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Temas Contemporâneos

Unidade 3:
Multiculturalismo e os sujeitos
na contemporaneidade

Objetivos
• Compreender as diferentes formas e elementos de formação das
subjetividades no tempo presente;

• Desenvolver capacidades para interpretar as nuances


ideológicas e conceituais que orientam o pensar e agir dos sujeitos
contemporâneos.
Unidade 3

Um dos temas em voga na atualidade diz respeito à cultura e à forma


como os sujeitos se constituem. É correto afirmar que alguém é mais ou menos
culto? Pode alguém possuir mais ou menos cultura do que outro? As pessoas
são determinadas biologicamente ou a cultura condiciona seu modo de ser,
pensar, agir? Afinal, o que se entende por cultura e quais os conceitos ou pre-
conceitos que giram em torno dessa importante temática é algo que precisa ser
estudado e debatido.

O que se entende por cultura?


Cultura é um termo que vem do latim colere, que representa a ideia de cul-
tivar, criar, cuidar, instruir. É um conceito utilizado em diferentes áreas, como no
ambiente agrário, quando se refere aos diferentes cultivos de produtos que são
lançados à terra. Igualmente, tem grande conotação na área do desenvolvimento
humano educativo, quando se dá a entender que algumas pessoas podem ser mais
cultas do que outras pelo fato de dominarem mais informações ou conhecimentos.
Atualmente, a ideia de cultura remete sobretudo aos elementos artísticos (música,
cinema, teatro etc.) de determinados povos ou sociedades.

Existem múltiplos conceitos atribuídos, mas de modo abrangente pode-se


afirmar que cultura representa “tudo que o ser humano produz ao construir sua
existência: as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais.
Se o contato humano com o mundo é intermediado pelo símbolo, a cultura é o
conjunto de símbolos elaborados por um povo” (ARANHA; MARTINS, 2003, p.
25). Inúmeros são os povos e os grupos humanos que constituem as sociedades,
assim também incontáveis são as culturas.

Uma distinção central que é preciso apresentar diz respeito à diferença entre
cultura e natureza. Não raramente se escuta que algumas pessoas agem de determi-
nada forma porque tal comportamento ou postura seria oriundo de sua natureza.
Dá-se a entender que, assim como as demais espécies de seres vivos, também o ser
humano possuiria uma natureza que o determinaria a agir de certa maneira. Seria
o comportamento humano natural? Ou seja, o humano age determinado por uma
necessidade da natureza que é universal a todos da mesma espécie? Seria correto
afirmar que determinados grupos humanos (homens, mulheres, negros, brancos,
pardos etc.) possuem naturezas diferentes e por isso seus comportamentos seriam
determinados por questões naturais e nada pode ser feito em relação a isso?

Entende-se a natureza como uma espécie de instinto ou princípio ativo que


anima os seres, algo que determina seu ser e agir, uma essência que seria univer-
sal. O sentido do termo natureza remete a uma necessidade e universalidade que
submeteria todos os seres a leis naturais. O natural se opõe à ideia de artificial, de

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criação humana. Nesse sentido também é a distinção que se coloca entre natureza e
cultura: falar em natureza humana é ter presente os elementos que nos aproximam
com as outras espécies de animais, com seus aspectos instintivos, fisiológicos etc.

Contudo, o ser humano não possui uma natureza ao estilo dos demais seres
vivos: em vez de natureza humana, carrega uma condição humana. O humano
não se insere e não existe no mundo meramente pela natureza, mas pela sua con-
dição de construir sociedade com os demais, construção essa que não é determi-
nada naturalmente, mas sempre é fruto de escolhas racionais, sociais, políticas,
econômicas, entre outros. Os seres humanos não agem apenas por instintos ou
impulsos naturais, mas condicionam seu ser e suas ações pela razão, baseados em
aspectos históricos e sociais. O humano não simplesmente se adapta ao mundo,
mas o transforma; o humano interfere no mundo através das diferentes formas
de linguagem.

