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FILOSOFIA Aula particular em filosofia, preparação para ENEN e Vestibulares, orientação de TCC na área de humanas.

Contato: 31989880032 e 3131993609006 zap.

Natureza e Cultura 2º ano

INTRODUÇÃO
Quando falamos em “natureza”, atualmente, pensamos logo na realidade
exterior, no meio ambiente em que nascemos e vivemos, e que marcamos tão
fortemente com nossa presença, nossas técnicas, esse mundo natural no qual
construímos nossas cidades, que cortamos com nossas estradas, e cuja
existência acreditamos estar ameaçada, por causa de nossa atitude predatória
com relação a ele.
No entanto, a natureza pode ser compreendida de maneira mais ampla, ou seja,
como abarcando mais do que esse “lugar” ou essa “exterioridade” que
recebemos de presente quando nascemos. É muito importante percebermos
que, na verdade, os termos natureza e natural referem-se àquilo que nos é dado
(ou imposto), não só externa, mas também internamente, como determinações
que nos definem e que não podemos alterar ou que, para serem alteradas
exigem muita inventividade ou técnica.
Nessa perspectiva temos pelo menos três âmbitos do que pode ser chamado de
natural: 1. A natureza exterior (os recursos naturais, o mundo tal como o
encontramos, "lugar" ou "exterioridade"); 2. A natureza enquanto as
características internas dos seres em geral, aquelas com as quais eles nascem
(por pertencerem a uma espécie); seriam aquelas características que, juntas e
articuladas, formariam o que se poderia chamar de constituição inata, que
incluiria tendências, potencialidades, disposições ou estruturas tais que
permitiriam (ou impediriam) o desenvolvimento de certos modos de ser. 2.1. No
caso do ser humano, em geral, seu corpo (mortal, sexuado, dotado de alguns
sentidos e não de outros) e suas características psíquicas, com suas
potencialidades (capacidade de raciocínio, de desenvolver linguagem e de fabricar cultura); 3. Podemos ainda pensar na natureza
particular de cada indivíduo (que inclui este ou aquele tamanho, marcas próprias singulares, maior ou menor aptidão para
aprender alguma coisa, ser magro ou gordo, ser homem ou mulher, etc.).
Se o âmbito da natureza é fonte de determinações que não dependem de nossa vontade ou escolha, já o âmbito da cultura é, num
primeiro sentido, fabricado por nós mesmos, ou seja, a cultura é tanto o processo como o resultado da ação criadora por parte dos
seres humanos. Nessa primeira formulação, a cultura inclui tudo o que não é natural, ou seja, tudo o que os diferentes grupos
humanos inventam, produzem, fabricam, criam, escolhem e estabelecem para si próprios.
Cultura são as cidades, as indústrias, as técnicas e os produtos das técnicas, os materiais e objetos fabricados; e também as
línguas, os códigos, os livros, as leis, os costumes, a memória dos costumes, as regras, as artes, os objetos das artes, as
imagens, as convenções, os comportamentos, etc.
Na verdade, a distinção entre natureza e cultura é muito difícil de ser feita, porque, como veremos, muitas dessas "produções"
humanas só são possíveis por contarem com certas disposições naturais. Mas é importante pensar sobre essas dimensões da
realidade, separadamente e em suas relações, para que possamos formular alguns problemas fundamentais, compreendê-los e,
eventualmente, tomar decisões em nossas vidas, individuais e coletivas.
A relação entre as esferas da natureza e da cultura é uma dos temas principais da filosofia ocidental desde os gregos antigos.
Tomar consciência de sua diferença e tentar compreender os modos como se relacionam são tarefas que geram uma série de
questões e debates, problemas que recebem múltiplas versões e formulações ao longo da história das técnicas, das ciências, das
artes e da filosofia.
Algumas coisas nos parecem certas, atualmente: não se trata de se sobrepor a cultura à natureza, como duas camadas
justapostas, nem de reduzir ou assimilar uma dimensão à outra, como se a natureza se dissolvesse na cultura, ou como se fosse
possível naturalizar totalmente a complexidade do mundo cultural. É preciso compreender cada uma das duas esferas, nelas
mesmas e também nas suas relações. É difícil pensá-las separadamente, mas o esforço é instrutivo, ou seja, vale a pena tentar
diferenciá-las através da pesquisa, da reflexão e do diálogo; mas, acima de tudo, é preciso vivenciar suas relações como
problemas, para sermos capazes de vislumbrar seu alcance e sua importância para nossas vidas.
O que surge dessa experiência reflexiva é a compreensão de que o que parece estar em questão na discussão é nosso interesse
em sabermos o que, afinal de contas, é o ser humano! E essa é uma tarefa que não podemos evitar: para vivermos bem (ou
melhor), temos que pensar certos problemas, seja no plano instrumental (técnico e operacional), seja no plano comunicativo
(moral e político).
Vejamos algumas questões que servirão para nos mostrar a importância vital da reflexão filosófica sobre a relação entre natureza
e cultura.

Questões
Ecológicas - Os grupos humanos podem usufruir dos recursos naturais sem pensar nos seus limites? Um fazendeiro pode utilizar
a água do rio que passa em sua propriedade, do modo como quiser? A dona de casa pode continuar lavando o passeio com a
mangueira de água? De que maneiras, ao usufruirmos dos bens de consumo, estamos contribuindo para o esgotamento dos
recursos naturais? De que maneiras a satisfação de nossas demandas conduzem ao aquecimento excessivo do planeta, esse
lugar que é nossa residência natural?
Antropológicas - O que distingue o ser humano de outros animais? O que aproxima o ser humano de outros animais? Existe uma
natureza (essência) humana? Num ser humano, é possível distinguir o que é natural do que é cultural? Num ser humano, como se
relacionam fragilidade e força, precariedade e riqueza?
Culturais - Como explicar a diversidade das línguas e das culturas? Como explicar que os seres humanos, geneticamente os
mesmos, se adaptem a circunstâncias naturais tão distintas e adversas, como o deserto e a floresta tropical? Existem culturas
inferiores ou superiores, umas às outras?
Pedagógicas - É possível mudar o comportamento de alguém que tem tendências agressivas? Uma criança pode ser obrigada a
aprender a jogar futebol? Uma menina tem que, necessariamente, gostar de ser mãe? Um menino que se torna pai deve ser
obrigado a sustentar seu filho? A sexualidade é uma orientação natural a ser aceita ou uma escolha?
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Éticas - Enquanto determinado por fatores naturais (sexo, cor da pele, força física, altura, etc.) um indivíduo deve ter certas
funções sociais previamente estabelecidas? Alguém pode ser valorizado ou desvalorizado por ser indígena, oriental ou negro?
Alguém pode ser prejudicado por ter menos força física?
Jurídicas - As leis devem ser aplicadas a todos os indivíduos igualmente, sem levar em conta as diferenças dos ambientes
naturais em que vivem? Os indivíduos devem ser julgados sem se levar em conta as particularidades culturais nas quais foram
educados?

Atividade 1 - Formule mais questões ou problemas que põem em jogo a relação entre natureza e cultura e classifique-os de
acordo com as categorias listadas acima.

