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CIP. Brasil. Catalogação-na-Publicação
Centro de Documentação – CEDOC
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SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................................................... 5
1. A proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência no Sistema de Garantia de
Direitos (SGD) .............................................................................................................................. 7
2. Crianças e adolescentes como sujeitos de direitos: a importância de uma rede
intersetorial e interdisciplinar .................................................................................................... 8
3. Violência contra crianças e adolescentes: abordagem a partir da Lei nº 13.431/2017 ... 9
3.1. Violência física ................................................................................................................. 10
3.2. Violência psicológica ........................................................................................................ 11
3.3. Violência sexual ............................................................................................................... 13
3.4. Violência institucional ....................................................................................................... 14
4. Violência autoprovocada ..................................................................................................... 15
5. Escuta protegida de criança e adolescente vítima ou testemunha de crime ................ 16
5.1. A escuta especializada ou protegida ............................................................................... 17
5.2. O depoimento especial .................................................................................................... 18
5.2.1. O Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense (PBEF) ............................................. 20
6. Notificação e roteiro de atendimento de crianças e adolescentes vítimas de
violência ..................................................................................................................................... 23
6.1. Noções básicas sobre o funcionamento da memória aplicada ao testemunho infantil ... 25
7. Fluxo Geral de Implementação da Lei nº 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida) ......... 27
8. Medida protetiva de acolhimento (institucional e familiar).............................................. 31
8.1. Efeitos do acolhimento prolongado.................................................................................. 33
8.2. Modelos de acolhimento no Brasil ................................................................................... 33
8.3. Acolhimento familiar ......................................................................................................... 34
8.4. A reintegração familiar ..................................................................................................... 35
9. Adoção .................................................................................................................................. 36
9.1. A adoção e o princípio do interesse superior da criança ................................................. 36
9.2. Questões importantes: como fica o nome? A adoção pode ser revogada? .................... 37
9.3. O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) .................................................... 40
Referências ................................................................................................................................ 43
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APRESENTAÇÃO
Os anos de 1980 foram marcos pela redemocratização do país e pela mobilização de
setores da sociedade civil e de movimentos sociais para mudanças legislativas que
visaram implementar garantias relacionadas à proteção dos direitos humanos, bem
como o fortalecimento de políticas públicas especializadas. Naquele momento, a
participação popular foi fundamental para que direitos relacionados às mulheres, à
população negra e indígena e ao segmento infantojuvenil fossem debatidos na
Assembleia Nacional Constituinte e, posteriormente, inseridos na Constituição Federal,
promulgada em 5 de outubro de 1988.
Assim, foi possível a base para a criação de lei especial para normatizar e regulamentar
os direitos humanos de crianças e adolescentes que passaram a ser considerados
sujeitos de direitos, reconhecidos como pessoas na condição peculiar de
desenvolvimento e destinatários de prioridade absoluta. Foi na emergência deste novo
paradigma que há 30 anos entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ECA).
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que integram o sistema de garantia de direitos e que considere as especificidades das
redes locais são imprescindíveis para a eficácia do atendimento.
A presente capacitação que integra o Programa Criança Protegida foi concebida com
esse propósito. Tem por objetivo fortalecer agentes do sistema de garantia de direitos
para atuarem com agilidade, assertividade e eficácia no atendimento dos casos de
violação dos direitos de crianças e adolescentes. Trata-se de iniciativa da Secretaria
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família
e dos Direitos Humanos (SNDCA/MFMDH), que em parceria com a Organização dos
Estados Ibero-americanos, para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) visa ampliar,
fortalecer e alinhar a atuação do sistema de garantia de direitos.
Bons estudos!
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1. A PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA NO
SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS (SGD)
A proteção intersetorial e interdisciplinar de crianças e de adolescentes está prevista na
própria concepção da Constituição Federal, que estabeleceu a doutrina da proteção
integral, posteriormente regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ECA) (BRASIL,1990).