Os atos humanos são sempre involucrados de intencionalidade e de liberda-


de, ou seja, as pessoas não agem por imposição natural, mas levadas por aspectos
culturais, sociais e emocionais mutáveis. O comportamento humano possui uma
finalidade racional, livremente escolhida e alterável. O “ato humano voluntário [...]
é consciente da finalidade, isto é, o ato existe antes como pensamento, como possi-
bilidade, e a execução resulta da escolha dos meios necessários para atingir os fins
propostos” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 23).

A cultura pode ser entendida como um conjunto de práticas, ideias, valores,


comportamentos, normas, técnicas, abstrações, manifestações e instituições que os
homens criam e mantêm para organizar suas formas de existência e suas relações
com os demais, com o meio ambiente e com suas divindades. Por existirem múl-
tiplos povos e comunidades humanas e por suas manifestações serem de infinitas
formas, o mais correto é falar de culturas e não apenas de uma cultura humana. Por
existirem diferentes formas dos humanos manifestarem e criarem sua condição de
existência, existem muitas culturas.

Dica de vídeo
Aprofunde seus conhecimentos assistindo ao vídeo Sociologia - O que é cultura?,
do canal Stoodi - Enem 2019, no Youtube.

A multiplicidade e o respeito às culturas


Os modos de vida das pessoas mudam de acordo com a história, os espaços
geográficos que habitam, as condições econômicas e políticas que enfrentam, en-
tre outros aspectos. Os modos de vida das culturas são aprendidos e transmitidos

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de geração para geração, seja de forma intencional, através da educação formal,


ou através de costumes, manifestações artísticas, rituais etc. Igualmente, todas as
culturas passam por constantes transformações, mutações e adaptações, tanto de
modo consciente quanto inconsciente e involuntário.

Uma vez que as pessoas estão em constante relação e migração, não há como
falar em uma cultura que seja pura ou genuína, pois todas as culturas entram em
contato com outras. Nessas relações interculturais, pode acontecer que algumas
culturas acabem predominando sobre as demais (nem sempre de maneira pací-
fica) ou que acabem se fundindo e se mesclando às manifestações de diferentes
culturas, podendo acontecer o que se denomina sincretismo ou hibridismo cul-
tural, cujo exemplo pode ser o Brasil, uma vez que a formação de seu povo é fruto
da combinação de diversos povos, culturas, tradições, costumes, heranças de dife-
rentes idiomas etc.
Conceito
Sincretismo: Representa a fusão de diversos elementos culturais distintos, ou mes-
mo antagônicos, oriundos de variados sistemas sociais e culturais.

Em meio a tantas formas e possibilidades de contato entre as culturas, hoje


está muito forte a ideia de um relativismo cultural, que consiste em ver e valorizar
cada cultura desde seu próprio horizonte, observando suas questões históricas,
sociais, políticas, econômicas etc. Não há cultura que seja melhor ou superior à
outra, todas as culturas são diferentes e possuem suas riquezas.

“Relativismo cultural é um conceito que se refere ao simples fato —


exaustivamente documentado por antropólogos — de que aquilo que
é considerado como verdadeiro, valorizado ou esperado em um SIS-
TEMA SOCIAL talvez não o seja em outro. […]
Um dos benefícios mais profundos de estarmos conscientes do rela-
tivismo cultural é que esse conceito solapa a opinião, muito comum,
de que os costumes de uma dada sociedade na vida social estão ra-
dicados em uma suposta ordem natural das coisas, que seus códigos
morais são universais e absolutamente corretos, ou que os gostos e
preferências de seu povo são algo mais do que apenas outra mani-
festação do potencial coletivo da imaginação e engenhosidade hu-
manas. Essa conscientização, é claro, não nos liberta das limitações
impostas por nossa própria cultura, uma vez que cada cultura define
a realidade para aqueles que dela fazem parte. Ocidentais podem sa-
ber que, no Tibete, irmãos frequentemente compartilham da mesma
esposa, mas é improvável que esse conhecimento os torne mais to-
lerantes a tais práticas em sua própria sociedade. Dessa maneira, as
consequências produzidas por uma cultura têm validade nela, pouco

