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CONCEITOS ANTROPOLÓGICOS

por Flávio Justino

Natureza & Cultura

O conceito de natureza é importante para a antropologia, pois compreende todo


o comportamento animal do homem, enquanto mamífero que veio de todo uma cadeia
evolutiva. Os comportamentos naturais estariam relacionados a forma mais básica de
perpetuar a vida do corpo biológico e fisiológico. Seriam por exemplo as atividades de
comer, beber, urinar, transar, defecar, vomitar, espirrar, tossir etc. Normalmente todas
elas são realizadas por quase todos os animais e funcionam por meio de uma ação direta
ou reação determinada pelas necessidades do corpo.

Já a cultura é uma manifestação do ser humano. Esta manifestação é perpassada


por escolhas, mesmo que inconscientes ou assimiladas pela mimese. Em alguns casos,
já para os homens mais modernos da cadeia da evolução, os hábitos culturais são
aprendidos diretamente ou estimulados por pessoas ou instituições próprias para isso. A
cultura é algo tão complexo e emaranhado que consegue se entrelaçar mesmo com as
atividades biológicas e fisiológicas. Ou seja, o homem come, mas como de que forma?
Em que horário? Faz jejum? Usa utensílios? Utiliza espaços próprios? Etc. O mesmo
ocorre com todas as outras necessidades, onde mesmo as necessidades de urinar e
defecar ocorrem perpassadas por delimitações culturais ou escolhas conscientes da
cultura do indivíduo.

Homem Biocultural

O homem é um ser perpassado pela natureza e pela cultura. Ou seja, ele tem um
aspecto biológico em toda sua existência e comportamento e da mesma forma ele tem
um aspecto cultural. Isso quer dizer que, na prática, fica muito mais difícil dizer onde
inicia a biologia e onde ela termina a mesma dentro dos hábitos do ser humano. E da
mesma forma isso torna mais complexa uma análise cultural.

O homem realiza suas atividades culturais com apoio de suas características


sensoriais como olhar, sentir, cheirar, ouvir, saborear. E isso faz do homem um ser
muito mais singular que qualquer outra espécie da natureza. Pois o homem vê um
pássaro voando e passando de um lado do penhasco ao outro, e sua atividade sensorial
de enxergar provoca a curiosidade estimulada pelos seus neurônios que pode culminar
em uma tomada de decisão semelhante a “construir uma forma de voar que o ajude a
atravessar o penhasco”. Isso é uma capacidade biocultural exclusiva do ser humano.

Da mesma forma as suas atividades fisiológicas como dormir são tomadas por
manifestações culturais construídas historicamente. Logo, se o homem dorme, ele
dorme de barriga para cima, de bruços, de lado? Ele se vira? Ele dorme em cama? Ou
colchão? Sob feno ou palha? Em redes? Tapetes? Ele subentende que antes de dormir
pode ou não pode comer, de forma a prejudicar seu sono? Pois é o dormir que está em
questão. Então assim vemos a complexidade que é a existência e o comportamento do
homem enquanto ser biocultural.

Linguagem

A linguagem é um conceito tão complexo, que até para traçar sua origem na
humanidade se torna difícil. Ela é a expressão/a manifestação dos sentimentos, das
ideias, das emoções, dos saberes, das meras visões e impressões sensoriais que se
apresenta dentro de um sistema codificado de escrita, de oralidade, de elementos
externos ao corpo ou de movimentos corporais de uma espécie.

Mas a linguagem não é apenas a codificação, um sistema de códigos de


comunicação intra indivíduo, ela precisa ser decodificada para que outro ou outros
sujeitos sejam capazes de compreender a emissão dessa mensagem. E, portanto, precisa
ser compartilhada, enquanto elementos simbólicos, por seres ou por um grupo desses
seres como forma de comunicação entre eles. De todos os seres, o homem é o que tem o
mais rico arsenal de comunicação linguística. Sendo encontrado uma quantidade de
diferentes linguagens, exemplo: gestuais (libras, danças, teatro), elementos externos ao
corpo (braile, música), oralidade (idiomas/dialetos de diferentes países e o canto),
escrita (alfabeto, alefbet, ideogramas, hieroglifos, pictograma etc).

