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MULHERES

no Sistema Prisional

MÓDULO 1
Atenção às mulheres presas
EXPEDIENTE

GOVERNO FEDERAL Revisão Textual


Supervisão: Evillyn Kjellin
Presidente da República Victor Rocha Freire Silva
Luiz Inácio Lula da Silva Vivianne Oliveira Rodrigues
Vice-Presidente da República
Design Instrucional
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho
Supervisão: Milene Silva de Castro
Ministro da Justiça e Segurança Pública Joyce Regina Borges
Flávio Dino de Castro e Costa
Design Gráfico
Secretário da Secretaria Nacional de Políticas Penais – SENAPPEN Supervisão: Mary Vonni Meürer de Lima
Rafael Velasco Brandani Airton Jordani Jardim Filho
Cleber da Luz Monteiro
Diretora da Escola Nacional de Serviços Penais – ESPEN
Giovana Aparecida dos Santos
Stephane Silva de Araújo
Guilherme Comerão Stecca Almeida
Equipe ESPEN Julia Morato Leite Lucas
Haynara Jocely Lima de Almeida Renata Cristina Gonçalves
Italo Rodrigues dos Santos Sonia Trois
Tiago Augusto Paiva

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programação


Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Coordenação Geral Luan Rodrigo Silva Costa
Luciano Patrício Souza de Castro Luiz Eduardo Pizzinatto
Financeiro
Audiovisual
Fernando Machado Wolf
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Consultoria Técnica EaD Angie Luiza Moreira de Oliveira
Giovana Schuelter Arthur Pereira Neves
Dilney Carvalho da Silva
Coordenação de Produção Eduardo Corrêa Machado
Caroline Daufemback Henrique Kimberly Araujo Lazzarin
Francielli Schuelter Marcelo Vinícius Netto Spillere
Marília Gabriela Salomao Dauer
Coordenação de AVEA Maycon Douglas da Silva
Andreia Mara Fiala
Apresentação
Áureo Mafra de Moraes

Conteúdo
Carlos Rodrigo Martins Dias

Todo o conteúdo do curso Mulheres no Sistema Prisional, da Secretaria Nacional de Políticas Penais
do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo federal – 2022, está licenciado sob a
Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial - Sem Derivações 4.0 Internacional.
BY NC ND
Para visualizar uma cópia desta licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR.
ESCLARECIMENTO

A partir de 1º de janeiro de 2023, o Departamento Penitenciário Nacional


(DEPEN) passou a ser denominado Secretaria Nacional de Políticas Penais
(SENAPPEN), instituída pelo Art. 59 da Medida Provisória nº 1.154; porém,
devido ao fato de o material deste curso ter sido produzido antes da vigência
da referida medida provisória, há conteúdos em que a atual SENAPPEN
é mencionada como DEPEN. É possível, ainda, que outros órgãos gover-
namentais federais citados nos materiais, como ministérios, secretarias
e departamentos, disponham de uma nova estrutura regimental e uma
nova nomenclatura e sejam mencionados de maneira diferente da atual.
SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................................................................6
Objetivos do módulo 6

Unidade 1: Breve histórico do aprisionamento feminino em


contexto nacional.....................................................................................................................................9
1.1 Introdução  9

1.2 O que dizem alguns estudos sobre o sistema prisional feminino 11

1.3 O que dizem os dados do Sistema de Informação do Departamento Penitenciário Nacio-

nal (SISDEPEN) 15

Unidade 2: Legislação vigente .......................................................................................... 22


2.1 O que diz a Constituição Federal 22

2.2 O que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos 23

2.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 24

2.4 O que dizem as Regras de Mandela 24

2.5 O que dizem as Regras de Bangkok 26

2.6 O que diz a Lei de Execução Penal 26

2.7 O que diz a Lei n° 13.869, de 5 de setembro de 2019 27

2.8 O que diz a Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014  28


SUMÁRIO

Síntese do módulo������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 36

Referências����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������37
MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!

As administrações prisionais estaduais têm demonstrado certa preo-


cupação relacionada à rotina penitenciária de mulheres em situação de
prisão, no que concerne às previsões legais, em especial, às orientações
trazidas pela Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014,
que institui a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação
de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE).
Ainda, com Nota Técnica nº 17/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ,
que trata dos procedimentos quanto à custódia de mulheres no sistema
prisional brasileiro, essa preocupação fica evidente.

Os referidos princípios legalísticos trouxeram aos estados orientações


sobre como proceder na custódia de mulheres para garantir os direitos
e, também, a segurança de todos, considerando, entretanto, o previsto
na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal.

Diante desta realidade, o Departamento Penitenciário Nacional


(DEPEN) é a instituição responsável por promover e fomentar as políticas
penitenciárias em território nacional. Cabe ao DEPEN e às instituições
parceiras a formulação de orientações sobre os procedimentos que as
unidades precisam executar para garantir dignidade, segurança e auxiliar
os servidores na capacitação para compreensão das especificidades de
mulheres em privação de liberdade. Este curso faz parte dessa trajetó-
ria. Ele é uma continuidade dos estudos e mapeamentos já realizados.
Por isso, apresentamos a você, servidor, o curso Atenção às Mulheres Presas.

