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OS CIGANOS NO BRASIL, IDENTIDADE E CIDADANIA

LUANA ANTONINO DE MEDEIROS1


MARIA DE LOURDES SOARES2

RESUMO: Os ciganos são povos tradicionais brasileiros que estão presente no país desde
o período colonial, apesar de fazer parte da história nacional a pelo menos cinco séculos
poucos foram os sujeitos que se dispuseram a falar sobre esses povos. Neste trabalho faço
um breve histórico de quem são os ciganos e de sua entrada no país, em seguida faço uma
breve análise sobre a relação da cidadania desses povos com a identidade étnica que
carregam.
PALAVRAS-CHAVES: ciganos, cidadania, identidade.

SUMMARY: Gypsies are traditional Brazilian people who have been present in the country
since the colonial period, despite being part of national history at least five centuries ago
were the subjects who were willing to talk about these peoples. In this work I give a brief
history of who are the gypsies and their entry into the country, then I make a brief analysis
about the relationship of citizenship of these peoples with the ethnic identity they carry.
KEYWORDS: Gypsies, citizenship, identity.

POVOS CIGANOS: O BREVE RELATO DE UMA LONGA HISTÓRIA

Os ciganos são povos3 tradicionais brasileiros de acordo com a Lei Complementar 75/93,
esses podem ser encontrados nas mais diversas regiões do mundo. Segundo Ivatts (1975),
os ciganos constituem o maior grupo étnico da Europa, também estão em países da
América Latina e do Canadá.
De origem incerta, alguns pesquisadores se debruçaram em desvendar a origem desses
povos, na obra de Mello Moraes Filho “Os ciganos no Brazil” (1886) observamos que entre

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba
(PPGSS/UFPB). Email: luanaantoninosb@hotmail.com
2
Professora Doutora, vinculada ao Departamento de Serviço Social da UPFB e ao Programa de Pó-Graduação
em Serviço Social. (PPGSS/UFPB). Email: marialsc@terra.com.br
3
Existe um amplo debate dentro da Antropologia sobre os conceitos de povos, comunidades e populações
tradicionais. Trato aqui como povos ciganos, pois entro em acordo com o decreto 6040/2007 que institui a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, dentro os quais estão
os ciganos.
as suposições dois lugares eram atribuídos frequentemente como a terra originária dos
ciganos: A Índia e o Egito.
Existem muitas especulações em torno da origem dos ciganos, mas de acordo com Ivatts
(1975) e Guimarais (2012), a teoria mais aceitável é que são descendentes de uma casta de
militares da Índia, que saíram em diáspora por volta do ano 1000 rumo ao oeste, motivados
por uma série de invasões islâmicas.
Um dos fundamentos dessa teoria de origem indiana dos ciganos foi a observação de um
estudante Húngaro que em 1753 encontrou semelhanças linguísticas entre o dialeto ciganos
e a língua dos seus colegas indianos. Outro fator usado para comprovar essa origem
indiada é a aproximação desses povos com a quiromancia e adivinhação, que se
aproximam de uma casta indiana de feiticeiros(Moonen, 1994; Teixeira, 2000; Gasparet,
1999)
Mas, de acordo com Goldfarb (2017), essa teoria é mais uma forma de exotizar os ciganos,
visto que não é um fato científico. Trata-se de uma especulação que surge para responder a
curiosidade dos não-ciganos.
A entrada oficial de ciganos no Brasil foi em 1574 quando o cigano João Torres e sua família
foram penalizados com a imigração forçada pelo reino de Portugal. À época o governo
Português utilizava o degredo como punição para aqueles que transgrediam as leis.
Dessa forma, duas questões eram resolvidas ao mesmo tempo, além de retirar do reino os
indesejados, resolvia o problema de povoamento das colônias, que eram vistas como
lugares inóspitos. Mas como podemos observar a criminalidade cigana não estava vinculada
a crimes comuns, como roubos ou assassinatos, mas sim pelo fato do ser cigano e de
exercer suas práticas culturais.