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2. CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE DIREITOS: A
IMPORTÂNCIA DE UMA REDE INTERSETORIAL E INTERDISCIPLINAR
A proteção integral prevista no art. 227 da Constituição Federal e no ECA concebe
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, pessoas na condições peculiar de
desenvolvimento e destinatários de prioridade absoluta. Estabelece que o segmento
infantojuvenil deve ser protegido por todos: pela família, pela sociedade e pelo Estado,
colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Apesar dos dispositivos legais que garantam os direitos de crianças e adolescentes, por
vezes, este público é alvo de violência e de violação dos direitos, das mais distintas
modalidades. Neste sentido, uma rede de proteção intersetorial e interdisciplinar deve
atuar na proteção e no restabelecimento dos direitos para que meninas e meninos
possam se desenvolver integralmente. A intersetorialidade aborda os problemas sociais
sob a lógica da totalidade do cidadão e se sobrepõe às subdivisões profissionais ou
disciplinares (MENICUCCI, 2002). Isso quer dizer que congrega profissionais e serviços
de diferentes áreas para, em rede interdisciplinar e intersetorial, contribuir para:
oferecer o atendimento integrado por meio da complementaridade dos serviços
da rede;
reunir o conhecimento especializado de cada setor e profissional envolvido no
atendimento, de forma a fornecer a atenção integral à criança ou adolescente
que teve seu direito violado;
interromper o ciclo de violência e evitar a revimitização.
A Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, também conhecida como Lei da Escuta Protegida
objetiva a organização de um sistema de atendimento à criança e ao adolescente vítima
ou testemunha de violência a partir da premissa de intersetorialidade, sendo uma
especificidade do SGD, estabelecida pelo ECA e pela Resolução nº 113/2006 do
CONANDA. Esta lei trouxe mudanças na escuta do público infantojuvenil em todos os
eixos do SGD, mas com ênfase especial para os atores da rede proteção e para as
autoridades policiais e judiciárias.
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Definições importantes para a escuta protegida
Mais adiante vamos falar mais sobre a escuta especializada e o depoimento especial,
mas adiantamos que:
A escuta especializada é a entrevista realizada por agentes de órgãos e serviços
da rede de proteção de crianças e adolescentes com o objetivo de assegurar o
acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação
das consequências da violação sofrida visando a proteção social e o provimento
de cuidados (art. 7º, Lei nº 13.431/2017; arts. 19 a 21, Decreto nº 9.603/2018).
O depoimento especial é o procedimento de oitiva da criança ou adolescente
vítima ou testemunha de violência perante a autoridade policial ou judiciária (art.
8º, Lei nº 13.431/2017; arts. 22 a 26, Decreto nº 9.603/2018).
A Lei nº 13.431/2017 categoriza os tipos de violência, o que facilita aos atores da rede
de proteção, especialmente os conselheiros tutelares, à compreensão das denúncias
que lhes chegam, bem como a intervenção a ser realizada e a sistematização de dados
estatísticos precisos que contribuam para a formulação de políticas públicas. Aos
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profissionais das políticas setoriais (saúde, assistência social, educação), a
classificação oferece elementos para identificar adequadamente a violência sofrida e
contribui no planejamento de atendimentos especializados. Já nas esferas policial e
judicial, a definição prevista na lei apresenta elementos para a tipificação de crimes e
para a responsabilização de autores de violências.
1Para saber mais sobre o crime de tortura, verifique o que diz a Lei nº 9.455, de 7 de abril
1997.
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3.2. Violência psicológica
A violência psicológica é de difícil identificação, especialmente porque pode se dar de
maneira sutil. Muitas vezes, uma depreciação em tom de brincadeira, ameaças
constantes de agressão física ou abandono, uma comparação aparentemente
inofensiva entre irmãos dentre tantas outras possibilidades, podem causar danos psico-
emocionais e interferir no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. A Lei
da Escuta Protegida traz contribuição significativa no detalhamento desse tipo de
violência, distinguindo-a em três dimensões.
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A segunda dimensão da violência psicológica se refere à alienação parental, definida
como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida
ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade,
guarda ou vigilância, que leve ao repúdio do genitor ou que cause prejuízo ao
estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este (art. 4º, inciso II, alínea “b”, Lei
nº 13.431/2017).
Vale lembrar que tanto a Lei da Escuta Protegida como a Lei nº 12.318/2010, que trata
especificamente sobre o assunto, apenas exemplificam algumas formas de alienação
parental, mas o tipo de violência psicológica não se resume nessas práticas e as
perícias multidisciplinares (psicológica, social e médica) também podem identificar a
alienação parental.
