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Aula 2 - CULTURA

AULA 2 - CULTURA
Olá! Esta é a nossa segunda aula da disciplina “Estudos
Socioantropológicos”. Aqui falaremos um pouco sobre o que é cultura.
Assim, perguntamos: o que você sabe sobre cultura? Certamente você já
ouviu falar muito disso, não é mesmo? Você saberia dizer o que é cultura por
meio de uma visão antropológica?

É muito provável que essas perguntas somente façam sentido adequado


ao final desta aula e, também, desta apostila, e temos certeza que, então,
você terá muitas respostas diferentes e interessantes sobre este tema.

Ao final deste capítulo você deverá:

• entender de onde surgiu o conceito de cultura;


• compreender o que é diversidade cultural;
• definir o que de fato é cultura e como ela está inserida em todas
as nossas relações pessoais e profissionais.

Iniciando o assunto

2.1 BREVES ANTECEDENTES SOBRE O CONCEITO DE CULTURA

Vamos iniciar nossos estudos com uma breve abordagem sobre o conceito
de cultura. Assim, tentaremos explicar, logo abaixo, com exemplos práticos
e algumas abordagens teóricas, do que trata essa expressão tão falada
em nosso cotidiano.

Foi a partir da segunda metade dos anos 1700 que Figura 3. Sir Edward Burnett Tylor
duas expressões importantes – a saber: 1. kultur
(uma expressão alemã que se referia aos aspectos
espirituais de uma dada comunidade) e; 2. civilization
(um vocábulo francês que se referia às condições
materiais de uma população) – foram identificadas,
retrabalhadas e fundidas em um só termo por Edward
Tylor (pensador antropólogo que viveu no século XIX,
entre os anos 1832 e 1917), ou seja, no conceito de
cultura. Segundo esse autor, a cultura “[...] em seu
amplo sentido etnográfico é este todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes
ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos
pelo homem como membro de uma sociedade [...]”
(TYLOR, 1871 apud LARAIA, 1999, p. 25). Fonte: https://www.timetoast.com/timelines/76636

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Mas o que essa definição quer dizer, para além de uma listagem
de exemplos de manifestações culturais?

Bom, de forma resumida, significa dizer que a cultura é aprendida, ou seja, não
nasce com os sujeitos e não possui conexão com características inatas transmitidas
biologicamente/geneticamente. Assim sendo, podemos entender que as roupas
que vestimos em nosso dia a dia não são um tipo de comportamento inato, que
seja determinado geneticamente, mas, pelo contrário, são um padrão cultural,
algo aprendido pelas gerações passadas. Muitos outros exemplos poderiam
caber aqui, como o fato de identificarmos bebês do gênero masculino pelas
roupas de tons, geralmente, azuis, enquanto que
os bebês do gênero feminino são reconhecidos
pelas roupas mais próximas da cor rosa. As cores
como elemento distintivo de gênero entre seres
humanos fazem parte do comportamento cultural
de muitos países. Por fim, esses traços distintivos
podem ser chamados de símbolos, de tal forma
que as cores rosa e azul, pelo menos do ponto de
vista da sociedade brasileira, portanto, identificam
os respectivos gêneros dos bebês, ou seja, elas
simbolizam nossos bebês. Não nos esqueçamos,
então: em se tratando de vida cultural, todos os
comportamentos humanos são permeados de
símbolos e significados.

Sendo assim, você conseguiria pensar em algum exemplo


sobre algo com que lidamos em nosso cotidiano e que
tenha um significado, ou que seja marcado por um símbolo?
Fica aqui um primeiro desafio para você!

Voltemos mais uma vez ao conceito de cultura. Antes daquela definição produzida
por Tylor, outros pensadores antes dele já encaminhavam algumas ideias sobre
essa temática. Foi o caso de John Locke, segundo o qual, já no século XVII, os
seres humanos nasciam com mentes parecidas com caixas vazias: havia apenas
a capacidade de aprenderem indefinidamente. Ora, a que esse autor referia-se
em relação à capacidade de aprendizado? Ao aprendizado dos comportamentos
produzidos culturalmente! Por outro lado, agora no século XVIII, Turgot pensou,
como fez Locke no século anterior, em um conceito aceitável de cultura, como
podemos atestar pela seguinte citação:

Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar


infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas
ideias [...], comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os
seus descendentes como herança sempre crescente. (TURGOT apud
LARAIA, 1999, p. 27).

