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PSICANÁLISE CLÍNICA

MÓDULO 18 - Sociologia

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AULA 01 - O Conhecimento

Nas várias espécies de animais existentes sobre a Terra, encontramos formas


estabelecidas de relacionamento que nos fazem pensar na existência de regras
que ordenam sua vida comunitária. Percebemos facilmente que os diversos
animais se agrupam, convivem, se acasalam, sobrevivem e se reproduzem de
forma mais ou menos ordenada, em função de suas potencialidades e do
ambiente em que vivem.

A preservação da espécie e seu aprimoramento parecem ser o objetivo das


suas formas de vida, convivência e sociabilidade. Assim, alguns animais têm
um ciclo de vida que lhes permite a reprodução e a manutenção de sua
sobrevivência e a de seus descendentes. Estabelecem para isso modos de
vida mais ou menos complexos, como os sistemas de acasalamento,
alojamento, migração, defesa e alimentação.

O homem, como uma dentre as várias espécies existentes, também


desenvolveu todos os processos de convivência, reprodução, acasalamento e
defesa observáveis nos demais seres vivos. Desse modo, o homem apresenta,
como os animais, uma série de atividades "instintivas", isto é, ações e reações
inatas como respirar, engatinhar, sentir fome, medo, frio. Além disso, porém,
quer por dificuldades impostas pelo ambiente, quer por particularidades da
própria espécie, o homem desenvolveu capacidades que dependem de
aprendizado. Assim, as crianças aprendem a comer, beber e dormir em
horários regulares; aprendem a brincar e a obedecer; mais tarde, aprenderão a
trabalhar, comerciar, administrar, governar.

O homem, portanto, se distingue das demais espécies existentes porque nem


tudo o que faz surge de sua estrutura genética, nem se desenvolve
automaticamente em sua relação com a natureza, nem se transmite á sua
descendência através dos gens. É o único animal que necessita de
aprendizado para uma série de atividades que lhe são próprias.

Tarzan, aquele que, mesmo abandonado na selva sem a companhia de outros


homens, pôde desenvolver todas as suas características humanas, na verdade
não passa de uma lenda. Para se tornar humano, o homem tem que aprender
com seus semelhantes uma série de atitudes que lhe seriam impossíveis
desenvolver no isolamento. Já entre os demais animais, se separarmos uma
cria de seu grupo de origem, ela apresentará com o tempo as mesmas
capacidades e atitudes de seus semelhantes, pois essas decorrem, sobretudo
de características genéticas.

O cineasta alemão Wemer Herzog trata justamente deste tema em seu filme “O
enigma de Kaspar Hauser”, de 1976. Ele mostra como um homem criado longe
de outros seres de sua espécie é incapaz de se humanizar, desenvolvendo
apenas características instintivas e animais.

Portanto, para que um bebê humano se transforme em um homem


propriamente dito, capaz de agir, viver e se reproduzir como tal, é necessário
um longo aprendizado, pelo qual as gerações mais velhas orientam e passam
às gerações subseqüentes suas experiências adquiridas. Essa característica

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essencialmente humana só se tornou possível porque o homem tem a
capacidade de criar sistemas de símbolos, como a linguagem, através dos
quais dá significado às suas experiências vividas e as transmite a seus
semelhantes.

Se podemos detectar em outros animais certa capacidade de comunicação,


nunca foi neles percebida a possibilidade de transmitir uma experiência
particular. O cachorro que aprende a apanhar o jornal para o seu dono executa
um comportamento considerado “inteligente”.

Tal conduta, porém, difere do comportamento humano na medida em que o


animal não é capaz de passar para outro ser da mesma espécie o que
aprendeu. A atitude do cachorro só se repete frente ao mesmo estímulo: a
mesma casa, a mesma hora, o mesmo objeto, o mesmo lugar.

Ele não é capaz de reutilizar o comportamento aprendido em outra situação


que envolva lugares, pessoas e objetos diferentes.

As capacidades características dos animais se desenvolvem de maneira


predominantemente instintiva e se transmitem aos descendentes pela carga
genética.

O homem, por sua vez, deve transmitir por uma série ordenada de símbolos
suas experiências e interpretações da realidade. Por isso, dizemos que o Homo
Sapiens é a única espécie que pensa, que é capaz de transformar a sua
experiência vivida em um discurso com significado e transmiti-la aos demais
seres de sua espécie e a seus descendentes. É o único capaz de imaginar
ações e reações sob forma simbólica, isto é, mesmo na ausência de estímulos
concretos que provoquem medo, alegria, fome ou rancor, ele pode reviver
essas situações que o estimulam. Além disso, é o único a diferenciar as
experiências no tempo e, em conseqüência, a projetar ações futuras.

O homem, portanto, é capaz de recriar situações e emoções, é capaz de


simbolizar, de atribuir significados às coisas, de separar, agrupar, classificar o
mundo que o cerca segundo determinadas características.

Ao pensar, ao ser capaz de ordenar, de prever, de aprender, o homem, sempre


vivendo em grupos, começou a travar com o mundo ao seu redor uma relação
dotada de significado, de avaliação. Nisso se baseou seu conhecimento do
mundo que, organizado, comunicado e compartilhado com seus semelhantes e
transmitido à descendência, se transformou em cultura humana propriamente
dita.

Essa reelaboração sob forma simbólica da experiência fez com que os homens
recriassem o mundo segundo suas necessidades e pontos de vista,
transformando-o em conhecimento ou em abstração. A partir dessa conquista,
do desenvolvimento dessa capacidade genuinamente humana e representar e
transformar o ambiente natural, cada grupo, compartilhando experiências
comuns adaptadas ao seu modo próprio de vida, criou formas próprias de
cultura. É por isso que encontramos formas de existência, crenças e
pensamentos tão diversos. Porque elas não são conseqüências de uma

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estrutura genética da espécie, mas da criação de formas de ação e reação
decorrentes da experiência particular vivenciada por um grupo de homens.

Uma vez que cada cultura tem suas próprias raízes, seus próprios significados
e características, todas elas são qualitativamente comparáveis. Todas são
igualmente, enquanto culturas, simbólicas, fruto da capacidade criadora do
homem e adaptadas a uma vida comum em determinado espaço e tempo
nesse continuo recriar, compartilhar e transmitir a experiência vivida e
aprendida.

AULA 02 - As Culturas Humanas como Processos

Foi dessa capacidade de pensar o mundo, de atribuir significado à realidade,


que o homem criou o conhecimento. Desde os primeiros vestígios
arqueológicos do homem sobre a Terra, percebemos que os problemas por ele
enfrentados de sobrevivência, defesa e perpetuação da espécie, lhe aparecem
como problemas ontológicos, isto é, problemas que dizem respeito à busca de
explicações sobre si mesmo e sobre o mundo no qual vive.

Os mais antigos "cemitérios" humanos, onde encontramos ossadas dispostas


numa certa posição acompanhadas de alguns objetos, mostram que mesmo o
ato de enterrar os mortos respondia a questões relativas à vida e à morte e
implicava uma escolha da "melhor forma" de ação. Aceita pelo grupo, essa
"melhor forma" tende a se repetir, transformando-se em ritual - uma ação
revivida em grupo e explicada em função da resposta coletiva dada ao "para
quê" e ao "porquê" da existência humana.

Podendo escolher, julgar, pensar sobre situações passadas e futuras, o homem


passou da simples experiência imediata às explicações que lhe garantiam o
conhecimento de si e do mundo à sua volta, formulando justificativas para
certos comportamentos. Toda a ação humana é, portanto, resultado de uma
atribuição de significados, relações de caráter abstrato estabelecidas entre os
grupos humanos e as coisas que vêem, vivem e sentem. Essas abstrações a
que chamamos conhecimento criaram soluções para necessidades concretas
de vida e sobrevivência e se mantiveram sempre operantes enquanto foram
percebidas como adequadas a tais necessidades. Quando os homens se
colocaram novos problemas, surgiram novas elaborações tidas como mais
adequadas, mais úteis às dificuldades enfrentadas. Assim, se por um lado as
culturas humanas tendem à ritualização e à repetição, amparadas na tradição e
no aprendizado, elas apresentam também a possibilidade de mudança e
adaptação. Podemos então concebê-las como processos.

Essa idéia de processo, baseada no vinculo existente entre as culturas


humanas e as condições de vida de cada agrupamento humano, nos mostra
que as diferenças entre as culturas não são de qualidade nem de nível; devem-
se às circunstâncias específicas que as cercam. Durante muito tempo se
pensou que as culturas de sociedades iletradas ou ágrafas eram menos
complexas ou menos elaboradas do que as de sociedades onde se havia
desenvolvido a escrita. Hoje se sabe que os conhecimentos passados pela
tradição oral, através dos contadores de história, são de complexidade e
profundidade comparáveis àqueles veiculados através da escrita. Se certas

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sociedades não desenvolveram o alfabeto e a linguagem gráfica, é porque o
modo de vida de tais indivíduos não lhes despertou tal necessidade, não
porque sua capacidade mental fosse "inferior". A capacidade simbólica e os
padrões de todas as culturas humanas são igualmente abstratos, significativos
e dão respostas úteis aos problemas de compreensão do mundo.

