Você está na página 1de 38

PSICANÁLISE CLÍNICA

MÓDULO 14- Terapia Junguiana

Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo.


Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores
Universidadedabiblia.com.br

DISCIPLINA DE TERAPIA JUNGUIANA

I – BIOGRAFIA DE CG JUNG

Carl Gustav Jung nasceu em Kesswil, cantão da Turgóvia, região às margens do


lago Constança, Suíça, no dia 26 de julho de 1875 e morreu em 06 de junho de
1961. Filho de Johann Paul Jung, pastor protestante da igreja reformada e de Emile
Preiswerk. Sua mãe era uma dona de casa instruída e culta que o incentivou, na
adolescência, à leitura do Fausto de Goethe A infância foi vivida no campo, em
contato com a natureza e entre os livros da biblioteca de seu pai, onde leu textos de
filosofia e teologia.

Teve grande identificação com as idéias de Pitágoras, Heráclito e de Platão. Leu


Hegel, mas não conseguiu entende-lo – achou suas idéias muito árdua e
pretensiosa. Aprovou sem restrições a visão sombria e pessimista que Shopenhauer
fazia do mundo. Ao ler Kant, principalmente ‘A Critica da Razão Pura’, foi para Jung
um verdadeiro quebra cabeça, mas o ajudou a compreender melhor Shopenhauer –
enquanto a filosofia de Kant lhe clareava a alma, Shopenhauer lhe trazia conflito que
lhe faziam questionar o cristianismo. Esses estudos provocaram certas complicações
na escola, pois ele fazia dissertações com estas abordagens que não eram
ensinadas na escola, tornou-se alvo de calunia. Sua evolução filosófica prolongou-se
dos 17 anos até um período avançado de seus estudos de medicina. Seu resultado
foi uma subversão total da atitude em relação ao mundo e à vida. Antes, fora tímido,
ansioso, desconfiado, pálido, e de saúde um pouco instável; tornou-se então mais
seguro, sentindo um grande apetite sobre todos os pontos de vista. Sabia o que
queria e se esforçava para alcançá-lo. Tornou-se mais acessível e comunicativo,
descobriu que a pobreza não é uma desvantagem e está longe de ser o motivo
principal do sofrimento.

Quanto à escolha profissional, teve grande dificuldade, seus interesses voltavam


para diversos campos de estudo: por um lado, as ciências naturais o atraíam por
serem fundadas em coisas reais e, por outro, sentia -se fascinado por tudo o que se
referisse à história comparada das religiões. No 1o caso se interessava pela
zoologia, paleontologia e a geologia; no 2o, a arqueologia greco-romana, egípcia e
pré-histórica. As ciências naturais, com seus antecedentes históricos, lhe satisfaziam
devido à sua realidade concreta; por outro lado, a ciência das religiões atraía-lhe
devido sua problemática espiritual, que implicava também na filosofia. Seu pai dava-
lhe plena liberdade para escolha de seu caminho, desde que não escolhesse a
profissão de teólogo; não fazia objeção nem mesmo questionava o fato de quase
nunca ir aos cultos e jamais participar da comunhão.

Jung e a vida profissional:

Concluído o curso de medicina, Jung dedicou-se à psiquiatria, como assistente


do professor Eugene Bleuler no Burgholzi Psychiatric Hospital, da Universidade de
Zurich, interessando-se preponderantemente pela esquizofrenia.
Universidadedabiblia.com.br

O interesse pelos distúrbios mentais o faz desenvolver profundos estudos sobre a


mente e suas conclusões o aproximam de Freud em 1907. O já famoso psicanalista
judeu-austríaco era um personagem maldito no meio universitário, enfrentando
dificuldades para conseguir levar a sério suas idéias sobre o inconsciente. Freud
logo reconhece o alto valor de Jung e vê nele, a pessoa ideal para levar adiante a
psicanálise. Jung, chefe de clínica do famoso hospital psiquiátrico de Zurique,
mesmo ciente dos riscos que corre sua carreira e vendo limitações
comprometedoras nas teorias do mestre vienense, toma defesa de Freud em público
e assim torna-se importante colaborador do movimento psicanalítico Seus estudos,
porém, levam-no a divergir da Psicanálise e a dolorosa ruptura acontece em 1912.
Freud sente-se traído. E Jung vê-se em apuros, pois conhecidos e amigos o
abandonam. Inicia-se aí o período mais difícil e delicado de sua vida onde ele
abandona as atividades acadêmicas e parte para um solitário, terrível e decisivo
confronto com o inconsciente - que levará anos e quase lhe será fatal.

Jung afirma que o inconsciente não é subproduto da consciência nem mero


depósito de desejos recalcados e frustrações sexuais, como pensava Freud. Para
ele o inconsciente é uma entidade viva, independente de nossa percepção dele,
acima das noções dualistas de bem e mal. É a outra parte de nossa psique que o
ego (consciência superficial) desconhece. Ele está sempre atuando e faz com que os
sonhos, em sua linguagem simbólica, sejam a representação fiel da psique - nossa
razão crítica é que se afastou da linguagem dos símbolos e não mais a entende.
Para Jung a vida tem sentido sim, e sua grande finalidade é a individuação: processo
de profundo auto-conhecimento onde tomamos a coragem de nos confrontar com
velhos medos e o que desconhecemos de nós próprios. Os sonhos então se revelam
como um importante guia para esse conhecimento. Uma vez que alguém se entrega
a esse caminho nada racional, sua vida parecerá ser magicamente conduzida por
uma sabedoria maior que Jung denominou self (o si-mesmo), o centro de cada um
de nós. Individuar-se significa fazer o ego (a consciência da superfície) ir ao encontro
desse centro. Representa separar-se da massa, do turbilhão inconsciente e adquirir
autonomia; tornar-se uma totalidade psicológica, una e centrada, sem divisões
internas, autoconsciente: um indivíduo. Este é o caminho para a personalidade total
e a buscada realização pessoal. Para Jung, o futuro da humanidade dependerá
diretamente da quantidade de pessoas que conseguirem se individuar.

Crise Existencial:

No início da segunda metade de sua vida, começou um confronto com o


inconsciente, foi um trabalho que se estendeu por mais ou menos 20 anos. Devido a
sérias críticas com a ciência, optou por largar o cargo de professor; o conhecimento
que ele buscava não fazia parte da ciência vigente. Essa crise durou 3 anos, e
durante esse tempo afastou de qualquer leitura de cunho científico. Chegou a pensar
que não poderia mais participar do mundo intelectual.

Jung e sua Obra:

Página 2 de 37
Universidadedabiblia.com.br

O contato com a Alquimia foi uma experiência decisiva, nela encontrou as bases
históricas que havia buscado inutilmente. De 1918 a 1926 lanço-se seriamente aos
estudos gnósticos. A tradição entre a gnose e o presente parecia a Jung rompida e,
durante muito tempo, não conseguia encontrar a ponte entre a gnose – ou o
neoplatonismo – e o presente. Só quando começou a compreender a alquimia pode
perceber que ela constitui um liame histórico com a gnose, e assim, através dela,
encontrar-se-ia restabelecida a continuidade entre o passado e o presente. A
Alquimia como filosofia da natureza, lançou uma ponte tanto para o passado, a
gnose, como para o futuro, a moderna psicologia do inconsciente.

A atividade científica de Jung possui como marco inicial seu trabalho ‘Estudos
Diagnóstico sobre as Associações’ [1903]; posteriormente vieram dois trabalhos
psiquiátricos: ‘Psicologia das Doenças Precoce’ [1907] e ‘O Conteúdo das Psicoses’
[1908]; Em 1912 surgiu o livro ‘Wandlungen und Symbole der Libido’ [Metamorfose e
Símbolo da Libido], que pôs fim a amizade que o ligava a Freud. Neste momento
começou a seguir seu próprio caminho, embora de maneira ainda tímida. Este livro
sofreu várias modificações durante suas redições, com acréscimo de figuras e
textos; em 1952 foi publicada a 4a edição ocorrendo, até mesmo, a mudança de
título, que no Brasil se encontra com a tradução ‘Símbolos da Transformação’. Nesta
edição a terminologia da psicanálise e da psiquiatria da época foi abandonada. O
tema foi exposto sob um aspecto mais pessoal, mais ponderado na forma de
expressão, mais reservado no julgamento, menos agressivo. Em compensação, usa
com mais firmeza os termos criados por ele mesmo [como arquétipo, animus-anima,
sombra, si-mesmo]; quanto a isto Jung justifica: "Há muito tempo eu sabia que este
livro, escrito há trinta e sete anos, necessitava de uma revisão. Mas os afazeres
profissionais e minha atividade científica não me deixavam tempo suficiente para
dedicar-me a esta tarefa tão desagradável quanto difícil. Idade e doença
desobrigaram-me finalmente de meus compromissos e me proporcionaram o lazer
necessário para analisar os erros de minha juventude. Nunca me senti feliz com este
livro, e muito menos satisfeito com ele: ele foi escrito, por assim dizer, em cima do
joelho, em meio à labuta do exercício da medicina, sem o tempo e os meios
disponíveis".

De 1913 a 1917, teve um período de grande introspecção, momento que se


dedicou às imagens de seu inconsciente; como resposta nasceu o livro ‘Dialética do
Eu e do Inconsciente’ – 1916, fez uma palestra sobre esse tema, que só foi
publicado em 1928. Em 1921, se consagrou aos trabalhos preparatórios para a
elaboração do livro ‘Tipos Psicológicos’, esse livro foi fruto de seu questionamento
em que ele se distinguia de Freud, como também de Adler; questionava que
diferença havia entre suas concepções, nesta reflexão deparou com os problemas
dos tipos psicológicos e daí concluiu que todo o julgamento de um homem é limitado
pelo seu tipo de personalidade e que toda a maneira de ver é relativa.Em 1929
nasceu o livro em colaboração com Richard Wilhelm, ‘O Segredo da Flor de Ouro’.
Neste ponto suas reflexões e pesquisas atingiram o ponto central de sua psicologia.
– ou seja, a idéia do Si-mesmo. A partir deste momento, Jung deixa seu isolamento
e começa a fazer conferência e viajar. O próprio Jung considerava um dos aspectos
essenciais de seu trabalho residia no fato de muito cedo abordarem temas
concernentes às concepções do mundo e tratarem do confronto da psicologia com

Página 3 de 37
Universidadedabiblia.com.br

os problemas religiosos. Entretanto, só em ‘Psicologia e Religião’ [1940] e depois em


Paracelso [1942], falou de maneira detalhada sobre tais assuntos. O 2o capitulo
dessa última obra, ‘Paracelso enquanto fenômeno espiritual’ é particularmente
significativo a esse respeito. Foi o estudo de Paracelso que o levou que o fez
descrever a ess6encia da Alquimia – particularmente em suas relações com a
religião e com a psicologia, ou melhor dizendo, à essência da Alquimia em seu
aspecto de filosofia religiosa., conteúdo este expressado em seu livro ‘Psicologia e
Alquimia’[1944]. Neste estudo Jung encontrou a base de suas própria experiências
de crise existência onde estava sendo gerada sua transformação alquímica, no qual
teve que se retirar da vida pública [1913 a 1917]. Em 1951 a através de sua obra
‘Aion’ trabalhou a questão de Cristo no confronto de sua figura com a psicologia,
acrescentando o estudo de todas as interpretações importantes que, como correr do
tempo, foram se acumulando a seu respeito. O envolvimento de Jung com a Religião
e a Alquimia possuía como pano de fundo a busca de analogia com dificuldades
especiais da psicoterapia, principalmente quanto a questão da Transferência,
surgindo daí os livros, ‘A Psicologia da Transferência’ [1946] e por final a obra
‘Mysterium Coniunctions’ [1955-1956] – com este livro, Jung considerou que
finalmente atingira o fundo do poço e deu por finalizada sua obra.

II - A TEORIA DOS COMPLEXOS DE JUNG

A FUNÇÃO TELEOLÓGICA DA PSIQUE

Carlos Alberto Corrêa Salles.