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importando como as coisas podem ser feitas de maneira diferente em


outras.
Outro efeito de estarmos mais conscientes do relativismo cultural é
que tendemos a ser menos cegos e arrogantes em relação a outras so-
ciedades e menos rígidos e dogmáticos na avaliação da idéia de mu-
dar a nossa. Compreender que o que aceitamos como ‘natural’, uni-
versal e imutável na verdade assume formas diferentes tanto ao longo
da história quanto entre sociedades é uma experiência que pode nos
tornar mais humildes” (JOHNSON, 1997, p. 195).

A indústria cultural
Historicamente, houve diversos momentos em que culturas se sobrepuse-
ram a outras, dominando-as, forçando assimilações culturais ou mesmo a elimi-
nação de culturas e povos. Na contemporaneidade, observa-se um processo de
homogeneização cultural, através de uma quase imposição de manifestações e
expressões culturais, principalmente veiculadas pelas grandes mídias que acabam
predominando sobre as manifestações locais e marginalizadas. Vive-se hoje um
momento de certa imposição de padrões e valores que acabam colonizando as
manifestações culturais das comunidades e povos, sendo-lhes incutidas ideias, va-
lores, gostos artísticos, modos de vida etc.

Theodor Adorno e Max Horkeheimer (2006), pensadores alemães, chamam


esse fenômeno de indústria cultural. Os filósofos observam que, a partir da revo-
lução industrial, a modernidade (também a nossa contemporaneidade) passa por
um processo que transforma a arte e outras diferentes manifestações culturais em
negócio, padronizando e manipulando os desejos, valores, gostos e interesses das
pessoas. O movimento da indústria cultural transforma a arte e o lazer em formas
de ganhar dinheiro, em objetos de desejos e prazer, passando a ser consumida e
comercializada como os demais produtos.
Dica de leitura
Para saber mais sobre esse assunto, consulte o ensaio Indústria cultural: o
esclarecimento como mistificação das massas, do livro Dialética do esclarecimento, de
Adorno e Horkheimer (2006).

Ao criar desejos e mantê-los sempre insaciáveis, a indústria cultural se man-


tém sempre ativa, pois constantemente lança novos produtos e serviços que aca-
bam mantendo os sujeitos absorvidos ou frustrados, ensejando mais consumo.
Talvez seja por isso que:

“Teremos dificuldades em lembrar qual foi a música hit parade do verão pas-
sado, ou mesmo quem eram os protagonistas da última telenovela. A indús-

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tria cultural baseia-se no divertimento, e o poder que ela exerce sobre os


consumidores está justamente nessa sua capacidade. Desse modo, os pro-
dutos são popularizados, manipulados e prontamente liberados para o con-
sumo. Os instrumentos da indústria cultural (TV, cinema, rádio, revista: os
meios de comunicação de massa) tornam-se veículos de propagação desses
produtos” (SESI, 2007, p. 46).

E como os meios de comunicação alcançam quase toda população, prin-


cipalmente aos sujeitos menos reflexivos e críticos, não é difícil de perceber que
a grande maioria das pessoas acaba absorvendo de forma inconsciente e passiva
os modelos e padrões que lhe são constantemente transmitidos, condicionando
assim os modos de vestir, consumir, de se comportar, suas ideias, o que se deve
assistir, pensar, sentir etc.

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Desafio
Observe a tirinha a seguir:

Fonte: Pinterest (2019).