A linguagem é perpassada por símbolos que carregam sentidos e significados


culturais para determinados povos. E por isso elementos simbólicos pode ter sentidos
distintos na linguagem de diferentes sujeitos. Sacrifício é uma palavra que para povos
como os astecas pode soar como algo primoroso, honrado, desejado. Enquanto que para
o ocidente contemporâneo pode parecer algo pesado, difícil, indesejado. A mesma
palavra ou a mesma imagem ou o mesmo som pode provocar resultados diferentes na
interpretação da comunicação. Outro exemplo, o berrante em uma fazenda no interior
do Goiás pode trazer sentidos de meio rural, de organização da pecuária, de atividade
laboral. Enquanto que o som do shofar (chique do carneiro em Israel), quando tocado,
evoca o sentimento de arrependimento, sagrado, dias festivos e reflexivos.

Artefato

É um objeto ou conjunto de objetos feitos pelos homens dentro de suas


simbologias e de suas necessidades bioculturais. Exemplo: uma vara de pescar. Ela é
uma extensão do braço do pescador e dá conta de uma limitação fisiológica, e ao mesmo
tempo ela é cultural na medida que é uma forma de coletar peixes de um determinado
povo que a inventou antes de ser descoberto e reproduzido. Para o artefato ser o que ele
é é preciso que ele seja encontrado e interpretado como tal.

Então um artefato é encontrado por especialistas de arqueologia que o entendeu


como uma tecnologia, um objeto ou ferramenta construído por um determinado povo
com uma funcionalidade e que foi interpretado pelo presente encontrado. Desta forma,
ele sofre uma análise ao ponto de que interpretaram a funcionalidade do artefato
naquela determinada sociedade. Os artefatos mais exponenciais são aqueles que
demonstram um uso ou domínio exclusivo de determinado povo, ao ponto de que seja
vinculado tão somente a eles. Não que povos não possam compartilhar artefatos. Porém
os que parecem originais explicam e explicitam melhor as culturais antigas encontradas
e desveladas em escavações arqueológicas.

Alteridade

A alteridade é conceito atrelado ao outro, a diferença daquele que não é o “eu”.


A distinção e singularidade de outrem. É um conceito dicotômico na medida que não
existe um “eu” sem a visão do outro e não existe um outro sem esse “eu” que o enxerga.
Atualmente, vem sendo muito utilizado como uma forma de colocar o eu assentado
nessa localidade que pertence ao “outro”. Não que seja possível em toda a medida se
sentir o outro e compreendê-lo, mas este desenvolvimento do conceito se empreenda na
medida que é possível se despir o máximo possível das amarras do ego, tentando
enxergar, perceber e agir como o outro, de forma que seja possível entende-lo melhor e
com isso compreender suas ideias, suas ações e suas manifestações.

Ainda que a identidade seja uma característica e um processo pessoal, que não
realizamos em sua complexidade para entender o outro, a não ser para nos transformar e
vivermos em sociedade. A cada década tentamos decodificar o processo de identificação
do indivíduo com sua auto imagem ao ponto de tentarmos compreender como o outro
também se vê e se forma dentro de seus símbolos, sentidos e significados.

Para a alteridade não basta o indivíduo se colocar no lugar do outro, mas com
suas compreensões de indivíduos, ele precisa antes de mais nada tentar se colocar no
lugar do outro com seus hábitos, sua cultura, seus símbolos, suas ações, seus
comportamentos, suas crenças, ao ponto de que possa, sim, tentar interagir e perceber o
mundo conforme o outro. Sendo assim é um processo complexo e contínuo que ainda
tem muito a sofrer em alterações no decorrer das décadas.

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