OS ANTIGOS
As primeiras formulações
A concepção antiga de "natureza" (phýsis para os gregos, natura para os latinos)
remete à vida como processo e sua manifestação, ao fato de se estar vivo e em permanente transformação, ou seja, ao fato de os
seres nascerem, crescerem e morrerem. A noção geral de natureza inclui tanto o processo (de transformação) como o resultado
(algo que permanece), sendo que o termo grego enfatiza a dimensão vegetal (uma planta que brota) e o termo latino, a dimensão
animal (um homem que nasce). E ainda, podemos falar seja da natureza como o conjunto dos seres, o todo, seja da natureza de
um ser em particular, indicando com isso o modo de ser próprio de uma coisa. Resumindo, a natureza pode ser pensada, então,
como o todo (o universo) ou a parte (um ser), e sob os aspectos dinâmico (processo) e estático (constituição ou essência).
Num sentido amplo, os gregos antigos não opunham radicalmente natureza e cultura; em geral, incluíam na phýsis tudo o que,
hoje, compreendemos como o “universo”, mesmo as cidades, os seres humanos e as coisas que produzem. Mas se formos
considerar cada autor ou pensador separadamente, no detalhe, encontraremos uma pluralidade de concepções. Veremos aqui
apenas algumas delas.
Os primeiros filósofos são filósofos da natureza (ditos físicos ou fisiólogos), e buscam reconhecer no universo o princípio de todas
as coisas, a partir do qual se reconhece uma justiça cósmica, um poder que regule as mudanças e diferenças, na ordem do
tempo, conferindo-lhes medida e equilíbrio. Anaximandro de Mileto e Parmênides de Eléia foram dois desses primeiros
pesquisadores que pensavam que há uma justiça divina que garante a ordem do cosmo ou da natureza.
Dica - Sobre esses filósofos gregos veja, na Bibliografia, o volume Os pré-socráticos, da coleção Os Pensadores.

Os sofistas
Aos poucos, os filósofos começam a perceber que as leis e costumes humanos são realidades diferente da totalidade natural,
passando a opor a lei humana (nómos), a comunidade política, as coisas instituídas ou fabricadas à natureza (phýsis). Só que
essa nova modalidade de lei será objeto de permanente conflito. A lei dos homens perante a natureza será, então, a primeira
versão daquilo a que hoje nos referimos como a oposição entre natureza e cultura.
O mito de Prometeu é o mito grego que primeiro situa o ser humano como constituído pelo cruzamento entre as dimensões natural
e cultural. Conhecemos pelos menos três versões desse relato mítico: uma arcaica, do poeta Hesíodo, outra trágica, do poeta
Ésquilo e uma filosófica, do sofista Protágoras de Abdera, transmitida por Platão.
Dica – Veja um resumo do mito de Prometeu e outras ideias relacionadas, nas Orientações Pedagógicas e nos Roteiros de
Atividades –Natureza e cultura. Página do Centro de Referência Virtual do Professor.
De modo sintético, de acordo com a versão de Protágoras de Abdera (séc. V a.C.), podemos dizer que o ser humano, tal como é
pensado pelo racionalismo dos sofistas, é, por natureza, um ser mortal, sexuado e desprovido de recurso, e que terá que
providenciar soluções culturais se quiser sobreviver. Frágil, nu e esquecido dos deuses, sua pobreza (natureza) é sua riqueza
(cultura); para enfrentar a finitude e a incompletude, tem que, antes de tudo, tomar consciência de sua precariedade. Segundo
essa versão do mito, a humanidade só se institui, de fato, na natureza, mas não naturalmente; quer dizer, o ser humano não se
torna "naturalmente" o que é ou o que pode ser; ele só se torna propriamente humano, culturalmente. Ele tem que fabricar seus
próprios recursos técnicos e simbólicos, tem que aprender a trabalhar, a amar e a morrer; tem que buscar uma significação para a
morte, aprender a direcionar o impulso sexual e a desenvolver o trabalho, as técnicas e a vida política organizada (cultura).
Essa primeira diferenciação entre lei (no sentido amplo dos primeiros filósofos) e natureza propicia, na cultura grega, discussões
fundamentais para todos nós, como a diferença ou igualdade entre os seres humanos, a origem da linguagem e a necessidade da
educação.

Atividade 2 – Leia as duas passagens do sofista Antifonte (480-411 a.C.?), abaixo, e responda às seguintes questões:
Para ele, o que é natural e o que é cultural no ser humano? Por que a educação é uma necessidade suprema para nós?

"Agimos como bárbaros uns em relação aos outros, enquanto, por natureza, todos, em tudo, nascemos igualmente
dispostos para sermos tanto bárbaros, quanto gregos. É o caso de se observar as coisas que, por natureza, são
necessárias a todos os homens: a todos são acessíveis pelas mesmas capacidades, e em todas essas coisas
nenhum de nós é determinado nem como bárbaro, nem como grego. Pois todos respiramos o ar pela boca e pelas
narinas."

Antifonte, Papiro Oxyrhynchus, fragmento DKB44.

"Considero que a primeira das realizações que se dão entre os homens é a educação; pois, se o princípio de uma
realização é produzido retamente, é verossímil que, retamente, há de acontecer o fim; pois, quando se introduz a
semente na terra, é preciso esperar pelo desabrochar; e quando se planta a nobre educação no corpo novo, desse
modo ele vive e floresce durante toda a vida, e nem a chuva, nem a seca o impedem."

Antifonte, citado por Estobeu, fragmento DKB60.

A lei do mais forte


Uma passagem do historiador Tucídides (séc. V a.C.) mostra claramente o alcance político do problema da relação entre natureza
e cultura, no diálogo, reconstituído por ele, entre os cidadãos de Atenas e a população da ilha de Melos, que se rebelava contra o
imperialismo ateniense.

"Atenienses - Segundo a opinião, acreditamos que os deuses e, sabemos claramente, que os homens, de acordo
com a necessidade da natureza, dominam pela força. Não estabelecemos esta lei, nem fomos os primeiros a usá-
la, mas a utilizaremos e a deixaremos para a posteridade, para sempre, sabendo que vós e outros fariam o mesmo
se pudessem."

TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso V, 105.

Leia também este trecho do diálogo Górgias de Platão,

"Górgias - Penso que a própria natureza mostra que a justiça consiste em o melhor ter mais que o pior, e o mais
forte mais que o menos forte. É assim em todo lugar, é o que a natureza ensina, em todas as espécies animais, em
todas as raças humanas e em todas as cidades. Se o mais forte domina o menos forte e se ele lhe é superior, isso
é um sinal de que é justo."

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Platão. Górgias 483C-D

Na primeira passagem, vemos a inversão da associação entre natureza e justiça, explorada pelos filósofos da natureza. Os
atenienses se apoiam numa suposta força necessária ou lei da natureza para justificar seu poder e sua dominação dos mais
fracos. Na segunda, o personagem Cálicles sustenta que a justiça é que o forte domine o fraco; ele pensa que a justiça de acordo
com a lei instituída é uma arma dos fracos para se defenderem dos fortes; os fortes devem impor-lhes a lei da natureza.

Atividade 3 – A partir dos textos acima, proponha argumentos a favor ou contra a seguinte ideia: A justiça é a lei do mais forte.