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Além desses autores, destaca-se, também, Rousseau que, em 1775, contribuiu


com a elaboração de ideias sobre a educação enquanto um processo
fundamental de desenvolvimento humano em sociedade, ou seja, no que
se refere à construção daquilo que, a partir de Tylor, passou-se a chamar de
cultura. Suas ideias, nesse sentido, seguiram aquelas de Locke e Turgot.

Sendo assim, podemos afirmar que Tylor, evidentemente sendo considerado


um dos principais elaboradores do conceito de cultura, valeu-se, então, de
[...] o fenômeno
muitas ideias de outros pensadores dos séculos anteriores. De todo modo, da cultura se
perguntamo-nos: a partir de Tylor, os estudos sobre a cultura avançaram? transformou na
Mais ainda: esses estudos originaram uma ciência própria? As respostas para ciência que, hoje,
essas duas perguntas são: sim! Tanto o estudo científico sobre o fenômeno
da cultura se transformou na ciência que, hoje, chamamos de Antropologia,
chamamos de
quanto, dos tempos daquele autor até os dias atuais, houve muitos avanços Antropologia [...]
teórico-metodológicos representados por diversos autores. Vale notar pelo
menos dois importantes pensadores, cujas ideias fizeram avançar bastante o
acervo de ideias referentes ao fenômeno da cultura, a saber: Boas e Kroeber.
O primeiro, com a elaboração do particularismo histórico, e o segundo, com o
conceito de superorgânico, separaram de vez duas esferas, no que se refere ao
desenvolvimento dos seres humanos em sociedade: a natural (propriamente
biológica ou genética) e a cultural (aquele conjunto de comportamentos
aprendidos, adquiridos pela educação através das gerações passadas), como
veremos com mais detalhes nos próximos itens desta aula.

Entretanto podemos fazer a seguinte pergunta: de onde veio a


cultura? Como o ser humano passou a ser um animal cultural,
diferenciando-se do restante dos animais de nosso planeta?

É certo que houve, no início de toda a evolução animal que se consolidou


nos seres humanos, o desenvolvimento de algumas modificações
anatômicas processadas pela seleção natural: a cerebral, dando-lhe
uma inteligência capaz de simbolizar os elementos da natureza como
um todo; a das mãos, fornecendo-lhe a capacidade de manipulação de
objetos, principalmente por conta do surgimento do dedo opositor; a do
bipedismo, proporcionando-lhe a capacidade de se manter em posição
ereta e, assim, trazendo-lhe a sensação de relevo e de profundidade das
coisas do mundo (LARAIA, 1999). Tudo isso, em seu conjunto, possibilitou
um aprimoramento da relação desses seres com o mundo.

O fato de poder pegar e examinar um objeto atribui a este significado


próprio. A forma e a cor podem ser correlacionadas com a resistência e
o peso (não deixando ainda de lado a tradicional forma e investigação
dos mamíferos: o olfato), fornecendo uma nova percepção [da
realidade]. (LEACKEY; LEWIN, 1981 apud LARAIA, 1999, p. 55).

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Dadas essas transformações propriamente físicas, é importante compreender


que a afirmação segundo a qual os seres humanos são animais culturais leva
em conta, pelo menos, a capacidade de criar símbolos e de produzir regras
de convivência em coletividade. Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, por
“[...] exemplo, entende como sendo a primeira norma/regra de todas as culturas
comportamento existentes aquela ligada à proibição do incesto, ou seja, de práticas sexuais
humano é um entre homens e determinadas mulheres de um mesmo grupo cultural. Em
nossa sociedade, o incesto é a prática sexual entre o pai e a mãe, a filha
comportamento ou a irmã. Já Leslie White, antropólogo americano, entende que a primeira
simbólico [...] manifestação cultural foi a produção de símbolos, ou seja, a criação e a adoção
de uma série de significados feitos pelos seres humanos às coisas do mundo
e aos seus próprios comportamentos. Assim, a roupa preta, em determinadas
culturas e em determinados momentos, simboliza/significa luto. Do mesmo
modo, as roupas de cor azul e rosa para bebês, em determinadas sociedades,
simbolizam/significam gênero masculino ou feminino. Sendo assim, podemos
afirmar que o “[...] comportamento humano é um comportamento simbólico [...].”
(WHITE, 1955 apud LARAIA, 1999, p. 56).