(...) as mulheres dos ciganos que estiverem presos nas galés que estão no porto desta
cidade [Lisboa], ou em qualquer outro deste Reino em que estiverem, se sairão dele dentro
dos ditos quatro meses, ou se avizinharão no Reino pela maneira acima declarada,
deixando o dito hábito e língua dos ciganos: e não o fazendo assim serão publicamente
açoitadas com baraço e pregão, e degredadas para sempre para o Brasil (...) (Coelho,
1892:234 apud Costa 1998, pág.39)

Decreto de 27 de agosto de 1685 “o degredo de ciganos da África para o Maranhão.”Nas


provisões de 15 de abril de 1718, 23 de agosto de 1724, 29 de maio de 1726 e de 29 de
julho de 1740, lê-se: “Se os ciganos e outros malfeitores, degradados do reino para
Pernambuco. não adotarem nesta capitania algum modo de vida estável e continuarem a
cometer crimes, serão novamente degradados dela para Angola”.Em 1718, por decreto de
11 de abril, “foram degradados os ciganos do reino para a praça da Cidade da Bahia,
ordenando-se ao governador que ponha cobro e cuidado na proibição do uso de sua língua
e gíria, não permitindo que se ensine a seus filhos, a fim de obter-se a sua extinção”.
(Moraes Filho, pág.23, 1843)

Mesmo fazendo parte da história nacional a cinco séculos, poucos foram os sujeitos que se
dispuseram a escrever sobre eles. Os dois principais registros sobre os ciganos e sua
história são de Mello Moraes Filho (1886) e de Oliveira China (1936), são registros
carregados de estereótipos como “sujos”, “trapaceiros” e “ladrões”.
Esses termos são encontrados frequentemente nos registros sobre os ciganos no Brasil, isto
ocorre porque como os ciganos eram ágrafos e a maioria dos registros encontrados sobre
esses povos foram feitos pode mediadores como padres, viajantes e policiais. “Nestes
testemunhos, a informação sobre os ciganos é dada por intermédio de um olhar hostil,
constrangedor e estrangeiro” (Teixeira, 2000, p. 5)
Para analisar essa histórica relação entre ciganos e não-ciganos é essencial que se coloque
cultura como um fator central, pois como afirma Laraia (2007), a cultura é um mapa
construído por homens utilizado para pensar em si, pensar no mundo, sentir e se classificar.
Frequentemente as relações interculturais são marcadas pelo preconceito, que nada mais é
do que a incapacidade dos sujeitos de compreender o outro e suas características culturais.
Ademais, o preconceito está diretamente vinculado a ideia de pensar em si e nas suas
características culturais como superiores a dos outros, a isto dá-se o nome de
etnocentrismo. (Laraia, 2007)
Silva e Grupione (1995) ao conceituar o etnocentrismo afirma que esta é uma prática que
consiste em desqualificar e até mesmo negar a humanidade do outro.
Na história dos ciganos é toda marcada por práticas etnocêntricas, mas existe um período
muito cruel e pouco conhecido em que os ciganos foram dizimados. Durante a segunda
grande guerra quando o regime nazista deu início ao que ficou conhecido com Holocausto
Romani.
Em 1942, foi decretado que ciganos tivessem seus bens confiscados e que este fossem
enviados a Auschwitz, estima-se que cerca de 500 mil ciganos foram assassinados e
utilizados como cobaias em experimentos sádicos do nazismo. (GUIMARAIS, 2015)
Diversas formas de perseguições foram praticadas ao longo da história nos mais diversos
lugares do mundo contra os ciganos motivadas pelo etnocentrismo. Atualmente, não
encontramos formas tão explícitas de perseguição como as elencadas acima, mas o olhar
hostil e o desprezo pela figura dos ciganos perpassaram o tempo e permanecem no
imagético social.

[...] Eu os defino...Pode ter algum de confiança (pausa), mas a maioria não é. Cigano é
porque já nasce e morre assim. Mas a diferença é que nós somos mais gente. (João,
Taxista) (GOLDFARB, 2013, p. 67-68)

Eu acho que tem muita diferença [entre os não-ciganos e os ciganos]. Eu acho que os
ciganos assim... são pessoas assim... de cultura diferente. Eu acho que os ciganos são meio
preguiçosos, sujos, não dá muito valor à higiene. (Joana, vendedora). (GOLDFARB, 2013. p.
71)

Os homens roubam e as mulheres são raparigas. Essa estória de casar virgem é conversa
fiada! (Maria, comerciante) (GOLDFARB, 2013, p. 33)