Platão – a natureza inteligível


Nos seus diálogos, Platão (428-347 a.C.) empreende um amplo debate com sofistas e poetas, que eram os educadores de sua
época. Na sua obra, todas as questões relativas ao ser humano são pautadas pela oposição entre natureza e cultura: a educação,
a melhor constituição para a cidade, a linguagem, as relações entre homens e mulheres, as relações entre gregos e bárbaros,
etc., sempre remetendo a uma lei da natureza que traduziria uma justiça cósmica.
No Górgias, ainda, Sócrates se opõe a Cálicles, nos seguintes termos:

"Sócrates - Alguns sábios dizem, Cálicles, que o céu, a terra, os deuses e os homens, formam juntos uma
comunidade, que são ligados pela amizade, pelo amor da ordem, o respeito da temperança e o senso da justiça. É
por isso, companheiro, que chamam o todo (do mundo) de "cosmo" ou ordem do mundo, e não desordem ou
desregramento. Mas tu, apesar de ser sábio, não me pareces dar muita atenção a esse tipo de coisas; ao contrário,
não percebes que a igualdade geométrica tem muito poder, tanto entre os deuses, como entre os homens, mas
pensas que cada um deve buscar ter mais do que os outros, e, na verdade, não cuidas da geometria."

Platão, Górgias 507e-508A.

O que Sócrates quer dizer é que, ao estudar a geometria, junto com a cosmologia, descobrimos que existe uma ordenação
inteligível no universo, que as atitudes do homem individual devem levar em conta o fato de ele ser parte integrante desse
universo maior, que é a natureza física. Vista desse jeito, a geometria serviria para que Cálicles encontrasse uma medida para a
ambição desenfreada, na direção da temperança e da justiça.
No diálogo Timeu, escrito por Platão no fim da vida, o personagem principal propõe que um deus artesão produziu a totalidade da
natureza, segundo modelos inteligíveis (as ideias ou formas), a partir de um material sem forma. A cosmologia (teoria do universo)
platônica apresentada nesse diálogo, de fato, nos leva a pensar que o universo é imperfeito, porque os seres são vistos como
imagens de modelos perfeitos, ou seja, não coincidem com eles; mas, por outro lado, fica claro também que esse é o melhor
mundo possível, porque a natureza é modelada segundo o máximo de racionalidade que o material utilizado comporta. O universo
físico é, portanto, impregnado de racionalidade, determinado por formas que o delimitam e que também indicam suas
possibilidades; o cosmo é povoado por seres que nascem, crescem e morrem, recebendo e tendo como parâmetro, mas também
perdendo, ao longo de sua existência, as determinações inteligíveis que fazem com que sejam o que são. Nesse universo está
incluída a cidade-Estado (pólis), ou seja, os seres humanos e sua cultura, com sua vida e sua morte.
Na República, Sócrates propõe uma educação para os governantes, que começa com música e ginástica, passa pelas
matemáticas e culmina com a filosofia ou dialética, ciência que tem como objeto último as formas inteligíveis:

"Sócrates - (...) com relação aos jovens de vinte anos e aos ensinamentos que, na sua educação quando crianças,
lhes havíamos apresentado de maneira superficial, será preciso reuni-los de modo a lhes dar uma visão de
conjunto do parentesco dos ensinamentos uns com os outros e com a natureza do ser."

PLATÃO. República VII 537C.

"Sócrates - (os dirigentes desenhariam o esquema da constituição da cidade (...) em seguida, creio, para completar
sua obra, eles olhariam muitas vezes para um lado e para o outro, seja na direção daquilo que é, por natureza,
justo, belo e temperante e tudo mais, seja na direção daquilo que produziriam entre os homens (...)."

PLATÃO. República VI 501B.

Atividade 4 – Leia o seguinte trecho do livro V da República sobre uma questão debatida na época de Platão. Apresente 3
semelhanças e 3 diferenças entre homens e mulheres.

"Sócrates - Não há, meu amigo, nenhuma


ocupação daqueles que administram uma
cidade que seja própria de uma mulher,
porque ela é mulher, nem de um homem
porque ele é um homem; mas as
naturezas são igualmente distribuídas
entre as duas ordens de seres vivos
mulher participa de todas as ocupações, e
isto conforme a natureza, e o homem
também de todas, mesmo que, em todas,
a mulher seja mais fraca que o homem."

Platão. República V 455D-E.

Essa posição de Sócrates sugere que Platão está


pensando numa natureza humana compreendida
como essência inteligível, algo que unifica a compreensão da espécie, mas que mantém a diversidade das determinações
biológicas dos sexos. Politicamente, as mulheres devem ser incluídas no processo de formação, para se tornarem guardiãs (com
formação militar), filósofas (com formação intelectual), e, eventualmente, governantes. Essa proposta torna possível pensar a
diferença na semelhança, ou a multiplicidade (natureza física) na unidade (natureza inteligível).

Os cínicos - viver segundo a natureza


Finalmente, vejamos rapidamente algumas das propostas dos
filósofos chamados "cínicos" que propunham que devemos
todos "viver segundo a natureza". Foram filósofos do período
chamado helenístico, conhecidos por assumir a filosofia como
modo de vida radical; sua marca é a transgressão das regras
estabelecidas (culturais) em nome da valorização de uma
suposta vida "natural". A própria palavra "cínico" vem do termo
grego para "cão", sugerindo que viver com sabedoria é viver
como um animal. Desses filósofos chegaram-nos apenas
fragmentos de textos ou relatos indiretos de episódios vividos

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por eles.
Diógenes de Sinope (que morreu por volta de 325 a.C.)
pensava que os seres humanos têm sempre à sua disposição
os meios fáceis para viver, só que esses estão ocultos; para
conhecê-los é preciso seguir as exigências da natureza.

"Interrogado sobre qual seria a coisa mais bela entre os homens disse: a liberdade da palavra". (...) "Costumava
fazer qualquer coisa à luz do sol, mesmo o que diz respeito a Demeter e Afrodite" (comer e amar). (...) "Se comer
não é estranho, nem mesmo na praça pública é estranho. Não é estranho comer; portanto, também não é estranho
comer na praça pública". (...)"Costumava masturbar-se em público e dizia: quem me dera pudesse aplacar a fome,
esfregando-me o ventre." Diógenes Laércio VI, 69 (as traduções são de M. G. Kuri e Olimar F. Jr).

"A alguém que pretendia que viver é um mal, ele respondeu: não viver, mas viver mal". DL VI, 55.

"Ele tinha escrito a alguém para lhe encontrar uma pequena casa: como esse demorou a fazê-lo, Diógenes
estabeleceu sua residência em um barril, perto do Metroon (...)". DL, VI 23

"Durante uma refeição, alguns jogavam-lhe os ossos como a um cão. Diógenes, retirando-se, urinou sobre eles,
como um cão." DL VI,46.

"Certa vez, alguém o introduziu numa casa suntuosa e o proibiu de cuspir. Diógenes então pigarreou
profundamente e cuspiu-lhe no rosto, dizendo não ter encontrado um lugar pior." DL VI, 32.

"Alguém perguntou a Diógenes qual era o tempo propício para se casar: "Para um jovem, disse ele, é cedo demais,
para um velho, tarde demais." DL VI, 54.