AULA 03 - A Ciência como Ramo do Conhecimento

Durante séculos, o homem pensou sobre si mesmo e sobre o mundo,


desenvolveu conhecimentos, estabeleceu relações aplicáveis à vida cotidiana.
Entretanto, o tipo de problema que só levava a isso mudou sensivelmente
conforme as culturas e o passar dos séculos. Vejamos como isso se deu na
história da civilização ocidental.

Sabe-se hoje que os egípcios tinham grandes conhecimentos de geometria -


palavra de origem grega que quer dizer "medição da Terra". Tais
conhecimentos se elaboraram a partir da necessidade social de prever o
transbordamento do rio Nilo e restabelecer fronteiras territoriais que essas
inundações extinguiam. Para isso, dividiam uma corda em treze partes por
meio de nós.

Assim, criaram formas geométricas de medição apenas com uma simples


técnica que exigia uma corda e dois homens. Os ângulos retos que
introduziram nas construções arquitetônicas a partir dessa técnica foram a
base do conhecimento geométrico pitagórico. Entretanto, para os egípcios, o
conhecimento não estava dissociado de outras questões fundamentais de sua
cultura, como a vida após a morte, os deuses e a hierarquia entre os homens.

Assim, empregavam seu conhecimento na construção de túmulos, pois


acreditavam que nessa atividade a geometria lhes dava a resposta às
perguntas que consideravam mais importantes. Foram os gregos que
elaboraram a idéia do saber como atividade destinada a descobertas
desligadas de uma finalidade prática imediata. Foram eles os primeiros a
inventar os rudimentos do que veio a se chamar de ciência. Menos
preocupados com a religião e a vida após a morte, foram eles os primeiros a
entender o conhecimento como uma necessidade em si mesma.

Enquanto os povos antigos só se interessavam pelo mundo em que viviam


como uma janela para entender todo o universo, os gregos criaram as
disciplinas e a filosofia, o "amor pelo conhecimento". Os egípcios elaboraram
conhecimentos biológicos e químicos porque acreditavam na ressurreição e
queriam conservar os cadáveres; os gregos disseram que tais conhecimentos
não eram domínio da religião, mas da medicina. Assim, iniciaram esse hábito
de desenvolver o conhecimento através de uma atividade abstrata, desligada
de uma aplicabilidade imediata ou de um caráter religioso. Deram as idéias
sobre o que deve ou não se deve fazer em nome de ética, ramo do
conhecimento que deveria se dedicar a essas questões morais.

Se os povos antigos justificavam sua maneira de agir em função do que os


deuses queriam, para os gregos isso fazia parte e era resultado da intenção

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pura e simples de pensar sobre os fatos. Isso não significa que a geometria ou
a medicina grega fosse mais desenvolvida do que a egípcia, mas que, a partir
de então, o homem desvinculara sua curiosidade pelo mundo das
preocupações meramente práticas e passara a tratá-la como uma "atividade do
espírito", importante em si mesma e, para muitos, a mais elevada dentre todas.

Assim, surgiu uma maneira nova de pensar o "porquê" e o "para quê" das
coisas. Surgiu um saber mais desligado das atividades religiosas ao qual se
dedicavam homens não necessariamente responsáveis pelos cultos religiosos.
Surgiram os sábios, homens cuja atividade era descobrir os segredos do
mundo e do universo.

Durante a Idade Média, com o grande poder da Igreja Católica, novamente


imperou o saber ligado à religião. Apenas as ordens religiosas, nos mosteiros,
guardavam textos sobre filosofia, geometria e astronomia. A população laica
deixou de participar desse saber.

Só com o Renascimento é que o homem volta aos textos antigos e redescobre


o prazer de investigar o mundo, descobrir as leis de sua organização como
atividade com valor em si mesma, independente de suas implicações
religiosas. Nos últimos quatrocentos anos e em particular a partir do século
XVII, vimos assistindo ao crescente progresso desse conhecimento - a ciência -
destinado á descoberta das relações entre as coisas, das leis que regem o
mundo natural.

Aprimoraram-se as técnicas e os utensílios de medição, e a imprensa e demais


meios de comunicação levaram a uma transmissão cada vez maior dos
conhecimentos. No seio desse movimento de idéias, surgiu uma ciência nova -
a Sociologia, a ciência da sociedade. Como a medicina e a geometria entre os
gregos, o surgimento da Sociologia significou não o aparecimento da
preocupação do homem com o seu mundo e sua vida em grupo, pois isso
sempre existiu em qualquer das religiões antigas, mas a separação dessa
forma de pensar do vínculo com as tradições morais e religiosas.

Desencadeou-se então a preocupação com as regras que organizavam a vida


social. Regras que pudessem ser observadas, medidas comprovadas, capazes
assim de dar ao homem explicações plausíveis num mundo onde passou a
imperar o racionalismo, isto é, a crença no poder da razão humana de alcançar
a verdade. Regras, enfim, que tornassem possível prever e controlar os
fenômenos sociais.

Portanto, o aparecimento da Sociologia significou que as questões relativas às


relações entre os homens deixaram de ser apenas matéria religiosa: passaram
a interessar também aos cientistas. A constituição desse campo do
conhecimento significou, antes de mais nada, que as relações entre os homens
mereciam ser conhecidas e formuladas por uma nova forma de linguagem e
discurso - o científico - o qual, na sociedade moderna, adquiriu o estatuto de
"verdade".

A partir de então o homem começou a desenvolver métodos e instrumentos de


análise capazes de traduzir sua experiência social de maneira científica. Isso
equivaleu a criar, como nas demais ciências, métodos de averiguação e

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medição e a fazer formulações sobre a sociedade que pudessem ser
comprovadas empiricamente - isto é, através de observação e experimentação
-, de modo a tornar a ação social humana explicável em termos de
regularidades e previsões.

O pensamento relativo às ligações do homem com seus semelhantes passava


assim a outra esfera de abstração, a outra maneira de formular problemas,
ligada à necessidade de descobrir leis de interpretação e previsão de
acontecimentos.

AULA 04 - A Sociologia

Desde a época em que a Sociologia foi criada ou reconhecida como campo de


conhecimento explorável pelo procedimento científico, até a atualidade,
inúmeros estudos se desenvolveram. Como nas demais ciências, estabeleceu-
se uma comunicação permanente entre pesquisadores permitindo uma
acumulação de conhecimentos de modo a submeter as teorias a comprovação,
questionamento, revisão.

Criou-se também um jargão científico, isto é, um vocabulário próprio com


conceitos que designam aspectos precisos da vida social. De tal forma se
alastraram os resultados das pesquisas sociológicas que, hoje, boa parte
desse vocabulário faz parte da vida cotidiana.

Palavras e expressões como contexto social, movimentos sociais, classes,


estratos, camadas, conflito social, são usadas no dia-a-dia das pessoas e
profusamente veiculadas pelos meios de comunicação de massa.

Nos discursos políticos, referências às "classes dominantes", às "pressões


sociais" emergem como se fossem de domínio público, como se todos, políticos
e eleitores, soubessem exatamente o que elas designam.

As pesquisas de opinião de qualquer tipo veiculam os resultados de


procedimentos metodológicos amplamente usados nas pesquisas científicas, e
os leitores percebem de maneira mais ou menos geral seu significado. Quando
se diz que um governante conta com o apoio de 60% da população de uma
cidade, por exemplo, as pessoas entendem que um grupo de pesquisadores
empreendeu uma pesquisa que argüiu um número delimitado de cidadãos a
respeito da gestão desse governante e que estes cidadãos expressaram sua
opinião. Compreendem que, de cada loa pessoas argüidas, 60 manifestaram-
se favoráveis às medidas tomadas pelo governante.

E quando se diz, após algum tempo, que a popularidade desse governante


cresceu 10%, sabemos que nova pesquisa foi feita nos mesmos moldes da
anterior e, de cada loa cidadãos, agora são 70 que se mostraram favoráveis à
atuação governamental.

Esse simples raciocínio, utilizado não só nas pesquisas de caráter político mas
em quaisquer outras que pretendem verificar a adesão das pessoas a certas
idéias, ou a freqüência a espetáculos, ou o número de espectadores de um
programa de televisão, decorre da aceitação generalizada dos conhecimentos
básicos da Sociologia.

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Esses conhecimentos sociológicos básicos se referem a vários aspectos. O
primeiro afirma que, se tomarmos uma amostra da população, isto é, se em vez
de questionar todos os milhões de habitantes da cidade de São Paulo,
selecionarmos parte dessa população de acordo com suas diferentes
características - por exemplo: pobres/ricos; brasileiros/estrangeiros;
homens/mulheres; jovens/velhos, e assim por diante -, obteremos respostas
que representarão os diversos grupos componentes da população da cidade.