Objetivos do módulo

• Tratar sobre as mulheres em situação de prisão, considerando a ne-


cessidade de atenção específica durante o cumprimento de pena.

• Apresentar um breve histórico do aprisionamento feminino em con-


texto nacional, assim como a legislação vigente.

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• Expor a respeito do recebimento de mulheres em privação de liberdade


e dos procedimentos de custódia.

• Destacar a importância quanto à compreensão do conteúdo para


que a custódia de mulheres aconteça em observância aos preceitos da
Constituição Federal.

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UNIDADE 1

Breve histórico do aprisionamento


feminino em contexto nacional
MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

1. BREVE HISTÓRICO DO APRISIONAMENTO FEMININO EM


CONTEXTO NACIONAL

Nesta unidade, trataremos o contexto histórico sobre a população fe-


minina presa. Para tal, serão tratadas questões que envolvem a invisi-
bilidade das especificidades femininas e, também, relações intramuros
e extramuros de crianças que eventualmente acompanham suas mães
em ambientes prisionais.

1.1 Introdução
O Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional
(SISDEPEN), de julho a dezembro de 2021, informa quantas pessoas
presas existem no Brasil. Referente à tipificação criminal, as mulheres
em situação de prisão respondem e incidem, majoritariamente (14.715
ou 55,86%), por tráfico de drogas, de acordo com a Lei n° 6.368/76 e
a Lei n° 11.343/06. A maioria delas (13.711) possuem apenas o ensino
fundamental incompleto.

Pessoas presas no Brasil

Total: Homens: Mulheres:


670.714 640.089 (95,43%) 30.625 (4,57%)

Com relação à composição da população por cor/raça, o SISDEPEN,


de julho a dezembro de 2020, nos informa que do total de 670.714
pessoas presas com informações sobre raça/cor, têm-se os dados apre-
sentados no infográfico a seguir. Assim, conclui-se que a maioria das
pessoas presas são negras (homens e mulheres).

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Informações de raça/cor das pessoas presas

325.486 pardas (48,52%) 111.199 pretas (16,57%) 1.537 indígenas (0,22%)


199.058 brancas (29,67%) 4.571 amarelas (0,68%)

Nesses termos, Borges (2019) chama a atenção para o fato de que


“Até os dias atuais, a questão da seletividade penal com o viés racial tem
sido pouco levada em consideração [...]. Para a advogada e pesquisadora
Winnie Bueno, pouco se fala sobre “seletividade racial [...]” (BORGES,
2019, p. 73). Os dados nos informam que a maioria da população encar-
cerada é negra, pois segundo a definição do Estatuto da Igualdade Racial,
a população negra é o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas
ou pardas, conforme a definição do Instituto de Geografia e Estatística
(IBGE), bem como a autodeclaração equivalente.

Foto: © [rafapress] / Shutterstock.

É importante mencionar que o Brasil dos séculos XVII e XIX nos legou
como herança a compreensão política, filosófica e social de justiça cri-
minal. Nessa lógica, Borges (2019) destaca que o código penal brasi-
leiro, vigente entre 1500 e 1822, era regido pelas Ordenações Filipinas,
que já trazia intersecções entre gênero, pertencimento racial (ex-escravi-
zado), configuração de crime e cumprimento da pena, evidenciando que
somente em 1830 a lei criminal no Brasil foi promulgada.

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1.2 O que dizem alguns estudos sobre o sistema prisional feminino


Borges (2019), Davis (2018) e Varella (2017) nos ajudam na reflexão
sobre as especificidades do cárcere feminino e reforçam o fato de que
o cumprimento de pena precisa ser compreendido pela privação de
liberdade. Portanto, os demais direitos inerentes à pessoa humana não
devem ser ceifados pela sentença.

Juliana Borges, em seu livro “Encarceramento em Massa”, discorre sobre


a estrutura racial do sistema de justiça criminal e sua colaboratividade com
a lógica de controle social advinda do período escravocrata.

Foto: Editora Jandaíra.

A partir da lógica racial que estrutura as prisões, é relevante apontar que:

“O sistema de justiça criminal é pouco discutido [...]. Com isso,


esse tema arenoso e difícil de ser tratado na sociedade [...].
Acaba por ser deixado de lado [...].” (BORGES, 2019, p. 41).

Algumas adequações ainda são necessárias para o acesso ao direito,


o aprisionamento de mulheres, segundo a autora, guarda condições estru-
turais que precisam ser observadas, principalmente porque os locais são
desprovidos, em sua maioria, de equipes multiprofissionais para atendê-las,
de áreas próprias para mulheres grávidas e de espaços para visita íntima.

Nesse caminhar, as mulheres encarceradas sofrem uma dupla invisibili-


dade – por estarem em situação de cárcere e pelo próprio fato de serem
mulheres. Nesse sentido, Borges afirma que:

“[...] As mulheres têm necessidades diferenciadas e esse uso de res-


peito a um tratamento igual intensifica o contexto de violência a que
essas mulheres são submetidas no contínuo desrespeito aos diretos
humanos nas unidades prisionais.” (BORGES, 2019, p. 98).