"Segundo afirma Teofrasto no Megárico, foi observando um camundongo correndo de um lado para o outro, sem
buscar um lugar de repouso, sem se preocupar com a escuridão, nem desejar nenhum dos reputados prazeres,
que Diógenes encontrou uma saída para suas dificuldades. Ele foi o primeiro, segundo alguns, a dobrar o seu
manto em dois porque precisava dele também para dormir; arranjou uma sacola, onde punha seu alimento, e se
servia de todo lugar para todas as coisas, para comer, dormir e conversar (...)". DL VI, 22.

"Nada, dizia ele, absolutamente nada, pode ser realizado corretamente na vida sem ascese (exercício), que é
capaz de tudo vencer. Assim, os homens que deviam escolher, contra os esforços inúteis, os que são conforme à
natureza, para viverem com felicidade, sofrem na estupidez. (...) Falava e demonstrava essas coisas fazendo,
falsificando realmente a moeda, sem conceder o mesmo valor às coisas segundo a lei, do que àquelas segundo a
natureza." DL VI, 71.

Atividade 5 – A partir dos fragmentos dos cínicos, discuta as seguintes questões: basta transgredir a regra social para viver
segundo a natureza? É possível sair da cultura para lutar contra ela? O que pode significar, realmente, "viver segundo a
natureza?"

OS MODERNOS - NATUREZA X CULTURA

A natureza como valor


Viver segundo a natureza?
No século XVIII, essa mesma questão evoca as reflexões do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Segundo
Rousseau, o cultivo da humanidade do homem se dá contra a natureza; paradoxalmente é o próprio fato de que o homem é um
animal educável (cultivável) que faz com que ele possa ir contra sua natureza. Ele é crítico dos rumos que a sociedade de sua
época e a civilização tomaram: a busca vã das ciências, o luxo das letras e das artes, a dissolução moral, toda uma lista de vícios
que são vistos como marcas dos excessos da cultura que distancia o homem de sua natureza original.
É a partir dessa visão crítica que a natureza é pensada como a norma pela qual se julga a sociedade e que deve servir de
parâmetro para uma eventual redescoberta da constituição humana; apesar da degeneração cultural, a natureza no ser humano
permanece de algum modo, como núcleo a ser recuperado.

"Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser
estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades
do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma
espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta
consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo dos outros, como o serem mais ricos, mais
poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles."

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Introdução, p.235.

"De que se trata, pois, precisamente, neste discurso? De assinalar, no progresso das coisas, o momento em que,
sucedendo o direito à violência, submeteu-se a natureza à lei; de explicar por que encadeamento de prodígios o
forte pôde resolver-se a servir ao fraco, e o povo a comprar uma tranquilidade imaginária pelo preço de uma
felicidade real."

ROUSSEAU. Discurso sobre a origem... Introdução, p.236.

A proposta de Rousseau não é voltar no tempo (cronologicamente) para reencontrar um impossível homem natural puro, mas
buscar "reflexivamente" (logicamente) o ser humano tal como ele seria, sem o suposto "progresso" das culturas; a civilização
deformou a natureza do homem, distorcendo-a e transformando-o em um ser animalesco. O curioso é que isso aconteceu,

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segundo o filósofo francês, como que através de uma inversão: é a própria natureza do homem, ou seja, sua capacidade de
transformar-se, de aperfeiçoar-se (que Rousseau chama de perfectibilidade) que permite que ele se volte contra a natureza; a
civilização faria um uso antinatural da perfectibilidade natural dos homens. Mas, apesar de tudo, sob as alterações que sofreu, no
fundo, permanece a natureza humana.
É pela reflexão que poderíamos distinguir o natural do cultural (artificial); Rousseau não propõe um abandono da cultura ou um
retorno puro e simples à natureza; ele quer refletir criticamente sobre a sociedade, pensando filosoficamente a passagem de um
estado a outro.

Atividade 6 – Leia os seguinte trechos de Rousseau e responda as questões: É possível voltar "de fato" à natureza. Por que a
força não tem legitimidade por si só? Por que o mais forte não se torna necessariamente o mestre? Por que o direito exclui a força
bruta?

"Enfim, todos, falando incessantemente de necessidade, avidez, opressão, desejo e orgulho, transportaram para o
estado de natureza ideias que tinham adquirido em sociedade; falavam do homem selvagem e descreviam o
homem civil."

ROUSSEAU. Discurso sobre a origem... Introdução, p.23.

"O mais forte não é nunca forte o suficiente para ser


sempre o mestre, se ele não transformar sua força em
direito e a obediência em dever. É daí que vem o
direito do mais forte; direito considerado ironicamente
na aparência e realmente estabelecido em princípio.
Mas será que essa palavra nunca será explicada? A
força é uma potência física; não vejo, de modo algum,
que moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à
força é um ato de necessidade, não de vontade; é,
além do mais, um ato de prudência. Em que sentido
poderia ser um dever? (...) Ora, que direito é esse que
termina quando acaba a força? Se for preciso
obedecer pela força, não é preciso obedecer por
dever; e se não se é forçado a obedecer, não se tem
mais obrigação. Vemos, então, que essa palavra de
direito não acrescenta nada à força; não significa nada (...) Convenhamos, então, que a força não faz o direito e
que só devemos obedecer às potências legítimas."

ROUSSEAU. Do contrato social. Livro I, cap. III.

A cultura como valor


Para outros pensadores modernos, a grande referência para se pensar o homem é a cultura, não a natureza. Assim, o ser
humano seria fundamentalmente um ser sem natureza, um ser aberto e plástico a ser moldado pela cultura. Para muitos, a cultura
ou os costumes são pensados em franca oposição à natureza.
Segundo Montaigne (1533-1592), por exemplo, os costumes têm o poder de nos fazer aceitar como naturais ou racionais os atos
mais diversos e contraditórios: ele vai do incesto às mutilações ou roupas ridículas (Ensaios I, 23), tudo pode passar a ser
considerado como "natural". O costume, reforçado pelo hábito, é a base imprescindível da vida em comunidade; tudo pode ser
aprendido, aceito ou modificado e rejeitado.

Atividade 7 – Leio o texto de Montaigne abaixo e responda a questão: Se seguirmos os "costumes" culturalmente adquiridos, tudo
será permitido?

"Aqui se vive de carne humana; lá é dever de piedade matar o pai em uma certa idade; alhures os pais
determinam, das crianças ainda no ventre das mães, quais eles querem que sejam conservadas e criadas e quais
querem que sejam abandonadas e mortas; alhures os maridos velhos emprestam as mulheres aos jovens para que
se sirvam delas (...). Além disso, o costume não fez uma república só de mulheres? Não lhes colocou armas nas
mãos? (...) em que crianças de sete anos suportavam ser açoitadas até a morte, sem mudar de expressão? (...) Em
suma, na minha opinião não há coisa alguma que ele (o costume) não faça ou não possa; e, com razão, Píndaro,
pelo que me disseram, chama-o de rei e imperador do mundo (nómos basileus). (...) Na verdade, porque ingerimos
o costume com o leite do nosso nascimento (...) parece que nascemos para seguir este procedimento".

MONTAIGNE. Ensaios I, 23.