A segunda formulação sociológica diz que essa amostra representa a


população total não só porque contém elementos dos diversos grupos
populacionais, mas também porque o comportamento e as opiniões
investigados tendem a se repetir, sob forma de porcentagem, mesmo que se
aumente o número de pessoas pesquisadas.

Milhares de experiências foram feitas demonstrando que, numa população


diversificada, mantida a variedade de características por sexo, idade,
nacionalidade, situação econômica etc., a porcentagem relativa às respostas
obtidas, a partir de certo número de questionários, se mantém a mesma. Isto é,
se a pesquisa argüir l0% dessa população, ao invés de 1%, tenderá a
encontrar os mesmos 60% de adesão e apoio ao governante em questão.

Claro está que a amostra, para ser representativa, terá que reproduzir a
mesma proporção entre os diferentes grupos que compõem a população.
Pensemos no que acontece quando, seguindo a mesma receita básica,
queremos fazer mais de um bolo. Se, para um bolo, eu preciso de 3 xícaras de
farinha, 2 ovos, uma xícara de açúcar e um copo de leite, para 100 bolos, eu
precisarei de 300 xícaras de farinha, 200 ovos, 100 xícaras de açúcar e 100
copos de leite. Não é possível mudar a proporção segundo a qual os
ingredientes se combinam na receita. O mesmo acontece nas pesquisas: se a
população é composta de um número de brasileiros 100 vezes maior do que o
de estrangeiros, minha amostra, para ser representativa, deve ter um número
de brasileiros 100 vezes superior ao de estrangeiros.

Todos esses procedimentos, ao mesmo tempo simples e complexos, porque


dependem do conhecimento da população a que se aplicam, são
procedimentos que surgiram com o desenvolvimento científico da sociologia.

Queremos deixar claro que o leitor de uma pesquisa de opinião, mesmo


desconhecendo todos esses passos da pesquisa, sabe que existem meios
mais ou menos eficazes de se conhecer o comportamento, o gosto e a opinião
de uma população através da investigação de uma amostra, isto é, de uma
parte escolhida dessa população. O leitor sabe que existe uma regularidade
nesses comportamentos e opiniões. Que, por trás da diversidade entre as
pessoas, existe certa padronização nas suas formas de agir e pensar, de
acordo com o sexo, idade, nacionalidade etc.

Quando lemos, numa noticia ou artigo, que Maria, 35 anos, casada, dona-de-
casa, brasileira, afirma que votará em determinado candidato, não estamos
tomando conhecimento apenas da opinião de uma pessoa isolada, mas de
uma das opiniões do grupo de pessoas das quais Maria é o protótipo: o das
mulheres de idade mediana, donas-de-casa, casadas e brasileiras.

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Portanto, os conhecimentos de sociologia hoje já não estão restritos ao uso dos
cientistas sociais. Eles já fazem parte de um modo de perceber e interpretar os
acontecimentos formados pela disseminação dos procedimentos e técnicas de
pesquisa social.

Hoje já se manifesta confiança nessa forma de conhecer a realidade, do


mesmo modo como se confia em um termômetro para constatar a temperatura
do corpo.

Mesmo que o público desconheça todos os procedimentos de amostragem e


pesquisa, assim como pode desconhecer a técnica utilizada na fabricação de
um termômetro, já confia nas informações das pesquisas, o que demonstra a
utilidade e a popularidade da sociologia.

Hoje é mais freqüente comprovar uma afirmação qualquer através de dados de


pesquisa do que pela mera importância conferida à pessoa que a declara.
Houve tempo em que o prestígio e a autoridade pessoais bastavam para
assegurar a credibilidade do público. Hoje se requer comprovação. Atualmente,
quando se diz, por exemplo, que "os brasileiros são contra a pena de morte",
logo se questiona sobre as bases em que se assenta tal afirmação. Muito mais
convincente, neste caso, é uma manchete de jornal que diga: "75% dos
brasileiros são contra a pena de morte".

AULA 05 - Sociologia nos Diversos Campos da Atividade Humana

Assim como o leitor, o ouvinte, o espectador de televisão sabem que existem


técnicas relativamente eficazes para conhecer o comportamento social,
profissionais das mais diversas áreas não desconhecem a utilidade da
sociologia.

Para se empreender uma campanha publicitária, para se lançar um produto ou


um candidato político, para se abrir uma loja ou construir um prédio, os
profissionais especializados, o engenheiro, o agrônomo, o comerciante,
procuram dados sobre o comportamento da população.

Todos os passos importantes na comercialização de um produto, desde sua


criação até sua campanha publicitária e sua distribuição, repousam em
pesquisas de opinião e comportamento. Procura-se saber quem compra
determinado produto, os hábitos desse comprador, sua faixa salarial, quanto do
orçamento doméstico ele está disposto a dedicar a esse bem, e assim por
diante.

Quando um fabricante quer lançar um novo tipo de margarina, por exemplo,


efetua uma série de pesquisas para determinar quem é o comprador típico de
margarina e o que é mais importante para ele. Procura-se averiguar corno
competir com os produtos assemelhados já existentes. Inúmeros fatores
podem levar o consumidor a uma escolha entre produtos equivalentes: o preço,
a qualidade, a embalagem, entre outros.

Não se constroem mais prédios ou casas sem levar em consideração o


comprador, suas condições, valores, idéias, tudo aquilo que o faz optar por

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uma ou outra moradia. Pode ser o lugar, o aspecto, o preço ou, na maioria dos
casos, a soma de tudo isso.

De qualquer maneira, não se "atira no escuro". A sociedade tem características


que precisam ser conhecidas para que aqueles que nela atuam tenham
sucesso. Não existe, portanto, nenhum setor da vida onde os conhecimentos
sociológicos não sejam de ampla utilidade. E essa certeza perpassa hoje toda
a linguagem dos meios de comunicação e toda a atuação profissional das
pessoas. É por isso também que a Sociologia faz parte dos programas
universitários que preparam os mais diversos profissionais, de dentistas a
engenheiros, e por isso também o sociólogo hoje tem entrada nas mais
diversas companhias e instituições.

Daí decorre a afirmação, hoje quase unânime, de que a Sociologia é uma


ciência que se define não por seu objeto de estudo, mas por sua abordagem,
isto é, pela forma com que pesquisa, analisa e interpreta os fenômenos sociais.

Dizer que "o objeto da Sociologia é a sociedade" é dar ao cientista social um


objeto sem limites precisos, amplo demais para que dele possa dar conta. Tudo
que existe, desde que o homem se reconhece corno tal, existe em sociedade.
Portanto, não é por fazer parte da sociedade, ou de um meio social, que um
fato se torna objeto de pesquisa sociológica. Um acontecimento, ou um
comportamento é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo,
tentando entende-lo nos aspectos que dizem respeito às relações entre os
homens e às raízes de seu comportamento.

Antigamente, o homem adquiria conhecimento sobre o mundo em que vivia e


sobre as pessoas com quem convivia a partir de sua própria vivência, isto é,
através de suas ações ou daquilo que lhe era ensinado. Pela religião, pela
moral ou pela tradição. Hoje, o ritmo das mudanças sociais se acelera a cada
dia, e o mundo se tornou complexo e diversificado demais para que o homem
possa dele tomar conhecimento apenas seguindo sua experiência pessoal ou o
senso comum. O conhecimento sociológico, tentando explicar as relações entre
acontecimentos complexos e diferenciados, unindo fenômenos aparentemente
dissociados, permite ao homem transpor os limites de sua condição particular
para percebê-la como parte de uma totalidade mais ampla, que é o todo social.
Isso faz da Sociologia um conhecimento indispensável num mundo que, à
medida que cresce, mais diferencia e isola os homens e os grupos entre si.

Mas a Sociologia é uma ciência ainda em constituição, que reúne cerca de cem
anos de discussões teóricas e de testes de pesquisas, elaborando propostas
divergentes e ao mesmo tempo complementares.

AULA 06 - Sociologia: Teoria e Prática

A Sociologia se caracteriza mais por sua abordagem da realidade do que pela


definição do seu objeto de estudo. Defendemos essa posição afirmando a
natureza social de todo o comportamento humano. Tudo o que se refere ao
homem tem uma significação que depende da cultura ou do modo de vida
compartilhado com seus semelhantes.

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Assim sendo, a Sociologia é, antes de mais nada, um método de conhecimento
e explicação de determinados aspectos da vida humana. Em relação a esse
método, bem como em relação aos objetivos desse conhecimento, diferenciam-
se as correntes sociológicas.