São todos assim, um bando de putas e ladrões, coisa horrível! (Laura, estudante de ensino
médio) (GOLDFARB, 2013, p. 33)

A esse tipo de linguagem que deprecia a imagem do outro Goffman (1981) dá o nome de
estigma, de acordo com o autor não se trata apenas de atributos negativos, mas sim de uma
linguagem de relações. Pois, “um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a
normalidade de outrem, portanto ele não é em si mesmo horroroso nem desonroso.”
(GOFFMAN, 1981, p. 6)

[...] um garoto de classe média pode não Ter escrúpulos de ser visto entrando numa
biblioteca; entretanto, um criminoso profissional escreve: “Lembro-me de que, mais de uma
vez, por exemplo, ao entrar numa biblioteca pública perto de onde eu morava, olhei em
torno duas vezes antes de realmente entrar, para me certificar que nenhum de meus
conhecidos estava me vendo.” (GOFFMAN, 1981, p. 6-7)

Goldfarb (2013), ao analisar como os ciganos de Sousa na Paraíba são representados pela
população local, afirma que o estigma em torno da figura do cigano é um mecanismo sutil e
eficaz de segregação espacial.
Os trabalhos que retratam os ciganos no Brasil comumente tratam esses povos de forma
generalizada, porém existem diversos grupos e subgrupos dentre os quais se destacam: Os
Sinti, os Rom e os Calón.
Até o final do século XVIII só havia no Brasil os ciganos Calón advindos da Península
Ibérica, a partir do século XIX há registro da entrada de ciganos Rom no país,
principalmente no final do século quando houve imigração em massa de Italianos, Alemães,
Poloneses, Russos e Gregos. Vale ressaltar que é muito provável que a entrada desses
povos se deu de forma clandestina, visto que à época a guarda portuária proibia a entrada
dos ciganos no País (TEIXEIRA, 2000, p. 29)

"O Sr. ministro da agricultura tem noticia de que em um dos vapores esperados no Rio vém
sem passagens, para o Brasil, centenas de turcos ou bohemios sem profissão, telegraphou
para os portos intermediários, afim de que não lhes fosse permitido o desembarque. No Rio
foram dadas as mesmas ordens”. (O Pharol, 08 de julho de 1887 apud TEIXEIRA, 2000, p.
29-30)

Cada grupo cigano possui características culturais próprias que ora pode aproximá-lo de
outro grupo, ora pode ser fator de diferenciação. Segundo Teixeira (2000), os ciganos
pensam em si próprios de forma fragmentada, o processo de identificação se dá a partir do
pertencimento familiar ou através do ofício que exercem.
Sobre a generalização das culturas ciganas, o cidadão brasileiro de identidade cigana
Jerónimo Guimarães diz: “Até nas flores se encontra a diferença da sorte, umas enfeitam a
vida, outras enfeitam a morte”. (Costa; Rolim, 2014
Figura 1: Etnias ciganas

Fonte: Hilkner & Hilkner, S/D

CIGANOS, IDENTIDADE E A CIDADANIA

A identidade cigana é um dos grandes debates dentro da academia, mas de acordo com
Moonen (2013) durante muito tempo os chamados ciganólogos4 fizeram esforços para
categorizar as características culturais dos povos ciganos, em uma tentativa de apontar os
falsos e verdadeiros ciganos.
Muitos grupos ciganos acreditam que são mais ou verdadeiros ciganos pelo fato de
permanecerem nômades ou de preservarem a língua, alguns até se auto intitulam de
“guardiões da cultura cigana”, “ciganos de primeira categoria”, sendo todos os outros
ciganos ilegítimos. Moonen (2013) nos explica que essa retórica foi incorporada pelos
ciganólogos que estavam junto a esses grupos e acabaram por ser disseminadas. O autor
nos diz ainda que esse debate é estéril, pois é impossível definir critérios universalmente
aceitáveis.