Se dividirmos a história em quadrinhos, veremos que no começo a Mafalda está brava


porque a televisão só fala de “use”, “compre”, “coma” etc. Ela se sente ofendida pois a
televisão tenta influenciar nas escolhas das pessoas. Mas, depois de desligar a televisão,
ela fica se perguntando sobre o que as pessoas efetivamente são. E aí liga novamente a
televisão. Como é possível explicar o sentimento de Mafalda? Escolha a opção que seja
a mais coerente segundo o seu critério:

a) Mafalda acredita que somos nós que definimos o que a televisão vende, oferece e
promove. Sendo assim, ela fica triste porque deveríamos assistir mais televisão para
poder influenciá-la.
b) Mafalda se sente ofendida porque a televisão não pensa sobre nossa identidade
e acaba oferecendo qualquer tipo de produto, sem considerar as diferenças entre as
pessoas.
c) A televisão não oferece quantidade suficiente de opções para escolhermos segun-
do nossa vontade. Sendo assim, Mafalda fica brava pelo fato de não ter opções apro-
priadas para ela.
d) Mafalda se sente triste porque a contínua oferta de produtos divulgada na televisão,
de maneira indiferente, demonstra que as pessoas não têm uma definição própria de
quem são e do que desejam da vida.

Fonte: Adaptado pela Univates com base em Cultura (2019).

Observação: para ver a resposta, veja o capítulo Resposta do Desafio.

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O multiculturalismo
Um movimento bastante intenso e que merece atenção e reflexão é o multi-
culturalismo. Como o próprio termo deixa subentender, trata-se de tomar e inter-
pretar as culturas a partir de suas multiplicidades e não numa tentativa de sobre-
posição ou de consideração de uma cultura superior à outra. Considerando que
as culturas nas sociedades humanas são plurais, o multiculturalismo busca a igual
valorização de todas as manifestações culturais, evitando manobras ou mecanis-
mos de homogeneização cultural.

Entendendo que uma das riquezas da vida humana em sociedade é a dife-


rença e não a mera uniformidade, o movimento do multiculturalismo visa opor-
tunizar e incentivar a expressão dos diferentes componentes culturais. É a valori-
zação das culturas particulares, dos movimentos minoritários e das comunidades
que habitam as periferias do poder e da comunicação; é também o incentivo às
questões tradicionais e comunitárias de povos e pessoas. “O multiculturalismo
tem sido um dos movimentos que têm posto a diversidade no centro das preocu-
pações mundiais, trazendo para a conjuntura nacional novos sujeitos das políticas
sociais” (SESI, 2007, p. 51).

A partir do conceito apresentado por um renomado pensador sobre a cul-


tura, talvez seja mais fácil de entender sua importância. Para o escritor jamaicano
Stuart Hall (2003, p. 52):

“Multicultural é um termo qualitativo. Descreve as características


sociais e os problemas e governabilidade apresentados por qualquer
sociedade nas quais diferentes comunidades culturais convivem e
tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que
retêm algo da sua identidade original. Em contrapartida, o termo
‘multiculturalismo’ é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas
adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e
multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.”

A ideia surgiu a partir de grupos étnicos minoritários que buscaram rei-


vindicar o direito à manifestação de seus modos particulares de ser, compreender
o mundo e viver. Ou seja, por não se sentirem enquadrados na cultura predomi-
nante ou não concordarem com padrões estabelecidos de manifestações ou im-
posições culturais, buscaram e buscam o reconhecimento e o direito à diferença.
O propósito não era apenas apresentar ou valorizar as artes dos povos e grupos
periféricos de poder, mas também realizar análises e críticas sociais aos mode-
los culturais que historicamente subjugaram ou maltrataram as culturas, povos e
grupos humanos minoritários.