Desenvolvendo-se inicialmente como um dos ramos da filosofia, a Sociologia


teve a princípio uma finalidade eminentemente especulativa, isto é, referir-se à
realidade através de conceitos e de suas relações. Embora preocupados em
desenvolver uma metodologia científica tão rigorosa quanto a das ciências
naturais, os filósofos sociais desvinculavam suas investigações de uma
aplicabilidade imediata. Já Durkheim, em contraste, percebe-se ao mesmo
tempo a preocupação com o desenvolvimento de métodos eficazes de
pesquisa empírica e com a possibilidade de transformar os dados obtidos em
orientação para a atuação efetiva sobre a realidade. Separar o "patológico" do
"normal" era um meio de avaliar o que, na sociedade, devia ou não ser
transformado.

Desde então, o desenvolvimento das técnicas de pesquisa foi ganhando maior


espaço. Os sociólogos norte-americanos, confrontando-se de saída com os
problemas práticos decorrentes da ampliação territorial dos EUA, do
relacionamento entre grupos étnicos diversificados na sociedade norte-
americana e da acelerada expansão industrial e urbana dó país, deram
grandes contribuições à Sociologia aplicada, o ramo da ciência social que
procura fundamentalmente obter, de maneira eficaz, dados sobre a vida social
para imediata aplicação prática. Seguramente, o rápido desenvolvimento da
produção em massa e sua repercussão na sociedade norte-americana,
promovendo a transformação dos hábitos e costumes e o crescimento das
cidades, constituíram forte estímulo para essas preocupações.

AULA 07 - Dificuldades e Implicações da Sociologia Aplicada

O desenvolvimento da sociologia aplicada esbarra, porém, em sérios


problemas. O primeiro deles se refere ao fato de que as sociedades são
dinâmicas. Assim, qualquer intervenção deliberada desencadeia novos
processos sociais. A própria aplicabilidade dos conhecimentos científicos cria
situações novas, ainda não estudadas, e o grau de previsão de suas
conseqüências não é assegurado pelas teorias sociais. Essa característica
dinâmica e "aberta" dos sistemas sociais dificulta o grau de controle das
técnicas de planejamento e ação racional sobre a sociedade.

Outro problema diz respeito a questões éticas e políticas. O sociólogo se


compromete com os objetivos não explícitos em função dos quais seus
conhecimentos podem ser utilizados. Exemplo desse constrangimento foi o uso
dos dados antropológicos nas relações coloniais da Europa com suas colônias
de além-mar.

De qualquer maneira, pela própria natureza do conhecimento sociológico, não


há como excluir a possibilidade de aplicação prática das informações obtidas.
Seja para manter a ordem e a integração social, como queriam os positivistas,
seja para subvertê-las, como pretendia Marx, não se pode deixar de considerar
a Sociologia:

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1. como um conhecimento capaz de, por si só, alterar a visão da realidade.
Nesse sentido o próprio ato de conhecimento já se caracteriza como ação.

2. como fonte de dados sobre a realidade cuja utilização, muitas vezes,


independe da vontade do pesquisador.

Nessa perspectiva, praticamente não haveria diferença entre sociologia teórica


e sociologia aplicada. Quando uma questão é percebida, analisada e
interpretada do ponto de vista sociológico, esse ato de conhecimento já pode
representar uma alteração nas formas tradicionais de entender a realidade. Por
outro lado, os dados das diversas pesquisas, queiram ou não os cientistas,
passam imediatamente a constituir informações sobre o modo como se forma,
se organiza e se transforma a realidade.

Não existe, portanto, em sentido estrito, uma sociologia exclusivamente teórica,


útil ou interessante apenas para uma elite científica.

AULA 08 - Sociologia Técnica e Sociologia Crítica

Diante dessa controvérsia, Octavio Ianni identifica duas tendências nos estudos
sociológicos: a Sociologia técnica e a Sociologia critica.

À primeira correspondem os estudos em que o cientista analisa os fatos como


se estes lhe pudessem ser exteriores ou independentes de sua valoração. Ianni
dá, como exemplo desse tipo, as pesquisas de opinião, de gosto, censitárias ou
de tendências eleitorais.

A finalidade dessas pesquisas é eminentemente prática, e elas se baseiam em


instrumentos de maior objetividade quantitativa, como questionários e
formulários. Não desenvolvem qualquer esforço de aprofundamento dos dados
ou das explicações que ultrapasse o nível das relações causais ou funcionais
imediatas. De modo geral, essas pesquisas se limitam a uma sociometria, isto
é, uma descrição quantitativa de características populacionais.

Em oposição à Sociologia técnica, situa-se a Sociologia critica, que analisa


questões sociais focalizando seus processos, suas relações e seus
significados.

Numa abordagem critica, os dados não se referem apenas às situações


imediatas, mas, sobretudo, a processos históricos. Não se procuram apenas
causas e funções, mas principalmente as contradições e a realidade mais
profunda que os dados manifestam.

A partir dessa distinção, podemos observar que, na Sociologia, existem duas


formas diferentes de atuação, dependendo basicamente da situação que
envolve a pesquisa. A Sociologia desenvolveu técnicas de conhecimento da
realidade cuja finalidade e aplicabilidade dependem do interesse do sociólogo,
de sua postura ideológica, de seus valores e de seus objetivos profissionais.

Com as mesmas técnicas, pode-se conduzir uma pesquisa cujo objetivo é


unicamente descrever determinados comportamentos ou características de
uma população. É o caso, como dissemos, das pesquisas de mercado, cujo

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objetivo é saber a que estímulos reage um determinado tipo de consumidor.
Recentemente, a indústria alimentícia, através de pesquisas sociológicas, se
deu conta de que a mulher, tida como a consumidora-padrão, dirigia suas
compras não por suas próprias predileções, mas pelo gosto da família, em
especial o dos filhos. Dai em diante, as campanhas publicitárias se voltaram
para esse dado, chamando a atenção das crianças para os produtos
alimentícios, a fim de, através delas, atingir a compradora-padrão. Temos ai um
exemplo de estudo sociológico técnico, pois se limita ao uso pragmático dos
métodos de investigação.

O mesmo exemplo, a partir de uma abordagem crítica, poderia levar o


sociólogo a discutir, por exemplo, os papéis sociais da mulher e mostrar como
a sociedade industrial se vale da distribuição de papéis na família para ampliar
o consumo de mercadorias. Poder-se-ia também criticar a maneira como as
técnicas de marketing veiculam estereótipos referentes ao comportamento do
homem e da mulher.

Portanto, a diferenciação entre Sociologia técnica e Sociologia crítica envolve a


postura do sociólogo diante da realidade; não o procedimento de investigação
em si, mas a finalidade do conhecimento que com ele se obtém. Essa distinção
é essencial na profissionalização do sociólogo. Este, dependendo da área em
que atua, tem maior ou menor independência para assumir uma postura crítica.
Mesmo que essa situação não ocorra exclusivamente com o sociólogo, mas se
dê nas mais diversas profissões, na medida em que o sociólogo lida com
questões diretamente relacionadas com a organização social, seu trabalho
costuma enfrentar maior resistência. Muitas vezes, a análise sociológica se
choca com interesses arraigados e um conservadorismo exacerbado, diante
dos quais qualquer crítica surge como "revolucionária" ou "subversiva".

Enfim, se é inegável que existem diferentes tendências nas análises


sociológicas, vemos que elas se distinguem principalmente pela postura e pelo
comprometimento do sociólogo com o objeto de pesquisa e com os objetivos a
que se propõe.

AULA 09 - A Pobreza

A pobreza só pode ser entendida em função da riqueza e dos recursos de que


dispõe uma sociedade para viver e se reproduzir. A pobreza existe quando se
supõe que os bens provenientes da natureza e do trabalho não são suficientes
para satisfazer as necessidades vitais e sociais de todos. A pobreza é,
portanto, um conceito relativo.

Por mais que economistas, biólogos e antropólogos tenham tentado criar


modelos universais de consumo médio para a vida e sobrevida do homem, em
qualquer tempo e lugar, tais tentativas só resultaram em estereótipos. Na
realidade, cada grupo, em função do meio natural, dos produtos disponíveis e
do seu estilo de vida, organiza a produção e reprodução de sua vida biológica e
social. É em relação a essa organização que podemos avaliar a pobreza e a
riqueza, a penúria e a abundância.

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Não é apenas pela quantidade bruta de bens produzidos ou de energias
consumidas por uma população que podemos caracterizar uma sociedade
como pobre ou rica. Só existe a pobreza em relação à riqueza, isto é, só existe
carência de alimentos, moradia, saúde, quando parte da população tem pouco
ou nenhum acesso aos bens que a sociedade efetivamente produz ou pode
produzir.

Desse modo, a constatação de que sempre existiu pobreza no mundo não


decorre necessariamente de mau aproveitamento dos recursos naturais e
humanos, mas do fato de que esses recursos, de alguma maneira, são mal
distribuídos socialmente.