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A terceira dimensão da violência psicológica se refere à criança ou adolescente como
testemunha (direta ou indireta) de crime violento praticado contra membro de sua família
ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que é cometido,
particularmente quando isto a torna testemunha (art. 4º, inciso II, alínea “c”, Lei nº
13.431/2017).
Em termos gerais, abuso sexual é qualquer prática ou ato de natureza sexual que se
utilize da sexualidade de crianças e adolescentes. O abuso sexual pode ser dividido em
intrafamiliar, quando praticado por pessoas do convívio e confiança; e extrafamiliar,
sendo o autor pessoa que não faça parte de seus vínculos afetivos e familiares da vítima.
Também pode ser com contato físico (masturbação, carícias, penetração etc.) ou sem
contato físico (exibicionismo - ato de mostrar os órgãos sexuais e ou se masturbar;
voyeurismo - observar órgãos sexuais; falas erotizadas) (art. 4º, inciso III, alínea “a”, Lei
nº 13.431/2017).
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meninos e meninas são usados para o prazer sexual e mediados por algum tipo de
lucro, seja ele dinheiro ou qualquer outro elemento de troca (compra de roupas,
passeios, drogas lícitas ou ilícitas etc.). Não podemos esquecer que a criança ou
adolescente em exploração sexual é vítima e comete crime quem contrata ou lucra com
a atividade sexual, em quaisquer circunstâncias (art. 4º, inciso III, alínea “b”, Lei nº
13.431/2017).
Para além disso, nos casos de exploração sexual e tráfico para fins sexuais, devem ser
observadas e acompanhadas a relação com pessoas mais velhas, o padrão de consumo
não compatível com as condições econômicas da criança ou do adolescente e eventuais
saídas sem motivo aparente, bem como fugas de casa.
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A violência institucional pode ocorrer dentro de escolas, hospitais, casas de
acolhimento, unidades de internação de medida socioeducativa, delegacias etc. Essa
modalidade de violência é caracterizada pela ação direta (artigos 18-A e 18-B, ECA) ou
pela ausência de intervenção por parte dos atores da rede e do próprio Estado (artigos
70-B e 94-A, ECA).
4. VIOLÊNCIA AUTOPROVOCADA
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência autoprovocada e a autolesão
como o uso intencional de força física real ou a ameaça contra si próprio (OMS, 2015).
O Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada conceitua esse tipo
de violência como o ato intencional de uma pessoa produzir lesões em si mesma, com
a força física ou poder, e compreende ideação suicida, autoagressões, tentativas de
suicídio e suicídio (BRASIL, 2016).
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no desempenho escolar, a baixa autoestima e conflitos em relação a identidade sexual
são também observados em casos de violência autoprovocada. Há os casos em que as
crianças e adolescentes com ideação suicida já foram abusadas física, sexual e
psicologicamente.
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pública sobre condição de possível sofrimento psíquico e emocional (ARRUDA;
BONFIM, no prelo 2020).
A escuta protegida deve ser feita por profissionais da rede de proteção que tenham
qualificação técnica específica, em local acolhedor, com infraestrutura e com garantia
de privacidade para se evitar a revitimização.
2O Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, que será abordado adiante, aprofunda o assunto
(CNJ, 2020).
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observa as necessidades especiais da criança ou do adolescente, por exemplo,
em relação a:
deficiência: é preciso disponibilizar recursos de comunicação adequados;
raça/etnia: crianças e adolescentes oriundos de povos e comunidades
tradicionais devem ter sua identidade sociocultural respeitada. Não deixe de
conferir o que diz a Resolução nº 181, de 10 de novembro de 2016, do
CONANDA;
idioma e nacionalidade diversas: deve ser garantido à criança ou adolescente
o direito de se comunicar no idioma que lhe convier; dentre outras
especificidades;
permite o livre relato com a menor intervenção possível, fazendo-a apenas
quando for necessário para esclarecer algum ponto;
propicia ambiente apropriado de forma a se preservar o sigilo e facilitar a
expressão de crianças e adolescentes, respeitando o tempo e a forma de se
colocar.
Apesar da escuta especializada não ter como objetivo servir o processo judicial, poderá
ser usada pelos órgãos de responsabilização no procedimento criminal (art. 5º, XIV, Lei
nº 13.341/2017) ou quando os órgãos do sistema de justiça e segurança pública não
tiverem profissionais qualificados para efetuar o depoimento especial, modalidade que
falaremos adiante.