Provavelmente, muitos ouviram falar de "complexos": "complexo de
inferioridade", "complexo de castração", "complexo de Édipo", "complexo de Electra",
"complexo de poder", etc. Este termo deixou há muito a esfera profissional para se
tornar de uso coloquial e, com isso, perdeu muito do seu sentido original.
A teoria dos complexos foi desenvolvida por Jung quando criou um teste de
associação de palavras. Ele dava às pessoas uma lista de palavras em ordem
aleatória para que fizessem associações, o tempo de associação era cronometrado.
Jung verificou respostas dadas num intervalo de tempo maior do que o das demais
palavras-estímulo, ausência de resposta, tendência à perseveração, erros, repetição
dos termos dados e interpretação errônea, formando grupos de temas correlatos.
Jung denominou, “complexos” a esses grupos de palavras-estímulo que levavam a

Página 4 de 37
Universidadedabiblia.com.br

respostas anômalas. Posteriormente este conceito foi ampliado, passando a


designar núcleos na personalidade com características próprias, identidade e
capacidade de ação independente.
Os Experimentos de Associação de Palavras de Jung, constituíram a primeira
demonstração empírica da atividade do inconsciente e o primeiro instrumento para
se lidar objetivamente com a atividade não racional da psique. Porém esses, como a
maioria dos testes psicológicos, estão em franco desuso mas têm valor histórico e
são ainda empregado em alguns institutos de formação de analistas junguianos com
fins didáticos. O motivo disso se dá pelo fato de que esses testes pouco ou nada
mais acrescentam ao que pode ser deduzido numa entrevista conduzida por um
analista experiente.
Observações semelhantes às de Jung haviam sido feitas por Goethe, Wundt,
von Hartmann e outros. Goethe, com seu espírito sagaz de observação, lembrava
que sua secretária cometia erros de datilografia de acordo com certos padrões e
certos temas. Freud, no seu livro Psicopatologia da Vida Cotidiana, de 1900-1901,
fez observações semelhantes, designando por “atos falhos” ao que tradicionalmente
se denominava lapsus linguae.
Em linguagem coloquial os complexos seriam nossos “pontos fracos”, e se
traduziriam por expressões como “não falar em corda na casa de enforcado".
Sempre há uma explosão irracional quando algum complexo é ativado. Para Jung,
no começo do seu trabalho, os complexos emocionais seriam o tema inicial a ser
visto numa relação terapêutica, considerando que mesmo nas psicoses haveria um
núcleo afetivo. Jung os comparou à música de Wagner, onde o Leitmotiv sempre
1
ressurge, porém sob forma de variações . Isso ocorre na vida de todos nós sob a
forma de temas ou ações recorrentes. Sempre repetimos alguns padrões negativos
ou positivos de comportamento no trabalho, nos relacionamentos afetivos e isso é
mais ou menos constante em nossas vidas.
Note-se o fechamento e isolamento desses complexos autônomos, que
os psiquiatras franceses chamavam de existences secondes no estudo de pacientes
2
histéricos . Este pensamento da psiquiatria francesa do século XIX, deu origem a
descrições de personagens com supostas “múltiplas personalidades” na literatura de
ficção, algo não é mais aceito pelos especialistas. O que realmente poderia haver é

Página 5 de 37
Universidadedabiblia.com.br

que essas características dos complexos de repetição e isolamento poderiam levar,


em certos casos patológicos, a uma aparente dissociação em relação ao todo da
psique. Ocorre que não se pode falar de um complexo, mas de infinitos núcleos
energéticos atuando em conjunto, sendo os complexos análogos a psiques parciais
3
. De acordo com Jung, complexos dos quais se teria maior consciência seriam
menos problemáticos do que os inconscientes, que seriam os mais freqüentes.
Em casos patológicos como nas neuroses psicoses e o que chamamos de
“inflação” na escola junguiana, pode-se dizer que “é o complexo que tem o
indivíduo”, não o contrário. Em diversas culturas isso é chamado de possessão por
algum deus ou demônio.
Em algumas religiões, como nos Candomblés do Brasil há a possibilidade da
vivência dos complexos energéticos de forma socialmente aceita. Durante alguns
dias da semana o neófito tem que prestar culto a um determinado deus que o possui
e a paz é mantida pela vivência e não pela repressão desses conteúdos afetivos. De
forma análoga a um contexto politeísta, como o do Olimpo grego, teríamos sempre
inúmeros complexos atuando na psique, cada qual constituído por imagens,
pensamentos e energia própria e estes seriam secundários a um ou vários
arquétipos.
O núcleo desses complexos afetivos, segundo Jung, conteria não só essa
carga emocional como também uma qualidade essencial que lhes é própria e que
levou Jung a formulação das hipóteses dos Urbilder (imagens primordiais) e dos
4
Arquétipos . Este quantum de energia próprio dos núcleos desses complexos
provocaria também alterações corporais, o que conduziu Jung à elaboração de
pesquisas relacionadas com a medicina psicossomática. Visto que, num certo nível
não se poderia fazer uma distinção clara entre o inconsciente coletivo e a matéria, o
corpo físico. Posteriormente, essa condição intermediária entre psique e matéria foi
denominada, “inconsciente psicóide” pela escola junguiana.
Jung postulou uma finalidade, uma função teleológica, para os complexos,
segundo a qual esses não seriam apenas negativos, mas seriam fontes para a
canalização da energia psíquica. Complexos afetivos seriam, principalmente,
conteúdos do inconsciente pessoal; formariam o lado pessoal e privado da vida

Página 6 de 37
Universidadedabiblia.com.br

psíquica. Enquanto que os assim chamados arquétipos seriam próprios do


5
inconsciente coletivo .
Da mesma forma, o que chamamos de eu, ego, nada mais seria que um
complexo, o complexo do ego (Ichkomplex), cujo núcleo emocional estaria situado
no próprio corpo. Segundo Jung, o complexo do ego não seria a totalidade de uma
pessoa mas existiria paralelamente ao Self, o arquétipo da totalidade. O ego (eu)
não compreenderia, portanto, à totalidade da personalidade, mas seria originado do
todo, do inconsciente primordial, isto é, do inconsciente coletivo. Há uma imagem
semelhante no Brihad-Aranyaka Upanishad, onde há uma passagem segundo a
qual, no princípio do mundo nada mais haveria que o Atman, só, em forma de uma
pessoa. Olhando em volta nada mais via. Num dado momento ele disse: "eu sou!".
Daí surgiu o nome "Eu", e ele teve medo, porque quem está só tem medo. Pensou
que se ninguém mais havia além dele por que temer? Mas não tinha nenhum prazer,
"porque quem está só não tem nenhum prazer", então desejou um segundo ser e se
dividindo em duas partes transformou-se em um marido e uma esposa. Da união
desse par primordial surgiu a espécie humana. Contudo a esposa, para se esconder
das investidas do marido, metamorfoseou-se em diversos animais. E o marido,
sempre a persegui-la, metamorfoseava-se na contraparte masculina. Com isso, as
6
diversas espécies animais foram sendo criadas .
Nesta lenda, o Eu surge do não eu, do Atman, como no modelo junguiano do
desenvolvimento da personalidade, no qual a formação do complexo do ego, que
julgamos ser erroneamente o todo da nossa personalidade, se daria em função do
arquétipo do ego e teria sua origem no inconsciente coletivo.
Podemos imaginar a nossa psique como um sistema planetário, esses
núcleos energéticos seriam como os planetas e estrelas, cujo movimento cíclico
provocaria mudanças análogas à maré alta, maré baixa, eclipses etc. A psique como
natureza é análoga a todos os demais processos naturais e, por conseguinte, cíclica.
Os núcleos energéticos associados aos complexos e arquétipos, estando
“constelados”, seriam responsáveis pelos nossos ciclos existenciais e fases das
nossas vidas de retração e ascensão, e mesmo pelos nossos “eclipses” energéticos
temporários.
Universidadedabiblia.com.br

REFERÊNCIAS.

1 JUNG, C. G. Collected Works, v. 3 p.39n.

Considerações gerais sobre a TEORIA DOS COMPLEXOS

(CG JUNG. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 1984, volume VIII/2,


capítulo III)

A Psicologia moderna tem em comum com a Física Moderna o fato de que


seu método goza de maior significação intelectual do que seu objeto. Isto é, seu
objeto, a psique, é tão profundamente variado em seus aspectos, tão indefinido e
ilimitado, que as definições dadas a seu respeito são forçosamente difíceis e até
mesmo impossíveis de interpretar, ao passo que as definições estabelecidas pelo
modo de observação e pelo método que deriva dele, são - ou pelo menos deveriam
ser - grandezas conhecidas. A pesquisa psicológica parte destes fatores empírica ou
arbitrariamente definidos e observa a psique à luz das alterações que se verificam
nessas grandezas. O psíquico aparece, por conseguinte, como uma perturbação de
um provável modo de proceder exigido pelos respectivos métodos. O princípio deste
procedimento é, cum gran salis, aquele das Ciências naturais em geral.

É evidente que, nestas circunstâncias, tudo, por assim dizer, depende dos
pressupostos metodológicos e forçam amplamente o resultado. É verdade que o
objeto próprio da investigação concorre de certo modo, mas não se comporta como
se comportaria um ser autônomo deixado em sua situação natural e imperturbada.
Por isso, de há muito se reconheceu, justamente em psicologia experimental e,
sobretudo em psicopatologia, que uma determinada disposição de experiência não é
capaz de apreender imediatamente o processo psíquico, mas que entre este e a
experiência se interpõe um certo condicionamento psíquico que poderíamos chamar
de situação da experiência. Esta "situação" psíquica, em determinados casos pode
comprometer toda a experiência, assimilando não só a disposição experimental, mas
até mesmo a intenção que lhe deu origem. Por assimilação entendemos uma atitude
por parte do sujeito submetido à experiência e que interpreta erroneamente a
experiência, porque manifesta uma tendência, desde logo invencível, de considerar a
experiência, por ex., como um teste de inteligência ou uma tentativa de lançar um
olhar indiscreto por trás dos bastidores. Semelhante atitude encobre o processo que
a experiência se esforça por observar.

Isto tem-se verificado principalmente nas experiências de associação, e


nestas ocasiões se descobriu que o objetivo do método, que era determinar a
velocidade média das reações e de suas qualidades, era um resultado relativamente
secundário, comparando-se com a maneira como o método tem sido perturbado pelo
comportamento autônomo da psique, isto é, pela assimilação. Foi então que
descobri os complexo de tonalidade afetiva que anteriormente eram registrados
sempre como falhas de reação.

Página 8 de 37
Universidadedabiblia.com.br

A descoberta dos complexos e dos fenômenos provocados por eles mostrou


claramente a fragilidade das bases em que se apoiava a velha concepção —que
2
remonta a Condillac — segundo a qual era possível pesquisar processos psíquicos
isolados. Não há processos psíquicos isolados, como não existem processos vitais
isolados. De qualquer maneira, não se conseguiu ainda descobrir um meio de os
3
isolar experimentalmente.
Só uma atenção e uma concentração especialmente treinadas conseguem
isolar, na aparência, um processo correspondente à intenção da experiência. Mas
temos aqui de novo uma situação de experiência que se difere da anteriormente
descrita, porque desta vez a consciência assumiu o papel de complexo assimilante,
ao passo que, no caso precedente, tratava-se de complexo de inferioridade mais ou
menos inconscientes.

Isto, porém, de modo nenhum quer dizer que o valor da experiência seja
colocado fundamentalmente em questão, mas que é apenas criticamente limitado.
No domínio dos processos psicofisiológicos como, por exemplo, o das percepções
sensoriais, prevalece o puro mecanismo reflexo, porque a intenção experimental é
manifestamente inofensiva, não se produzindo nenhuma assimilação, e, mesmo que
se produza, é ínfima, e por isto a experiência não é seriamente perturbada. Diferente
é o que se passa no domínio dos processos psíquicos complicados, onde a
disposição da experiência não conhece limitações das possibilidades definidas e
conhecidas. Aqui, onde estão ausentes as salvaguardas propiciadas por uma
determinação de fins específicos, emergem, em contrapartida, possibilidades
ilimitadas que, às vezes, dão origem, já desde início, a uma situação de experiência
que chamamos constelação. Este termo exprime o fato de que a situação exterior
desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de
determinados conteúdos. A expressão "está constelado" indica que o indivíduo
adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma
inteiramente definida. A constelação é um processo automático que ninguém pode
deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados
complexos que possuem energia específica própria. Quando a experiência em
questão é a de associações, os complexos em geral influenciam seu curso em alto
grau, provocando reações perturbadas, ou provocam, para as dissimular, um
determinado modo de reação que se pode notar, todavia, pelo fato de não mais
corresponderem ao sentido da palavra- estímulo. As pessoas cultas e dotadas de
vontade, quando submetidas à experiência, podem, graças à sua habilidade verbal e
motora, fechar-se para o sentido de uma palavra-estímulo com brevíssimos tempos
de reação, de modo a não serem afetadas por ele. Mas isto somente surte efeito
quando se trata de defender segredos pessoais de suma importância. A arte de um
Talleyrand, de usar palavras para dissimular idéias, é dada, porém, somente a
poucos. Pessoas inteligentes, e particularmente as mulheres, protegem-se, com
ajuda do que se chama predicados de valor, o que muitas vezes pode resultar em
um quadro bastante cômico. Predicados de valor são atributos afetivos, tais como
belo, bom, fiel, doce, amável, etc.

Na conversação corrente observa-se, não poucas vezes, que certas pessoas


acham tudo interessante, encantador, bom e bonito, em inglês: fine, marvellous,

Página 9 de 37
Universidadedabiblia.com.br

grand, splendid e sobretudo fascinating, o que, de modo geral, dissimula uma


ausência interior de interesse e participação, ou serve para manter o objeto em
questão o mais afastado possível. Entretanto, a grande maioria das pessoas
submetidas à experiência não conseguem evitar que seus complexos pincem certas
palavras-estímulo e as dotem de uma série de sintomas de perturbação, sobretudo
com tempos de reação prolongados. Podemos associar estas experiências às
medidas elétricas de resistência, empregadas pela primeira vez para tal fim por
4
Veraguth , onde os chamados fenômenos reflexos psicogalvânicos proporcionam
novos indícios de reações perturbadas pelos complexos.