4
Ciganólogos é um termo utilizado por Moonen em suas obras para definir estudiosos da questão cigana. Hoje,
este termo não se encontra em voga nos estudos sobre a etnia.
Características culturais exóticas, visíveis externamente, também não servem mais para
identificar os ciganos, pelo simples fato de que os ciganos não têm, e provavelmente nunca
tiveram, uma cultura única. Um exemplo, entre muitos outros possíveis, é o vestuário. Os
homens ciganos, ao que tudo indica, nunca tiveram uma roupa “típica”, a não ser às vezes
um imaginário „vestuário cigano, mas apenas no meio artístico. Por isso, em quase todo
mundo os ciganos usam a mesma roupa dos gadjé [não ciganos] do país em que vivem, a
não ser nas ocasiões em que é necessário ou útil ser reconhecido como cigano. Este
vestuário “cigano” varia de país para país, de acordo com a imagem que a população
nacional ou local tem dos “ciganos”. Muitas mulheres ciganas ainda usam longas saias,
além de joias de ouro e prata, mas inúmeras outras não. Inclusive porque é sempre mais
difícil possuir este tipo de joias. Muitas vezes mulheres ciganas e não-ciganas que se
dedicam a atividades esotéricas costumam fantasiar-se de “cigana” conforme os
estereótipos existentes na região, o que atrai mais clientes. Porque neste caso, mais
importante do que ser, é parecer cigana, de preferência Kalderash. E para parecer uma
cigana, somente usando um estereotipado vestuário cigano, nem que seja uma fantasia
carnavalesca. Para quem quiser, na internet existem alguns sites que vendem roupas e
outras coisas supostamente ciganas. (MOONEN, 2013, p. 18-19)

Essa tentativa de apreender as características do verdadeiro cigano está vinculada a uma


perspectiva de pensamento estritamente cultural, que pensa a identidade étnica através de
traços culturais específicos. Isto posto, os ciganos ficariam dependentes da perpetuação de
determinados traços para ter sua condição de ciganos reconhecido. (Bento; Batista, 2018)
Mas esse tipo de pensamento vem sendo superado, nas produções sobre os ciganos no
Brasil há uma predominância de uma perspectiva muito mais ampla sobre identidade que
tem como referência o antropólogo norueguês Fredrik Barth e o seu debate sobre etnicidade
e fronteiras étnicas.
Barth (1998) explica que a etnicidade ou pertencimento étnico está atrelado a organização
do grupo e que apesar do contato entre diversos grupos as fronteiras de diferenciaçãosão
mantidas. Para ele,“as diferenças culturais podem persistir apesar do contato interétnico e
da interdependência entre etnias”. (BARTH, 1998, p. 26).

A manutenção das fronteiras étnicas implica também a existência de situações de contato


social entre pessoas de diferentes culturas: os grupos étnicos se mantêm como unidade
significativas de acarretam diferenças marcantes no comportamento, ou seja, diferenças
culturais. No entanto, havendo interações entre pessoas de diferentes culturas, seria
esperado que essas diferenças se reduzissem, uma vez que a interação tanto requer como
gera certa congruência de códigos e valores- em outras palavras uma similaridade ou
comunidade cultural. (BARTH, 1988, p. 35)

Bento e Batista (2018) constatam que o autor faz uma crítica a essa perspectiva cultural
supramencionada,que coloca grupos étnicos como dependentes de traços culturais
característicos. A tese de Barth é que a etnicidade é um fenômeno de caráter gerativo e que
se modifica ou se fortalece conforme são confrontados por outros.

Barth [...] discute processos que envolvem a construção e manutenção de grupos étnicos
através da construção de fronteiras étnicas. Assim, partindo da concepção das fronteiras
étnicas, observa-se que os grupos mantêm suas identidades ‘específicas’ mesmo quando
suas características culturais se modificam se atualizam, pelo contato com outros grupos,
com outras realidades sociais, culturais, econômicas e políticas. (BENTO E BATISTA, 2018,
p. 6)

O debate identitário vem ganhando novos contornos, se antes era utilizado para pensar os
grupos étnicos e suas fronteiras culturais, hoje, é utilizada como uma categoria importante
na luta pelo reconhecimento da cidadania de alguns gupos
No Brasil, as demandas pelo reconhecimento identitário começa a ganhar espaço no campo
político a partir da Constituição Federal de 1988, quando grupos indígenas começam a
resgatar ‘características culturais indígenas’, com o objetivo de ter sua identidade indígena
reconhecida e dessa forma, cobrar o acesso à demarcação de terras indígenas. (BENTO;
BATISTA, 2018, p. 7)