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Varella (2017), em seu livro “Prisioneiras”, reafirma que o encarceramento


feminino no Brasil é repleto de complexidades que muitas vezes se
tornam incompreensíveis. Assim, as pessoas que entram para o sistema
prisional tornam-se cidadãos e cidadãs de segunda classe.

Foto: Companhia das Letras.

Isso, principalmente quando são mulheres, Varella entende que:

“De todos os tormentos do cárcere, o abandono é o que mais aflige


as detentas. Cumprem suas penas esquecidas pelos familiares,
amigos, maridos, e até pelos filhos [...]. A mulher é esquecida.”
(VARELLA, 2017, p. 39).

Somente após onze anos trabalhando em penitenciárias femininas,


Varella (2017) constatou que mulheres realmente são invisibilizadas e
necessitam de um tratamento penal que valorize a sua especificidade.
Também é importante apontar que as mulheres que rompem com as
normas sociais de convivência são tratadas com mais severidade por
ingressar em um campo majoritariamente masculino (tráfico e/ou crime).

No livro “Estarão as Prisões Obsoletas?”, de Angela Davis, há a informação


de que “O encarceramento em uma penitenciária era considerado algo
humano – ou pelo menos muito mais humano [...]”. (DAVIS 2018, p. 43).
Hoje, essa lógica pode ser verificada na ascensão das políticas públicas para
mulheres, pois mostra que as suas especificidades estão sendo ponderadas
durante o cumprimento da pena, ou seja, começa-se a entender que:
“[...] as práticas nas penitenciárias femininas são marcadas pela questão de
gênero [...]” (DAVIS, 2018, p. 66).

Foto: © Grupo Editorial Record.

Para a autora em destaque, ter pessoas presas se tornou algo tão co-
mum que quando nos propomos a pensar sobre sistema prisional e,
consequentemente em reformá-lo, prevalece a ideia de aumentar o
número de vagas, excluindo a de implantar políticas penitenciárias de
reinserção social – acesso a saneamento básico, saúde, educação, trabalho,

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

acesso a bens sociais e/ou garantia da equidade social, ou até mesmo


a ideia da inexistência de prisões. Assim, extrai-se que “Também é pre-
ciso salientar que a punição não deixava de ter dimensões de gênero.”
(DAVIS, 2018, p. 43). Ou seja, em alguns casos a punição era tão somente
por ser uma mulher, depois agregavam-se as demais questões.

Portanto, compreender o sistema prisional feminino implica adentrar


em sua estrutura orgânica. Implica observar, reconhecer e absorver a sua
dinâmica o máximo possível – desde as pessoas que laboram no sistema
(servidores) até as pessoas que vivenciam o sistema prisional (mulheres
em situação de prisão).

Foto: © [Henrique Pereira] / G1.

Por essa razão, o sistema prisional tem sido alvo de investimento significa-
tivo por parte do poder público, especialmente quando se trata do cárcere
feminino. Devido a esse fato, é fundamental destacar que, na realidade
brasileira, há raros registros de rebeliões em penitenciárias femininas.

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre a visão de Davis
no livro apresentado, e sua relação com o sistema prisional atual,
ou acesse o link: https://youtu.be/UgLxkxnvLvo.

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

No entanto, mesmo atuando no sistema penal, conhecendo a realidade


do dia a dia e, por mais que tenhamos acesso às informações referentes
ao aprisionamento feminino, temos que nos colocar sempre na condição
de aprendizes, pois:

“Podemos pensar que sabemos como o sistema de justiça criminal


funciona. A televisão está repleta de dramas ficcionais sobre polícia,
crimes e promotores – programas como Law & Order. Assim como o
noticiário policial, essas ficções tendem a se concentrar em histórias
individuais de crime, vitimização e punição, e são tipicamente contadas
do ponto de vista das autoridades de segurança pública. Um policial,
um investigador ou um promotor carismático luta com seus próprios
demônios enquanto tenta heroicamente resolver um crime horrível.
Ele finalmente consegue uma vitória pessoal e moral ao encontrar o
cara mau e jogá-lo na cadeia. Essa é versão feita para a TV do sistema
de justiça criminal. Ela perpetua o mito de que a principal função do
sistema é manter nossas ruas a salvo e nossos lares seguros ao caçar
criminosos e puni-los [...]. Aqueles que foram sugados pelo sistema de
justiça criminal sabem que o modo como o sistema de fato funciona
guarda pouca semelhança com o que acontece na televisão ou nos
filmes.” (ALEXANDER, 2017, p. 109).

As mulheres em privação de liberdade, conforme legislação vigente,


têm os mesmos direitos que qualquer outra mulher. Para tanto, os pro-
fissionais que atuam na área prisional feminina devem analisar o perfil
dessas mulheres, levando em consideração, entre outras questões:
a sua condição de vulnerabilidade no tocante ao acesso da população
à prevenção, tratamento e cuidados específicos em saúde; o acesso à
educação e ao trabalho; a alocação adequada; a proteção a qualquer tipo
de violência; o acesso a itens de higiene específicos; e a manutenção de
vínculos entre mãe e filhos. Essas necessidades e direitos serão ampla-
mente aludidos neste curso.