A experiência das associações é de interesse geral, na medida em que, mais


do que qualquer outro experimento de igual simplicidade, determina a situação
psíquica do diálogo, com uma determinação mais ou menos exata das medidas e
das qualidades. Em vez de questões sob a forma de frases determinadas usa -se a
palavra-estímulo vaga, ambígua e, por isso mesmo, incômoda, e em vez de uma
resposta tem-se a reação em uma única palavra. Mediante acurada observação das
perturbações das reações perturbadas, apreendem-se e registram-se determinados
fatos em geral propositalmente ignorados na conversação comum, e isto nos
possibilita descobrir coisas que apontam precisamente para certos fundos de cena
silenciados, para aquelas disposições, ou constelações, a que acima me referi. O
que acontece na experiência das associações acontece também em qualquer
conversa entre duas pessoas. Em ambos os casos observa-se uma situação
experimental que às vezes constela complexos que assimilam o objeto da
conversação ou da situação em geral, incluindo os interlocutores. Com isto a
conversação perde o seu caráter objetivo e sua finalidade própria, os complexos
constelados frustram as intenções do interlocutor e podem mesmo colocar em seus
lábios outras respostas que ele mais tarde não será capaz de recordar. Este
procedimento tem sido utilizado com vantagem, em criminalística, com o
interrogatório cruzado das testemunhas. Na Psicologia, ao invés, é o chamado
experimento de repetição que descobre e localiza as lacunas da lembrança. Ou seja,
depois de cem repetições, por ex., pergunta-se às pessoas submetidas à experiência
o que elas responderam às diversas palavras-estímulo. As lacunas ou falsificações
da memória ocorrem, com regularidade e em média, em todos os campos da
associação perturbados pelos complexos.

Intencionalmente, até aqui deixei de falar da natureza dos complexos,


supondo, tacitamente, que era conhecida. Como se sabe, a palavra "complexo" no
seu sentido psicológico introduziu-se na língua alemã e inglesa correntes..a Hoje em
dia todo mundo sabe que as pessoas "têm complexos". Mas o que não é bem
conhecido e, embora teoricamente seja de maior importância, é que os complexos
podem "ter-nos". A existência dos complexos põe seriamente em dúvida o postulado
ingênuo da unidade da consciência que é identificada com a "psique", e o da
supremacia da vontade. Toda constelação de complexos implica um estado
perturbado de consciência. Rompe-se a unidade da consciência e se dificultam mais
ou menos as intenções da vontade, quando não se tornam de todo impossíveis. A
própria memória, como vimos, é muitas vezes profundamente afetada. Daí se deduz
que o complexo é um fator psíquico que, em termos de energia, possui um valor que
supera, às vezes, o de nossas intenções conscientes; do contrário, tais rupturas da

Página 10 de 37
Universidadedabiblia.com.br

ordem consciente não seriam de todo possíveis. De fato, um complexo ativo nos
coloca por algum tempo num estado de não-liberdade, de pensamentos obsessivos
e ações compulsivas para os quais, sob certas circunstâncias, o conceito jurídico de
imputabilidade limitada seria o único válido.

O que é, portanto, cientificamente falando, um "complexo afetivo"? É a


imagem de uma determinada situação psíquica de forte carga emocional e, além
disso, incompatível com as disposições ou atitude habitual da consciência. Esta
imagem é dotada de poderosa coerência interior e tem sua totalidade própria e goza
de um grau relativamente elevado de autonomia, vale dizer: está sujeita ao controle
das disposições da consciência até um certo limite e, por isto, se comporta, na
esfera do consciente, como um corpus alienum corpo estranho, animado de vida
própria. Com algum esforço de vontade, pode-se, em geral, reprimir o complexo,
mas é impossível negar sua existência, e na primeira ocasião favorável ele volta à
tona com toda a sua força original. Certas investigações experimentais parecem
indicar que sua curva de intensidade ou de atividade tem caráter ondulatório, com
um comprimento de onda que varia de horas, dias ou semanas. Esta questão é
muito complicada e ainda não se acha de todo esclarecida. Aos trabalhos da
psicopatologia francesa, e em particular aos esforços de Pierre Janet, devemos os
conhecimentos que hoje possuímos sobre a extrema dissociabilidade da
consciência. Janet e Morton Prince conseguiram produzir quatro e até cinco cisões
da personalidade, verificando que cada fragmento da personalidade tinha uma
componente caracterológica própria e sua memória separada. Cada um destes
fragmentos existe lado a lado, relativamente independentes uns dos outros, e pode a
qualquer tempo revezar-se mutuamente, ou seja, possui cada uma um elevado grau
de autonomia. Minhas observações sobre os complexos completam este quadro um
tanto inquietador das possibilidades de desintegração psíquica, pois, no fundo, não
há diferença de princípio alguma entre uma personalidade fragmentária e um
complexo. Ambos têm de comum características essenciais e em ambos os casos
coloca-se também a delicada questão da consciência fragmentada. As
personalidades fragmentárias possuem indubitavelmente uma consciência própria,
mas a questão de saber se fragmentos psíquicos tão diminutos como os complexos
são também capazes de ter consciência própria ainda não foi resolvida. Devo
confessar que esta questão me tem ocupado muitas vezes, pois os complexos se
comportam como os diabretes cartesianos e parecem comprazer-se com as
travessuras dos duendes. Põem em nossos lábios justamente a palavra errada;
fazem-nos esquecer o nome da pessoa que estamos para apresentar; provocam-nos
uma necessidade invencível de tossir, precisamente no momento em que estamos
no mais belo pianíssimo do concerto; fazem tropeçar ruidosamente na cadeira o
retardatário que quer passar despercebido; num enterro, mandam-nos congratular-
nos com os parentes enlutados, em vez de apresentar-lhes condolências; são os
5
autores daquelas maldades que F.Th. Vischer atribuía aos objetos inocentes. São
os personagens de nossos sonhos diante dos quais nada podemos fazer; são os
seres élficos, tão bem caracterizados no folclore dinamarquês, pela história do pastor
que tentou ensinar o pai nosso a dois elfos. Fizeram o maior esforço para repetir
com exatidão as palavras ensinadas, mas, já na primeira frase, não puderam deixar
de dizer: "Pai nosso, que não estás no céu". Como era de esperar, por razões
teóricas, mostraram-se ineducáveis.

Página 11 de 37
Universidadedabiblia.com.br

Cum maximo salis grano, espero que ninguém me leve a mal essa
metaforização de um problema cientifico. Uma formulação dos fenômenos dos
complexos, por mais sóbria que seja, não consegue contornar o fato impressionante
de sua autonomia, e quanto mais profundamente ela penetra a natureza - quase
diria a biologia - dos complexos, tanto mais claramente ressalta seu caráter de alma
fragmentária. A psicologia onírica mostra-nos, com toda a clareza, que os complexos
aparecem em forma personificada, quando são reprimidos por uma consciência
inibidora, do mesmo modo como o folclore descreve os duendes que, de noite,
fazem barulheira pela casa. Observamos o mesmo fenômeno em certas psicoses
nas quais os complexos "falam alto" e aparecem como "vozes" que apresentam
características de pessoas.

Hoje em dia podemos considerar como mais ou menos certo que os


complexos são aspectos parciais da psique dissociados. A etiologia de sua origem é
muitas vezes um chamado trauma, um choque emocional, ou coisa semelhante, que
arrancou fora um pedaço da psique. Uma das causas mais freqüentes é, na
realidade, um conflito moral cuja razão última reside na impossibilidade aparente de
aderir à totalidade da natureza humana. Esta impossibilidade pressupõe uma
dissociação imediata, quer a consciência do eu o saiba quer não. Regra geral, há
uma inconsciência pronunciada a respeito dos complexos, e isto naturalmente lhes
confere uma liberdade ainda maior. Em tais casos, a sua força de assimilação se
revela de modo todo particular, porque a inconsciência do complexo ajuda a
assimilar inclusive o eu, resultando dai uma modificação momentânea e inconsciente
da personalidade, chamada identificação com o complexo. Na Idade Média, este
conceito completamente moderno tinha um outro nome: chamava-se possessão.
Provavelmente ninguém in1aginará que este estado seja tão inofensivo; em
princípio, porém, não há diferença entre um lapso corrente de linguagem causado
por um complexo e as disparatadas blasfêmias de um possesso. Há apenas uma
diferença de grau. A história da linguagem fornece-nos também abundantes provas
em abono desta afirmação. Quando alguém está sob a emoção de algum complexo
costuma-se dizer: "Que foi que lhe aconteceu hoje?", ou "Está com o diabo no
corpo!" etc. Ao usar estas metáforas já um tanto gastas, naturalmente não pensamos
mais em seu significado original, embora este seja ainda facilmente reconhecível e
nos mostre, indubitavelmente, que o homem mais primitivo e mais ingênuo não
"psicologizava" os complexos perturbadores, mas os considerava como entia per se
[entidades próprias], isto é, como dem6nios.A ulterior evolução da consciência gerou
tal intensidade no complexo do eu ou da consciência pessoal, que os complexos
foram despojados de sua autonomia original, pelo menos no uso lingüístico comum.
Em geral se diz: "Tenho um complexo". A voz admoestadora do médico diz à
paciente histérica: "Suas dores não são reais. A senhora imagina que sofre". O medo
da infecção é aparentemente uma fantasia arbitrária do doente, em qualquer caso
procura-se convencê-lo de que ele está remoendo uma idéia delirante.

Não é difícil ver que a concepção moderna corrente trata do problema como
se o complexo indubitavelmente fosse inventado ou "imaginado" pelo paciente e que,
por conseguinte, não existiria, se o doente não se empenhasse, de algum modo
deliberadamente, a lhe conferir vida. Está confirmado, pelo contrário, que os
Universidadedabiblia.com.br

complexos possuem autonomia notável; que as dores sem fundamento orgânico, isto
é, consideradas imaginárias, causam-nos sofrimento, tanto quanto as verdadeiras, e
que a fobia de uma doença não revela a mínima tendência a desaparecer, ainda que
o próprio doente, o médico e, para completar, o uso da linguagem assegurem que
ela mais não é do que mera in1aginação.

Deparamos aqui com um caso interessante do modo de ver dito apotropéico,


que se situa na mesma linha das designações eufemísticas da Antigüidade, de que é
exemplo clássico o IIóvros euselvoç (o Mar Hospitaleiro). Da mesma forma como as
Erinias eram chamadas, por prudência e propiciatoriamente, de Eumênides, as Bem-
intencionadas, assim também a consciência moderna considera todos os fatores
internos de perturbação como sua própria atividade: simplesmente os assimila. Isto
não se faz, naturalmente, admitindo abertamente o eufemismo apotropéico, mas por
força de uma tendência, igualmente inconsciente, de tornar irreal a autonomia do
complexo, conferindo-lhe um nome diferente. Nisto, a consciência se comporta como
o indivíduo que, tendo ouvido um barulho suspeito no sótão, se precipita para a
adega, para aí verificar, afinal, que não há ladrão algum aí, e que, por conseguinte, o
barulho era pura imaginação sua. Na realidade este homem cauteloso simplesmente
não se arriscou a ir ao sótão.

A primeira vista não se percebe nitidamente o motivo pelo qual o temor


estimula a consciência a considerar os complexos como sua própria atividade. Os
complexos parecem de tal banalidade e, mesmo, de futilidade tão ridícula, que nos
causam vergonha, e tudo fazemos para ocultá-los. Mas, se realmente fossem assim
tão fúteis, não poderiam ser ao mesmo tempo tão dolorosos? Doloroso é o que
provoca um sofrimento, portanto alguma coisa verdadeiramente desagradável e, por
isso mesmo, importante em si mesma, e que não deve ser menosprezada. Mas há
em nós a tendência a considerar irreal, tanto quanto possível, o que nos molesta. A
explosão da neurose assinala o momento em que já nada mais se pode fazer com
os meios mágicos primitivos dos gestos apotropéicos e do eufemismo. A partir deste
momento o complexo se instala na superfície da consciência, não sendo mais
possível evitá-lo, e progressivamente assimila a consciência do eu, da mesma forma
como esta tentava anteriormente assimilar o complexo. O resultado final de tudo isto
é a dissociação neurótica da personalidade.

Através de semelhante desenvolvimento, o complexo revela sua força original


que excede às vezes até mesmo o poder do complexo do eu. Somente então é que
se compreende que o eu tem toda a razão de praticar a magia cautelosa dos nomes
com o complexo, pois é de todo evidente que aquilo que meu eu receia é algo que
ameaça sinistramente controlar minha vida. Entre as pessoas que passam
geralmente por normais, há um grande número que guarda consigo um skeleton in
the cupboard [um esqueleto dentro do armário] cuja existência não se deve
mencionar em sua presença, sob pena de morte, tão grande é o medo que este
fantasma, sempre à espreita, nos inspira. Todos aqueles que ainda se acham no
estágio em que consideram irreais os seus complexos, apelam para os fatos
produzidos pelas neuroses, a fim de mostrar que se trata de naturezas positivamente
mórbidas, às quais - evidentemente - não pertencem. Corno se contrair uma doença
fosse privilégio exclusivo dos doentes!