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As crises da modernidade mostraram para diferentes grupos humanos que


o ideal de igualdade precisaria ser repensado; a pergunta crucial que deve ser for-
mulada é: igualdade em que sentido? Certamente não seria na igualização das
culturas ou na dominação através de uma cultura, a saber, a ocidental. Diante dos
riscos e do sentimento de opressão percebido por tais grupos é que se fortalece a
ideia de garantir o reconhecimento das diferenças e o respeito a elas como um va-
lor humano central para o engrandecimento das sociedades. Nos últimos tempos,
vem se falando em direito das minorias: através de políticas públicas, busca-se
garantir os direitos fundamentais a grupos humanos que historicamente foram
discriminados, excluídos ou diminuídos em sua condição de cidadania.
Dica de vídeo
Para se aprofundar no assunto, assista Quais são os direitos das minorias? - Gilberto
Rodrigues, do canal Casa do Saber, disponível no Youtube.

O propósito do multiculturalismo é a convivência e a coexistência pacífica


entre as diferentes culturas, seja nos âmbitos nacionais ou no âmbito global. To-
das as culturas, todos os povos, com seus diferentes modos de ser, viver, fazer e
compreender o mundo têm suas riquezas e contribuições. Os diferentes grupos
humanos, com suas diferenças étnicas, de gênero, de pensamento etc. possuem o
mesmo valor de dignidade e não há nenhum elemento humano, social, biológico
ou político que possa ser utilizado de forma legítima para considerar grupos supe-
riores ou inferiores, merecedores de mais ou menos consideração e respeito.

A história e as experiências humanas nos ensinam que nenhum país é com-


posto por apenas uma etnia, uma única cultura e que todas elas possuem algum
tipo de influência e contribuição para o enriquecimento e desenvolvimento. A his-
tória da humanidade não deixa dúvidas de que a migração e as diferentes miscige-
nações entre os povos são constantes, e isso pode ser apontado como uma riqueza
para o mundo.

O multiculturalismo luta pela sobrevivência e pela diversidade das experi-


ências multiculturais, bem como pela igual valorização de todos os grupos huma-
nos (quanto às questões de raça, gênero etc.). Trata-se de um ideal democrático e
antiautoritário que entende que todos os seres humanos têm igual direito à vez e
voz. É a valorização da história, da condição e dos costumes de todos os grupos
humanos, não tolerando a sobreposição, assimilação ou eliminação de determina-
das culturas, grupos ou povos. É a oposição a uma visão de mundo que se baseava
em uma espécie de pirâmide social ou visão centrada a partir de determinados
povos e valores. As diferenças humanas são frutos de desenvolvimentos sociais,
políticos, econômicos e culturais e não podem ser meramente naturalizadas. Ou
seja, a naturalização de elementos culturais não pode justificar nenhuma opressão,
dominação, ou tentativas de imposição de saberes, crenças, valores, religião etc.

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Todos os elementos apontados até agora mostram a ampla diversidade cul-


tural. O desafio não é apenas tolerar o outro, mas aceitar que somos diferentes
e respeitar as maneiras distintas de cada grupo se organizar e compreender o
tempo e os espaços. De certa forma, cada sujeito e cada grupo tende a olhar o(s)
outro(s) a partir de sua própria perspectiva e, muitas vezes, considerar o diferente
como estranho. Contudo, não é natural que tal estranhamento leve a uma postu-
ra etnocêntrica.

Compreender culturas desde uma perspectiva vertical e não horizontal


pode levar os sujeitos a criar estereótipos em relação aos outros, buscando rotulá-
-los a partir de determinadas características, posturas, comportamentos. É uma vil
tentativa de naturalizar aspectos que são culturais e políticos, tentando justificar
preconceitos e discriminações. “Os estereótipos são uma maneira de ‘biologizar’
as características de um grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da bio-
logia, da anatomia. O processo de naturalização ou biologização das diferenças
étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e
XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais” (GÊ-
NERO, 2009, p. 25).
Conceito
postura etnocêntrica: Considerar determinado povo ou cultura como central e su-
perior.

preconceitos: Julgamentos antes de estabelecer conceitos e conhecer sobre o assunto.