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

SAIBA MAIS

Para ter acesso à Nota Técnica nº 17/2020, produzida pela


Coordenação de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos,
vinculada à Coordenação-Geral da Cidadania e Alternavas Pe-
nais, da Diretoria de Políticas Penitenciárias, do Departamento
Penitenciário Nacional, clique no link, disponível em: https://
www.gov.br/depen/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/
notas-tecnicas/procedimentos-com-custodiados/Procedimen-
tos%20quanto%20a%20custodia%20de%20mulheres%20
no%20sistema%20prisional%20brasileiro.pdf/view.

1.3 O que dizem os dados do Sistema de Informação do Departamento


Penitenciário Nacional (SISDEPEN)
Ao conhecer o sistema prisional feminino, aprendemos que se trata de
um tema de extrema relevância, polêmico e interseccional, por agregar
questões sensíveis e caras à sociedade brasileira, tais como: gênero,
faixa etária, pessoas com deficiência, etnia, classe social, nacionalidade,
escolaridade, maternidade, tipificação penal, entre outros aspectos im-
Tipificação penal portantes e presentes no encarceramento de mulheres.
É como se chama o ato
de dizer qual é o tipo
Entendendo que a intersecção é a sobreposição e o cruzamento dos
de crime que a pessoa
cometeu, descrevendo sistemas de opressão vigentes, ou seja:
o ilícito e apontando o
código (ou lei) que se
aplica à conduta. “A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de
poder influenciam as relações sociais em sociedades marcadas pela
diversidade, bem como as experiências individuais na vida cotidiana.
Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera que as
categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade,
capacidade, etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas
e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma de
entender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das
experiências humanas.” (COLLINS, 2021, p. 15).

Assim, apesar de já termos apresentado alguns dados, mas diante da


necessidade de elucidarmos fatores interseccionais presentes no cárcere
feminino, seguem os exemplos de como o aprisionamento de mulheres
está configurado.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 15


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Quantidade de mulheres privadas de liberdade

7.865
9.530

Faixa etária
6.864
81
8 a 24 anos
562 25 a 29 anos
30 a 34 anos
3.960 35 a 45 anos
6.759 46 a 60 anos
61 a 70 anos
Mais de 70 anos
6.659 Não informado

106 Deficiência intelectual

64 Deficiência física

Deficiência
8 Deficiência física: cadeirantes

17 Deficiência auditiva

28 Deficiência visual

3 Deficiências múltiplas
Nacionalidade

Brasileira nata 34.584

Brasileira naturalizada 626

Sem informação 7.070


Cor de pele,
raça, etnia

Branca Preta Parda


9.933 5.165 15.906

Amarela Indígena Não informado


148 116 11.012

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Também, trataremos da Lei nº 11.343, de agosto de 2006 (conhecida


como Lei de Drogas, Lei Antidrogas ou Lei de Tóxicos), pois não é viável
nos permitir falar sobre o encarceramento feminino sem falar de como
essa lei mudou a trajetória do aprisionamento de mulheres.

Após aprovação, em 2006, da Lei Nº 11.343 (Lei de Drogas), o tráfico de drogas


tem sido o maior responsável pelo aumento massivo de mulheres presas.

É importante refletir sobre o fato de que a Lei nº 11.343 não visualiza o tráfico
de drogas de forma orgânica e totalizante, desconsiderando seu efeito eco-
nômico ao atingir traficantes de baixo potencial.

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MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Nesse sentido, o resultado tem sido a criminalização de grupos vulne-


ráveis sociais em que as mulheres são maioria.

Nesses termos, em uma lógica reflexiva, o encarceramento de pessoas de


menor potencial ofensivo contribui para o aumento de mulheres presas.

A seguir, seguem dados quantitativos sobre a incidência criminal de


mulheres em privação de liberdade no sistema prisional brasileiro.

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Tipos Penais

Crimes contra a pessoa 3.526

Crimes contra o patrimônio 7.179

Crimes contra a dignidade sexual 863

Crimes contra a paz pública 632

Crimes contra a fé pública 203

Crimes contra a administração pública 62

Drogas (Lei 6.368/76 e Lei 11.343/06) 17.134

Estatuto do Desarmamento 588

Crimes de trânsito (Lei 9.503/97) 89

Legislação específica – outros 626

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir a animação sobre o impacto
da Lei de Drogas no encarceramento feminino, ou acesse o link:
https://youtu.be/We9QFLxDAtg.