Página 13 de 37
Universidadedabiblia.com.br

A tendência de anular a realidade dos complexos, assimilando-os, prova, não


sua inanidade, mas a sua importância. É a confissão negativa do temor instintivo do
homem primitivo diante de coisas obscuras, invisíveis e que se movem por si
mesmas. Este temor manifesta-se, de fato, no primitivo, como chegar da escuridão
da noite, do mesmo modo que entre nós é durante a noite que os complexos
ensurdecidos, como bem o sabemos, pelo bulício da vida, levantam sua voz com
mais força, afugentando o sono ou pelo menos perturbando-o com sonhos maus. Na
verdade, os complexos constituem objetos da experiência interior e não podem ser
encontrados em plena luz do dia, na rua ou em praças públicas. É dos complexos
que depende o bem-estar ou a infelicidade de nossa vida pessoal. Eles são os Lares
e os Penates que nos aguardam à beira da lareira e cuja paz é tão perigoso
enaltecer. São o gentle folk que tanto perturbam nossas noites com suas
travessuras. Naturalmente, enquanto os seres maus atormentam somente nosso
vizinho, eles nada representam para nós, mas a partir do momento em que nos
atacam, então é preciso ser médico para saber que terríveis parasitas os complexos
podem ser. Para se ter uma idéia completa da realidade do complexo, é preciso ter
visto famílias inteiras moral e fisicamente destruídas no decurso de alguns decênios,
bem como as tragédias sem precedentes e a miséria desesperadora que se seguem
na sua esteira. Compreende-se então quão ociosa e pouco científica é a idéia de se
"imaginar" um complexo. Se desejarmos uma comparação médica, nada melhor do
que comparar os complexos com as infecções ou com tumores malignos que
nascem sem a mínima participação da consciência. Esta comparação, todavia, não é
de todo satisfatória, porque os complexos não são totalmente de natureza mórbida,
mas manifestações vitais próprias da psique, seja esta diferenciada ou primitiva. Por
isso, encontramos traços inegáveis de complexos em todos os povos e em todas as
épocas. Os monumentos literários mais antigos revelam sua presença. Assim, a
epopéia de Gilgamesh descreve a psicologia do complexo de poder com inigualável
maestria, e o Livro de Tobias, no Antigo Testamento, contém a história de um
complexo erótico e de sua cura.

A crença nos espíritos, difundida universalmente, é expressão direta da


estrutura do inconsciente, determinada pelos complexos. Os complexos, com efeito,
constituem as verdadeiras unidades vivas da psique inconsciente, cuja existência e
constituição só podemos deduzir através deles. O inconsciente, de fato, nada mais
seria do que uma sobrevivência de representações esmaecidas e "obscuras", como
na psicologia de Wundt, ou a fringe of consciousness, como o denomina William
James, se não existissem complexos. Freud foi o verdadeiro descobridor do
inconsciente psicológico, porque pesquisou esses pontos obscuros, em vez de os
colocar de lado, classificando-os eufemisticamente como meros atos falhos. A via
regia que nos leva ao inconsciente, entretanto, não são os sonhos, como ele
pensava, mas os complexos, responsáveis pelos sonhos e sintomas. Mesmo assim,
essa via quase nada tem de régia, visto que o caminho indicado pelos complexos
assemelha-se mais a um atalho áspero e sinuoso que freqüentemente se perde num
bosque cerrado e, muitas vezes, em lugar de nos conduzir ao âmago do
inconsciente, passa ao largo dele.

O temor do complexo é um marco indicador enganoso, porque aponta sempre


para longe do inconsciente e nos encaminha para a consciência. Os

Página 14 de 37
Universidadedabiblia.com.br

complexos são de tal modo desagradáveis, que ninguém, em sã razão, se deixa


convencer que as forças instintivas que alimentam o complexo podem conter
qualquer coisa de proveitoso. A consciência está invariavelmente convencida de que
os complexos são inconvenientes e, por isso, devem ser eliminados de um modo ou
de outro. Apesar da esmagadora abundância de testemunhos que nos mostram a
universalidade dos complexos, as pessoas têm repugnância em considerá-los como
manifestações normais da vida. O temor do complexo é um preconceito fortíssimo,
pois o medo supersticioso do que é desfavorável sobreviveu intocado pelo nosso
decantado Iluminismo. Este medo provoca violenta resistência, quando investigamos
os complexos, e é necessária alguma decisão para vencê-lo.

O temor e a resistência são os marcos indicadores que balizam a via régia em


direção ao inconsciente. É óbvio que exprimam, em primeira linha, uma opinião
preconcebida com relação àquilo que eles indicam. Nada mais natural que, de um
sentimento de medo, se deduza a existência de algo perigoso e da sensação de
repulsa a existência de uma coisa repelente. O paciente procede deste modo, assim
como o público,e finalmente o médico, e esta é bem a razão pela qual a primeira
teoria médica sobre o inconsciente foi, logicamente, a teoria do recalque que,
elaborada por Freud. Concluindo retrospectivamente a partir da natureza dos
complexos, esta concepção considera o inconsciente como sendo constituído
essencialmente de tendências incompatíveis que se tornam vítimas do recalque, em
virtude de sua natureza imoral. Não há nada melhor do que esta constatação que
nos oferece uma demonstração mais convincente de que o autor desta concepção
procedeu de maneira meramente empírica, sem se deixar influenciar em nada por
premissas filosóficas. Muito antes de Freud já se falava do inconsciente. Leibniz já
introduzira esta noção em filosofia. Kant e Schelling expressaram suas opiniões a
respeito dele, e Caros fez deste conceito, pela primeira vez, um sistema ao qual
sucedeu Eduard von Hartmann, com sua importante obra Philosophie des
Unbewussten [Filosofia do Inconsciente], ,não se sabe até que ponto por ele
influenciado. A primeira teoria médico-psicológica tem tão pouco a ver com estes
antecedentes quanto com Nietzsche.

A teoria de Freud é uma descrição fiel de experiências reais, obtidas no


decorrer das investigações dos complexos. Como, porém, tais investigações não
podiam se processar senão sob a forma de diálogo entre duas pessoas, ao
forn1ular-se a teoria entram em consideração não só os complexos de um dos
interlocutores, mas também os do outro. Qualquer diálogo que se aventure nesses
domínios protegidos pelo medo e pela resistência, visa o essencial, e, impelindo um
dos parceiros à integração de sua totalidade, obriga também o outro a uma tomada
de posição mais total, ou seja, impele-o igualmente a uma totalidade, sem a qual ele
não estaria em condição de conduzir o diálogo até aqueles desvãos da psique
povoados de mil temores. Nenhum pesquisador, por mais objetivo e isento de
preconceitos que seja, pode abstrair de seus próprios complexos, porque estes
gozam da mesma autonomia que os das outras pessoas. Não pode abstrair deles,
porque estes dependem do indivíduo. Na verdade, os complexos fazem parte da
constituição psíquica que é o elemento absolutamente predeterminado de cada
indivíduo. Por isso, é a constituição que decide inapelavelmente a questão de saber
que concepção psicológica terá um determinado observador. A limitação inevitável

Página 15 de 37
Universidadedabiblia.com.br

que acompanha qualquer observação psicológica é a de que ela, para ser válida,
pressupõe a equação pessoal do observador.

Por isto é que a teoria psicológica expressa, antes e acima de tudo, uma
situação psíquica criada pelo diálogo entre um determinado observador e certo
número de indivíduos observados. Como o diálogo se trava, em grande parte, no
plano das resistências dos complexos, a teoria traz necessariamente a marca
específica dos complexos: ela é chocante, no sentido mais geral da palavra, porque
atua, por sua vez, sobre os complexos do público. Por isto, todas as concepções da
psicologia moderna são, não apenas controversas, mas provocantes. Causam no
público violentas reações de adesão ou de repulsa, e, no domínio da discussão
científica, provocam debates emocionais, surtos de dogmatismos, suscetibilidades
pessoais, etc.

A luz destes fatos é fácil ver que a psicologia moderna, investigando os


complexos, abriu uma área-tabu da alma, de onde nos vêm temores e esperanças
de toda espécie. A espera dos complexos é o verdadeiro foco das inquietações
psíquicas, cujos abalos são de tal porte, que qualquer investigação futura não pode
ter esperança de entregar-se, em paz, a um trabalho científico e tranqüilo que supõe,
evidentemente, um certo consenso científico. No presente, a psicologia dos
complexos ainda está infinitamente longe de um entendimento geral, muito mais
longe inclusive do que imaginam os pessimistas, porque a descoberta das
tendências incompatíveis viu apenas um setor do inconsciente e mostrou-nos
unicamente uma parte das fontes dos temores.

Ainda estamos lembrados da tempestade de reações que se levantou de


todas as partes, quando os trabalhos de Freud se tornaram mais conhecidos. Estas
reações suscitadas no público por seus complexos obrigaram o pesquisador a um
isolamento que lhe valeu, assim como à sua escola, a acusação de dogmatismo.
Todos os teóricos que se dedicam a este campo da psicologia correm o mesmo
perigo, pois tratam de alguma coisa que afeta o que existe de indomado no homem,
o numinoso, para empregar a notável expressão de Otto. A liberdade do eu cessa
onde começa a esfera dos complexos, pois estes são potências psíquicas cuja
natureza mais profunda ainda não foi alcançada. Todas as vezes que a investigação
consegue penetrar um pouco mais no tremendum psíquico, desencadeiam-se, como
sempre, no público, reações análogas às dos pacientes que, por razões
terapêuticas, são compelidos a atacar a intangibilidade de seus complexos.

A maneira como apresento a teoria dos complexos pode suscitar no ouvinte


não preparado a idéia da descrição de uma demonologia primitiva de uma psicologia
do tabu. Esta particularidade provém simplesmente do fato de que a existência dos
complexos, isto é, de fragmentos psíquicos desprendidos, é um resíduo notável do
estado de espírito primitivo. Este último se caracteriza por um alto grau de
dissociabilidade que se expressa no fato, por exemplo, de os primitivos admitirem,
freqüentemente, várias almas, e num caso particular até seis, ao lado das quais
existe ainda um número infinito de deuses e espíritos; não se contentam apenas de
falar deles, como entre nós; estes seres são muitas vezes experiências psíquicas
sumamente impressionantes.
Universidadedabiblia.com.br

Gostaria de assinalar, nesta oportunidade, que uso o termo "primitivo" no


sentido de "original", sem, entretanto, emitir um juízo de valor. E quando falo de
"resíduos" de um estado primitivo, não quero dizer necessariamente que esse
estado mais cedo ou mais tarde cessará de existir. Pelo contrário, faltam-me motivos
para afirmar que ele desaparecerá antes do fim da humanidade. De qualquer modo,
até o presente não mudou essencialmente, e mesmo com a Primeira Grande Guerra,
e depois dela, intensificou-se consideravelmente. Por isto, me sinto antes inclinado a
admitir que os complexos autônomos se contam entre os fenômenos normais da
vida e determinam a estrutura da psique inconsciente.

Como se vê, contentei-me tão-somente em descrever os fatos fundamentais


da teoria dos complexos. Entretanto, privar-me-ei de completar este quadro
inacabado com a descrição dos problemas que resultam da existência dos
complexos autônomos. Trata-se de três questões capitais: o problema terapêutico, o
problema filosófico e o problema moral. Os três são ainda objeto de discussão.
1
[Aula inaugural pronunciada na Escola Politécnica Pederal, mdc. Tech. Hachoschule) de
Zurique, em 5 de maio de 1934].
2
[Etienne Bonnot de Condillac, filósofo e economista polltico francês, 1715-1780.
Difundiu as teorias de Locke na França e com suas obras Traité des Systemes (1749) e Traité
des sensationis (1754) tornou-se o verdadeiro fundador do sensualismo].
3
Exceção a esta regra são os processos de crescimento dos tecidos que se mantêm vivos
em um meio nutriente.
4
Das psychogaloonische Reflexphãnomen [O Fenômeno Psicogalvânico Reflexo].
5
Cf. Auch Elner. [Sobre este ponto, veja-se Jung, Psychologische Typen. p. 418 (obras
Completas. VI)].

III – A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE JUNG


ARQUÉTIPOS – TEORIA ANALÍTICA- JUNG

por Tania Montandon

Algumas palavras de origem científica ou filosófica, talvez pela importância ou apelo


popular que carregam, acabam ganhando grande popularidade e, como
consequência, muitas vezes seu significado torna-se confuso ou diferente daquele
que lhe foi inicialmente conferido. A palavra arquétipo (de origem grega - archétupon
, "original, modelo, tipo primitivo") é uma delas. Todavia, dada a extensa história
dessa palavra no campo da filosofia, nosso intuito é precisar o significado central que
o pai da Psicologia Analítica , o suiço Carl Gustav Jung (1875-1961), lhe dedica.
Segundo Jung, os arquétipos "são as partes herdadas da psiquê, são padrões de
estruturação" e organização do imaginário psíquico, "são entidades hipotéticas
irrepresentáveis em si mesmas e evidentes somente através de suas
manifestações". Jung compara o arquétipo ao sistema axial dos cristais que

Página 17 de 37
Universidadedabiblia.com.br

determina a estrutura cristalina na solução saturada sem possuir, contudo, existência


própria. No entanto, embora arquétipos sejam confundidos com imagens ou temas
mitológicos definidos, é através de uma ou mais imagens que ele é reconhecido e
revelado. Ou seja, imagens ou motivos mitológicos são apenas representações
conscientes de um arquétipo.

Qual seria a origem dos arquétipos ? De um lado, argumenta-se que resultariam do


depósito das impressões superpostas deixadas por certas vivências fundamentais,
comuns a todos os humanos, repetidas incontavelmente através de milênios.
Vivências típicas como as emoções e fantasias suscitadas por fenômenos da
natureza, pelas experiências com a mãe, pelos encontros do homem com a mulher e
da mulher com o homem, vivências de situações difíceis como a travessia de mares
e de grandes rios, a transposição de montanhas, etc. Por outro lado, eles seriam
disposições inerentes à estrutura do sistema nervoso que conduziriam à produção
de representações sempre análogas ou similares. Do mesmo modo que existem
pulsões herdadas a agir de modo sempre idêntico (instintos), existiriam tendências
herdadas a construir representações análogas ou semelhantes. Esta segunda
hipótese ganha terreno nas obras mais recentes de Jung. Seja qual for sua origem, o
arquétipo funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica. Quando
esta energia, em estado potencial, atualiza-se e toma forma, então temos a imagem
arquetípica. Entretanto, não se pode denominar esta imagem de arquétipo, pois o
arquétipo é unicamente uma virtualidade.