O depoimento especial se dará uma única vez e poderá constituir produção antecipada
de prova judicial (art. 11, Lei nº 13.341/2017). Isso quer dizer que o depoimento especial,
que é prova para o processo criminal, será realizado antes de iniciada a ação penal
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contra o autor da violência. Assim, a criança ou adolescente vítima ou testemunha dá
seu depoimento sem ter que esperar todos os trâmites judiciais que, muitas vezes,
acontecem meses depois de ocorrida a violência.
Para a realização do depoimento especial, o ambiente onde será realizada a oitiva deve
ser preparado. A sala deve ser equipada, acolhedora, reservada, silenciosa e sem
muitos estímulos visuais para não distrair a atenção da criança e do adolescente (arts.
23 e 24, Decreto nº 9.603/2018). A implantação de salas adequadas para realização de
depoimentos especiais se tornou obrigatória em todas as comarcas brasileiras (art. 7º,
Resolução nº 299, de 5 de novembro de 2019, CNJ).
No depoimento especial, a criança ou adolescente não tem contato direto com juiz,
promotor de justiça, defensor do autor da violência ou escrivão. Contudo, será ouvida e
vista em tempo real, por meio de equipamentos tecnológicos próprios. A criança ou
adolescente será informado de todas as etapas do processo, inclusive sobre o fato de
estar sendo visto e ouvido por outras pessoas (arts. 25 e 26, Decreto nº 9.603/2018). O
depoimento deverá ser gravado em equipamento com boa qualidade de imagem e som
e seguir as orientações do Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense (PBEF).
Os profissionais que farão a oitiva deverão seguir um protocolo para evitar a indução de
respostas e a violência institucional com perguntas que atentem contra a dignidade da
criança e do adolescente. O profissional deverá conduzir livremente a entrevista sem
interrupções e ao final os componentes da sala de observação poderão enviar, por meio
de ponto eletrônico ou telefone, perguntas que serão adaptadas pelo profissional que
está procedendo à oitiva para a linguagem da criança ou do adolescente.
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5.2.1. O Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense (PBEF)3
O PBEF se estrutura em duas fases: a introdutória (construção de vínculo) e a
substantiva ou central. Apesar de estar diretamente relacionada com o depoimento
especial, os atores da rede de proteção também podem se basear na metodologia do
PBEF para as entrevistas realizadas na escuta especializada.
a. Introdução
É o momento das apresentações. O profissional apresenta o seu papel e
informa sobre o processo da entrevista: a gravação e a observação por
parte de outros profissionais que os acompanharão em outra sala ou na
sala de audiência podendo fazer perguntas ao final daquela entrevista.
Ao final dessa etapa preliminar deve-se permitir que a criança ou
adolescente expresse suas dúvidas e sentimentos.
b. Construção de empatia
Neste momento, o objetivo é estabelecer uma relação mais próxima com
o entrevistado, é uma fase que também pode ser considerada “quebra-
gelo”. O entrevistador evoca assuntos neutros ou positivos e de interesse
da criança (escola, algum jogo específico, amigos). Busca-se que a
criança fale de si mesma de forma descontraída. O profissional faz
perguntas como: “Conte-me um pouco de você. O que você gosta de
fazer?”. Em crianças muito pequenas, especialmente, as na primeira
infância, pode oferecer materiais pedagógicos (lápis de cor, papel, massa
de modelar) e propor alguma atividade enquanto conversam sobre o
ambiente, o momento presente. O entrevistador deve ser cordial e
natural. Uma boa oitiva depende muito desse momento inicial.
c. Regras básicas
É necessário deixar claro o objetivo da conversa, diferenciando-a das
conversas entre os adultos e as crianças e os adolescentes. Neste
momento, deve ser a criança e o adolescente a conduzir a narrativa. O
profissional está ali como facilitador do processo. É importante dizer que
o entrevistador está muito interessado no que a criança ou adolescente
tem a lhe dizer, mesmo que seja algo que ele considere um detalhe,
deixando evidente que tudo que ele disser será importante. É o momento
de pactuar o compromisso de dizer o que aconteceu. O entrevistador
avisa que fará algumas perguntas, mas que ele pode não lembrar ou não
saber, e que isso não será um problema. Precisa explicar para criança
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Este tópico foi baseado no Protocolo brasileiro de entrevista forense com crianças e
adolescentes vítimas ou testemunhas de violência (CHILDHOOD BRASIL-INSTITUTO WCF
BRASIL; CNJ; UNICEF, 2020). Optamos por não indicar a referência em cada trecho para dar
maior fluidez ao texto.