No século XVIII, a partir da obra do filósofo alemão Kant (1724-1804), a corrente conhecida como o "idealismo alemão", uma
filosofia dita "crítica" e "racionalista", começa a operar com a distinção entre "natureza" e "razão" que, de algum modo se sobrepõe
à diferenciação entre natureza e cultura. Para essa corrente filosófica, a natureza constitui o âmbito dos fenômenos, ou seja,
manifestações ou eventos sensíveis regidos por leis mecânicas. Do ponto de vista da racionalidade prática, ou seja, das razões
próprias às ações humanas, o indivíduo que se deixa dominar pela natureza é aquele que fica preso no plano das necessidades,
do prazer e da dor físicos, e que, assim, fica sujeito ao que Kant chama de "heteronomia" (a lei do outro, ou seja, quando alguém
obedece a algo que não vem propriamente de dentro dele, mas de fora). O indivíduo "autônomo" (que tem sua lei própria) torna-se
independente dos instintos; seria aquele cuja vontade segue a razão, segundo leis universais.

Atividade 8 - Leia o texto de Kant e responda a questão: Menoridade, no sentido kantiano, tem a ver com idade?

"É por preguiça e covardia que uma grande parte dos homens, depois que a natureza os libertou da direção alheia,
permanece de bom grado durante toda a vida como menor de idade. E são essas mesmas causas que facilitam
aos outros se tornarem tutores deles. É tão cômodo ser menor! Se um livro me empresta sua inteligência, se um
padre substitui a minha consciência, se um médico julga da minha dieta, etc., não preciso mais preocupar-me por
mim mesmo. (...) É, pois, difícil para cada homem em particular conseguir livrar-se desta menoridade tornada
quase uma natureza. Ele chega até a amá-la e se sente realmente incapaz de servir-se de sua própria razão,
porque nunca lhe deixaram fazer essa tentativa. Os regulamentos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos de
um uso, ou antes abuso, racional de seus dons naturais são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles
se desprendesse apenas daria um salto inseguro sobre um pequeno fosso, porque não está acostumado a tais
movimentos livres. Por isso, são poucos os que, com o próprio esforço de seu espírito, conseguem sair da
menoridade e empreender o caminho seguro."

KANT. O que é esclarecimento. Trad. F. Javier Herrero.

Assim, a cultura é pensada como pertencendo ao âmbito da liberdade e da razão, que deve dominar a natureza; é o reino dos fins,
do dever-ser, por oposição à natureza, da superação do que é simplesmente "dado naturalmente". O desenvolvimento da razão
seria a realização da finalidade última do ser humano, sendo superior à busca do prazer, que se restringe à natureza e aos

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instintos. Na verdade, nos pensadores que se seguem a Kant, como Hegel, a cultura é vista como a finalidade última da natureza
humana, permitindo que ultrapassemos as necessidades e exigências corpóreas e materiais.
É assim que a "cultura" (racional e com pretensões universais) é proposta como um valor máximo ou uma norma a ser seguida
pelos seres humanos. É apenas na medida em que o humano liberta-se do natural que ele consegue conquistar sua humanidade,
que é da ordem do cultural-racional.
Essas posições racionalistas marcam de modo decisivo a civilização europeia ocidental com uma dualidade de valores e de
atitudes, que nos faz priorizar a dimensão cultural em detrimento de tudo o que é natural.
Só que, ao tentar assimilar a dimensão natural à dimensão cultural e dissolver uma na outra, a cultura pensada enquanto norma
passa a ter características naturais: a estabilidade e a fixidez de certas tradições, por exemplo, ou as visões religiosas
fundamentalistas. Os costumes e hábitos, em princípio, adquiridos pela educação, ou seja, no âmbito da cultura, ao serem
inculcados e fixados, tornam-se uma segunda "natureza", na medida em que adquirem regularidade. A repetição mecânica dos
atos, supostamente "livres e racionais", faz com que tendam a perder o sentido, tornado-se forma sem conteúdo. Nessa medida,
curiosamente, a cultura se transforma numa natureza fabricada, adquirida, regida por leis mecânicas.
Portanto, na medida em que valorizamos excessivamente a dimensão cultural do ser humano, tornamo-nos cegos à legitimidade
das demandas da esfera da natureza; é assim que as normas culturais podem se tornar excessivamente rígidas e inflexíveis,
tendendo, paradoxalmente, a uma espécie de "naturalização".
O relativismo cultural
Contemporaneamente, alguns autores valorizam a cultura de outra maneira, ou seja, sem pretensão à universalidade, escapando,
assim, dessa naturalização do que é convenção humana. A partir das pesquisas mais recentes das Ciências Humanas,
aprendemos a reconhecer a relatividade dos valores e das normas das diferentes culturas; mas o problema dos limites do
relativismo permanece. Ao estudar a diversidade cultural dos povos no planeta, a Antropologia Cultural, por exemplo, aprofunda a
discussão do relativismo. Os antropólogos tendem a se opor aos filósofos, que tradicionalmente pensavam apenas numa
modalidade de "Razão" (com letra maiúscula e no singular). Sob a influência da diversidade cultural, os pensadores, filósofos e
antropólogos, passaram a reconhecer a pluralidade das "racionalidades" (com letra minúscula e no plural).

Atividade 9 - Leia o texto abaixo e responda de maneira sintética: o que é cultura?

"Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas
práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade de
procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As variações nas formas de família, por
exemplo, ou nas maneiras de habitar, de se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem
sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de sua história, relacionam-se com as
condições materiais de sua existência. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos,
oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas." (...)
"O desenvolvimento dos grupos humanos se fez segundo ritmos diversos e modalidades variáveis, não obstante a
constatação de certas tendências globais. Isso se aplica, por exemplo, às formas de utilização e transformação dos
recursos naturais disponíveis. Não só esses recursos são heterogêneos ao longo das terras habitáveis, como ainda
territórios semelhantes foram ocupados de modos diferentes por populações diferentes. Apesar dessa variabilidade
são notórias algumas tendências dominantes. Assim, por exemplo, em vários lugares e épocas, grupos humanos
inicialmente nômades e dependentes da caça e da coleta para sua sobrevivência passaram a se sedentarizar, isto
é, a viver em aldeias e vilas, acompanhando o desenvolvimento da agricultura e domesticação dos animais."

SANTOS, José Luiz. O que é cultura, p.8-11.

Dica - A cultura, assim como a natureza, pode ser pensada tanto como processo (dimensão dinâmica), quanto como resultado
(dimensão estática). Veja também as Orientações Pedagógicas e os Roteiros de Atividades – Universalismo e Relativismo. Página
do Centro de Referência Virtual do Professor

AFINAL, O QUE SIGNIFICA "SER" HUMANO?