A noção de arquétipo, postulando a existência de uma base psíquica comum a todos


os humanos, permite compreender por que em lugares e épocas distantes e distintas
aparecem temas idênticos nos contos de fadas, nos mitos e ritos religiosos, nas
artes, na filosofia, nas produções do inconsciente de um modo geral - seja nos
sonhos de pessoas normais, seja em delírios de loucos.

Uma extensa variedade de símbolos pode ser associada a um arquétipo. Por


exemplo, o arquétipo materno compreende não somente a mãe real de cada
indivíduo, mas também todas as figuras de mãe. Isto inclui mulheres em geral,
imagens míticas de mulheres (tais como Afrodite , Virgem Maria ou Yemanjá ) e
símbolos de apoio e nutrição, tais como Gaia , a Igreja e o Paraíso. O arquétipo
materno inclui aspectos positivos e negativos, como a mãe boa, a fada madrinha ou
a mãe má, ameaçadora e dominadora. Na Idade Média, por exemplo, este aspecto
negativo do arquétipo estava cristalizado na imagem da velha bruxa. A figura da
madrasta ou da sogra também são representações mais recentes desse arquétipo.

Os arquétipos são as estruturas do que Jung denominou de inconsciente coletivo .


Assim como temos uma herança biológica, Jung propõe que nascemos com uma
herança psíquica. Ambas são determinantes essenciais do comportamento e da
experiência do ser humano. Ele diz que "…exatamente como o corpo humano
representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução
histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma
organização análoga. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em
situação oposta ao corpo, no qual a história existe. Jung postula que a mente da
criança já possui uma estrutura que molda e canaliza todo posterior desenvolvimento

Página 18 de 37
Universidadedabiblia.com.br

e interação com o ambiente. Ele é constituído não por aquisições individuais - e


nisso se difere radicalmente do inconsciente pessoal - mas por um patrimônio
coletivo da espécie humana. Assim como o ar, o inconsciente coletivo é o mesmo
em todo lugar, respirado por todos e não pertencendo a ninguém em particular.

AS TEORIAS DE C G JUNG

Dentre todos os conceitos de Carl Gustav Jung, a idéia de introversão e extroversão


são as mais usadas. Jung descobriu que cada indivíduo pode ser caracterizado
como sendo primeiramente orientado para seu interior ou para o exterior, sendo que
a energia dos introvertidos se dirige em direção a seu mundo interno, enquanto a
energia do extrovertido é mais focalizada no mundo externo.

Entretanto, ninguém é totalmente introvertido ou extrovertido. Algumas vezes a


introversão é mais apropriada, em outras ocasiões a extroversão é mais adequada
mas, as duas atitudes se excluem mutuamente, de forma que não se pode manter
ambas ao mesmo tempo. Também enfatizava que nenhuma das duas é melhor que
a outra, citando que o mundo precisa dos dois tipos de pessoas. Darwin, por
exemplo, era predominantemente extrovertido, enquanto Kant era introvertido por
excelência.

O ideal para o ser humano é ser flexível, capaz de adotar qualquer dessas atitudes
quando for apropriado, operar em equilíbrio entre as duas.

As Atitudes: Introversão e Extroversão

Os introvertidos concentram-se prioritariamente em seus próprios pensamentos e


sentimentos, em seu mundo interior, tendendo à introspecção. O perigo para tais
pessoas é imergir de forma demasiada em seu mundo interior, perdendo ou
tornando tênue o contato com o ambiente externo. O cientista distraído,
estereotipado, é um exemplo claro deste tipo de pessoa absorta em suas reflexões
em notável prejuízo do pragmatismo necessário à adaptação.

Os extrovertidos, por sua vez, se envolvem com o mundo externo das pessoas e das
coisas. Eles tendem a ser mais sociais e mais conscientes do que acontece à sua
volta. Necessitam se proteger para não serem dominados pelas exterioridades e, ao
contrário dos introvertidos, se alienarem de seus próprios processos internos.
Algumas vezes esses indivíduos são tão orientados para os outros que podem
acabar se apoiando quase exclusivamente nas idéias alheias, ao invés de
desenvolverem suas próprias opiniões.

Página 19 de 37
Universidadedabiblia.com.br

As Funções Psíquicas

Jung identificou quatro funções psicológicas que chamou de fundamentais:


pensamento, sentimento, sensação e intuição. E cada uma dessas funções pode ser
experienciada tanto de maneira introvertida quanto extrovertida.

O Pensamento

Jung via o pensamento e o sentimento como maneiras alternativas de elaborar


julgamentos e tomar decisões. O Pensamento, por sua vez, está relacionado com a
verdade, com julgamentos derivados de critérios impessoais, lógicos e objetivos. As
pessoas nas quais predomina a função do Pensamento são chamadas de
Reflexivas. Esses tipos reflexivos são grandes planejadores e tendem a se agarrar a
seus planos e teorias, ainda que sejam confrontados com contraditória evidência.

O Sentimento

Tipos sentimentais são orientados para o aspecto emocional da experiência. Eles


preferem emoções fortes e intensas ainda que negativas, a experiências apáticas e
mornas. A consistência e princípios abstratos são altamente valorizados pela pessoa
sentimental. Para ela, tomar decisões deve ser de acordo com julgamentos de
valores próprios, como por exemplo, valores do bom ou do mau, do certo ou do
errado, agradável ou desagradável, ao invés de julgar em termos de lógica ou
eficiência, como faz o reflexivo.

A Sensação

Jung classifica a sensação e a intuição juntas, como as formas de apreender


informações, diferentemente das formas de tomar decisões. A Sensação se refere a
um enfoque na experiência direta, na percepção de detalhes, de fatos concretos. A
Sensação reporta-se ao que uma pessoa pode ver, tocar, cheirar. É a experiência
concreta e tem sempre prioridade sobre a discussão ou a análise da experiência.

Os tipos sensitivos tendem a responder à situação vivencial imediata, e lidam


eficientemente com todos os tipos de crises e emergências. Em geral eles estão
sempre prontos para o momento atual, adaptam-se facilmente às emergências do
cotidiano, trabalham melhor com instrumentos, aparelhos, veículos e utensílios do
que qualquer um dos outros tipos.

A Intuição

Página 20 de 37
Universidadedabiblia.com.br

A intuição é uma forma de processar informações em termos de experiência


passada, objetivos futuros e processos inconscientes. As implicações da experiência
(o que poderia acontecer, o que é possível) são mais importantes para os intuitivos
do que a experiência real por si mesma. Pessoas fortemente intuitivas dão
significado às suas percepções com tamanha rapidez que, via de regra, não
conseguem separar suas interpretações conscientes dos dados sensoriais brutos
obtidos. Os intuitivos processam informação muito depressa e relacionam, de forma
automática, a experiência passada com as informações relevantes da experiência
imediata.

Arquétipos
Dentro do Inconsciente Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou
Arquétipos. Tais Arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem para
organizar ou canalizar o material psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos
de rio secos, cuja forma determina as características do rio, porém desde que a água
começa a fluir por eles. Particularmente comparo os Arquétipos à porta de uma
geladeira nova; existem formas sem conteúdo - em cima formas arredondadas (você
pode colocar ovos, se quiser ou tiver ovos), mais abaixo existe a forma sem
conteúdo para colocar refrigerantes, manteiga, queijo, etc., mas isso só acontecerá
se a vida ou o meio onde você existir lhe oferecer tais produtos. De qualquer
maneira as formas existem antecipadamente ao conteúdo. Arquetipicamente existe a
forma para colocar Deus, mas isso depende das circunstâncias existenciais, culturais
e pessoais.

Jung também chama os Arquétipos de imagens primordiais, porque eles


correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e
lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser
encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os
Arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem
tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.

A história de Édipo é uma boa ilustração de um Arquétipo. É um motivo tanto


mitológico quanto psicológico, uma situação arquetípica que lida com o
relacionamento do filho com seus pais. Há, obviamente, muitas outras situações
ligadas ao tema, tal como o relacionamento da filha com seus pais, o relacionamento
dos pais com os filhos, relacionamentos entre homem e mulher, irmãos, irmãs e
assim por diante.

O termo Arquétipo freqüentemente é mal compreendido, julgando-se que expressa


imagens ou motivos mitológicos definidos. Mas estas imagens ou motivos
mitológicos são apenas representações conscientes do Arquétipo. O Arquétipo é
uma tendência a formar tais representações que podem variar em detalhes, de povo
a povo, de pessoa a pessoa, sem perder sua configuração original.

Uma extensa variedade de símbolos pode ser associada a um Arquétipo. Por


exemplo, o Arquétipo materno compreende não somente a mãe real de cada
Universidadedabiblia.com.br

indivíduo, mas também todas as figuras de mãe, figuras nutridoras. Isto inclui
mulheres em geral, imagens míticas de mulheres (tais como Vênus, Virgem Maria,
mãe Natureza) e símbolos de apoio e nutrição, tais como a Igreja e o Paraíso. O
Arquétipo materno inclui aspectos positivos e negativos, como a mãe ameaçadora,
dominadora ou sufocadora. Na Idade Média, por exemplo, este aspecto do Arquétipo
estava cristalizado na imagem da velha bruxa.

Jung escreveu que cada uma das principais estruturas da personalidade seriam
Arquétipos, incluindo o Ego, a Persona, a Sombra, a Anima (nos homens), o Animus
(nas mulheres) e o Self.

Símbolos
De acordo com Jung, o inconsciente se expressa primariamente através de
símbolos. Embora nenhum símbolo concreto possa representar de forma plena um
Arquétipo (que é uma forma sem conteúdo específico), quanto mais um símbolo se
harmonizar com o material inconsciente organizado ao redor de um Arquétipo, mais
ele evocará uma resposta intensa e emocionalmente carregada.

Jung se interessa nos símbolos naturais, que são produções espontâneas da psique
individual, mais do que em imagens ou esquemas deliberada-mente criados por um
artista. Além dos símbolos encontrados em sonhos ou fantasias de um indivíduo, há
também símbolos coletivos importantes, que são geralmente imagens religiosas, tais
como a cruz, a estrela de seis pontas de David e a roda da vida budista.

Imagens e termos simbólicos, via de regra, representam conceitos que nós não
podemos definir com clareza ou compreender plenamente. Para Jung, um signo
representa alguma outra coisa; um símbolo é alguma coisa em si mesma, uma coisa
dinâmica e viva. O símbolo representa a situação psíquica do indivíduo e ele é essa
situação num dado momento.

Aquilo a que nós chamamos de símbolo pode ser um termo, um nome ou até uma
imagem familiar na vida diária, embora possua conotações específicas além de seu
significado convencional e óbvio. Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica
quando implica alguma coisa além de seu significado manifesto e imediato. Esta
palavra ou esta imagem tem um aspecto inconsciente mais amplo que não é nunca
precisamente definido ou plenamente explicado.

Os Sonhos

Os sonhos são pontes importantes entre processos conscientes e inconscientes.


Comparado à nossa vida onírica, o pensamento consciente contém menos emoções
intensas e imagens simbólicas. Os símbolos oníricos freqüentemente envolvem tanta
energia psíquica, que somos compelidos a prestar atenção neles.

Página 22 de 37
Universidadedabiblia.com.br

Para Jung, os sonhos desempenham um importante papel complementar ou


compensatório. Os sonhos ajudam a equilibrar as influências variadas a que
estamos expostos em nossa vida consciente, sendo que tais influências tendem a
moldar nosso pensamento de maneiras freqüentemente inadequadas à nossa
personalidade e individualidade. A função geral dos sonhos, para Jung, é tentar
estabelecer a nossa balança psicológica pela produção de um material onírico que
reconstitui equilíbrio psíquico total.

Jung abordou os sonhos como realidades vivas que precisam ser experimentadas e
observadas com cuidado para serem compreendidas. Ele tentou descobrir o
significado dos símbolos oníricos prestando atenção à forma e ao conteúdo do
sonho e, com relação à análise dos sonhos, Jung distanciou-se gradualmente da
maneira psicanalítica na livre associação.

Pelo fato do sonho lidar com símbolos, Jung achava que eles teriam mais de um
significado, não podendo haver um sistema simples ou mecânico para sua
interpretação. Qualquer tentativa de análise de um sonho precisa levar em conta as
atitudes, a experiência e a formação do sonhador. É uma aventura comum vivida
entre o analista e o analisando. O caráter das interpretações do analista é apenas
experimental, até que elas sejam aceitas e sentidas como válidas pelo analisando.

Mais importante do que a compreensão cognitiva dos sonhos é o ato de experienciar


o material onírico e levá-lo a sério. Para o analista junguiano devemos tratar nossos
sonhos não como eventos isolados, mas como comunicações dos contínuos
processos inconscientes. Para a corrente junguiana é necessário que o inconsciente
torne conhecida sua própria direção, e nós devemos dar-lhe os mesmos direitos do
Ego, se é que cada lado deva adaptar-se ao outro. À medida que o Ego ouve e o
inconsciente é encorajado a participar desse diálogo, a posição do inconsciente é
transformada daquela de um adversário para a de um amigo, com pontos de vista de
algum modo diferentes mas complementares.