2.2 Diversidade cultural: duas explicações relevantes

Vimos, no item anterior, em resumo, que o mundo humano é cultural, ou seja, um


mundo permeado de ações, pensamentos e sentimentos, com determinados
símbolos/significados que lhes são próprios.

Sendo assim, perguntamo-nos: a humanidade possui uma


mesma e única cultura?

É possível que você já tenha percebido que a resposta é não. Ora,


em uma rápida olhada no mundo que nos rodeia, percebemos
que cada povo, cada grupo, cada etnia possui uma forma de viver
que contrasta bastante com a nossa. Assim, precisamos refinar
aquela pergunta inicial: se o mundo que nos cerca não possui
uma cultura única, então, como podemos explicar a expressiva
diversidade entre povos? Essa foi a tarefa dos antropólogos
Edward Tylor e Franz Boas. Vejamos, assim, mais de perto, as
explicações desses dois importantes autores sobre as razões das
diferenças culturais tão marcantes entre povos do nosso planeta.

De acordo com Tylor, a cultura é um fenômeno global, ou seja, um acontecimento


regular que acolhe todos os povos indiscriminadamente. No entanto, mesmo
todos os agrupamentos humanos estando sob a batuta da cultura, esses povos
são visivelmente diferentes entre si, por exemplo, em suas formas de vestir,
comer, trabalhar, relacionar, constituir família, trocar coisas, pensar, expressar
religiosidade, fazer política etc.

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Disso, surgiu-lhe, então, uma questão:

Não seria mais lógico que todos os grupos étnicos tivessem os mesmos
comportamentos culturais, dado que estão igualmente submetidos ao
mesmo fenômeno? Sendo assim, quais eram, então, as razões para
as diferenças culturais?

Segundo Tylor, a diversidade cultural ocorria pelo fato de os povos ocuparem


estágios evolutivos diferenciados entre si. Dito isso, era fundamental, de
antemão, entender quais eram esses estágios evolutivos e, posteriormente,
comparar as culturas diversas entre si, de tal modo que se pudesse elaborar
a sequência evolutiva de toda a história da humanidade. Em seus estudos
sobre os agrupamentos humanos, Tylor compreendeu que havia pelo menos
três estágios evolutivos que permeavam todos os povos, a saber:

O estágio
selvagem/primitivo
Os povos selvagens/ O estágio
primitivos eram bárbaro
representados
Os povos bárbaros, por sua
pelas tribos que
vez, eram representados pelas
viviam em selvas,
nações asiáticas e/ou africanas,
com tecnologia
que já possuíam um maior
pouco desenvolvida,
desenvolvimento político e bélico,
politeístas, armas
mas, em algumas delas, ainda
primitivas e sem
com religiões politeístas e nenhum
qualquer forma de
desenvolvimento industrial.
Estado/governo.

O estágio
civilizado
estágios Os povos civilizados eram
evolutivos representados pelos
países europeus, os
quais possuíam domínio
tecnológico-industrial,
com religião monoteísta,
cidades, desenvolvimento
bélico avançado e Estados/
governos consolidados.

Essa era a escala evolutiva dos povos, segundo Tylor, e que permitia comparar,
então, todos os povos em um mesmo conjunto de critérios, sendo um mais
avançado que outro. Essa teoria foi chamada de evolucionismo unilinear, pois
buscava inserir todos os povos numa mesma linha evolutiva a ser inevitavelmente
seguida e, assim, a diversidade cultural foi explicada.

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Dito isso, você não achou estranho que apenas os países


europeus, segundo Tylor e seu evolucionismo unilinear,
poderiam estar no estágio da civilização?

Veremos, na próxima aula, que essa forma científica de classificar a cultura


pode ser interpretada como etnocêntrica. Em relação a isso, é importante frisar
que Tylor foi um autor europeu fortemente impactado pelas ideias de Charles
Darwin sobre a evolução das espécies (LAPLANTINE, 2000; LARAIA, 1999).
Essa influência o fez observar os diferentes povos pelo seu olhar de europeu,
condenando-os à inferioridade evolutiva.