Precisamos, então, de uma perspectiva intermediária,
que nos permita articular natureza e cultura de modo
equilibrado. A cultura pode ser pensada como uma
esfera que prolonga a natureza e que efetivamente
realiza suas potencialidades. Precisamos ir além da
oposição estrita, explorando a ambiguidade existente
entre esses dois polos tidos como opostos; ou seja,
podemos perceber alguns elementos que nos levem à
superação da oposição rígida entre natureza e cultura:
na medida em que a cultura é pensada como horizonte
no qual a natureza se desdobra e se realiza
plenamente.
A própria noção de técnica, por exemplo, contém essa
ambiguidade, podendo tender para um extremo ou
outro, ou, então, nos apontando a complementaridade
das duas esferas. O objeto técnico é fabricado pelo
homem, sendo, portanto, um objeto cultural, mas que
exige que pressuponhamos sempre alguma compreensão do funcionamento da natureza.
Dica - O termo grego para técnica, tékhne, é traduzido pelos latinos como arte, ars. Esse dado linguístico inicial já aponta para
uma relação diferente entre natureza e cultura; podemos pensar no uso técnico da natureza, através da mediação do artístico, ou
seja, partindo da ordenação (kósmos) imanente à natureza e tendo em vista a beleza do objeto fabricado, para além de sua mera
função.
A especificidade do ser humano não seria, então, a imposição de uma racionalidade sobre a natureza, mas a articulação
engenhosa entre o natural e o fabricado. O ser humano é duplamente irredutível, a uma ou outra ordem, pois ele é cultural na
natureza e natural na cultura; ela deve então, tentar escapar de quaisquer determinações fixas e definitivas.

O que a biologia nos faz pensar


A filosofia contemporânea, enquanto instância reflexiva que acolhe as diversas modalidades de saber, tem que assimilar a
profusão de conhecimentos científicos produzidos e pensá-los criticamente, mas também construtivamente. A filosofia se renova,
na medida em que enfrenta os inúmeros desafios que os avanços científicos levantam. Além da Antropologia Cultural, destacamos
aqui a Biologia e, nessa, em particular, os desdobramentos recentes da Teoria da Evolução, que têm muito a nos ensinar sobre as
relações entre natureza e cultura.
É importante fazermos, inicialmente, algumas reflexões sobre a noção de "evolução", para afastarmos um preconceito cultural que
acaba por pretender impor à natureza uma suposta superioridade do humano, ou, novamente, uma valorização da cultura em
detrimento da natureza.
A evolução não é um movimento inerente à natureza que conduziria necessariamente rumo a um progresso, no sentido de ir do
pior para o melhor. O próprio Charles Darwin (1809-1882) adverte quanto ao uso metafórico do termo "evolução" (ele fala em
"descendência com modificação" e evita usar os termos "superior" e "inferior"). Trata-se então de um processo, lento e
permanente, de transformação das espécies, em interação com o ambiente natural e, no caso dos humanos, com o ambiente

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cultural que lhes é inerente. É preciso despojar o termo da conotação valorativa forte, para pensarmos, antes, no desenvolvimento
das espécies na direção de uma maior diversidade. Contra a ideia de que a evolução das espécies se dá como uma "escada" que
conduz a organismos de algum modo "melhores" – maiores, mais rápidos, mais inteligentes ou mesmo mais complexos. Se
persistirmos nessa direção, no fim das contas, recairemos numa valorização excessiva da espécie humana, que passaria a ser
vista como o coroamento do progresso biológico. Uma vez que a vida começa sempre de um ponto de partida mais simples, a
diversidade resultante é frequentemente vista como uma complexidade maior e supostamente melhor. Mas a vida pode
perfeitamente adaptar na direção de uma simplificação, como ocorre, por exemplo, entre as parasitas. A complexificação
crescente é apenas um aspecto da transformação das espécies. A "distribuição" da complexidade é relativa ou limitada,
dependendo das espécies em questão. Nesse sentido, vale lembrar a curiosa ideia da "reprodução imperfeita", segundo a qual os
filhos não podem ser nem exatamente iguais, nem totalmente diferente dos pais, mas devem ser semelhantes, para que existam
variações e que para que possa haver seleção.
Dica - Sobre a oposição entre "superioridade" e "diversidade", no contexto da teoria da evolução, veja algumas das ideias de
Stephen Gould na página de internet: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stephen_Jay_Gould .
A evolução não é só biológica, ela conta com transformações e adaptações culturais; as mudanças da espécie humana sempre
aconteceram dentro de uma cultura, ou seja, os fatores naturais agem sempre em interação com circunstâncias e determinações
culturais dadas. O que deve ficar claro é o quanto o cultural se enraíza no biológico e, inversamente, o quanto o biológico depende
das transformações culturais. De um modo geral, devemos falar em "complementaridade" entre a aquisição de aptidões biológicas
e a própria existência da cultura. Dados biológicos "evolutivos" e desenvolvimentos culturais se entrelaçam de um modo tal que
não poderiam ser explicados separadamente.

Atividade 10 - Diversas características da espécie humana indicam uma complexidade simultaneamente natural e cultural.
Pesquise na internet alguns dos tópicos abaixo e tente compreender sua relação com a noção de "cultura", própria dos humanos:
o desenvolvimento da camada do cérebro chamada "neo-cortex", o ritmo de crescimento do cérebro, o prolongamento da
"imaturidade biológica", a noção de "neotenia", as características do maxilar inferior humano, o bipedismo, "a pinça".
Nessa perspectiva de uma relação de dependência mútua, mas relativa, entre natureza e cultura, os estudiosos atuais recorrem a
alguns dos seguintes conceitos, para tentar explicar os fenômenos: sobrevivência e estratégias de sobrevivência, luta e seleção
natural, variabilidade (que pode aumentar ou diminuir a probabilidade de sobrevivência), adaptação (funcional), papel do ambiente
e do modo de vida efetivo de cada espécie, controle de movimentos e da relação com o ambiente, hereditariedade genética,
transmissão (cultural) de caracteres adquiridos, capacidade de aprendizado e modificação do comportamento em função dessa
experiência, aquisição de novos padrões de comportamento, etc.
O que se pensa hoje é que os padrões comportamentais são determinados tanto pela herança genética, como pela interação com
o ambiente. Como sabemos, os comportamentos adquiridos culturalmente não são transmitidos geneticamente, mas podem tornar
os indivíduos mais capazes de lidar com a competição pela sobrevivência, de aprender e inventar soluções vantajosas do ponto
de vista da sobrevivência. E vice-versa: a prevalência de certas características genéticas pode favorecer estratégias culturais de
sobrevivência.
O conceito mais abrangente, para o nosso problema, seria então o de uma "co-evolução genético-cultural", ou seja, a ideia de que
é no contexto das interações e transformações culturais que ocorre o favorecimento (ou não) de transformações que são mais (ou
menos) propícias à sobrevivência e reprodução dos indivíduos de uma espécie. De um modo geral, a transmissão genética
fornece um conjunto de potencialidades (padrões) que precisam ser culturalmente realizadas (por indivíduos e grupos), efetivadas,
para que o processo de transformação (evolução) seja bem-sucedido.
Dica - Para uma compreensão aprofundada, veja, por exemplo, os textos de Marcos Oliveira e Edgar Morin, indicados na
bibliografia.
Vejamos algumas desses elementos que nos convidam a pensar a evolução biológica da espécie humana, como estando
intimamente interligada ao seu desenvolvimento cultural:

Um dos dados biológicos decisivos e mais interessantes para a nossa questão é o fato de o período da infância
humana ser biologicamente longo. Essa ideia se insere no contexto maior da noção de "neotenia", segundo a qual
existe um relativo inacabamento biológico do indivíduo humano adulto. Nossa configuração biológica pode (e deve) ser
pensada como compatível com nossa necessidade de cuidado e educação (cultura). Ou seja, de um modo geral,
podemos dizer que o cérebro humano seria impotente se fosse abandonado à sua efetividade natural; para realizar-se
enquanto sistema biológico, ele exige educação, formação, instrução, inclusive para continuar se transformando (ou
"evoluindo").