O Ego

O Ego é o centro da consciência e um dos maiores Arquétipos da perso-nalidade.


Ele fornece um sentido de consistência e direção em nossas vidas conscientes. Ele
tende a contrapor-se a qualquer coisa que possa ameaçar esta frágil consistência da
consciência e tenta convencer-nos de que sempre devemos planejar e analisar
conscientemente nossa experiência. Somos levados a crer que o Ego é o elemento
central de toda a psique e chegamos a ignorar sua outra metade, o inconsciente.

De acordo com Jung, a princípio a psique é apenas o inconsciente. O Ego emerge


dele e reúne numerosas experiências e memórias, desenvolvendo a divisão entre o
inconsciente e o consciente. Não há elementos inconscientes no Ego, só conteúdos
conscientes derivados da experiência pessoal.

Página 23 de 37
Universidadedabiblia.com.br

A Persona

Nossa Persona é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo. É o caráter que
assumimos; através dela nós nos relacionamos com os outros. A Persona inclui
nossos papéis sociais, o tipo de roupa que escolhemos para usar e nosso estilo de
expressão pessoal. O termo Persona é derivado da palavra latina equivalente a
máscara, se refere às máscaras usadas pelos atores no drama grego para dar
significado aos papéis que estavam representando. As palavras "pessoa" e
"personalidade" também estão relacionadas a este termo.

A Persona tem aspectos tanto positivos quanto negativos. Uma Persona dominante
pode abafar o indivíduo e aqueles que se identificam com sua Persona tendem a se
ver apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais e de sua fachada. Jung
chamou também a Persona de Arquétipo da conformidade. Entretanto, a Persona
não é totalmente negativa. Ela serve para proteger o Ego e a psique das diversas
forças e atitudes sociais que nos invadem. A Persona é também um instrumento
precioso para a comunicação. Nos dramas gregos, as máscaras dos atores,
audaciosamente desenhadas, informavam a toda a platéia, ainda que de forma um
pouco estereotipada, sobre o caractere as atitudes do papel que cada ator estava
representando. A Persona pode, com freqüência, desempenhar um papel importante
em nosso desenvolvimento positivo. À medida que começamos a agir de
determinada maneira, a desempenhar um papel, nosso Ego se altera gradualmente
nessa direção.

Entre os símbolos comumente usados para a Persona, incluem-se os objetos que


usamos para nos cobrir (roupas, véus), símbolos de um papel ocupacional
(instrumentos, pasta de documentos) e símbolos de status (carro, casa, diploma).
Esses símbolos foram todos encontrados em sonhos como representações da
Persona. Por exemplo, em sonhos, uma pessoa com Persona forte pode aparecer
vestida de forma exagerada ou constrangida por um excesso de roupas. Uma
pessoa com Persona fraca poderia aparecer despida e exposta. Uma expressão
possível de uma Persona extremamente inadequada seria o fato de não ter pele.

A Sombra

Para Jung, a Sombra é o centro do Inconsciente Pessoal, o núcleo do material que


foi reprimido da consciência. A Sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias
e experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a Persona
e contrárias aos padrões e ideais sociais. Quanto mais forte for nossa Persona, e
quanto mais nos identificarmos com ela, mais repudiaremos outras partes de nós
mesmos. A Sombra representa aquilo que consideramos inferior em nossa
personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós
mesmos. Em sonhos, a Sombra freqüentemente aparece como um animal, um anão,
um vagabundo ou qualquer outra figura de categoria mais baixa.

Página 24 de 37
Universidadedabiblia.com.br

Em seu trabalho sobre repressão e neurose, Freud concentrou-se, de inicio, naquilo


que Jung chama de Sombra. Jung descobriu que o material reprimido se organiza e
se estrutura ao redor da Sombra, que se torna, em certo sentido, um Self negativo, a
Sombra do Ego. A Sombra é, via de regra, vivida em sonhos como uma figura
escura, primitiva, hostil ou repelente, porque seus conteúdos foram violentamente
retirados da consciência e aparecem como antagônicos à perspectiva consciente. Se
o material da Sombra for tra-zido à consciência, ele perde muito de sua natureza de
medo, de desconhecido e de escuridão.

A Sombra é mais perigosa quando não é reconhecida pelo seu portador. Neste caso,
o indivíduo tende a projetar suas qualidades indesejáveis em outros ou a deixar-se
dominar pela Sombra sem o perceber. Quanto mais o material da Sombra tornar-se
consciente, menos ele pode dominar. Entretanto, a Sombra é uma parte integral de
nossa natureza e nunca pode ser simplesmente eliminada. Uma pessoa sem
Sombra não é uma pessoa completa, mas uma caricatura bidimensional que rejeita a
mescla do bom e do mal e a ambivalência presentes em todos nós.

Cada porção reprimida da Sombra representa uma parte de nós mesmos. Nós nos
limitamos na mesma proporção que mantemos este material inconsciente.

À medida que a Sombra se faz mais consciente, recuperamos partes previamente


reprimidas de nós mesmos. Além disso, a Sombra não é apenas uma força negativa
na psique. Ela é um depósito de considerável energia instintiva, espontaneidade e
vitalidade, e é a fonte principal de nossa criatividade. Assim como todos os
Arquétipos, a Sombra se origina no Inconsciente Coletivo e pode permitir acesso
individual a grande parte do valioso material inconsciente que é rejeitado pelo Ego e
pela Persona. No momento em que acharmos que a compreendemos, a Sombra
aparecerá de outra forma. Lidar com a Sombra é um processo que dura a vida toda,
consiste em olhar para dentro e refletir honestamente sobre aquilo que vemos lá.

O Self

Jung chamou o Self de Arquétipo central, Arquétipo da ordem e totalidade da


personalidade. Segundo Jung, consciente e inconsciente não estão
necessariamente em oposição um ao outro, mas complementam -se mutuamente
para formar uma totalidade: o Self. Jung descobriu o Arquétipo do Self apenas
depois de estarem concluídas suas investigações sobre as outras estruturas da
psique. O Self é com freqüência figurado em sonhos ou imagens de forma
impessoal, como um círculo, mandala, cristal ou pedra, ou de forma pessoal como
um casal real, uma criança divina, ou na forma de outro símbolo de divindade. Todos
estes são símbolos da totalidade, unificação, reconciliação de polaridades, ou
equilíbrio dinâmico, os objetivos do processo de Individuação.

O Self é um fator interno de orientação, muito diferente e até mesmo estranho ao


Ego e à consciência. Para Jung, o Self não é apenas o centro, mas também toda a

Página 25 de 37
Universidadedabiblia.com.br

circunferência que abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, ele é o centro


desta totalidade, tal como o Ego é o centro da consciência. Ele pode, de início,
aparecer em sonhos como uma imagem significante, um ponto ou uma sujeira de
mosca, pelo fato do Self ser bem pouco familiar e pouco desenvolvido na maioria
das pessoas. O desenvolvimento do Self não significa que o Ego seja dissolvido.
Este último continua sendo o centro da consciência, mas agora ele é vinculado ao
Self como conseqüência de um longo e árduo processo de compreensão e aceitação
de nossos processos inconscientes. O Ego já não parece mais o centro da
personalidade, mas uma das inúmeras estruturas dentro da psique.

Crescimento Psicológico – Individuação

Segundo Jung, todo indivíduo possui uma tendência para a Individuação ou auto
desenvolvimento. Individuação significa tornar-se um ser único, homogêneo. na
medida em que por individualidade entendemos nossa singularidade mais íntima,
última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si
mesmo. Pode-se traduzir Individuação como tornar-se si mesmo, ou realização do si
mesmo.

Individuação é um processo de desenvolvimento da totalidade e, portanto, de


movimento em direção a uma maior liberdade. Isto inclui o desenvolvimento do eixo
Ego-Self, além da integração de várias partes da psique: Ego, Persona, Sombra,
Anima ou Animus e outros Arquétipos inconscientes. Quando tornam-se
individuados, esses Arquétipos expressam-se de maneiras mais sutis e complexas.
Quanto mais conscientes nos tornamos de nós mesmos através do auto
conhecimento, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre
o inconsciente coletivo. Desta forma, sai emergindo uma consciência livre do mundo
mesquinho, suscetível e pessoal do Eu, aberta para a livre participação de um
mundo mais amplo de interesses objetivos.

Essa consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores,
esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou
corrigido por contra-tendências inconscientes; tornar-se-á uma função de relação
com o mundo de objetos, colocando o indivíduo numa comunhão incondicional,
obrigatória e indissolúvel com o mundo.

Do ponto de vista do Ego, crescimento e desenvolvimento consistem na integração


de material novo na consciência, o que inclui a aquisição de conhecimento a respeito
do mundo e da prória pessoa. O crescimento, para o Ego, é essencialmente a
expansão do conhecimento consciente. Entretanto, Individuação é o
desenvolvimento do Self e, do seu ponto de vista, o objetivo é a união da
consciência com o inconsciente.
Universidadedabiblia.com.br

Como analista, Jung descobriu que aqueles que vinham a ele na primeira metade da
vida estavam relativamente desligados do processo interior de Individuação; seus
interesses primários centravam-se em realizações externas, no "emergir" como
indivíduos e na consecução dos objetivos do Ego. Analisandos mais velhos, que
haviam alcançado tais objetivos, de forma razoável, tendiam a desenvolver
propósitos diferentes, interesse maior pela integração do que pelas realizações,
busca de harmonia com a totalidade da psique.

O primeiro passo no processo de Individuação é o desnudamento da Persona.


Embora esta tenha funções protetoras importantes, ela é também uma máscara que
esconde o Self e o inconsciente.

Ao analisarmos a Persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando


ser individual, ela é de fato coletiva; em outras palavras, a Persona não passa de
uma máscara da psique coletiva. No fundo, nada tem de real; ela representa um
compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que alguém parece ser:
nome, título, ocupação, isto ou aquilo.

De certo modo, tais dados são reais mas, em relação à individualidade essencial da
pessoa, representam algo de secundário, uma vez que resultam de um compromisso
no qual outros podem ter uma quota maior do que a do indivíduo em questão.

O próximo passo é o confronto com a Sombra. Na medida em que nós aceitamos a


realidade da Sombra e dela nos distinguimos, podemos ficar livres de sua influência.
Além disso, nós nos tornamos capazes de assimilar o valioso material do
inconsciente pessoal que é organizado ao redor da Sombra.

O terceiro passo é o confronto com a Anima ou Animus. Este Arquétipo deve ser
encarado como uma pessoa real, uma entidade com quem se pode comunicar e de
quem se pode aprender. Jung faria perguntas à sua Anima sobre a interpretação de
símbolos oníricos, tal como um analisando a consultar um analista. O indivíduo
também se conscientiza de que a Anima (ou o Animus) tem uma autonomia
considerável e de que há probabilidade dela influenciar ou até dominar aqueles que
a ignoram ou os que aceitam cegamente suas imagens e projeções como se fossem
deles mesmos.

O estágio final do processo de Individuação é o desenvolvimento do Self. Jung dizia


que o si mesmo é nossa meta de vida, pois é a mais completa expressão daquela
combinação do destino a que nós damos o nome de indivíduo. O Self torna-se o
novo ponto central da psique, trazendo unidade à psique e integrando o material
consciente e o inconsciente. O Ego é ainda o centro da consciência, mas não é mais
visto como o núcleo de toda a personalidade.

Jung escreve que devemos ser aquilo que somos e precisamos descobrir nossa
própria individualidade, aquele centro da personalidade que é eqüidistante do
consciente e do inconsciente. Dizia que precisamos visar este ponto ideal em

Página 27 de 37
Universidadedabiblia.com.br

direção ao qual a natureza parece estar nos dirigindo. Só a partir deste ponto
podemos satisfazer nossas necessidades.

É necessário ter em mente que, embora seja possível descrever a Individuação em


termos de estágios, o processo de Individuação é bem mais complexo do que a
simples progressão aqui delineada. Todos os passos mencionados sobrepõem-se, e
as pessoas voltam continuamente a problemas e temas antigos (espera-se que de
uma perspectiva diferente). A Individuação poderia ser apresentada como uma
espiral na qual os indivíduos permanecem se confrontando com as mesmas
questões básicas, de forma cada vez mais refinada. Este conceito está muito
relacionado com a concepção Zen-budista da iluminação, na qual um individuo
nunca termina um Koan, ou problema espiritual, e a procura de si mesmo é vista
como idêntica à finalidade.)

Obstáculos ao Crescimento

A Individuação nem sempre é uma tarefa fácil e agradável. O Ego precisa ser forte o
suficiente para suportar mudanças tremendas, para ser virado pelo avesso no
processo de Individuação.

Poderíamos dizer que todo o mundo está num processo de Individuação, no entanto,
as pessoas não o sabem, esta é a única diferença. A Individuação não é de modo
algum uma coisa rara ou um luxo de poucos, mas aqueles que sabem que passam
pelo processo são considerados afortunados. Desde que suficientemente
conscientes, eles tiram algum proveito de tal processo.