Dessa maneira era fácil estabelecer uma escala evolutiva que não
deixava de ser um processo discriminatório, através do qual as
diferentes sociedades humanas eram classificadas hierarquicamente,
com nítida vantagem para as culturas europeias. Etnocentrismo e
ciência marchavam então de mãos juntas. (LARAIA, 1999, p. 34).

Figura 4. Etnocentrismo*

* Cereja &
Magalhães.
“Literatura Brasileira”.
São Paulo: Atual.
P.39.

Fonte: http://clubdehistoriacasaac.blogspot.com.br/p/blog-page_22.html

Um exemplo de aplicação da teoria evolucionista de Tylor pode deixá-la


mais clara. Imagine um arco e flecha? Imaginou? Ótimo! Agora imagine uma
metralhadora? Imaginou? Bom, qual delas seria a arma mais evoluída, segundo
o evolucionismo unilinear de Tylor? Certamente, a metralhadora! Logo, o povo
que possui a tecnologia para produzir metralhadoras será o povo mais evoluído
na escala evolutiva dos povos e culturas.

O caminho teórico-metodológico construído por Tylor, no século XIX, permitiu, sem


dúvida, avanços importantes em sua área de conhecimentos. De todo modo,
foi através dos estudos e pesquisas de Boas, a partir dos anos finais do século
XIX, que o evolucionismo unilinear de Tylor passou a ser refutado, substituído
e superado por outras formas de entendimento teórico-metodológico sobre a
diversidade cultural existente entre os povos (LAPLANTINE, 2000; LARAIA, 1999).

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Segundo Boas, a forma como Tylor explicou a diversidade cultural, ou seja,


comparando os diversos povos numa mesma e única escala evolutiva, os
quais passariam, inevitavelmente, do estágio selvagem/primitivo ao bárbaro e
deste ao civilizado, era equivocada, visto que, dessa forma, a história particular
de cada povo acabava sendo colocada em último plano de análise. Além
disso, Boas afirmou, também, que o método comparativo de Tylor necessitava
de comprovação de sua eficácia. Sendo assim, Boas propôs dois papéis
fundamentais ao estudo das culturas:

o estudo histórico apurado de cada povo;

a comparação da vida social de um povo de acordo


com suas próprias leis de desenvolvimento.

O que isso quer dizer?

Boas quis dizer com isso que um estudo apurado da diversidade cultural deve [...] estudo
passar, antes de qualquer coisa, por um estudo profundo da história de cada
apurado da
povo analisado (ou seja, todo o conjunto de questões, eventos, condições,
produções, crises etc. pelos quais um povo em particular passou ao longo diversidade
de um determinado tempo), para que, depois disso, possa-se entender como cultural deve
essa história influenciou os comportamentos culturais diversos desse mesmo passar, antes de
povo. Trata-se de uma lógica simples: se cada povo possui uma história em
qualquer coisa,
particular, isso significa que cada povo possui em sua história dificuldades
particulares a serem superadas. Logo, cada dificuldade particular a ser por um estudo
superada evoca uma solução igualmente particular, sendo o conjunto dessas profundo da
soluções o comportamento (tradições, valores, vestimentas, artes, política, história de cada
economia, religiosidade etc.) de uma cultura, ou seja, aquilo que difere uma
povo analisado
cultura de outra.
[...]

São as investigações históricas — reafirma Boas — o que convém para


descobrir a origem deste ou daquele traço cultural e para interpretar
a maneira pela qual toma lugar num dado conjunto sociocultural. Em
outras palavras, Boas desenvolveu o particularismo histórico [...],
segundo o qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em
função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. (LARAIA,
1999, p. 37).

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Um exemplo prático aplicável para a teoria de Boas pode nos ajudar a


entendê-la melhor. Na sociedade atual, trabalhamos muito, todos os dias, pois
nos ensinaram que “tempo é dinheiro”, não é mesmo?
Bom, esse é um problema particular de nossa sociedade
industrial a ser constantemente resolvido, ou seja, produzir
cada vez mais mercadorias em um tempo cada vez mais
acelerado. Tudo é rápido hoje em dia, não é mesmo?
Já que a produção da vida em geral é rápida como um
foguete e que precisamos dar conta de cada vez mais
tarefas ao mesmo tempo, então, outros aspectos de
nossa vida social também devem ser acelerados, como
a alimentação. Não é por acaso que a sociedade atual
inventou o chamado fast food, ou seja, um tipo de
comida rápida e barata a qual você consegue comer
na rua, literalmente, correndo! Se manter a velocidade
da vida é um problema particular a ser superado,
então o fast food é uma solução para isso, pelo
menos do ponto de vista da velocidade alimentar
e não da saúde em si. Tudo isso em seu conjunto
é um comportamento de nossa sociedade e não,
necessariamente, de outras sociedades.