A pobreza, portanto, não pode ser um conceito classificatório proveniente da


comparação entre sociedades diferentes tendo em vista o padrão das
modernas sociedades de consumo. Ela se refere às condições de produção
material de cada sociedade - seus recursos, bens, necessidades sociais - e à
maneira pela qual se estabelece a participação dos indivíduos na distribuição
do produto social. Existem sociedades que, apesar de contarem com recursos
limitados, organizam formas mais igualitárias de distribuição dos bens sociais e
não podem, portanto, ser consideradas pobres, num sentido absoluto. O
geógrafo Melhem Adas lembra, a respeito, o caso do Butão, pequeno pais
asiático, cuja renda per capita é baixa e, no entanto, seus habitantes vivem em
condições melhores do que as de muitos países de renda maior, pois se
dedicam a atividades que lhe suprem as necessidades básicas de alimentação
e vestuário, sem precisarem pagar por esses bens. Da mesma forma, é
incorreto considerar as sociedades indígenas brasileiras como "pobres".

a. A Pobreza Contemporânea: Uma vez compreendido que a pobreza só


existe em relação a uma sociedade determinada, percebe-se que ela está
vinculada às formas de distribuição dos bens sociais e à participação dos
membros de uma sociedade nas atividades por ela valorizadas e às quais eles
aspiram.
A distribuição desigual desses bens é que em última instância configura a
pobreza. Assim, podemos afirmar que a pobreza, entendida desse modo, muito
embora se faça presente em todas as épocas e nas mais diversas sociedades,
jamais alcançou a proporção em que se apresenta na sociedade industrial.
Antes da sociedade industrial, nunca se conheceu tão vasta quantidade de
bens em circulação ao lado de tão desigual distribuição.

Assim, mesmo considerando a pobreza um conceito específico de análise


estrutural de cada sociedade, se tomarmos as sociedades ao longo da história
verificamos que nunca a pobreza adquiriu caráter tão agudo como na época
contemporânea. É alarmante o contraste entre o acúmulo de bens produzidos,
aos quais os indivíduos aspiram, e o número de seres que têm pouca ou
nenhuma possibilidade de acesso a tais bens. Esse estado de carência e
pobreza é agravado por toda a ideologia da sociedade industrial capitalista,
baseada num desenfreado apelo ao consumismo, ao desfrute do conforto, do
bem-estar e da sofisticação proporcionados pela vida moderna.

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É essa flagrante contradição que faz da pobreza uma questão contemporânea
e, nesse sentido, nova na história humana: uma crescente pobreza em meio a
uma incalculável acumulação de bens. Em meio a sociedades de fartura e
opulência, às quais são convidados todos os possíveis consumidores, a
pobreza da maioria se toma uma contradição gritante, concreta e intolerável.

b. A Responsabilidade do Estado: Além de sua agudeza, de seu crescimento


e das contradições que expressa, a pobreza tem uma particularidade: ela não é
vista como resultado da ganância ou dos privilégios de que desfrutam os ricos,
mas como conseqüência da má administração do Estado.
Na segunda metade do século XIX, as revoluções nacionalistas, principalmente
na Alemanha e na Itália (1871), transformaram o Estado não no simples
guardião dos direitos naturais do homem, nem no controlador das condições de
liberdade das relações sociais, como pregava o liberalismo, mas na instituição
responsável por toda a economia nacional, planejada e dirigida. O Estado
alemão unificado surgiu preliminarmente da união aduaneira entre principados.
A pobreza da nação deixou, desde então, de ser vista como conseqüência das
relações desiguais entre os homens para ser percebida como fruto de mau
planejamento e má administração da vida econômica nacional.

Representa bem essa situação a frase de Marx a respeito do direito ao trabalho


assegurado pela Constituição Francesa de 1848: "Que Estado moderno não
alimenta de uma forma ou de outra a seus pobres?", pergunta ele ironicamente
se referindo à massa de indigentes que ocupava Paris na época da
proclamação da segunda República Francesa.

No século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, a cobrança de


impostos, o poder crescente do Estado e a ampliação de suas funções tiraram
da classe enriquecida pelo comércio, pela indústria e pelas atividades
financeiras a responsabilidade para com a pobreza e a indigência. O Estado se
transformou em empresa, em empregador, financiador, responsável pela saúde
pública, promotor do bem-estar social, encarregado do estabelecimento de
preços e salários, da administração do capital que arrecada via impostos. A ele
se passou a atribuir a responsabilidade pelas condições de vida da população.

c. A Responsabilidade do Sistema: As teorias econômicas, políticas e sociais


também se preocuparam com a pobreza, atribuindo-a não só à má
administração do Estado como ao próprio sistema capitalista de produção.
Malthus e Ricardo afirmaram que o desenvolvimento do capitalismo industrial
alcançaria um nível em que os recursos mundiais estariam esgotados, e as
populações seriam assoladas pela fome.

Karl Marx, no Manifesto do Partido Comunista, afirmou que o desenvolvimento


industrial levaria necessariamente à concentração de riquezas nas mãos de
uma parcela cada vez menor da população, enquanto o resto ficaria reduzido a
um nível de subsistência.

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Alfred Marshall, em 1927, também se preocupou com a degradação em que
vivia parte da humanidade, degradação manifestada pelo trabalho demasiado,
falta de instrução e saúde e baixa expectativa de vida.

Se, por um lado, essas teorias tinham um caráter de denúncia, se espalharam


o pessimismo e a revolta e, nos melhores casos, levaram a uma desconfiança
e a um ceticismo diante do desenvolvimento industrial, elas também tiraram
dos agentes sociais, dos próprios indivíduos, a responsabilidade pelas
desigualdades sociais. Assim como ocorrera com o Estado, agora é o sistema
produtivo, funcionando por princípios impessoais, o responsável pela pobreza
da maioria e pela riqueza de alguns.

Aliás, encontramos na história das idéias da sociedade moderna e


contemporânea a constante tendência de eximir de responsabilidade os
indivíduos diretamente implicados nas relações desiguais da sociedade. Se, na
Idade Média, o lucro e a usura eram considerados pecados de
responsabilidade única e exclusiva de quem os praticava, o calvinismo, como
bem demonstrou Weber, tratou de considerar a riqueza como sinal do agrado
de Deus e da predestinação à salvação eterna. As atuais teorias, condenando
o Estado e o capitalismo, também eximem de responsabilidade, apesar de seu
caráter de denúncia, os indivíduos implicados nas relações sociais concretas.

d. A Pobreza e a Capacidade Individual: Outra forma de camuflar o problema


da pobreza foi a tendência à crescente burocratização. A industrialização criou,
no interior das empresas, diversos cargos hierarquizados entre os quais, nos
mais altos escalões, estão trabalhadores diretamente responsáveis pela
administração. São os chamados "executivos" ou "colarinhos brancos", que
não só dirigem as empresas como efetivamente recebem altos salários, que
aumentam à medida que a produção se expande.
Em termos ideológicos, esse grupo de empregados se transforma no exemplo
vivo de que o desenvolvimento industrial permite elevar o padrão de vida dos
trabalhadores. Cria-se a impressão de que tal privilégio pode ser estendido ao
operariado como um todo.

De fato, nos países industrializados como Alemanha, Inglaterra, França, EUA,


o operariado industrial teve significativa melhora em seu nível de vida,
ocasionada em parte pelos lucros obtidos pelas empresas sediadas nesses
países com suas filiais no Terceiro Mundo.

Para todos os ideólogos e pesquisadores aplicados em defender o sistema


capitalista, a pobreza, em vista dessa ascensão social, se transforma numa
questão de competência. Só se mantêm em níveis salariais baixos aqueles
trabalhadores que não demonstraram adestramento adequado e qualidades
pessoais relevantes.

Para tais ideólogos, nem o Estado nem o sistema são culpados pelo padrão de
vida de grande parte da população, mas a desigualdade natural entre as
capacidades humanas.

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e. A Pobreza Crescente e Incômoda: Tratada como resultado da
incompetência do Estado ou da incapacidade individual, a pobreza não deixou,
entretanto, de aumentar e de se tornar mais evidente, principalmente nas
grandes concentrações urbanas e de maneira significativa nos países do
Terceiro Mundo.

A instrução oficial se tem mostrado impotente, cresce a evasão escolar e os


índices de repetência. A saúde pública cai constantemente na qualidade de
serviços e pouco se tem feito no sentido de assegurar uma vida mais longa e
saudável aos cidadãos. A especulação imobiliária tem jogado a população
carente para as zonas periféricas e os terrenos desocupados têm sido usados
por populações carentes. Crescem as favelas, o subemprego, a criminalidade,
a mendicância.

Até mesmo antigas estações ferroviárias são aproveitadas para moradia da


população pobre local.

Uma grande parte da população não usufrui nenhum dos benefícios ou


confortos trazidos com a expansão da produção: são pessoas que não
completam os estudos; trabalham desde cedo em serviços braçais de baixa
remuneração; não têm assistência médica nem trabalho regular; não desfrutam
das redes de saneamento básico; não freqüentam cinemas; não têm conta
bancária; alimentam-se precariamente; vestem-se como indigentes e só
consomem objetos de segunda mão, que lhes chegam através de movimentos
assistenciais.