Uma visão etnocêntrica facilmente pode descambar para o racismo, que


entende que há superioridade ou hierarquia hereditária entre as raças; é a atribui-
ção de qualidades aos sujeitos e povos a partir de seus caracteres biológicos, como
se seus comportamentos fossem inatos ou biológicos. Ou seja, é uma tentativa de
justificar através de falsos elementos científicos e biológicos o ressentimento, os
preconceitos e as discriminações de determinados grupos em relação a outros;
uma tentativa de negar a outros (diferentes) o igual direito a uma vida e cidadania.

Dica de vídeo
Entenda como estamos longe de sermos igualitários em um país onde o precon-
ceito racial atinge mais da metade da população, assistindo ao vídeo 2
minutos para entender - Desigualdade racial no Brasil, da Superinteressante,
disponível no Youtube.

As culturas e as relações inter-raciais


O mundo tem testemunhado diversos movimentos e políticas públicas que
visam ao reconhecimento e à valorização da diversidade, principalmente em re-
lação aos povos e grupos que historicamente foram marginalizados ou tomados

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Temas Contemporâneos

como inferiores ou subalternos, como indígenas, negros e mulheres. Tais práticas,


observadas na América Latina, buscam dar visibilidade aos povos e culturas que
estiveram nessas terras muito antes da colonização por parte dos europeus. No
Brasil, por exemplo, um marco importante é a Constituição Federal de 1988 (cha-
mada também de Constituição cidadã) que reconheceu as multiplicidades cultu-
rais e pregou o respeito às diversidades.

Embora os dados sejam divergentes, estima-se que no território brasileiro


existam mais de 200 povos indígenas, que falam por volta de 180 línguas diferen-
tes. Há uma riqueza cultural extraordinária que requer respeito e valorização. A
existência de tais povos e culturas representa um desafio diário, pois são constan-
temente confrontados pelo poder e, em nome do progresso econômico, veem suas
histórias, territórios e vidas ameaçadas.

Dica de leitura
Consulte O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje, obra da série Educação para todos, da Unesco e do Ministério da
Educação.

Em nome de pretensos avanços, não se reconhecem as particularidades dos


povos tradicionais indígenas. Quase diariamente os noticiários apresentam tristes
relatos de representantes de povos que estão sendo ameaçados, assassinados ou per-
seguidos, de confrontos e violências, de invasão de territórios demarcados e histori-
camente a eles destinados, entre outras barbáries. Um país só pode ser rico e grande
se todos os seus povos e pessoas têm a vida respeitada e condições de dignidade
para viver. Os grupos indígenas têm demonstrado incrível capacidade de resistên-
cia ao longo de tantos anos, não se sujeitando à homogeneização ou aniquilação,
preservando seus valores e reelaborando suas riquezas culturais e existenciais.

Assim como os povos tradicionais indígenas, que foram relegados pela his-
tória e política de nosso país e continente, também os afro-americanos sofreram
de forma injusta ao longo de muito tempo. É de conhecimento geral que povos do
continente africano foram durante muitos séculos escravizados e em tais condi-
ções foram trazidos para a América. Igualmente, é de amplo conhecimento a que
condições eram tais pessoas submetidas ao longo de suas vidas. A tradição os rele-
gou à condição de “não-sujeitos”, negando-lhes muitas vezes a condição de pessoa
humana, subjugando-os e os colocando em condições degradantes.
Dica de vídeo
Assista ao vídeo Um novo olhar sobre a pessoa negra; novas narrativas importam
- Gabi Oliveira, do canal Tedx Talks, disponível no Youtube, que trata de estética
negra e relações étnico-raciais.