Sendo assim, em resumo, Tylor entende a diversidade


cultural pelo que chamamos de evolucionismo
unilinear, por meio do qual classificam-se,
indiscriminadamente, todos os povos do mundo
como avançados (civilizados) e inferiores (selvagens/primitivos e bárbaros).
Boas, por sua vez, compreende a diversidade cultural como uma evolução
multilinear, referente a cada povo em particular e sua própria história, ao que
não cabem comparações com a evolução particular de outros diversos povos,
visto possuírem histórias diferentes (problemas diferentes e soluções diferentes,
logo, comportamentos diferentes). A teoria de Tylor pode ser chamada de
método comparativo; a de Boas, de particularismo histórico (LAPLANTINE,
2000; LARAIA, 1999).

Figura 5. Diversidade cultural

Fonte: http://soociologando.blogspot.com.br/2016/10/etnocentrismo.html

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2.3 Mas afinal, o que é cultura?


Figura 6. Alfred Louis Kroeber
Nos itens anteriores falamos sobre os entendimentos do conceito
de cultura e das razões de sua diversidade em relação aos
diversos povos do planeta. Mas, afinal, o que é cultura? Por quais
motivos podemos nos pensar enquanto seres culturais? Essas
perguntas foram feitas e respondidas por Alfred Kroeber (um
antropólogo americano que viveu entre os anos 1876 e 1960),
em seu trabalho acadêmico intitulado “O superorgânico”. Nesse
artigo, o referido autor buscou delimitar não somente o que é
a cultura em si, mas especificamente aquilo que diferencia os
seres humanos do restante dos animais. Assim, sua primeira
constatação foi a de que os seres humanos, fracos e limitados
biologicamente em relação aos outros animais, transformaram-
se em seres dominantes de toda a natureza. Fonte: https://alchetron.com/Alfred-L-Kroeber-
1240827-W

O homem, como parte do reino animal, participa do grande processo


evolutivo em que muitas espécies sucumbiram e só deixaram alguns
poucos vestígios fósseis. As espécies remanescentes obtiveram esta
condição porque foram capazes de superar uma furiosa competição e
suportar modificações climáticas radicais que perturbaram enormemente
as condições mesológicas como um todo. (LARAIA, 1999, p. 39).

Os humanos, seres equipados com uma biologia fraca, pobre e limitada,


sobreviveram a uma furiosa competição com a natureza e com outros animais
mais rápidos, mais fortes, maiores etc. Como isso foi possível? Como os seres
humanos puderam vencer essa competição? Para descobrir isso, importa
saber que os animais de toda ordem, com exceção dos seres humanos, para
se adaptarem às hostis condições do planeta, sofreram intensas mutações
biológicas sucessivas ao longo de muitos anos, por gerações. Alguns desses
animais criaram asas para viverem nos ares; outros, nadadeiras para viverem
nos mares. Os seres humanos obtiveram esses mesmos resultados, mas sem
qualquer modificação anatômica e fisiológica em seus próprios corpos, e sim por
meio da criação de equipamentos de locomoção aérea ou marítima. “O pássaro
nasce com um par de asas, nós inventamos o aeroplano. O pássaro renunciou
a um par potencial de mãos para obter as suas asas [...]” (LARAIA, 1999, p. 40).
Em resumo: os animais evoluíram fisiologicamente para se adaptarem ao meio
ambiente; os seres humanos, não. Assim, por um lado, afirma Alfred Kroeber:

A baleia [...] em alguns milhões de anos [...] perdeu suas pernas para correr,
suas garras para segurar e dilacerar, seu pelo original e as orelhas externas
que, no mínimo, nenhuma utilidade teriam na água, e adquiriu nadadeiras
e cauda, um corpo cilíndrico, uma camada de banha e faculdade de reter
a respiração. Muita coisa perdeu a espécie, mais, talvez, em conjunto do
que ganhou. Mas houve um novo poder que ela adquiriu: o de percorrer
indefinidamente o oceano. (KROEBER, 1949 apud LARAIA, 1999, p. 41).