A questão de direitos envolvendo as comunidades tradicionais e minorias étnicas do Brasil


desde essa época [1574] ficou esquecida ou negligenciada. A inatividade política e a falta de
iniciativa sempre foram evidentes. Afinal, por se tratar de populações com outro tipo de
organização e por ser em sua maioria analfabetos, elas por si só não
representariamnenhum peso político. Nesse sentido, a Constituição Federal brasileira de
1988 apresentaria algumas alterações quanto à garantia de direitos das minorias étnicas. As
referidas medidas, entretanto, só iriam contemplar os povos indígenas. Posteriormente, em
maio de 1993, a Constituição as ampliaria às demais, dentre elas a cigana. ( SIMÕES, 2010,
p. 350-351)
No caso dos ciganos brasileiros, observamos que o debate sobre a cidadania desses
sujeitos surge na agenda nacional nos anos 1990, quando têm reconhecida seu status de
minoria étnica pela Lei Complemetar 75/93, mas é a partir dos anos 2000 que ocorrem os
marcos da cidadania cigana.
Em 2002 são pela primeira vez eixos temáticos na V Conferência Nacional de Direitos
Humanos, em 2002 a inserção no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em
2006 a criação do Dia Nacional do Cigano.
Em 2007 é lançado o primeiro edital do Prêmio Culturas Ciganas, a primeira política pública
específica para povos ciganos. Este tem como objetivo fortalecer as expressões culturais
ciganas e a identidade cultural, além de tentar valorizar e dar visibilidade às iniciativas
culturais desses povos.
Mas, é interessante notar que essa demanda por preservação das das expressões culturais
não é uma questão urgente dentro dos grupos ciganos. Pois, como pode ser observado na
pesquisa de Bento e Batista (2018), sobre as demandas por direitos por povos ciganos na
Região Nordeste, as principais reclamações dos ciganos junto aos órgão públicos têm sido
em torno da garantia de direitos básicos, como: melhorias no atendimento em saúde,
políticas de combate a discriminação e ao desemprego.
As pesquisadoras afirmam que o perfil de cidadania e garantia de direitos que se desenhou
na Consituição Federal de 1988 está longe de ser uma realidade no universo cigano.
[...] apesar de todo o avanço em termos de legislação e em termos de políticas públicas
implantadas nos últimos 20 anos, com relação aos ciganos que vivem na região nordeste, o
horizonte que se desenha em termos de cidadania e de exercício efetivo de uma
representação na arena política ainda está muito longe de se realizar minimamente. Este
cenário nos revela, ainda, que tais dificuldades na garantia da execução concreta de ações
e políticas voltadas para os grupos ciganos nutre uma relação direta com a maneira pela
qual as minorias continuam sendo vistas no Brasil, apesar de todo o aparato legal. (BENTO;
BATISTA, 2018, p. 11)

Medeiros e Batista (2018), avaliam que há uma confusão na ideia de garantir direitos
universais a sujeitos culturalmente diferenciados, de modo que o respeito às diferenças é
permeado por uma bandeira de “preservação da cultura” que foge à realidade, pois há a
exigência de que esses povos devem carregar consigo uma carga de características que
são atribuídas a eles como identitátias e quando há mudanças nesses características esses
povos são acusados de perda de identidade étnica, o que muitas vezes acarreta em
questionamentos quanto a necesidade de políticas especiais para esses sujeitos.
De tal modo, que ao se destacar a dimensão cultural, se produz a sensação de que esses
grupos existem fora do tempo histórico e só podem continuar existindo aos nossos olhos se
permanecerem iguais à aquilo que atribuímos enquanto marca identitária. Exigência que não
fazemos com relação a nós mesmos, pois incorporamos as mudanças sem que com isso
percamos nosso direito a identidades específicas. Portanto, há um desafio em problematizar
os efeitos e as mudanças, quando se processam as incorporações desses ciganos na arena
dos direitos, envolvendo, inclusive, a plenitude da condição cidadã. (MEDEIROS E
BATISTA, 2018, p. 1-2)

Ressalto aqui que apesar do debate sobre identidade ainda ser debatido amplamente dentro
do Serviço Social, é imprescindível que esta categoria seja trabalhada, visto que é a partir é
o reconhecimento da cidadania de alguns grupos está diretamente vinculada ao
pertencimento étnico. Ainda que não seja a cidadania ideal, é essencial manter o que se tem
de cidadania, ára ser possível ir além.

REFERÊNCIAS

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