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Unidade 3

Os movimentos dos povos negros vêm se fortalecendo ao longo de muitos


anos, principalmente a partir da metade do século XX. No Brasil, há hoje em torno
de três mil comunidades remanescentes de quilombos que contribuem com suas
produções e organização social para o enriquecimento do país em múltiplos senti-
dos. Também a partir da Constituição de 1988 – que coincide com o centenário da
Lei Áurea que promulgou o fim da escravidão – os povos negros se manifestaram
para não mais marcar a comemoração da princesa Isabel, mas sim de Zumbi dos
Palmares, que foi uma grande liderança quilombola e lutador pela liberdade e
igualdade dos negros.

Fonte: Parreiras (1927)

Nos dias atuais, comemora-se o dia 20 de novembro como data muito sig-
nificativa que celebra o Dia da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares. É
mais um marco para o fim da escravidão, para as lutas dos negros por liberdade e
também para a necessidade de respeito e de políticas para alcançar igualdade nos
dias atuais.
Para saber mais
Se quiser conhecer mais sobre essa importante data, leia o artigo 20 de Novembro
- Dia da Consciência Negra, da página História do Mundo.

O multiculturalismo e as relações de gênero


Outra questão que merece ser analisada sob o ponto de vista da cultura refe-
re-se a gêneros. A partir da compreensão das ciências humanas e sociais, o conceito
de gênero é sempre fruto de uma construção social do sexo. Sob a dimensão bioló-
gica, cada ser humano nasce sendo do sexo feminino ou masculino, uma vez que
no mundo natural os seres podem ser ou machos ou fêmeas. Se sob o ponto de vista

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Temas Contemporâneos

anatômico há uma determinação corporal, pelo fato do ser humano ser um ente
sempre em construção, entende-se que a questão de gênero não é uma determina-
ção natural; existem maneiras distintas de ser e de se relacionar que são escolhas
a partir de condições humanas e culturais. “O modo como homens e mulheres se
comportam em sociedade corresponde a um intenso aprendizado sociocultural que
nos ensina a agir conforme as prescrições de cada gênero” (GÊNERO, 2009, p. 40).

A partir do senso comum, muitas vezes se interpreta que os comportamen-


tos são determinados pelo fato de alguém ser masculino ou feminino. Ou ainda,
não raras vezes, surgem pesquisas que, sob o ponto de vista biológico, buscam
explicar padrões de comportamento como frutos das questões meramente bio-
lógicas ou hormonais, como se homens devessem se comportar de certa forma e
mulheres de modo distinto. Contudo, tais visões não levam em consideração - ou
negam - que o ser humano está em constante processo de socialização. Também os
comportamentos são condicionados por questões políticas, sociais, econômicas,
culturais e não são determinações naturais ao modo de outras espécies animais.
Dica de vídeo
Assista ao vídeo A luta pela equidade de gênero - Joanna Burigo, do canal Tedx Talks,
disponível no Youtube, que trata sobre feminismo, gênero, privilégios e equidade.

As relações entre os seres humanos são socialmente construídas e não de-


terminadas biologicamente; o sexo anatômico não é o único elemento que define
a forma como as pessoas se comportam e quais papéis devem ou deveriam desem-
penhar na sociedade. Assim, os espaços que homens e mulheres ocuparam e ocu-
pam, assim como as formas de relações e dominações entre os gêneros são frutos
do jogo de relações e poder entre os humanos e não uma situação biologicamente
predeterminada.

É importante ter presente tais concepções ao se analisar a gritante e injusta


diferença que pautou a relação entre homens e mulheres ao longo da história. De
modo geral, os homens sempre tiveram espaços privilegiados na esfera pública,
restando às mulheres os serviços de casa e o cuidado dos filhos. Igualmente, não é
muito difícil de perceber que, por muito tempo, existiu uma ilegítima dominação
dos homens, assumindo uma espécie de domínio sobre a vida, o corpo e o fazer
das mulheres.

A discriminação em relação às mulheres pode ser mais facilmente percebi-


da pelos espaços e papéis ocupados em três áreas:

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Unidade 3

Mercado de trabalho: embora com abertura


para o trabalho das mulheres, ainda hoje as estatísticas
apontam que, em média, as mulheres ganham 30% a
menos do que os homens ao desempenharem a mesma
função.