A dificuldade deste processo é peculiar porque constitui um empreendimento


totalmente individual, levado a cabo face à rejeição ou, na melhor das hipóteses,
indiferença dos outros. Jung escreve que a natureza não se preocupa com nada que
diga respeito a um nível mais elevado de consciência, muito pelo contrário. Logo, a
sociedade não valoriza em demasia essas proezas da psique e seus prêmios são
sempre dados a realizações e não à personalidade. Esta última será, na maioria das
vezes, recompensada postumamente.

Cada estágio, no processo de Individuação, é acompanhado de dificuldades.


Primeiramente, há o perigo da identificação com a Persona. Aqueles que se
identificam com a Persona podem tentar tornar-se perfeitos demais, incapazes de
aceitar seus erros ou fraquezas, ou quaisquer desvios de sua auto-imagem
idealizada. Aqueles que se identificam totalmente com a Persona tenderão a reprimir
todas as tendências que não se ajustam, e a projetá-las nos outros, atribuindo a eles
a tarefa de representar aspectos de sua identidade negativa reprimida.

Página 28 de 37
Universidadedabiblia.com.br

A Sombra pode ser também um importante obstáculo para a Individuação. As


pessoas que estão inconscientes de suas sombras, facilmente podem exteriorizar
impulsos prejudiciais sem nunca reconhecê-los como errados. Quando a pessoa não
chegou a tomar conhecimento da presença de tais impulsos nela mesma, os
impulsos iniciais para o mal ou para a ação errada são com freqüência justificados
de imediato por racionalizações. Ignorar a Sombra pode resultar também numa
atitude por demais moralista e na projeção da Sombra em outros. Por exemplo,
aqueles que são muito favoráveis à censura da pornografia tendem a ficar
fascinados pelo assunto que pretendem proibir; eles podem até convencer-se da
necessidade de estudar cuidadosamente toda a pornografia disponível, a fim de
serem censores eficientes.

O confronto com a Anima ou o Animus traz, em si, todo o problema do


relacionamento com o inconsciente e com a psique coletiva. A Anima pode acarretar
súbitas mudanças emocionais ou instabilidade de humor num homem. Nas
mulheres, o Animus freqüentemente se manifesta sob a forma de opiniões
irracionais, mantidas de forma rígida. (Devemos nos lembrar de que a discussão de
Jung sobre Anima e Animus não constitui uma descrição da masculinidade e da
feminilidade em geral. O conteúdo da Anima ou do Animus é o complemento de
nossa concepção consciente de nós mesmos como masculinos ou femininos, a qual,
na maioria das pessoas, é fortemente determinada por valores culturais e papéis
sexuais definidos em sociedade.)

Quando o indivíduo é exposto ao material coletivo, há o perigo de ser engolido pelo


inconsciente. Segundo Jung, tal ocorrência pode tomar uma de duas formas.
Primeiro, há a possibilidade da inflação do Ego, na qual o indivíduo reivindica para si
todas as virtudes da psique coletiva. A outra reação é a de impotência do Ego; a
pessoa sente que não tem controle sobre a psique coletiva e adquire uma
consciência aguda de aspectos inaceitáveis do inconsciente-irracionalidade,
impulsos negativos e assim por diante.

Assim como em muitos mitos e contos de fadas, os maiores obstáculos estão mais
próximos do final. Quando o indivíduo lida com a Anima e o Animus, uma tremenda
energia é libertada. Esta energia pode ser usada para construir o Ego ao invés de
desenvolver o Self. Jung referiu-se a este fato como identificação com o Arquétipo
do Self, ou desenvolvimento da personalidade -mana (mana é uma palavra
malanésica que significa a energia ou o poder que emana das pessoas, objetos ou
seres sobrenaturais, energia esta que tem uma qualidade oculta ou mágica). O Ego
identifica-se com o Arquétipo do homem sábio ou mulher sábia aquele que sabe
tudo. A personalidade-mana é perigosa porque é excessivamente irreal. Indivíduos
parados neste estágio tentam ser ao mesmo tempo mais e menos do que na
realidade são. Eles tendem a acreditar que se tornaram perfeitos, santos ou até
divinos, mas, na verdade, menos, porque perderam o contato com sua humanidade
essencial e com o fato de que ninguém é plenamente sábio, infalível e sem defeitos.

Jung viu a identificação temporária com o Arquétipo do Self ou com a personalidade-


mana como sendo um estágio quase inevitável no processo e Individuação. A melhor
defesa contra o desenvolvimento da inflação do Ego é lembrarmo-nos de

Página 29 de 37
Universidadedabiblia.com.br

nossa humanidade essencial, para permanecermos assentados na realidade daquilo


que podemos e precisamos fazer, e não na que deveríamos fazer ou ser.

Referência
Ballone GJ - Carl Gustav Jung, in. PsiqWeb, internet, disponível em
http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2005

* - baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager - Harbra -


1980 para saber mais: Tipos Psicológicos - C.G.Jung - Zahar Editores - RJ - 1980

IV – INTERPRETAÇÃO DE SONHO SEGUNDO JUNG

1- A importância dos sonhos

Aquilo a que chamamos símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que
nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais para além
do seu significado evidente e convencional. Implica algo de vago, desconhecido ou
oculto para nós.

Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além
do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um
aspecto mais amplo, que nunca é definido de uma única forma ou explicado
totalmente, nem podemos ter esperanças de a definir ou explicar. Quando a mente
explora um símbolo, é conduzida em direcção a ideias que estão fora do alcance da
nossa razão.

Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que


utilizamos frequentemente termos simbólicos como representação de conceitos que
não podemos definir ou compreender integralmente. Esta é uma das razões por que
todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de
imagens. Mas este uso consciente que fazemos dos símbolos é apenas um aspecto
de um facto psicológico de grande importância: o homem também produz símbolos,
inconsciente e espontaneamente, em forma de sonhos.

Há ainda certos acontecimentos de que não tomamos consciência. Permanecem,


por assim dizer, abaixo do limiar da consciência. Aconteceram, mas foram
absorvidos subliminarmente, sem o nosso conhecimento consciente. Só podemos
percebê -los em algum momento de intuição ou por um processo de intensa reflexão
que nos levem à subsequente compreensão de que devem ter acontecido. E, apesar
de termos ignorado originalmente a sua importância emocional e vital, mais tarde
brotam do inconsciente como uma espécie de segundo pensamento.

Página 30 de 37
Universidadedabiblia.com.br

Este segundo pensamento pode aparecer, por exemplo, sob a forma de um sonho.
O aspecto inconsciente de um acontecimento é-nos revelado, geralmente, através
de sonhos, onde se manifesta, não como um pensamento racional, mas como uma
imagem simbólica. Do ponto de vista histórico, foi o estudo dos sonhos que permitiu,
inicialmente, aos psicólogos, a investigação do aspecto inconsciente de ocorrências
psíquicas conscientes.

Fundamentados nestas observações é que os psicólogos admitem a existência de


uma psique inconsciente, apesar de muitos cientistas e filósofos lhe negarem
existência. Argumentam ingenuamente que uma tal pressuposição implica a
existência de dois “sujeitos” ou, em linguagem comum, de duas personalidades
dentro do mesmo indivíduo. E estão inteiramente certos: é exactamente isto o que
ela implica. Esta divisão de personalidades é, com efeito, uma das maldições do
homem moderno. Não é, de forma alguma, um sintoma patológico: é um facto
normal, que pode ser observado em qualquer época e em quaisquer lugares. O
neurótico cuja mão direita não sabe o que faz a sua mão esquerda não é caso único.
Esta situação é um sintoma de inconsciência geral, que é, inegavelmente, herança
comum de toda a humanidade.

Aquele que nega a existência do inconsciente está, de facto, a admitir que, hoje em
dia, temos um conhecimento total da psique. É uma suposição evidentemente tão
falsa quanto a pretensão de que sabemos tudo a respeito do universo físico. A nossa
psique faz parte da natureza e o seu enigma é, igualmente, sem limites. Assim, não
podemos definir a psique nem a natureza. Podemos, simplesmente, constatar o que
acreditamos que elas sejam e descrever, da melhor maneira possível, como
funcionam. No entanto, fora das observações acumuladas em pesquisas médicas,
temos argumentos lógicos de bastante peso para rejeitarmos afirmações como “não
existe inconsciente”, etc. Aqueles que fazem este tipo de declaração estão a
expressar um velho misoneísmo – o medo do que é novo e desconhecido.

Sigmund Freud foi o pioneiro, o primeiro cientista a tentar explorar empiricamente o


segundo plano inconsciente da consciência. Trabalhou baseado na hipótese de que
os sonhos não são produto do acaso, mas que estão associados a pensamentos e
problemas conscientes. Esta hipótese nada apresentava de arbitrário

2- A função dos sonhos

Podemos constatar agora uma outra razão para esta diferença: na nossa vida
civilizada, despojamos tanto as ideias da sua energia emocional que já não reagimos
a elas. Usamos estas ideias nos nossos discursos, reagimos convencionalmente
quando outros também as utilizam, mas elas não nos causam uma impressão
profunda. É necessário haver alguma coisa mais eficaz para que mudemos de
atitude ou de comportamento. E é isto que a linguagem do sonho faz: o seu
simbolismo tem tanta energia psíquica que somos obrigados a prestar-lhe atenção.
Universidadedabiblia.com.br

Uma senhora conhecida pelos seus insuportáveis preconceitos e obstinada


resistência a qualquer argumento racional. Podia-se discutir com ela uma noite
inteira; não prestaria a menor atenção às nossas opiniões. Os seus sonhos, no
entanto, empregaram uma linguagem inteiramente diferente. Uma noite, sonhou que
estava numa importante reunião social, onde foi recebida pela anfitriã com as
seguintes palavras: “Que bom ter podido vir. Todos os seus amigos estão aqui à sua
espera.” E levou-a até uma porta, que abriu, introduzindo-a num estábulo.

A linguagem deste sonho é bastante simples para que possa ser entendida até por
um ignorante. A mulher, a princípio, recusou-se a admitir o sentido de um sonho que
vinha atingir tão directamente o seu amor-próprio. Mas acabou por compreender a
mensagem que lhe era enviada, e após algum tempo aceitou a piada que se auto-
infligira.

Estas mensagens do inconsciente têm uma importância bem maior do que se pensa.
Na nossa vida consciente, estamos expostos a todos os tipos de influência. As
pessoas estimulam- nos ou deprimem-nos, ocorrências da nossa vida profissional ou
social desviam a nossa atenção. Todas estas influências podem levar-nos para
caminhos opostos à nossa individualidade; e quer percebamos quer não o seu efeito,
a nossa consciência é perturbada e exposta, quase sem defesas, a estes incidentes.
Isto ocorre em especial com pessoas de atitude mental extrovertida, que dão muita
importância a objectos exteriores, ou com as que abrigam sentimentos de
inferioridade e de dúvida, envolvendo o mais íntimo da sua personalidade.

Quanto mais a consciência foi influenciada por estes preconceitos, erros, fantasias e
anseios infantis, mais se dilata a fenda já existente, até se chegar a uma dissociação
neurótica e a uma vida mais ou menos artificial, em tudo distanciada dos instintos
normais, da natureza e da verdade. A função geral dos sonhos é tentar restabelecer
a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de
maneira subtil, o equilíbrio psíquico total.

É aquilo a que chamo função complementar (ou compensatória) dos sonhos na


nossa constituição psíquica. Explica por que motivo pessoas com ideias pouco
realistas, ou que têm um alto conceito de si mesmas, ou ainda que constroem planos
grandiosos em desacordo com a sua verdadeira capacidade, sonham que voam ou
caem. O sonho compensa as deficiências das suas personalidades e, ao mesmo
tempo, previne-as dos perigos dos seus rumos actuais. Para bem do equilíbrio
mental e mesmo da saúde fisiológica, o consciente e o inconsciente devem estar
completamente interligados, a fim de que possam mover-se em linhas paralelas. Se
se separam um do outro ou se dissociam, ocorrem distúrbios psicológicos. Neste
caso particular, os símbolos oníricos são os mensageiros indispensáveis da parte
instintiva da mente humana para a sua parte racional, e a sua interpretação
enriquece a pobreza da nossa consciência, fazendo-a compreender, novamente, a
esquecida linguagem dos instintos.

As pessoas, é claro, tendem a pôr em dúvida esta função, já que os seus símbolos,
muitas vezes, passam despercebidos ou são incompreendidos. Na vida normal, a
compreensão dos sonhos é até, por vezes, considerada supérflua. De um modo

Página 32 de 37
Universidadedabiblia.com.br

INSTITUTO MISSÃO DA PAZ


WWW.MISSAODAPAZ.COM
PASTOR E DIRETOR

IMP-SETEC-CEMTEB-FERT BRASIL

geral, é uma tolice acreditar-se em guias pré-fabricados e sistematizados para a


interpretação dos sonhos, como se pudéssemos comprar um livro de consultas para
nele encontrarmos a tradução de um determinado símbolo. Nenhum símbolo onírico
pode ser separado da pessoa que o sonhou, assim como não existem interpretações
definidas e específicas para qualquer sonho.

A maneira pela qual o inconsciente completa ou compensa o consciente varia tanto


de indivíduo para indivíduo que é impossível saber até que ponto pode, na verdade,
haver uma classificação dos sonhos e dos seus símbolos. O sonho recorrente é um
fenómeno digno de apreciação. Há casos em que as pessoas sonham o mesmo
sonho, desde a infância até à idade adulta. Este tipo de sonho é em geral uma
tentativa de compensação para algum defeito particular que existe na atitude do
sonhador em relação à vida; ou pode datar de um traumatismo que tenha deixado
alguma marca. Pode também ser a antecipação de algum acontecimento importante
que está para acontecer.

