatra, psicólogo ou
psicanalista.
O psiquiatra é um profissional da medicina que após ter concluído sua
formação, opta pela especialização em psiquiatria. Esta é realizada em 2 ou
3 anos e abrange estudos em neurologia, psicofarmacologia e treinamento
específico para diferentes modalidades de atendimento, tendo por objetivo
tratar as doenças mentais.

Ele é apto a prescrever medicamentos, habilidade não designada ao


psicólogo. Em alguns casos, a psicoterapia e o tratamento Psiquiátrico
devem ser aliados.

O psicólogo tem formação superior em psicologia, ciência que estuda os


processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento
humano. O curso tem duração de 4 anos para o bacharelado e licenciatura e
5 anos para obtenção do título de psicólogo. No decorrer do curso a teoria é
complementada por estágios supervisionados que habilitam o psicólogo a
realizar psicodiagnóstico, psicoterapia, orientação, entre outras. Pode atuar
no campo da psicologia clínica, escolar, social, do trabalho, entre outras.
O profissional pode optar por um curso de formação em uma abordagem
teórica, como a gestalt-terapia, a psicanálise, a terapia cognitivo-
comportamental.

O psicanalista é o profissional que possui uma formação em psicanálise,


método terapêutico criado pelo médico austríaco Sigmund Freud, que
consiste na interpretação dos conteúdos inconscientes de palavras, ações e
produções imaginárias de uma pessoa, baseada nas associações livres e na
transferência. Segundo a instituição formadora, o psicanalista pode ter
formação em diferentes áreas de ensino superior.
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