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ou adolescente que ele não deve dizer algo que não tenha certeza
apenas para dar alguma resposta. Dizer que pode falar se a pergunta
não foi clara ou não parecer fazer sentido para ele. Pactuar que o
entrevistador poderá ser corrigido pela criança ou adolescente caso
comente equivocadamente algum relato que lhe fora feito.
d. Prática narrativa
Nessa etapa da entrevista a criança ou o adolescente é incentivada a
narrar livremente um fato como forma de prepará-la para o estágio central
da entrevista sobre a violência propriamente dita. Pode-se pedir para que
ele conte sobre o seu dia; sobre sua rotina na escola, sobre uma
atividade de esporte que ele goste.
a. Transição
É a etapa de preparação para que a criança ou o adolescente possa
iniciar o relato da situação que motivou a oitiva. O entrevistador deve
incentivar o relato por meio de perguntas abertas que permitam a livre
narrativa da criança e do adolescente. É comum iniciar esta fase com
perguntas como: “o que te trouxe aqui?”, “sobre o que você veio
conversar comigo?” e “o que te falaram sobre você vir aqui?”.
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Caso as técnicas acima não resultem em uma resposta da criança e do
adolescente, pode-se lembrar os objetivos da entrevista e o papel do
entrevistador e oferecer o apoio emocional, como: “meu trabalho é ajudar
crianças. Posso fazer algo para te ajudar a conversar hoje?” Se ainda
assim a criança ou adolescente permanecer calado, passa-se à etapa
das intervenções oriundas da sala de audiência.
b. Descrição narrativa
A criança ou adolescente relata o evento da suposta violência sem
interrupções. Neste momento o entrevistador apenas usará expressões
que demonstrem que está atento à narrativa (por exemplo, “sim”, “uhum”,
“certo”; ou “entendi) e anotar palavras-chaves sobre fatos que precisam
de maior esclarecimento.
c. Seguimento e detalhamento
É o momento em que o entrevistador fará perguntas abertas que
esclareçam ou complementem as informações dadas pela criança ou
adolescente na fase anterior.
e. Fechamento
Nesta etapa final verifica-se se há algo a mais que a criança ou
adolescente deseja dizer. Explica-se brevemente os próximos passos do
processo. Deve-se agradecer a criança ou adolescente por terem se
conhecido e por sua participação na entrevista. É recomendado
disponibilizar uma forma de contato posterior. É importante que seja
certificado que a criança ou adolescente se encontra emocionalmente
bem; caso contrário, deve-se dedicar um tempo para a acolhida e apoio
emocional.
O PBEF recomenda ao final, quando esgotadas, sem sucesso, todas as tentativas para
que a criança ou o adolescente faça a revelação do ocorrido, que o entrevistador indique
o estudo psicossocial sobre as condições de risco e proteção, oficializando ao Conselho
Tutelar e à autoridade judiciária competente (juiz da infância e juventude, nas comarcas
em que existir).
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(H)Ouve?
Não deixe de assistir o documentário de Silvia Ignez, que aborda o
depoimento especial e a Lei nº 13.431/2017.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mDMxTzwGDbg
O primeiro órgão a ser comunicado é o Conselho Tutelar. Não podemos esquecer que
a simples ameaça de violação de direitos justifica a aplicação de medida de proteção
pelo Conselho Tutelar (art. 98 e art. 101, I a VII, ECA). Inclusive, o ECA estabelece
penalidades para médicos (entende-se também ser dever dos demais profissionais de
saúde), professores, responsáveis por unidades de saúde e instituições educacionais
que deixarem de comunicar às autoridades competentes situações onde existam
suspeita ou confirmação de violência contra criança ou adolescente (art. 245, ECA).
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Na área da saúde temos o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN),
que é onde agravos de notificação compulsória são registrados. Violência contra
crianças e adolescentes é caso de notificação compulsória e o formulário utilizado é a
Ficha de Notificação de Violência Interpessoal ou Autoprovacada, que deverá ser
registrada no Sistema de Vigilância de Violências ou Acidentes (VIVA/SINAN).