Sonhei durante muitos anos com um mesmo motivo, no qual eu “descobria” uma
parte da minha casa que até então me era desconhecida. Algumas vezes, apareciam
os aposentos onde os meus pais, há muito falecidos, viviam e onde o meu pai, para
grande surpresa minha, montara um laboratório de estudo de anatomia comparada
dos peixes e onde a minha mãe dirigia um hotel para hóspedes fantasmas.
Habitualmente, esta ala desconhecida surgia como um edifício histórico, há muito
esquecido, mas de que eu era proprietário. Continha interessantes mobílias antigas
e, lá para o fim desta série de sonhos, descobri também uma velha biblioteca, com
livros que não conhecia.

Por fim, no último sonho, abri um dos livros e encontrei nele uma série de gravuras
simbólicas maravilhosas. Quando acordei, o meu coração pulsava de emoção.
Algum tempo antes de ter este último sonho, havia encomendado a um vendedor de
livros antigos uma colecção clássica de alquimistas medievais. Encontrara, numa
obra, uma citação que me parecia relacionada com a antiga alquimia bizantina e
queria verificar este facto. Algumas semanas depois de ter tido o sonho com o livro
que me era desconhecido, chegou um pacote do livreiro. Dentro, havia um volume
em pergaminho, datado do século dezasseis. Era ilustrado com fascinantes gravuras
simbólicas, que logo me lembraram as que vira no meu sonho.

Como a redescoberta dos princípios da alquimia se tornou parte importante do meu


trabalho pioneiro na psicologia, o motivo do meu sonho recorrente é de fácil
compreensão. A casa, certamente, era o símbolo da minha personalidade e do seu
campo consciente de interesses; e a ala desconhecida da residência representava a
antecipação de um novo campo de interesse e pesquisa de que, na época, a minha
consciência não se apercebera. Desde aquele momento, há trinta anos, o sonho não
se repetiu.

3 -A análise dos sonhos

É preciso acentuar a diferença entre um sinal e um símbolo. O sinal é sempre menos


do que o conceito que ele representa, enquanto o símbolo significa sempre mais do
Universidadedabiblia.com.br

que o seu significado imediato e óbvio. Os símbolos, no entanto, são produtos


naturais e espontâneos. Génio algum já se sentou com uma caneta ou um pincel na
mão, dizendo: “Agora vou inventar um símbolo.” Ninguém pode tomar um
pensamento mais ou menos racional, a que chegou por conclusão lógica ou por
intenção deliberada, e dar-lhe forma simbólica. Não importa de que adornos
extravagantes se ornamenta uma tal ideia – ela vai manter-se apenas um sinal
associado ao pensamento consciente que significa, e nunca um símbolo a sugerir
coisas ainda desconhecidas. Nos sonhos, os símbolos ocorrem espontaneamente,
pois os sonhos acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte
principal de todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo.

Devo fazer notar, no entanto, que os símbolos não ocorrem apenas nos sonhos;
aparecem em todos os tipos de manifestações psíquicas. Existem pensamentos e
sentimentos simbólicos, situações e actos simbólicos. Parece mesmo que, muitas
vezes, objectos inanimados cooperam com o inconsciente, criando formas
simbólicas. Há numerosas histórias autênticas de relógios que param no momento
em que o seu dono morre, como aconteceu com o relógio de pêndulo do palácio de
Frederico, o Grande, em Sans Souci, que parou na hora da morte do rei.

Outro exemplo comum é o de um espelho que se parte ou de um quadro que cai


quando alguém morre. Ou também pequenos, mas inexplicáveis, acidentes de
objectos que se quebram numa casa onde alguém sofre uma crise emocional.
Mesmo que os cépticos se recusem a acreditar nessas histórias, a verdade é que
elas estão sempre a acontecer, e só isto basta como prova da sua importância
psicológica.

Há muitos símbolos, no entanto, (e entre eles alguns de maior valor), cuja natureza e
origem não é individual mas sim colectiva. Sobretudo as imagens religiosas: o crente
atribui- lhes origem divina e considera-as revelações feitas ao homem. O céptico
garante que foram inventadas. Ambos estão errados. É verdade, como diz o céptico,
que símbolos e conceitos religiosos foram, durante séculos, objecto de uma
elaboração cuidadosa e consciente. É também certo, como julga o crente, que a sua
origem está tão soterrada nos mistérios do passado que parece não ter qualquer
procedência humana. Mas são, efectivamente, representações colectivas – que
procedem de sonhos primitivos e de fecundas fantasias.

Comecei este ensaio acentuando a diferença entre um sinal e um símbolo. O sinal é


sempre menos do que o conceito que ele representa, enquanto o símbolo significa
sempre mais do que o seu significado imediato e óbvio. Os símbolos, no entanto,
são produtos naturais e espontâneos. Génio algum já se sentou com uma caneta ou
um pincel na mão, dizendo: “Agora vou inventar um símbolo.” Ninguém pode tomar
um pensamento mais ou menos racional, a que chegou por conclusão lógica ou por
intenção deliberada, e dar-lhe forma simbólica. Não importa de que adornos
extravagantes se ornamenta uma tal ideia – ela vai manter-se apenas um sinal
associado ao pensamento consciente que significa, e nunca um símbolo a sugerir
coisas ainda desconhecidas. Nos sonhos, os símbolos ocorrem espontaneamente,
pois os sonhos acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte
principal de todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo.

Página 34 de 37
Universidadedabiblia.com.br

Devo fazer notar, no entanto, que os símbolos não ocorrem apenas nos sonhos;
aparecem em todos os tipos de manifestações psíquicas. Existem pensamentos e
sentimentos simbólicos, situações e actos simbólicos. Parece mesmo que, muitas
vezes, objectos inanimados cooperam com o inconsciente, criando formas
simbólicas. Há numerosas histórias autênticas de relógios que param no momento
em que o seu dono morre, como aconteceu com o relógio de pêndulo do palácio de
Frederico, o Grande, em Sans Souci, que parou na hora da morte do rei.

Outro exemplo comum é o de um espelho que se parte ou de um quadro que cai


quando alguém morre. Ou também pequenos, mas inexplicáveis, acidentes de
objectos que se quebram numa casa onde alguém sofre uma crise emocional.
Mesmo que os cépticos se recusem a acreditar nessas histórias, a verdade é que
elas estão sempre a acontecer, e só isto basta como prova da sua importância
psicológica.

Há muitos símbolos, no entanto, (e entre eles alguns de maior valor), cuja natureza e
origem não é individual mas sim colectiva. Sobretudo as imagens religiosas: o crente
atribui- lhes origem divina e considera-as revelações feitas ao homem. O céptico
garante que foram inventadas. Ambos estão errados. É verdade, como diz o céptico,
que símbolos e conceitos religiosos foram, durante séculos, objecto de uma
elaboração cuidadosa e consciente. É também certo, como julga o crente, que a sua
origem está tão soterrada nos mistérios do passado que parece não ter qualquer
procedência humana. Mas são, efectivamente, representações colectivas – que
procedem de sonhos primitivos e de fecundas fantasias.

4- A função dos símbolos

Quando um psicanalista se interessa por símbolos, ocupa-se, em primeiro lugar, dos


símbolos naturais, distintos dos símbolos culturais. Os primeiros são derivados dos
conteúdos inconscientes da psique e, portanto, representam um número imenso de
variações das imagens arquetípicas essenciais. Em alguns casos, pode-se chegar
às suas origens mais arcaicas – isto é, a ideias e imagens que vamos encontrar nos
registos mais antigos e nas sociedades mais primitivas. Os símbolos culturais, por
outro lado, são aqueles que foram empregados para expressar “verdades eternas” e
que ainda são utilizados em muitas religiões. Passaram por inúmeras
transformações e mesmo por um longo processo de elaboração mais ou menos
consciente, tornando-se assim imagens colectivas aceites pelas sociedades
civilizadas.

O homem moderno não entende o quanto o seu racionalismo (que lhe destruiu a
capacidade para reagir a ideias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do
submundo psíquico. Libertou-se das superstições (ou pelo menos pensa tê-lo feito),
mas, neste processo, perdeu os seus valores espirituais numa escala positivamente
alarmante. As suas tradições morais e espirituais desintegraram-se e, por este
motivo, paga agora um preço elevado em termos de desorientação e dissociação
universais.

Página 35 de 37
Universidadedabiblia.com.br

Os antropólogos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade


primitiva quando os seus valores espirituais sofrem o impacto da civilização
moderna. A sua gente perde o sentido da vida, a sua organização social desintegra-
se, os próprios indivíduos entram em decadência moral. Encontramo-nos agora em
idênticas condições. Mas, na verdade, nunca chegamos a compreender a natureza
do que perdemos, pois os nossos líderes espirituais, infelizmente, preocuparam -se
mais em proteger as suas instituições do que em entender o mistério que os
símbolos representam.

Na minha opinião, a fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas,
desafortunadamente, numerosas pessoas religiosas parecem ter tamanho medo da
ciência (e, incidentalmente, da psicologia) que se conservam cegas a estas forças
psíquicas numinosas que regem, desde sempre, os destinos do homem.
Despojamos todas as coisas do seu mistério e da sua numinosidade; e nada mais é
sagrado.

Em épocas recuadas, enquanto os conceitos instintivos ainda se avolumavam no


espírito do homem, a sua consciência podia, certamente, integrá-los numa
disposição psíquica coerente. Mas o homem dito civilizado já não consegue fazê-lo.
A sua consciência “avançada” privou-o dos meios de assimilar os contributos
complementares dos instintos e do inconsciente. Estes meios de assimilação e de
integração eram, exactamente, os símbolos numinosos tidos como sagrados por um
consenso geral.

Hoje, por exemplo, fala-se da “matéria”. Descrevemos as suas propriedades físicas.


Procedemos a experiências de laboratório para demonstrar alguns dos seus
aspectos. Mas a palavra “matéria” permanece um conceito seco, inumano e
puramente intelectual, e que para nós não tem qualquer significação psíquica. Como
era diferente a imagem primitiva da matéria – a Grande Mãe – que podia conter e
expressar todo o profundo sentido emocional da Mãe Terra! Do mesmo modo, o que
era espírito identifica-se, actualmente, com intelecto e, assim, deixa de ser o Pai de
Todos; degenerou até chegar aos limitados conhecimentos egocêntricos do homem.
A imensa energia emocional expressa na imagem do “Pai Nosso” desvanece-se na
areia de um verdadeiro deserto intelectual.

À medida que aumenta o conhecimento científico, diminui o grau de humanização do


nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos porque, já não estando
envolvido com a natureza, perdeu a sua “identificação emocional inconsciente” com
os fenómenos naturais. E os fenómenos naturais, por sua vez, perderam aos poucos
as suas implicações simbólicas. Esta enorme perda é compensada pelos símbolos
dos nossos sonhos. Eles revelam-nos a nossa natureza original, com os seus
instintos e a sua forma peculiar de raciocínio. Lamentavelmente, no entanto,
expressam os seus conteúdos na própria linguagem da natureza que, para nós, é
estranha e incompreensível.

As palavras tornam-se fúteis quando não se sabe o que representam. Isto aplica-se
especialmente à psicologia, onde se fala tanto de arquétipos como a anima e o
animus, o homem sábio, a Grande Mãe, etc. Pode-se saber tudo a respeito dos

Página 36 de 37
Universidadedabiblia.com.br

INSTITUTO MISSÃO DA PAZ


WWW.MISSAODAPAZ.COM
PASTOR E DIRETOR

IMP-SETEC-CEMTEB-FERT BRASIL

santos, dos sábios, dos profetas, de todos os homens-deuses e de todas as mães-


deusas adoradas pelo mundo fora. Mas se são meras imagens, cujo poder numinoso
nunca experimentámos, será o mesmo que falar de um sonho, pois não se sabe do
que se fala. As próprias palavras que usamos serão vazias e destituídas de valor.
Elas só ganham sentido e vida quando se tenta levar em conta a sua numinosidade
– isto é, a sua relação com o indivíduo vivo. Apenas então se começa a
compreender que todos aqueles nomes significam muito pouco – o que importa é a
maneira como estão relacionados connosco.

Reminiscências de memórias de infância e reproduções de comportamentos


psíquicos, expressos por meio de arquétipos, podem alargar os nossos horizontes e
aumentar o campo da nossa consciência – sob a condição de que os conteúdos
readquiridos sejam assimilados e integrados na mente consciente. Como não são
elementos neutros, a sua assimilação vai modificar a personalidade do indivíduo, já
que também eles vão sofrer algumas alterações. Neste estado a que chamamos o
processo de individuação, a interpretação dos símbolos exerce um papel prático de
muito relevo, pois os símbolos representam tentativas naturais de reconciliação e
união dos elementos antagónicos da psique.

AVALIAÇÃO ELABORAR UMA RESENHA SOBRE A DISCIPLINA MINÍMO 3


PÁGINAS ( O QUE VOCÊ ENTENDEU DA DISCIPLINA )

© Todos os Direitos Reservados

UNIVERSIDADE DA BÍBLIA ®
"Sua necessidade de conhecimento, é a nossa razão de existir"

Deus é Fiel!

www.universidadedabiblia.com.br

Página 37 de 37

Você também pode gostar