Alguns teóricos definem essa população pobre pela pouca produtividade que
proporcionam, a pouca renda com que sobrevivem, a ausência de bens e de
reservas quer sob a forma de dinheiro quer sob a forma de provisões.
Abastecem-se parcamente e a pequenos intervalos, o que faz sua subsistência
mais custosa.

Outros pesquisadores, mais preocupados com os valores culturais, definem a


população pobre como um grupo que, mesmo tendo introjetado valores da
sociedade burguesa como o casamento monogâmico e legal, o trabalho regular
e a participação na vida pública, mostra no comportamento efetivo completa
dissonância em relação a eles: as uniões são periódicas e ilegítimas, o trabalho
irregular e com alta porcentagem de subemprego, isto é, trabalhos ocasionais e
autônomos, biscates enfim.

A presença constante, próxima e crescente dessa massa de pobres que,


segundo alguns cálculos, chega a 2/3 da população do Terceiro Mundo,
incomoda e constrange por todos os motivos: porque demonstra a ineficiência
da administração do Estado do qual se espera tomada de medidas racionais;
porque parece crescer a quantidade de pessoas excluídas do contingente de
consumidores nacionais; porque se teme que essa população crescente se
organize e aja politicamente contra um sistema que os marginaliza; porque se
constitui num sintoma evidente do malogro de uma sociedade que se
pressupõe orientada para o bem comum.

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f. Urbanização e Criminalidade: O desconcertante fenômeno do aumento da
pobreza crônica tem sido explicado como efeito de atração dos centros
urbanos sobre um setor agrário também empobrecido. As taxas indicam que
cerca de 35% da população pobre dos centros urbanos é composta de
migrantes.
Essa explicação é inquietante não por mostrar que o setor agrário tende a
expelir trabalhadores, pois essa parece ser uma característica do processo de
industrialização e de racionalização do trabalho agrícola com o uso de
máquinas e de mão-de-obra assalariada sazonal. Ela é inquietante porque
mostra que, ao decréscimo de utilização da mão-de-obra no setor agrário, não
corresponde proporcional aproveitamento dessa mesma mão-de-obra na
indústria. Logo, qualquer cidadão conclui que mais gente passa a depender
dos serviços municipais e de uma expansão de produção. Por outro lado, essa
expansão não pode resultar de um aumento da população composta de
pessoas sem qualquer rendimento ou possibilidade de fazer aumentar a
demanda de produtos.

À percepção de incompetência do sistema econômico e político se soma o


desconforto de se saber que, nos grandes centros, milhares de pessoas não se
encontram sob a vigilância das instituições sociais, vivem como podem, à
deriva e à revelia dos planejamentos oficiais.

Cria-se, em relação a essa população, um sentimento de desconfiança e de


insegurança. A relação que se estabelece entre seu crescimento e o aumento
da criminalidade nos grandes centros urbanos vai do senso comum ao estudo
científico.

O perfil social dos criminosos também ajuda a reforçar essa associação entre
pobreza e criminalidade: os autores dos crimes que são oficialmente
denunciados são pessoas geralmente analfabetas, trabalhadores braçais e
predominantemente de cor negra.

Entretanto, sociólogos mais cuidadosos têm estabelecido outras relações.


Constata-se que inúmeros crimes não são denunciados, que as estatísticas
apenas revelam aquela população que, tida de início como suspeita, é
sistematicamente controlada. Existe, portanto, em relação aos dados uma
distorção provocada pela "suspeita sistemática" como a definiu o cientista
social brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro.

Segundo essa ótica, é contra a população pobre, estigmatizada que se conduz


a prática policial, a investigação e as formas de punição.

Conclui o autor citado que a prática policial preconceituosa, somada à


“desproteção” das classes subalternas, torna a relação entre pobreza e
criminalidade uma profecia “autocumprida”. Forma-se um círculo vicioso em
que o indivíduo, para ter trabalho, precisa ter domicílio, registro, carteira
profissional e uma situação civil legal. Sem trabalho, ele passa a fazer parte
dos pobres e marginalizados sob constante vigilância policial.

g. O "Exército de Reserva": Há ainda outro aspecto a ser considerado a


respeito da pobreza. Essa população pobre e carente constitui o que Marx

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chamou de "exército industrial de reserva", isto é, um contingente populacional
subempregado, mobilizável para o trabalho sempre que a luta por melhores
salários dentro das empresas chega a um ponto crítico.

Semiqualificado, ou sem qualificação nenhuma, esse reduto de mão-de-obra


está sempre pronto a aceitar salários mais baixos em troca de uma situação
regular e um rendimento fixo. Vimos que o subemprego desses homens e
mulheres não depende de uma incapacidade ao trabalho ou de uma
indisposição pata com o trabalho, mas de falta de elasticidade na oferta de
emprego da indústria. Em épocas de crise, quando os operários reivindicam
melhores salários ou aderem as greves, trabalhadores empregados podem ser
substituídos por essa mão-de-obra menos exigente e mais carente.

Sobre essa população já pesam o preconceito e o estereótipo da


marginalidade. Além disso, sendo virtual competidora dos operários já
integrados às indústrias, ela é discriminada também por estes.

Existe preconceito dos próprios operários em relação a essa população mais


pobre e semi-empregada, de quem querem se diferenciar. Trabalhos que
analisam o quanto a população operária é a favor da pena de morte mostram
que essa adesão à repressão às populações carentes e faveladas decorre, a
princípio, do fato de que os trabalhadores são vítimas do banditismo. Além
disso, existe o desejo do trabalhador regular de se distinguir dessa "massa
marginal" e estigmatizá-la como perigosa e suspeita.

Por ocasião dos movimentos operários de metalúrgicos do ABC paulista, desde


o final dos anos 1970, fotos nas primeiras páginas dos jornais mostravam que,
após um grande número de demissões, filas de candidatos se apinhavam em
frente das indústrias, prontos para ocuparem os lugares vagos. Fatos como
esse tendem a instigar o conflito entre os trabalhadores regulares e o "exército
de reserva".

Na Europa, assiste-se também à discriminação efetuada pelos grandes


sindicatos franceses e ingleses contra trabalhadores portugueses e espanhóis,
que, segundo lideranças sindicais, "perturbam" o movimento operário por
estarem sempre dispostos a trabalhar por menores salários.

Portanto, mesmo nas classes “despossuídas”, a pobreza inspira suspeita e


ameaça. É por isso também que a Sociologia se dedica cada vez mais ao
estudo da pobreza. Para perceber sua causa, sua dinâmica e sua influência no
modo de pensar e ser das classes sociais. Afinal, num mundo "regido" pelos
princípios democráticos e liberais, a pobreza é também um pouco de cada um,
um espelho no qual percebemos, antes de tudo, a nossa própria fragilidade e a
nossa própria miséria.

AULA 10 - As Minorias

Em dado momento de nosso texto dissemos que estamos diante de uma


sociedade cada vez mais heterogênea. Isso à primeira vista parece absurdo,
pois, na sociedade industrial, as pessoas e os produtos cada vez mais se
parecem.

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As raças se misturam, as classes sociais se aproximam na medida em que
enfrentam problemas gerais como poluição, superpopulação, trânsito e
violência, e os meios de comunicação divulgam rapidamente as mesmas
noticias, formando certa unanimidade representada pela opinião pública.

Parece, portanto, que em diversos âmbitos da vida predomina a generalidade


na qual um mesmo rosto indiferenciado vai apagando os traços personalizados.

Números, porcentagens, catástrofes gerais apagam as individualidades.


Ficamos sabendo que tantas pessoas morreram num desastre, outras tantas
contraíram uma doença endêmica, o custo de vida subiu tanto por cento, mas
pouco sabemos a respeito dessas pessoas e da vida que levam.

Entretanto, como reação a essa massificação aparente formada e informada


pela produção, pesquisas e meios de comunicação, grupos menores se
organizam em função de seus traços diferenciais.

a. A Noção de Igualdade: Enquanto na Antiguidade os povos criavam todo o


tipo de idéias capaz de justificar e perpetuar as diferenças entre os grupos
sociais, o cristianismo da Idade Média pregava a doutrina pela qual todo
homem era Filho de Deus ou sua criatura. A partir dessa influência cristã, a
igualdade passou a ser símbolo de bondade, caridade e observância às leis de
Deus.
Os filósofos da Ilustração pregavam a igualdade civil e jurídica. Para eles,
todos os homens nasciam com igual direito à liberdade de crença, pensamento
e opinião. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão criou o aparato
jurídico que reconhecia essa igualdade que não mais vinha de Deus, mas da
natureza.

As doutrinas socialistas trouxeram uma nova interpretação à idéia de


igualdade: ela não deveria se referir apenas a direitos jurídicos e civis, mas à
igualdade social, ou seja, à eliminação das classes sociais, base das reais
diferenças entre os homens.