Como vimos até aqui, o número de mulheres presas é inferior ao número


de homens na mesma situação. No entanto, é preciso considerar que o
sistema prisional é marcado por discriminações de gênero, fazendo com
que as condições do encarceramento sejam vivenciadas pelas mulheres
de forma mais severa e excludente. Os efeitos do encarceramento femi-
nino geram graves consequências – pessoais e sociais. No campo pessoal,
temos a extensão da pena à família – rompimento de laços familiares e
afetivos. No campo social, é preciso fortalecer as políticas públicas que
auxiliam na reinserção social dessas mulheres.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 19


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

SAIBA MAIS

As políticas públicas se traduzem como acesso ao trabalho,


à educação, à moradia, à saúde etc. Algumas dessas ações estão
previstas na Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de
2014, nas Regras das Nações Unidas para o tratamento de mu-
lheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulhe-
res infratoras (Regras de Bangkok), na Declaração Internacional
de Direitos Humanos e na Lei nº 7.210 (LEP), de 11 de julho de
1984. Para conhecer todos os dados sobre mulheres que foram
coletados no último ciclo do SISDEPEN (11º Ciclo), acesse o site,
disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisde-
pen/mais-informacoes/relatorios-infopen/relatorios-analiticos/
br/brasil-dez-2021.pdf.

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UNIDADE 2

Legislação vigente
MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

2. LEGISLAÇÃO VIGENTE
É visível e assertivo dizer que o Estado brasileiro apoia e fomenta
políticas públicas visando a melhoria do encarceramento feminino.
Portanto, nessa unidade, trataremos dos principais dispositivos que nor-
teiam a atenção específica dada às mulheres em privação de liberdade.

É nessa via que citaremos a Constituição Brasileira, a Lei de Execução


Penal, a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, o Pacto Inter-
nacional dos Direitos Civis e Políticos, a Portaria Interministerial nº 210,
de 16 de janeiro de 2014 e seus desdobramentos, as Regras das Nações
Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas
de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok) e a Lei do
Abuso de Autoridade.

Também será mencionada a Nota Técnica nº 17/2020, produzida pela


Coordenação de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos do Depar-
tamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, que trata dos procedimentos de custódia direcionados para
mulheres em situação de prisão.

2.1 O que diz a Constituição Federal


A Constituição Federal (CF), também conhecida como Constituição
Cidadã, é a atual Carta Magna do Brasil. Lançada em 5 de outubro de
1988, é ela quem serve de diretriz para criação das demais legislações
em nosso país.

Foto: © [Appreciate] / Shutterstock.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 22


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

A Constituição Cidadã, além de tratar da organização dos poderes e da


democracia, traz uma série de direitos fundamentais a todo cidadão
brasileiro e aos estrangeiros residentes no Brasil.

Assim, a CF de 88, em seu art. 3º, inciso IV, expressa o seguinte:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Fede-


rativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades


sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,


sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
(BRASIL, 1988, grifo nosso).

Também, ainda com fito de garantir a cidadania, a Constituição Federal


estabelece em seu art. 5º:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade.” (BRASIL, 1988).

2.2 O que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos


A Declaração Internacional dos Direitos Humanos diz em seu artigo 2º que:

“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as


liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qual-
quer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento,
ou qualquer outra condição.” (ONU, 1948, grifo nosso).

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 23


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

É importante destacar que, em seu art. 5º, é taxativa ao reprovar a pos-


sibilidade de maus tratos:

“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo


cruel, desumano ou degradante.” (ONU, 1948).

2.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos


O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é um ato internacional,
promulgado em 6 de julho de 1992, por meio do Decreto nº 592, o qual
reconhece não somente as liberdades civis e políticas, mas também os
direitos econômicos, sociais e culturais do ser humano.

Há de se destacar o que diz o artigo 17 do Pacto:

“1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais


em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.

2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências


ou ofensas.” (BRASIL, 1992).

2.4 O que dizem as Regras de Mandela

As Regras de Mandela estabelecem parâmetros para o tratamento


destinado a pessoas presas. Apesar de sua contribuição significativa,
permaneceu sem edição por 55 anos. No entanto, em maio de 2015,
as Nações Unidas oficializaram um novo quadro de normas,
incorporando novas doutrinas de direitos humanos no sistema penal.

Foto: cnj.jus.br.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 24


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

SAIBA MAIS

O nome do referido normativo é uma homenagem ao presidente


sul-africano Nelson Rolihlahla Mandela, que experienciou o cár-
cere por 27 anos. Para conhecer na íntegra as Regras de Mandela,
entre no site, disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/
uploads/2019/09/a9426e51735a4d0d8501f06a4ba8b4de.pdf.

As Regras de Mandela trazem regulamentos adequados para o tra-


tamento dos reclusos e na gestão dos estabelecimentos prisionais.
Embora sua abrangência seja geral, ou seja, para toda a população carcerária,
faz orientações sobre a custódia de mulheres. Assim sendo, as Regras
de Mandela estabelecem que:

“Regra 48
2. Os instrumentos de restrição não devem ser utilizados em mulheres
em trabalho de parto, nem durante e imediatamente após o parto.

Regra 58
2. Onde forem permitidas as visitais conjugais, este direito deve ser
garantido sem discriminação, e as mulheres presas exercerão este
direito nas mesmas bases que os homens. Devem ser instaurados
procedimentos, e locais devem ser disponibilizados, de forma a garantir
o justo e igualitário acesso, respeitando‑se a segurança e a dignidade.

Regra 81
3. As presas devem ser atendidas e supervisionadas somente por
agentes femininas. Entretanto, isso não impede que membros homens
da equipe, especialmente médicos e professores, desempenhem suas
atividades profissionais em unidades prisionais ou nas áreas desti-
nadas a mulheres.” (UNODC, 2015, grifo nosso).