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Síntese dos principais encaminhamentos no caso de violência contra crianças e
adolescentes
Aplicar as medidas de
Atender e aconselhar
É a porta de entrada da proteção à criança e
pais ou responsáveis
criança e do adolescente com
Conselho Tutelar por crianças e
adolescente vítima no direitos ameaçados ou
adolescentes (ver art.
SGD violados (art. 98 e art.
129, ECA).
101, I a VII, ECA)
Encaminhar os casos
Identificar sinais de Preencher a notificação
suspeitos ou
violência e/ou acolher compulsória de alunos
Educação confirmados de
as revelações infrequentes, por meio
violência ao Conselho
espontâneas da FICAI
Tutelar
Acolher e atender os
casos de violência que Preencher a notificação
Encaminhar os casos
chegam ao Sistema compulsória, através
suspeitos ou
Único de Saúde (SUS), da Ficha de Notificação
Saúde bem como dar
confirmados de
de Violência
violência ao Conselho
seguimento aos Interpessoal ou
Tutelar
acompanhamentos Autoprovocada
necessários
Assim, a recuperação da memória pode sofrer interferência por distorções entre o que
realmente aconteceu e o que pessoa considera ter acontecido, baseado no processo
automático da memória que preenche as lacunas com o que se pressupõe ter ocorrido
a partir de experiências anteriores. Por exemplo, se determinada pessoa ouve sempre
relatos de assassinatos em ruas escuras, quando perguntada como era o local onde
ocorreu a violência, no depoimento ela pode vir a se referir a uma rua sem iluminação
ainda que não tenha relação com a realidade (STEIN; PERGHER; FEIX, 2009).
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Em se tratando do depoimento de crianças vítimas ou testemunhas de violência, as
questões relacionadas à memória são ainda mais desafiadoras, considerando as
especificidades da pessoa que está em desenvolvimento em todos os aspectos: físico,
psicomotor, emocional e cognitivo. O profissional responsável por realizar o depoimento
especial deve estar atento para questões importantes sobre o funcionamento da
memória infantil, assim como deve ter boa capacidade técnica de entrevista.
Pesquisas apontam que crianças tendem a se recordar mais de situações que lhes
causaram algum tipo de estresse do que os eventos neutros. No entanto, detalhes
relacionados a eventos traumáticos podem sofrer mais distorções e lapsos em razão
das influências externas e do estágio de desenvolvimento neurocognitivo (STEIN;
PERGHER; FEIX, 2009).
É comum que as pessoas respondam o que imaginam que o entrevistador quer ouvir,
como uma tendência a oferecer respostas “certas” ao que lhe é perguntado. Crianças
são ainda mais sugestionáveis, tanto por ainda estarem em desenvolvimento psíquico
e cognitivo como em razão da relação de poder frente ao adulto que a entrevista. Para
evitar respostas sugestionadas, o entrevistador deve intervir o mínimo possível no relato
da criança e, quando o fizer, jamais usar perguntas diretivas. Por exemplo, se o
entrevistador perguntar: “diga-me onde o seu pai tocou em você?”, pode ser que a
criança diga uma parte de seu corpo mesmo que o pai não a tenha tocado.
Questionamentos assim podem levar a criança a relatar fato que não ocorreram e a criar
falsas memórias.
Outra situação a ser evitada é repetir a mesma pergunta várias vezes. Perguntas
repetidas podem levar a criança a duvidar do que falou e mudar o depoimento, pois
pensará que a sua resposta anterior pode ter sido errada e, no desejo de agradar,
buscará uma outra possível que esteja “certa”. Essa situação se agrava quando o
entrevistador pergunta se ela “tem certeza” do que aconteceu, como se tivesse
duvidando de sua palavra.
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A falsa memória é um desafio para qualquer investigação. Ao contrário do que
costumamos dizer, nosso cérebro não registra fatos como uma câmera fotográfica e
todos nós, inclusive crianças, podem criar memórias de fatos que não aconteceram
(STEIN; PERGHER; FEIX, 2009). Como não se trata de invenção intencional, pode ser
influenciada pelo tempo. Uma das maneiras de evitar relatos de falsas memórias é ouvir
a vítima o mais próximo possível do fato que motiva seu depoimento.