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Por outro:

Encontramos o paralelo e também o contraste na aquisição humana da


mesma faculdade. Não transformamos, por alteração gradual de pai a
filho, nossos braços em nadadeiras e não adquirimos uma cauda. Nem
precisamos absolutamente entrar na água para navegar. Construímos
um barco. E isto quer dizer que preservamos intactos nossos corpos e
faculdades de nascimento, inalterados com relação ao de nossos pais e
dos mais remotos ancestrais. (KROEBER, 1949 apud LARAIA, 1999, p. 41).

O que tudo isso quer dizer?

Ora, que a evolução animal é biologicamente/geneticamente determinada,


enquanto a evolução humana é culturalmente determinada. Enquanto a
primeira está ligada a um processo interno, da espécie (como a modificação
anatômica que resulta em uma asa ou nadadeira); a segunda está ligada a
um processo externo, da cultura (como a criação de um avião ou um barco).

Assim, a partir do surgimento da cultura, é certo dizer que, em larga medida,


os seres humanos se descolaram da própria natureza, algo que lhes permitiu,
desde então:

dominá-la e, até mesmo, recriá-la em suas


próprias condições e termos;

ocupá-la independentemente de suas


circunstâncias e condições e em qualquer lugar;
dentro ou fora do nosso planeta, inclusive.

Por exemplo, o ser humano, mesmo sem a menor condição orgânica/


biológica/genética de viver no vácuo do espaço sideral, dominou-o e, hoje,
consegue viver nesse ambiente completamente hostil à vida humana. Isso
foi possível pela criação de equipamentos culturais diversos, tais como
roupas adequadas, estações espaciais, jatos e foguetes, tubos de oxigênio
etc. Em suma: “Nenhum outro animal tem toda a Terra [ou, até mesmo, o
espaço sideral] como seu habitat, apenas o homem conseguiu esta proeza”
(LARAIA, 1999, p. 42). Enfim, equipamentos culturais, ou seja, tudo aquilo que
os seres humanos constroem para si e que serve para superar suas limitações
orgânicas/biológicas/genéticas (roupas para superar o frio, aviões para voar,
navios para navegar, estações espaciais para viver no espaço, computadores
para pensar mais rápido e acumular mais memória etc.) somente é possível
pelo fato de serem objetos criados por meio da transformação da natureza
pelo trabalho humano em coletividade.

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Enquanto um urso polar não pode mudar de seu ambiente, pois não suportaria
um grande aumento de temperatura, um esquimó pode transferir-se de sua
região gelada para um país tropical e em pouco tempo estaria adaptado ao
mesmo, bastando apenas trocar o seu equipamento cultural pelo desenvolvido
no novo habitat. Em vez de ocupar um iglu capaz de conservar as menores
parcelas de calor preferiria, então, ocupar um apartamento refrigerado, ao
mesmo tempo em que trocaria suas pesadas vestimentas por roupas muito
leves ou quase inexistentes. (LARAIA, 1999, p. 43).

Partindo, então, da ideia de que ter cultura é carregar a capacidade de transformar


a natureza em equipamentos culturais que superam as limitações orgânicas/
biológicas/genéticas dos seres humanos, nós nos perguntamos:

além disso, o que a cultura comporta?