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 25


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

2.5 O que dizem as Regras de Bangkok

As Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e


Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras – Regras
de Bangkok, somam-se aos parâmetros legais que traçam estratégias e
recomendações para mulheres em situação de prisão, dando robustez a
todo arcabouço de regramentos nacionais e internacionais.

Foto: cnj.jus.br.

As Regras de Bangkok atentam-se para a especificidade de mulheres presas,


considerando a alocação, a higiene pessoal, os cuidados à saúde, o atendi-
mento médico específico, os cuidados com a saúde mental, a prevenção
de doenças sexualmente transmissíveis, as revistas, os instrumentos de
contenções, a capacitação adequada de servidores do sistema penal,
os cuidados especiais com gestantes, lactantes, estrangeiras, minorias,
povos indígenas e pessoas com deficiência. Posto isto:

“Observações preliminares

1 – As Regras mínimas para o tratamento de reclusos se aplicam a


todos as pessoas sem discriminação; portanto, as necessidades e
realidades específicas dessa população, incluindo mulheres presas,
devem ser tomadas em consideração na sua aplicação. As Regras,
adotadas há mais de 50 anos, não projetavam, contudo, atenção
suficiente às necessidades específicas das mulheres. Com o aumento
da população presa feminina ao redor do mundo, a necessidade de
trazer mais clareza às considerações que devem ser aplicadas no
tratamento de mulheres presas adquiriu importância e urgência.”
(BRASIL, 2016).

2.6 O que diz a Lei de Execução Penal


A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, instituiu a famosa Lei de Execução
Penal (LEP), que rege os principais aspectos relacionados à execução da
pena. Inclusive, a LEP é uma garantidora da dignidade da pessoa humana.
Nesse quesito, é importante saber o teor dos artigos 10 e 11:

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 26


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,


objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência
em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:


I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa.” (BRASIL, 1984).

2.7 O que diz a Lei n° 13.869, de 5 de setembro de 2019


A Lei n° 13.869/19, também conhecida por Lei do Abuso de Autoridade,
define os crimes que os agentes públicos cometem no exercício de suas
funções. São aqueles crimes praticados pelos agentes públicos com o
fim de prejudicar outra pessoa, se beneficiar ou contribuir de maneira
injusta a um terceiro.

Nesse termo, o artigo 21 postula que é crime:

“Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço


de confinamento: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa.” (BRASIL, 2019).

Sobre a mesma lei, é importante ressaltar o que se afirmou sobre a exi-


bição do corpo da pessoa presa:

“Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência,


grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade


pública;” (BRASIL, 2019, grifo nosso).

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 27


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

2.8 O que diz a Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014


Para entendermos as orientações vigentes e constantes na Portaria
Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014, que institui a Política
Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade
e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) é necessário fazermos um
recuo temporal.

A partir de 2011, podemos observar que as


ações do DEPEN que versam sobre o
encarceramento de mulheres ficaram mais
incisivas com a efetivação do projeto “Direitos
2011 das Mulheres no Sistema Penal”. Esse projeto
considerava as especificidades do gênero
para, assim, promover a igualdade de gênero e
combater a invisibilização que se encontrava a
mulher no sistema prisional à época.

No ano seguinte, 2012, dando continuidade as


ações, o DEPEN instruiu a Comissão Especial do
Projeto Mulheres por meio da Portaria nº 154,
de 13 de abril. A comissão começou a trabalhar na
formulação de novos indicadores, tendo resultado
na criação do Infopen Mulheres. Ainda em 2012,
foi instruído, por meio da Portaria MJ nº 885,
2012
de 22 de maio de 2012, um Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI). O GTI era composto
por 11 ministérios, pela sociedade civil e por
convidados eventuais.

Em 16 de janeiro de 2014, como resultado de


todas as discussões que pautavam o sistema
2014 penal feminino, ocorreu a elaboração e
publicação da Portaria Interministerial
nº 210/2014, que instituiu a PNAMPE.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 28


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Depois da publicação da PNAMPE, houve a necessidade de constituição


de um comitê gestor, destacando-se o seguinte:

“Art. 10 - Fica instituído, no âmbito do Ministério da Justiça,


o Comitê Gestor da PNAMPE, só decretado em 2019, para fins de
monitoramento e avaliação de seu cumprimento.

Art. 13 - O DEPEN e a Secretaria de Políticas para as Mulheres ob-


servarão a PNAMPE na celebração de convênios e nos repasses de
recursos aos órgãos e entidades federais e estaduais do sistema
prisional brasileiro.” (BRASIL, 2014).

A criação do Comitê Gestor da PNAMPE foi crucial para a implementação


efetiva da política. A regularidade e atuação desse comitê não só traz
o público à tona nos respectivos órgãos, como possibilita articulação
intersetorial e planejamento de atividades conjuntas.