Compreendendo o FLUXO:
O fluxo é dividido por oito campos ou áreas, de acordo com diversos momentos
e ou atores envolvidos, a saber: a criança e o adolescente vítima ou testemunha;
espaço de comunicação da suspeita de violência; rede de garantia de direitos
(saúde, assistência social e educação); Conselho Tutelar; Delegacia de Polícia
Civil; Ministério Público; Poder Judiciário local civil e/ou criminal e Defensoria
Pública.
Dentro de cada campo os retângulos azuis representam as atividades de
responsabilidade de cada ator conectadas por setas que demonstram o fluxo de
atendimento e encaminhamento. As ações progridem da esquerda para a direita
e de cima para baixo.
Os losangos amarelos indicam um conjunto de ações que podem ser efetuadas
concomitantemente.
O círculo vermelho indica o fim da intervenção daquele órgão específico ou
interrupção até que haja a necessidade de novas ações.
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Campo 1 - A criança e o adolescente vítima ou testemunha: diz respeito a ciência
pelo SGD da situação de violência.
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Campo 4 - Conselho Tutelar (CT): trata das ações cabíveis ao CT, tais como a possibilidade de aplicar medidas de proteção de sua
competência (art. 101, I a VII e art. 129, I a VII, ECA).
Campo 5 - Delegacia de Polícia Civil: diz respeito ao início procedimento de responsabilização do autor da violência; à investigação do caso
e à coleta de provas.
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Campo 6 - Ministério Público: engloba as ações de proteção à vítima e de persecução criminal do autor da violência. Oferecimento da
denúncia.
Campo 7 - Poder Judiciário local cível e/ou criminal: trata das ações cíveis que podem ocorrer no caso, como por exemplo a alteração da
guarda, aplicação de medida de acolhimento institucional, dentre outras. Na esfera criminal, realização do depoimento especial.
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Campo 8 - Defensoria Pública: refere-se à assistência jurídica à vítima e sua família.
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Quando a violação de direitos não decorre de situações que dependem da família (por
exemplo, a falta de alimentação por desemprego) ou ainda quando não houver risco
que justifique os efeitos negativos do afastamento familiar, a criança deverá permanecer
em sua residência. Em casos assim, a família deverá ser acompanhada por Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) e/ou CREAS.
Depois de aplicada, a medida de acolhimento será avaliada a cada três meses pelo juiz
da vara da infância e juventude com base nos relatórios elaborados por equipe
multidisciplinar (art. 19, § 1º, ECA). Da análise do relatório, o juiz poderá decidir pela
reintegração familiar, colocação em família substituta ou permanência por mais um
período no acolhimento. O tempo de permanência no acolhimento não pode ultrapassar
de 18 meses, salvo por comprovada necessidade e o interesse superior da criança (art.
19, § 2º, ECA).
Nos casos em que a família nuclear não estiver conseguindo exercer seu papel protetivo
para com seus filhos, deve-se averiguar a possibilidade da criança ou adolescente estar,
por um tempo, sob os cuidados da família extensa ou ampliada (art. 25, parágrafo único,
ECA).
Quando não for possível que a criança ou adolescente fique sob a responsabilidade de
pessoas de sua família ou de sua rede afetiva, o ECA determina que a medida de
acolhimento familiar deve ter preferência ao acolhimento institucional (art. 34, § 1º,
ECA). A criança ou adolescente que é incluído em serviços de família acolhedora, tem
o seu direito à convivência familiar e comunitário respeitados, ainda que em uma família
que não seja a sua. A equipe do serviço de família acolhedora deve acompanhar a
criança ou o adolescente e apoiar a família que acolhe e a família de origem para que a
mesma possa reverter a situação que causou o afastamento do filho para que a
reintegração seja possível.
Nos casos em que também não for possível a inclusão da criança ou adolescente em
famílias acolhedoras, o acolhimento institucional é a medida protetiva a ser aplicada,
mas o objetivo sempre será a reintegração familiar.
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8.1. Efeitos do acolhimento prolongado
A criança ou o adolescente que vive períodos longos de acolhimento, especialmente
quando a manutenção do vínculo familiar não for incentivado, tende a romper com a sua
família de origem. Este fato pode interferir na construção de novas relações sociais e na
construção de vínculos afetivos na vida adulta.