Outra ideia relacionada é a maturação sexual tardia entre os humanos: os indivíduos só estão sexualmente preparados
(para a reprodução) depois de muitos anos de crescimento; esse fato biológico reforça a necessidade da preparação
ou da educação (cultural) para a reprodução "natural"; podemos mesmo pensar na importância do processo chamado
de "sublimação" como fundamental para a implementação da dimensão cultural no ser humano. A canalização da
energia sexual para fins outros que a reprodução é uma condição para a realização de ações culturais, como o
trabalho e a técnica. Nesse sentido, o enfraquecimento da "mobilização instintiva" (agir principalmente por instinto) está
relacionado com a redução de comportamentos estereotipados, permitindo assim uma maior abertura para o ambiente,
uma maior plasticidade nas reações aos acontecimentos, em termos de comportamentos e iniciativas técnicas, maior
disponibilidade para o imprevisto, maior capacidade de reflexão e criatividade.

A própria fragilidade e nudez do corpo humano parecem "sugerir" a necessidade de desenvolvimento de técnicas de
proteção e de vestimenta, complementos culturais decisivos para a "arquitetura" natural dos corpos de homens e
mulheres. Essa vulnerabilidade física parece contar com a necessidade de um meio social organizado, protetor e
viabilizador de projetos humanos fabricadores.

O maxilar humano é pequeno e frágil, "supondo" o cozimento dos alimentos e a facilitação da aquisição e uso da
linguagem!

A oposição entre o polegar e os outros dedos ("pinça") se relaciona claramente com a utilização de instrumentos.

O próprio fato de o sistema gastro-intestinal ser biologicamente compatível com o cozimento de alimentos é um
indicador claro da complexidade da relação entre o natural e o cultural.

Atividade 11 - Leia o texto abaixo, do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty e discuta as seguintes posições:
A expressão das emoções humanas não é mais natural que o uso da linguagem.
No ser humano, não há duas camadas separáveis, natureza e cultura.
O que você pensa? Desenvolva argumentos contra ou a favor e dê exemplos de suas próprias posições.

"Não é mais natural ou menos convencional gritar quando se tem raiva ou beijar quando se sente amor do que
chamar uma mesa de "mesa". Os sentimentos e as condutas passionais são tão inventadas quanto as palavras.
Mesmo aqueles comportamentos que, como a paternidade, parecem inscritos no corpo humano são, na realidade,
instituições. É impossível sobrepor no homem uma primeira camada de comportamentos que chamaríamos de
"naturais" e um mundo cultural ou espiritual fabricado. Tudo é fabricado e tudo é natural no homem, assim como
diríamos, nesse sentido, que não há uma só palavra, uma só conduta que não deva algo ao ser simplesmente
biológico, e que, ao mesmo tempo, não escape da simplicidade da vida animal (...). Os comportamentos criam
significações que transcendem o dispositivo anatômico, mas que, no entanto, são imanentes ao comportamento

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enquanto tal, uma vez que ele é aprendido e compreendido."

MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da percepção, p.220-221.

Dica – Compreenda dois termos do vocabulário filosófico: "ser imanente" – estar ou permanecer dentro, sob; exemplo: a força de
um animal; "transcender" – ir além, estar acima de; exemplo: o uso que um animal faz de sua força para superar barreiras.

CONCLUSÃO
O que aprendemos sobre a relação entre natureza e cultura?
Podemos dizer que a pergunta "como se dá a
passagem da natureza à cultura?" é uma
formulação corriqueira e apressada de nossa
questão. O problema é que, posta dessa
maneira, ela nos leva a pensar em dois
momentos, ou duas camadas, distintas e
separáveis, que, depois, tentaríamos
relacionar. Na verdade, esse modo de
compreender as coisas é enganoso; não existe
um homem natural anterior ao homem cultural;
não existe um estado de natureza abstrato,
independente do ambiente cultural; todo ser
humano é, ao mesmo tempo e
inseparavelmente, natural e cultural. Portanto,
a melhor formulação parece mesmo ser: como
devemos pensar a relação entre natureza e
cultura?
O importante é retermos que tanto "natureza"
como "cultura" são conceitos ou ideias a
serem pensados, e não estados, ou situações que podem ser vividos separadamente, enquanto tais. Esta separação que fazemos
ao falar do problema se chama "abstração", processo mental, só possível de se realizar intelectualmente.
Outro modo de imaginarmos essa dissociação é pelo mito ou pela ficção. É o caso do mito de Prometeu, a que já nos referimos,
ou da conhecida história de Tarzan, que podemos dizer que acabou virando um mito contemporâneo. Na realidade, alguns casos
raros de indivíduos que viveram isolados durante períodos de suas vidas também nos permitem imaginar e refletir sobre o que
significam esses conceitos.
Dica - Alguns filmes exploram essas situações de maneira variada e inteligente: O Enigma de Kasper Hauser, do diretor Werner
Herzog, O milagre de Anne Sullivan (sobre Hellen Keller), de Arthur Penn, O garoto selvagem, de François Truffaut, entre outros.
Um risco que corremos ao pensarmos a natureza assim, separada, abstrata, mesmo através de mitos e filmes, é o de a
idealizarmos e depois nos esquecermos que se trata de uma idealização. O "bom selvagem" é uma imagem que pode nos ajudar
a compreender a natureza, mas não é uma descrição ou uma avaliação razoável do que significa a natureza nas nossas vidas
vividas; nossas vidas são mais complexas, misturadas e, nelas, não é fácil separar o que é natural (dado) do que é cultural
(adquirido).
Uma consequência desse tipo de atitude, que valoriza uma natureza idealizada, é julgarmos negativamente comportamentos
supostamente não naturais, chamando-os de anormais ou monstruosos. Podemos dizer que a história da civilização ocidental é
atravessada por esse tipo de atitude: a recusa de diferenças culturais e de comportamentos, que são considerados como se
fossem desvios ou doenças, como, por exemplo, os preconceitos raciais e sexuais, a violência dos nazistas em nome de uma
suposta raça superior. Essas posições são, na verdade, assumidas em nome de certas compreensões "culturais" da natureza, ou
seja, de ideias de natureza criadas e desenvolvidas pelos diferentes grupos sociais, em determinados contextos e épocas. Mais
cedo ou mais tarde, essas posições se revelam parciais, francamente erradas e mesmo perigosas.
Ao final desse percurso, vemos que a natureza de um ser, em geral, é sua constituição, que deve ser pensada sempre no conjunto
de relações que ele mantém com outros seres. A natureza nos seres humanos deve ser sempre compreendida na relação com a
cultura, da qual emerge e com relação à qual se diferencia. Entre afinidades e diferenças, o percurso pelas concepções de alguns
filósofos, aliado à reflexão crítica, indica que não só para sobrevivermos, mas para vivermos bem, temos que compreender de
modo inteligente a natureza e agir de acordo com o que aprendermos, ou seja, de modo consciente e responsável, na satisfação
de nossas demandas e desejos materiais; e, ainda, para convivermos bem nas comunidades humanas, temos que levar em conta
que as regras e punições, nesse jogo sério que é a vida compartilhada (natural e cultural), são inteiramente de nossa
responsabilidade.