Vimos que os animais, para se adaptarem à natureza, evoluem sua fisiologia, perdendo
determinados atributos em função de outros. Isso não ocorre com os seres humanos,
pelo contrário, nesse caso, nada se perde, tudo é acumulado por gerações seguintes.
O animal, um cachorro filhote, por exemplo, nasce pronto para se comportar como
cachorro, pois assim sua biologia/genética determina, ou seja, o cachorro e todos
os outros animais nascem prontos e ordenados pela sua carga biológica/genética
para serem o que são. Os humanos, não, pois não nascem sabendo falar português
ou inglês, pelo contrário, precisam aprender o idioma corrente da cultura onde [...] não
nasceram. Ou seja, o ser humano não nasce pronto e determinado biologicamente/ nascemos
geneticamente e, por isso, precisa de aprendizado externo para ser um brasileiro ou
um americano. Assim, seria tolice diferenciar o latido de um cachorro brasileiro de sabendo nada,
um cachorro chinês, pois ambos simplesmente são determinados biologicamente/ pelo contrário,
organicamente a latir de uma forma, independente de onde nasçam. O mesmo devemos aprender
não ocorreria com bebês brasileiros e chineses, visto que uns falariam o perfeito o que seremos
português; enquanto os outros, o correto mandarim. Troquem-se os bebês de país
logo após seus respectivos nascimentos e os chineses aprenderão o mais perfeito por meio do
português; e os brasileiros, o mais perfeito mandarim. Outro exemplo oportuno para aprendizado
elucidar essa questão poderia partir do seguinte entendimento comum: “filho de cultural.
peixe, peixinho é”. Quem nunca se valeu disso para justificar o sucesso de alguém,
não é mesmo? Volta e meia dizemos que alguém tem “sangue de comerciante nas
veias”, ou que alguém “nasceu para a matemática”, ou, ainda, que alguém “nasceu
sabendo”. Essas afirmações são errôneas, na medida em que nós, seres humanos,
não nascemos sabendo nada, pelo contrário, devemos aprender o que seremos por
meio do aprendizado cultural. Assim, um bom jogador de futebol o é pelo fato de
treinar muito, e não por ter o futebol no sangue gerado de pai ou mãe; o bom aluno
de matemática o é por estudar bastante matemática, e não por ter herdado essa
condição pela genética familiar. Em resumo:

O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro


de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência
adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação
adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e invenções.
Estas não são, pois, o produto de ação isolada de um gênio, mas resultado do
esforço de toda uma comunidade. (LARAIA, 1999, p. 46).

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Sendo assim, voltemos aos nossos bons jogadores de futebol e estudantes


de matemática por um momento. Não adianta que eles sejam inteligentes, é
necessário, antes de qualquer coisa, que eles aprendam, cada um em sua
respectiva área, futebol e matemática, que tenham acesso
ao acervo cultural de cada um desses conhecimentos
acumulados, que tenham acesso ao conhecimento
geral da cultura na qual estão inseridos etc. Enfim, que
tenham acesso à cultura acumulada durante gerações e
gerações sobre futebol e sobre matemática. Ora, como
Santos Dumont poderia ter inventado o avião se ele não
tivesse acesso integral ao imenso acervo cultural técnico-
científico de sua época, na França? De fato, ele poderia
ter inventado muitas coisas se estivesse no Brasil, naquela mesma época,
mas, certamente, não seria um avião, pois o conhecimento cultural adequado
para isso estava acumulado, naquele momento, nos países europeus e
não no Brasil (LARAIA, 1999). Sendo assim, ter cultura é, também, transmitir
conhecimentos aos descendentes, perpetuando-os, por meio da comunicação.

Assim, à guisa de uma conclusão, podemos definir cultura por meio dos
seguintes aspectos:

Um conjunto de
equipamentos
culturais que
surgiu com a
humanidade;
É a superação
das limitações
1.
orgânicas/
biológicas/
genéticas dos
2. A capacidade
de transformar
seres humanos. a natureza em
bens úteis à
satisfação de todas
Enfim, o ser humano as necessidades
é um animal humanas por meio do
5. superorgânico.
(LAPLANTINE, 2000;
trabalho coletivizado;

LARAIA, 1999)

3.
É o acúmulo e a transmissão de
conhecimentos culturais para
as gerações seguintes pela 4. A adaptação do meio ambiente para
os seres humanos, mantendo seus
comunicação, constituindo-se em próprios corpos intactos, ao contrário
acervo histórico-técnico-científico dos animais que adaptam seus
da humanidade; respectivos corpos para viverem sob os
imperativos da natureza;

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Guia
de
Estudos

Considerando os assuntos abordados na aula 2, defina, no geral, os


seguintes temas, citando os autores que tratam sobre eles e o contexto
em que esses temas são apresentados:

Equipamento cultural e equipamento orgânico

Superorgânico

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 23


Aula 2 - CULTURA

Particularismo histórico e evolucionismo

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