Fonte: Univates (2019).

Educação (escolarização): hoje, as mulheres


ocupam a maioria dos bancos escolares no Brasil, mas
a conquista do direito de estudar para as mulheres re-
monta a 1870, que é historicamente recente.

Fonte: Univates (2019).

Participação política: também a efetiva partici-


pação das mulheres na vida pública e política é bastante
recente, e ainda as diferenças são persistentes. A título
de exemplo da diferença sexual que caracteriza a huma-
nidade, é interessante observar que as mulheres con-
quistaram o direito ao voto apenas no século XX, mais
especificamente em 1932 no Brasil.

Fonte: Univates (2019).

Dica de leitura
Como as mulheres conseguiram o direito ao voto? Saiba mais sobre, lendo o artigo
da página Guia do estudante.

A diferença ilegítima em relação a gêneros também é visível no que diz


respeito à violência contra as mulheres. Dados apontam que em torno de 30% das
mulheres no mundo ainda são vítimas de violência de gênero; o que significa dizer
que sofrem algum tipo de agressão (física, psíquica, moral, sexual ou patrimonial)
pelo simples fato de ser mulher. Em média, no Brasil, 13 mulheres por dia são
vítimas de feminicídio. O mais triste é perceber que tal índice vem se agravando,
principalmente em relação à população feminina negra (aumento de 29% de femi-
nicídios nos últimos anos).

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Temas Contemporâneos

Conceito
feminicídio: Homicídio praticado contra a mulher em razão do menosprezo por
sua condição feminina, discriminação de gênero ou fruto de violência doméstica.

A realidade da diferença e discriminação de gênero não se esgota nesses


dados e atinge também a população LGBTI, entre outros grupos minoritários.
Pela gravidade da situação e pelo fato de atingir diretamente a dignidade humana,
tais elementos e fatos não podem passar despercebidos e merecem nossa atenção
e reflexão.
Para saber mais
Para visualizar um panorama da violência no país, tanto contra mulheres quanto
contra a população LGBTI, acesse o Atlas da violência 2019, organizado pelo Ipea.
Além disso, sugerimos ainda o vídeo 2 minutos para entender - Violência doméstica, da
Superinteressante, disponível no Youtube.

Ao longo desta terceira unidade, foi possível aprender e refletir sobre


a temática da cultura e as diferentes formas dos sujeitos se compreenderem
como humanos e construírem sua vida em sociedade. Como a vida huma-
na é uma condição a ser construída, também os modos de relação entre as
pessoas podem mudar. Podemos aprender a viver de forma mais respeitosa
e justa em nossos contextos, fazendo da vida em comunidade um espaço
possível para todos. O desafio é reconhecer que todos possuímos a mesma
dignidade e direito a uma vida boa e que temos o dever de respeitar aos de-
mais, considerando as diferentes condições e modos de viver, pensar e sentir.

Exercício
A partir dos estudos realizados nesta unidade, realize a atividade
proposta.

Atividade
Após a leitura da unidade, acesse o Ambiente Virtual e realize o questioná-
rio proposto.

Resposta do Desafio
Resposta: d) Mafalda se sente triste porque a contínua oferta de produtos
divulgada na televisão, de maneira indiferente, demonstra que as pessoas não têm
uma definição própria de quem são e do que desejam da vida.

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Unidade 3

Referências

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento:


fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. Acesso em: 16 out. 2019.

ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria Helena P. Filosofando:


introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2003.

CULTURA, Ideologia e Indústria cultural - Aula de sociologia Enem. Blog do


Enem, 2019. Disponível em: https://blogdoenem.com.br/cultura-ideologia-e-
industria-cultural-sociologia-enem/. Acesso em: 16 out. 2019.

GÊNERO e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,


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