TEXTOS COMPLEMENTARES

"Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera nas mãos do homem. Ele força uma terra
a alimentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os
elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Perturba tudo, desfigura tudo, ama a
deformidade e os monstros. Não quer nada da maneira que a natureza o fez, nem mesmo o homem; é preciso que
seja domado por ele, como um cavalo adestrador; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore em seu
jardim.
Sem isso, tudo iria ainda pior, e nossa espécie não quer ser moldada pela metade. No estado em que agora as
coisas estão, um homem abandonado a si mesmo desde o nascimento entre os outros seria o mais desfigurado de
todos. Os preconceitos, a autoridade, a necessidade, o exemplo, todas as instituições sociais em que estamos
submersos abafariam nele a natureza, e nada poriam em seu lugar".

ROUSSEAU. Emílio ou Da Educação, p. 7.

"Se um homem atribui, no todo ou em parte, as desgraças de seu país ou suas próprias desgraças à presença de
elementos judeus na comunidade, se propõe remediar tal estado de coisas, privando os judeus de alguns de seus
direitos ou afastando-os de certas funções econômicas e sociais ou expulsando-os do território, ou exterminando-
os a todos, diz-se que alimenta opiniões anti-semitas.
Esta palavra opinião dá o que pensar... É a mesma que a dona de casa emprega a fim de encerrar uma discussão
que ameaça azedar. Sugere que todos os pareceres são equivalentes, tranquiliza e infunde aos pensamentos uma
feição inofensiva, assimilando-os aos gostos. Todos os gostos ocorrem na Natureza, todas as opiniões são
permitidas; gostos, cores e opiniões não se discutem".

SARTRE. Reflexões sobre o racismo, p.5.

"Em tudo o que se segue, adoto, portanto, o ponto de vista de que a inclinação para a agressão constitui, no
homem, uma disposição instintiva original e autossubsistente, e retorno à minha opinião, de que ela é o maior
impedimento à civilização. (...) Posso agora acrescentar que a Civilização constitui um processo a serviço de Eros,
cujo propósito é combinar indivíduos humanos isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações

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numa única grande unidade, a unidade da Humanidade. Porque isso tem de acontecer, não sabemos; o trabalho de
Eros é precisamente este. Essas reuniões de homens devem estar libidinalmente ligadas umas às outras. A
necessidade, as vantagens do trabalho em comum, por si sós, não as manterão unidas. Mas o natural instinto
agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse
programa da civilização. Esse instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte, que
descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo. Agora, penso eu, o significado da
evolução da civilização não mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre o instinto
de vida e o instinto de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. Nessa luta consiste essencialmente
toda a vida, e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana
pela vida".

FREUD, O mal-estar na civilização, p.175.

Manifesto Antropófago - "Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do
mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De
todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question". (...)
"A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu
Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo
em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia
carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas.
O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal,
ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos
ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o
assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de
São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua
cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as
ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura,
sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.

OSWALD DE ANDRADE. Em Piratininga. Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha".


Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.
Consultado em: http://antropofagia.uol.com.br/manifestos/antropofagico

"(...) esses povos que consideramos estarem totalmente dominados pela necessidade de não morrerem de fome,
de se manterem num nível mínimo de subsistência, em condições materiais muito duras, dão perfeitamente
capazes de pensamento desinteressado; ou seja, são movidos por uma necessidade ou um desejo de
compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem. Por outro lado, para atingirem
este objetivo, agem por meios intlectuais, exatamente como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode
fazer e fará um cientista. Esta é minha hipótese de base".

LEVI-STRAUSS, Mito e significado, p.30-31.

"O cérebro dos monos tem massa 3 a 4 vezes menor que a do cérebro humano (cerca de 400g, contra nossas
1.400g). Seu número estimativo de neurônios está em torno de 20 bilhões, enquanto nós temos 86 bilhões em
média – quantidade determinada experimentalmente no meu instituto pelo aluno de mestrado Frederico Azevedo.
Apesar das diferenças quantitativas, há muitas semelhanças entre o cérebro do chimpanzé e o cérebro humano:
ambos têm uma arquitetura semelhante de giros e sulcos, assimetrias similares entre o hemisfério direito e o
esquerdo, e uma proporção de cerca de 40% ocupada pelas regiões do lobo frontal envolvidas com as funções
cognitivas mais complexas.
Entretanto, as semelhanças entre os chimpanzés e os seres humanos não escondem as suas diferenças, que são
enormes. A linguagem é rudimentar em nossos parentes antropoides; sua capacidade de aprendizagem por
observação e imitação não ultrapassa a de uma criança pequena; sua habilidade de intuir o comportamento de
terceiros pela observação do olhar e dos gestos é mínima, incomparável com a nossa (embora erremos muito
nesse quesito...). Há também controvérsias sobre a capacidade de os monos se reconhecerem ao espelho, como
nós fazemos com tanta vaidade.
Acima de tudo, a organização social humana dominou a Terra, não se sabe se para o bem ou para o mal. Mas o
fato é que nos tornamos capazes de construir uma sociedade complexa, cooperativa e altamente sofisticada, ao
contrário dos grandes símios, organizados em grupos sociais comparativamente rudimentares. Também superamos
muito a capacidade tosca dos nossos parentes antropoides de fabricar ferramentas e instrumentos de uso manual.
Extrapolamos essa habilidade, e dispomos hoje de tecnologias de altíssima sofisticação, inimagináveis em
qualquer outro grupo animal conhecido".

Assim caminhou a humanidade, de Robert Lent. Disponível em: Ciência Hoje.


http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/bilhoes-de-neuronios/assim-caminhou-a-humanidade/?searchterm=Assim caminhou a
humanidadeConsulta: 04/02/2010.

"Perto do fim? Um artigo publicado na (revista) Science, no dia 4 de dezembro (2009), projeta para 2020 o fim do
desmatamento da Amazônia. O estudo, que tem o professor Britaldo Soares Filho, do Instituto de Geo-ciências (da
UFMG), como um de seus autores, prevê investimentos entre 7 e 18 bilhões de dólares para que esse horizonte
seja alcançado. É uma meta de realização difícil, mas factível, considerando o cenário que se desenha. "Basta
lembrarmos que, entre 2004 e 2009, houve redução de 27 mil km2 para 7 mil km2 de desmatamento na região",
argumenta o professor Britaldo, que apresentará as conclusões do estudo, em evento paralelo à 15ª. Conferência
das Partes (COP 15), sobre as mudanças climáticas, que começa nesta segunda-feira 7, em Copenhague".

Boletim da UFMG, no.1679, ano 36, 7/12/2009.

BIBLIOGRAFIA
ANTIFONTE. Testemunhos, fragmentos, discursos. Trad. Luis Felipe B. Ribeiro. São Paulo: Ed. Loyola, 2008.
Boletim da UFMG, no.1679, ano 36, 7/12/2009.
DARWIN, Charles. A origem das espécies. Trad. E. Amado. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia / São Paulo: Ed. da USP, 1985.
DIÓGENES LAERTIOS. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. Mário da Gama Kuri. Brasília: Ed. UnB, 1977.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. J. Octávio A. Abreu. In: Sigmund Freud. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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