O capitalismo e a indústria de massa, por sua vez, padronizaram a vida social,


pressupondo uma população homogênea de consumidores. Esse consumo
massificado foi ajudado pela expansão do setor de marketing, que procurou
criar expectativas, valores e anseios iguais na sociedade.

b. A Diferenciação: Ao lado das semelhanças, das homogeneidades e das


"mesmices" no interior da sociedade, os grupos se diferenciam cada vez mais,
incapazes de se identificarem cultural, racial ou etnicamente com uma
população tão sem contornos como aquela da sociedade industrial desse fim
de século. As oposições entre grupos no interior da sociedade, curiosamente,
jamais foram tão agudas: homens contra mulheres, velhos contra jovens,
brancos contra negros, orientais contra ocidentais, agricultores contra
industriais, nativos contra estrangeiros, citadinos contra campesinos etc.

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Cada uma dessas oposições tem sua própria história e suas próprias
explicações, mas o que se percebe, de forma geral, é uma intensificação na
organização política de grupos diferenciados, que lutam pelos seus próprios
objetivos, seus próprios direitos e sua própria liberdade.

Esses grupos têm o poder de criar uma identidade para os indivíduos que se
contrapõe à falsa homogeneidade que a sociedade como um todo lhes confere.
O movimento negro, o africanismo, o feminismo, os sem-terra, o movimento
indígena, o movimento homossexual, surgem como forma de luta por questões
que são rejeitadas pela sociedade e pelos partidos políticos.

A eclosão desses movimentos em todo o mundo mostra que o projeto político


dos partidos, por mais que o número deles se multiplique, não abarca as
questões mais especificas, os problemas mais cruciais desses grupos, como o
preconceito, a repressão e a discriminação. Mostra, ainda, que por trás da
homogeneidade aparente e da massificação, as regras sociais, as leis e
oportunidades não se distribuem com a mesma "igualdade" dos produtos no
mercado.

Portanto, esses grupos têm o poder de mostrar a diferenciação real dentro da


sociedade, os grupos que nela são discriminados e que, em função dessa
discriminação, se organizam politicamente.

c. As Maiorias Políticas: A idéia de maioria também surgiu com o liberalismo,


com a democracia representativa e o sufrágio universal. As repúblicas
proclamadas na Europa e América estabeleceram, como critério de
representatividade dos governos, a maioria de votos obtida quer de maneira
direta, quer de maneira indireta. Essa maioria se expressava sob forma
numérica ou quantitativa.
A idéia de maioria foi, portanto, elaborada pelas repúblicas representativas
para legitimar os governos estabelecidos. Os candidatos que têm maior
número de votos representam a vontade da maioria da nação. O governo
liberal e democrático é, portanto, majoritário.

Desde então, a idéia de maioria passou a se referir a força política. A maioria


de votos era o valor numérico da força política de um governo ou de um
partido.

d. A Maioria como Normalidade: Se nas teorias políticas liberais a maioria se


tornou sinônimo de representatividade e legitimidade, nas teorias sociais o
conceito tam bem adquiriu importância. Vimos que para Durkheim a principal
característica do fato social é a sua generalidade.
Os positivistas, de modo geral, defenderam a idéia de que a base da vida
social estava no consenso, no acordo mútuo e na aquiescência em relação a
valores e comportamentos típicos. O consenso e a integração dos indivíduos
indicavam o grau de "saúde" de uma sociedade, e todo comportamento que se
opusesse a essa integração ou a ameaçasse era tido como anômalo e

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patológico, portanto, se a maioria garantia representatividade a um governo
expressando, por sua força política, o consenso, as teorias sociológicas
positivistas entendiam-na como garantia da normalidade social. As minorias e
os comportamentos "desviantes", considerados patológicos e anormais,
deveriam ser sanados, reconduzidos à normalidade.

O uso da estatística tem também auxiliado e reiterado a idéia de que as


minorias são pouco importantes. No esforço de se comprovar relações de
âmbito mais geral, os casos que escapam a essas relações são considerados
"desviantes", por exemplo, ao tratarmos da análise quantitativa como técnica
de investigação sociológica, usamos o exemplo da relação entre freqüência às
aulas e sucesso no desempenho escolar. Na maioria das vezes a análise se
limita ao estudo dos casos que comprovam a relação estabelecida. A pequena
percentagem dos casos que contradizem a explicação faz com que sejam
considerados "desviantes", ou seja, casos particulares que não interessam
para o cientista.

Claro que para efeito de grandes pesquisas populacionais, de relações


estruturais, o estudo dos casos desviantes pode atrapalhar a análise proposta
pelo cientista. Mas, por outro lado, a freqüência com que os casos desviantes
são ignorados tem ajudado à formação de um critério, segundo o qual aquilo
que é minoritário, particular ou "desviante" é também insignificante.

Hoje, sabe-se que não é bem assim, que é importante analisar esses casos,
pois eles representam situações especiais e não simples "desvios". Qualquer
situação particular, por menos expressiva que seja em termos numéricos,
representa aspectos da vida social cuja importância só pode ser avaliada
depois de uma análise qualitativa adequada. Em sociologia, hoje, acredita-se
que "uma andorinha faz verão".

Portanto, em termos teóricos, estatísticos, ideológicos e políticos as minorias


têm sido pouco consideradas ao longo da história moderna e contemporânea.
Hoje, essas minorias se organizam para expressar a importância de seus
anseios, valores e objetivos. Crescente produção sociológica tem se dedicado
a estudar os problemas da velhice, da mulher, da homossexualidade, da
prostituição, do negro, do índio, do mestiço, do migrante etc.

Mas, ao lado dessa produção voltada a analisar as condições sociais desses


grupos, há os que, por força de interesses políticos, ainda consideram tais
temas "irrelevantes". Há, por exemplo, quem considere "minoritários" os
problemas levantados pelo feminismo, como a violência e a baixa
remuneração, mesmo que eles se refiram à metade da população. Outros
consideram o problema da pobreza como minoritário. É claro que estamos
diante de um valor ambíguo: maioria significa ora a maior quantidade, ora a
maior generalidade. De qualquer maneira, maioria e minoria traduzem a força
política dos grupos para enfrentar pressões sociais e exigir urgente solução a
seus problemas.

Maioria ou minoria são hoje, portanto, sinônimos de capacidade ou


incapacidade, possibilidade ou impossibilidade dos grupos sociais se
organizarem com êxito para suas ações reivindicatórias. É a força do grito e

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dos meios de pressão que determina se certas demandas sociais são
majoritárias ou minoritárias.

Na história da sociedade contemporânea os homens foram do individualismo à


massificação. A formação das minorias raciais, políticas e sexuais é uma forma
de detectarmos a grande heterogeneidade que subsiste e progressivamente se
reproduz nessa "aldeia global".

Esses grupos não são simples sobrevivências de antigas diferenças sociais,


mas constituem novas formas de organização, identidade e luta política:
propõem um novo conceito de cidadania, pelo qual se participa do geral desde
que se resguardem as especificidades.

AULA 11 - A Violência

Todos os animais lutam entre si. Os membros de uma mesma espécie atacam
uns aos outros na competição por dominância, alimento, fêmea ou territórios.

A luta dos gamos, animais mamíferos, se processa da seguinte maneira: as


cabeças ficam levantadas, os oponentes olham-se com os cantos dos olhos.
Quando ficam face a face, abaixam as cabeças e atacam. Seus chifres se
encontram e eles lutam durante algum tempo.

Esse enfrentamento permanece até que um deles se cansa e mostra sinais de


rendição: não encara mais o oponente ou foge. Esse processo de luta é
obedecido por todos os gamos de diferentes grupos e de diferentes regiões.
Este combate espelha as características das lutas entre a maioria dos animais:
ausência de ferimentos que ponha em risco a vida dos oponentes, a não-
utilização de armas mortais, o cessamento da luta aos primeiros sinais de
rendição de um dos oponentes. Nem mesmo as cobras, cuja mordida é mortal,
utilizam este recurso em seus confrontos.

Todos os estudos de lutas e confronto entre animais mostram que eles têm um
caráter "ritual": encerrar uma disputa pela qual o macho mais maduro (nem
sempre o mais forte ou o mais ágil) conquista ou conserva a dominância sobre
o grupo e o território.

Outra característica é que essa forma de luta se desenvolve instintivamente:


animais separados de seus grupos desde o desmame desenvolvem os
mesmos comportamentos diante de um oponente e até mesmo frente à
simulação de uma agressão por parte do homem.

a. A Violência entre os Homens: O homem é um animal que não mantém tal


ética em suas formas de ataque. Ele põe em risco a vida de seus oponentes,
usa armas mortíferas contra membros de sua espécie.
Assim, considerar a violência humana como parte de uma reação instintiva
presente entre todos os animais é absolutamente impossível. As formas de luta
humana são totalmente diferentes e só os ataques humanos a seres da mesma

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espécie podem receber o nome de violência. Só o homem se arma
premeditada e perpetuamente contra seus semelhantes, o que equivale a dizer
que só o homem adota uma postura de permanente ataque e permanente
ameaça.