Atualmente, o Comitê Gestor da PNAMPE, conforme o Decreto nº 9.871,


de 27 de junho de 2019, é composto por representantes, titulares e
suplentes do Departamento Penitenciário Nacional e pela Secretaria
Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família
e dos Direitos Humanos, conforme segue:

“Art. 3º O Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção às Mulheres


em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional
é composto por representantes dos seguintes órgãos:

I - cinco do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da


Justiça e Segurança Pública, um dos quais o coordenará; e

II - dois da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do


Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

§ 1º Cada membro do Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção


às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sis-
tema Prisional terá um suplente, que o substituirá em suas ausências
e impedimentos.” (BRASIL, 2019).

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 29


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

Segundo o Decreto nº 9.871/2019, o Comitê Gestor passou a ser coor-


denado, exclusivamente, por um dos membros do DEPEN. À Secretaria
Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), cabe promover a arti-
culação institucional, especialmente com os organismos estaduais de
políticas para as mulheres, que devem integrar as estruturas gestoras das
políticas estaduais, e promover a transversalidade de gênero na gestão
da política. Ao DEPEN, cabe o fomento às políticas prisionais estaduais
por meio do Fundo Penitenciário Nacional, articulação das políticas
nacionais na perspectiva de gênero, e a articulação institucional com as
secretarias estaduais de administração prisional e demais órgãos voltados
à execução penal.

PODCAST

Na atualidade, dentro da organicidade do DEPEN, existe a


Coordenação de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos
(COAMGE), fomentadora de ações que visam a efetiva implemen-
tação da Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014,
responsável por instituir a Política Nacional de Atenção às Mu-
lheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do
Sistema Prisional (PNAMPE). A portaria também incentiva e
orienta os sistemas prisionais a implementarem políticas pró-
prias de atenção às mulheres em situação de prisão.

Desse modo, a PNAMPE pauta-se em parâmetros que favorecem


e fomentam a adoção de normas e procedimentos adequados
às especificidades das mulheres no tocante a: gênero, idade,
etnia, cor/raça, sexualidade, orientação sexual, nacionalidade,
escolaridade, maternidade, religiosidade, deficiências física e
mental, entre outros aspectos.

Ressalta-se que essa política tem entre suas principais metas a garantia
de estrutura física de unidades prisionais adequada à dignidade da mulher
em situação de prisão, conforme a Resolução nº 9, de 18 de novembro de
2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP),
que versa sobre a necessidade de aperfeiçoamento das diretrizes para
elaboração de projetos, construção, reforma e ampliação de unidades
penais no Brasil. Considerando o cuidado dedicado às especificidades
das mulheres em situação de prisão, destaca-se que:

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 30


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E A MINISTRA DE ES-


TADO-CHEFE DA SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MU-
LHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições
previstas no art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição,
e tendo em vista o disposto nos arts. 10, 14, § 3º, 19, parágrafo único,
77, § 2º, 82, § 1º, 83, §§ 2º e 3º, e 89 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de
1984, resolvem:

Art. 1º - Fica instituída a Política Nacional de Atenção às Mulheres


em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisio-
nal - PNAMPE, com o objetivo de reformular as práticas do sistema
prisional brasileiro, contribuindo para a garantia dos direitos das
mulheres, nacionais e estrangeiras, previstos nos arts. 10, 14, § 3º, 19,
parágrafo único, 77, § 2º, 82, § 1º, 83, §§ 2º e 3º, e 89 da Lei nº 7.210,
de 11 de julho de 1984.” (BRASIL, 2014).

É atribuição da Política de Atenção à Mulher Presa planejar, articular e


propor ações e projetos de forma a valorar a humanidade das mulheres
privadas de liberdade e egressas dos sistemas penitenciário e prisional
brasileiro, portanto:

“Art. 4º - São metas da PNAMPE:

I - Criação e reformulação de bancos de dados em âmbito estadual


e nacional sobre o sistema prisional, que contemplem:

a) quantidade de estabelecimentos femininos e mistos que custo-


diam mulheres, indicando número de mulheres por estabelecimento,
regime e quantidade de vagas;

b) existência de local adequado para visitação, frequência e procedi-


mentos necessários para ingresso do visitante social e íntimo;

c) quantidade de profissionais inseridos no sistema prisional feminino,


por estabelecimento e área de atuação;

d) quantidade de mulheres gestantes, lactantes e parturientes;

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 31


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

e) quantidade e idade dos filhos em ambiente intra e extramuros,


bem como pessoas ou órgãos responsáveis pelos seus cuidados;

f) indicação do perfil da mulher privada de liberdade, considerando


estado civil, faixa etária, cor ou etnia, deficiência, nacionalidade,
religião, grau de instrução, profissão, rendas mensais da família an-
terior ao aprisionamento e atual, documentação civil, tempo total
das penas, tipos de crimes, procedência de área rural ou urbana,
regime prisional e reiteração criminal;

g) quantidade de mulheres inseridas em atividades laborais internas


e externas e educacionais, formais e profissionalizantes;

h) quantidade de mulheres que recebem assistência jurídica regular,


da Defensoria Pública, outro órgão ou advogado particular, e frequ-
ência desses procedimentos na unidade prisional;

i) quantidade e motivo de óbitos relacionados à mulher e à criança,


no âmbito do sistema prisional;

j) dados relativos à incidência de hipertensão, diabetes, tuberculose,


hanseníase, Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST, Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida - AIDS-HIV e outras doenças;

k) quantidade de mulheres inseridas em programas de atenção à


saúde mental e dependência química;

l) quantidade e local de permanência das mulheres internadas em


cumprimento de medidas de segurança e total de vagas; e

m) quantidade de mulheres que deixaram o sistema prisional por


motivos de alvará de soltura, indulto, fuga, progressão de regime ou
aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.” (BRASIL, 2014).

Diante de todo o mencionado até agora, é imperativo aludir às ações


implementadas pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) por
meio da Coordenação de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos para
a efetivação dos direitos das mulheres no sistema carcerário, a exemplo:

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 32


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

• Desde a aprovação do Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP, o DEPEN


vem tomando medidas que viabilizem a sua aplicação – levantamento
de dados sobre mulheres que foram colocadas em prisão domiciliar
nos anos de 2018, 2019 e 2020, bem como articulação com as defen-
sorias públicas, para requerer a prisão domiciliar das mulheres reclusas,
que atendiam aos critérios do habeas corpus coletivo.




Foto: © [Tânia Rêgo] / Ag. Brasil.

• Formalização de acordos de cooperação técnica com a Secretaria


Nacional de Políticas para Mulheres e a Secretaria Nacional de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial, para oferta de cursos direcionados a
servidores da execução penal, priorizando a custódia de mulheres e a
qualificação das ações.



Foto: © [Tânia Rêgo] / Ag. Brasil.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 33


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

• Contratação de consultores do Programa das Nações Unidas para o


Desenvolvimento (PNUD), para auxiliar os estados na construção dos
seus Planos Estaduais de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade
e Egressas do Sistema Prisional (ciclo 2021-2023). Os planos contêm
metas e ações que garantem que esse público não tenha os seus direitos
violados, e tenha acesso às políticas públicas para o enfrentamento das
suas vulnerabilidades.






Fonte: coopavam.

• Doação de veículos adaptados aos órgãos estaduais de administração


prisional de uso exclusivo ao transporte de mulheres privadas de liber-
dade – em período gestacional, parturientes, idosas, com deficiência –
e de crianças que acompanham as mães no sistema prisional; e doação de
equipamento de segurança para transporte de crianças (bebê conforto).








Foto: © A crítica.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 34


MULHERES NO SISTEMA PRISIONAL

• Com a intenção de colaborar com a oferta de atividades que estimulem


o aleitamento materno, assim como a implementação de um ambiente
lúdico para o melhor desenvolvimento infantil e o fortalecimento do
vínculo mãe e filho, o DEPEN realizou a doação de itens para apare-
lhamento de salas de aleitamento e brinquedoteca, entre 2017 e 2019.






Foto: DEPEN, MG.

Veja a seguir uma retomada dos principais pontos abordados neste módulo.

MÓDULO 1 | Atenção às Mulheres Presas 35


SÍNTESE DO MÓDULO

Neste módulo do curso, foram abordadas questões relativas ao aprisio-


namento de mulheres e suas nuances.

Na Unidade 1, foram apresentados alguns estudos sobre o aprisionamento


de mulheres no Brasil e o que dizem os dados coletados pelo Departa-
mento Penitenciário Nacional, por meio do Sistema de Informação do
Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN).

Na oportunidade, apresentamos uma evolução sobre o aprisiona-


mento feminino que passa desde a invisibilidade dos corpos femini-
nos até o reconhecimento de necessidade de atendimento específico,
considerando, inclusive, as crianças filhas de mulheres presas.

Na Unidade 2, abordamos as legislações, os pactos e acordos interna-


cionais dos quais o Brasil é signatário. Compreender esses normativos
traz às mulheres presas a possibilidade do acesso ao que é de direito,
considerando as especificidades do universo feminino.

Diante dos normativos expostos, em especial a Política Nacional de


Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do
Sistema Prisional (PNAMPE), publicada por meio da Portaria Interminis-
terial nº 210, de 16 de janeiro de 2014, é possível direcionar não somente
para o reconhecimento da necessidade de atendimento diferente do
dado à pessoa presa masculina, mas também à execução de atividades
previstas em diretrizes, objetivos e metas que visam a consolidação da
individualização da pena, considerando os corpos femininos, e também
a emancipação e autonomia da mulher egressa.

Você finalizou o Módulo 1!


No próximo módulo, trataremos sobre a atenção específica às mulheres
em situação de prisão.

36
REFERÊNCIAS

ALEXANDER, M. A nova segregação: racismo e encarceramento em


massa. São Paulo: Boitempo, 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada


em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira.
4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução


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PL 1656/1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
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BRASIL. Decreto-Lei nº 592, de 6 de julho de 1992. Pacto internacional


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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Bangkok: regras das


Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não
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Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de
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Acesso em: 10 ago. 2022.
REFERÊNCIAS

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BORGES, J. Encarceramento em massa. São Paulo: Polen, 2019.

COLLINS, P. H. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.

CORRÊA, S. O.; MUNTARBHORN, V. (Org.). Princípios de Yogyakarta:


Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos huma-
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VARELLA, D. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

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