A guerra, mesmo que justificada por alguns estudiosos como forma de


controlar a taxa populacional, é uma invenção humana, culturalmente
aprendida. Não há indícios de que o homem, longe de seu grupo de origem,
desenvolva atitude de constante ataque e defesa.

Ao lado da cooperação originária, da qual resultou a vida em sociedade, o


homem desenvolveu formas de violência e dominação, presentes tanto nas
relações entre indivíduos de um mesmo grupo ou sociedade quanto entre
indivíduos de grupos ou sociedades diferentes.

A violência de homens contra homens, mais expressiva sob a forma de guerra,


surge com a civilização humana e tinha como objetivo garantir a posse de
territórios, a dominação de uma sociedade sobre outra, produtos e mão-de-
obra para os trabalhos mais pesados e difíceis. Podemos dizer, portanto, que a
civilização se ergueu com o auxilio da força e da violência através das quais os
povos, mesmo com pequeno número de membros, podiam contar com um
contingente "extra" que garantia os meios de sobrevivência, ou seja, a
produção de alimentos, bem como para a guerra, construção de estradas,
portos e monumentos.

Mantida a civilização pela força e violência, a ruptura desses impérios só se


efetua pela reação também violenta e guerreira. Gregos aprenderam com
cretenses o uso de armas de ferro, romanos aprenderam com cartagineses o
uso de barcos de guerra, europeus aprenderam com chineses o uso da
pólvora.

Portanto, a violência humana, a agressão premeditada e mortífera de


indivíduos e grupos para com outros da mesma espécie surgiu junto com a
civilização; foi aprendida culturalmente e, em todos os tempos, caracterizou as
relações de poder.

b. A Ameaça de uma Terceira Guerra: O homem chegou ao máximo em


termos de potencialidade destrutiva. As duas grandes potências mundiais
possuem, cada uma, o suficiente para por fim, em segundos, a toda a
humanidade e toda civilização humana. Wright Mills define o fenômeno de
armamento nuclear dos EUA como a "metafísica militar", segundo a qual, para
os responsáveis pela segurança nacional, a paz resulta, justamente, da
manutenção de um "equilíbrio de terror", como se pôde visualizar claramente
nos atentados recentes, de 11 de setembro, ao World Trade Center (New York,
EUA).
Estudiosos do assunto argumentam, entretanto, que, mesmo para estabelecer
um sistema estável de intimidação, bastaria um número significativamente
menor de potencial destrutivo.

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Por isso, há uma mobilização política dirigida ao problema do desarmamento.
Entidades nacionais e mundiais procuram mobilizar a opinião pública apática e
temerosa para que se proponha o desarmamento uni ou bilateral. Os
defensores dessa atitude lembram que a humanidade está a beira do
holocausto e que, qualquer que seja o número de sobreviventes, poucas são
as chances de que a civilização sobreviva.

Erich Fromm, entre outros, se atém a essa questão, propondo o


desarmamento, ainda que unilateral. Afirma ele que o armamento sob pretexto
de autodefesa significa o seguinte raciocínio: cada família americana está
disposta a morrer para que duas outras famílias russas pereçam. Considera
essa idéia como a paranóia do mundo moderno em que a população legitima
crimes de Estado que seriam imperdoáveis se cometidos por indivíduos.

c. A Segurança Pública: Não só os países dotados de armamento nuclear


ameaçam a vida de seus próprios cidadãos e praticam a violência contra eles.
Os Estados pressupõem a autodefesa como princípio básico para sua
continuidade. Essa postura é tanto mais dúbia quando se pensa que o Estado
hoje se sente ameaçado pela comunidade que, segundo a doutrina liberal, ele
deveria representar e zelar. Hoje, esse mesmo Estado se organiza como se
estivesse também, constantemente, sob ameaça de conspirações internas. Tal
atitude põe em xeque o principio da legitimidade e de representatividade.
As agências nacionais e internacionais de investigação, os chamados serviços
secretos, se organizam como prática cotidiana dos Estados, antecipando-se
muitas vezes a qualquer evidência de desestabilização. Sentem-se ameaçados
o Estado e o cidadão, criando-se entre um e outro a sensação de que, de
alguma forma, seus interesses não são comuns e não se identificam
mutuamente, como seria de esperar.

d. Dois Impérios Contra-Atacam: Os países hoje se dividem política e


economicamente em dois mundos contrapostos: o mundo capitalista e o mundo
socialista. As duas potências dominantes criaram vínculos de dependência
internacional que fazem com que os Estados se definam menos pela sua
representatividade interna, isto é, pelos compromissos assumidos para com
seus cidadãos, do que pelas alianças que mantêm em relação a esses centros
hegemônicos.
Portanto, por mais que a ação das forças armadas, da policia e dos serviços
secretos seja vista como questão interna, ela se refere, antes de mais nada, ao
vinculo político e ao alinhamento pró ou contra essas duas facções que dividem
o globo em dois impérios ou em dois mundos: capitalista e comunista.

Por outro lado, a organização de movimentos terroristas contra os diversos


Estados não é percebida como uma questão interna, mas como o manejo de
setores dissidentes, de uma conspiração internacional. Forma-se, então, uma
dicotomia de justificativas: a repressão aos movimentos políticos dissidentes se
justifica não porque eles representem uma simples contestação à legitimidade
do Estado, mas porque eles seriam parte de uma ação internacional de um

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império contra outro. E os movimentos terroristas se justificam porque os
Estados parecem estar em defesa de interesses estrangeiros, em detrimento
da nação.

O resultado disso é uma desconfiança mútua e um clima de guerra civil que se


exacerba nas épocas de crise econômica. O cidadão sente-se ameaçado
diante da possibilidade de uma guerra nuclear ou da emergência de uma
guerra civil entre facções dissidentes da nação.

A sensação de insegurança ameaça, dúvida e suspeita sistemática permeia a


vida da sociedade atual. O cidadão comum sente-se sempre sob a iminência
de ataques de "forças ocultas" que ele, na sua vida cotidiana, mal pode
identificar.

e. A Violência Individual: Não são só os Estados e as organizações que se


sentem ameaçados, nem são os cidadãos agredidos, apenas, pelas formas
institucionalizadas de violência. O cidadão comum é vitima de um sem-número
de violências a que assiste diariamente ou do qual tem noticia através de
jornais, rádio e televisão. São roubos, assaltos, assassinatos, seqüestros,
atentados etc. Cresce a criminalidade com o aumento de pessoas nos centros
urbanos, a pobreza somada à ineficiência das iniciativas para solucionar os
problemas sociais ou recuperar os criminosos.
Ao mesmo tempo em que os serviços secretos se tornam mais eficientes e a
polícia política mais aparelhada, a segurança do cidadão comum se mostra
cada vez mais precária. O anonimato e o desinteresse parecem impedir
qualquer ação verdadeiramente eficaz em termos sociais.

Nos países subdesenvolvidos, a impunidade dos crimes, que aumenta


conforme a classe social a que pertence o criminoso, faz parecer dispensável a
ação policial. Prova disso é a quantidade de crimes que permanecem sem
registro de queixa.

f. Sociologia da Violência: O estudo da criminalidade tem sido objeto de


amplas análises sociológicas, que procuram qualificar e discriminar os
criminosos, os crimes, as sanções, a opinião pública e como tudo isso interfere
na vida social.
A conclusão principal é que não existe na sociedade humana uma violência
instintiva como entre os animais. Também não existe uma noção absoluta de
violência. Existem violências, sob diversas formas, em diferentes
circunstâncias. Há a violência institucionalizada oficial, praticada pela polícia,
pelo Estado; a violência internacional entre dois mundos em conflito; a violência
política entre facções dentro de uma mesma nação; a violência não oficial, mas
também organizada, entre bandos armados que se defrontam pelo domínio de
atividades ilegais (drogas, jogo etc.), ou pelo domínio de terras (como os
bandos de jagunços dos proprietários rurais); a violência como explosão de
movimentos de massa, como os linchamentos; a violência resultante do
preconceito contra mulheres, negros, homossexuais, sob a forma individual ou

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organizada, a exemplo da Ku Klux Klan, organização direitista e racista norte-
americana.

A Sociologia estuda também formas de violência que, embora não se


manifestem por agressão física, são igualmente ofensivas à integridade
humana, como a discriminação, a miséria e o abuso do poder.

A Sociologia, como ciência da sociedade e das relações entre os homens, não


pode ignorar a violência que constituiu, em suas mais diversas formas, um
elemento cotidiano dessas relações. Mesmo que não encontrem soluções,
esses estudos têm o poder do diagnóstico e da denúncia.

AULA 12 - Material Complementar

Video-Aula sobre a Sociologia de Auguste Compte:

https://www.youtube.com/watch?v=C6oAjyYnXEw

Vídeo sobre a Sociedade Brasileira na visão americana:

https://www.youtube.com/watch?v=DMM7OJ_Kj9I

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