Quando o acolhimento for inevitável, deve ser realizado em espaços com poucas
crianças e adolescentes e com educadores e cuidadores qualificados para atendimento
individualizado. É fundamental que o acolhimento tenha foco pedagógico e desenvolva
habilidades para a vida que, em algum momento, deixará de ser vivida na instituição.
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Família República para jovens
Abrigo Casa-Lar
acolhedora egressos
Serviço que
Capacidade máxima
Oferecido em organiza o
para 20 crianças e Unidades residenciais
unidades acolhimento de
adolescentes por para jovens, entre 18 e
residenciais, com crianças ou
unidade. É o lar 21 anos, egressos dos
capacidade máxima adolescentes, em
provisório de serviços de acolhimento.
para 10 crianças e residências de
crianças e Cada unidade, residência
adolescentes, nas famílias
adolescentes, por inclusiva, comporta até
quais pelo menos acolhedoras
isso deve ser o mais seis pessoas. Não há a
uma pessoa ou cadastradas. Cada
próximo possível de figura de um
casal trabalha como equipe de
uma casa e estar educador/cuidador
educador/cuidador referência atende,
inserido em uma residente.
residente. no máximo 15
comunidade.
casos.
A família que deseja ser acolhedora precisa se cadastrar no Serviço, passar por uma
seleção e ser capacitada para acolher uma criança ou um adolescente. A equipe do
Serviço de Família Acolhedora acompanha todo o processo de acolhimento, de modo a
apoiar a família e a proteger a criança. A família de origem também é acompanhada,
visto que um dos objetivos é preservação dos vínculos familiares e a reintegração
familiar, salvo determinação judicial em contrário (BRASIL, 2009b).
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Diferenças Acolhimento institucional Família acolhedora
Realizado no espaço familiar.
Realizado geralmente em
Uma família acolhe em sua
Quanto ao local de estruturas físicas institucionais
casa uma criança e/ou
execução ou semelhantes a uma
adolescente de uma outra
residência (casa-lar).
família.
Quanto à guarda Pessoa Jurídica Pessoa Física
Os profissionais do programa
Diferentes profissionais da
mediam um contexto para que
Quanto à instituição assumem os
as famílias acolhedora, de
responsabilidade cuidados com a criança/
origem e extensa assumam os
adolescente.
cuidados com a criança.
Quanto ao espaço
Em coletividade. Individualizado.
físico
Quanto à convivência Geralmente periférica ou Intrínseca, já que a criança vive
familiar pontual. com uma família.
Quanto à convivência Geralmente estimulada pelos Mantida pela rotina natural da
comunitária profissionais do abrigo. família que acolhe.
Os vínculos com os Os vínculos com a família
educadores, em geral, são acolhedora são, em grande
Quanto à manutenção
interrompidos após a saída da parte, mantidos ao longo da
dos vínculos
criança e do adolescente da vida da criança e do
instituição. adolescente.
Fonte: Adriana Graham e Valéria Brahim (2013, p. 49)
Quando este for o dilema, existe outra pergunta que precisa ser feita: “os serviços da
rede de atendimento fizeram todo o possível para que a família avançasse no seu papel
de proteger e cuidar de seus filhos?”. Para respondê-la, os profissionais envolvidos
devem analisar cuidadosamente o contexto e realizar minucioso estudo de caso não
apenas entre a equipe responsável pelo acolhimento, mas com outros profissionais de
órgãos e serviços envolvidos no acompanhamento da família.
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O sucesso na reintegração familiar da criança ou adolescente está, em muito,
relacionado com o grau de investimento que a rede terá no acompanhamento da família
de origem. O acompanhamento qualificado e sistemático contribui para que a família se
potencialize, consiga conquistar habilidades para reverter o quadro que gerou o
afastamento do filho e se reorganize para o recebê-lo de volta. Antes de tudo, é
necessário acreditar no potencial cuidador e protetivo das famílias e na capacidade de
transformação das relações familiares.
9. ADOÇÃO
A adoção é uma forma de constituição de família que tem como elemento fundador o
afeto e os laços de afinidade. A adoção supre, de maneira irrevogável e de forma plena
e completa, o vínculo de parentesco biológico (MACIEL, 2019a). Os pais adotantes
passam a exercer integralmente o poder familiar e os filhos havidos por adoção passam
a ter os mesmos direitos do que os filhos naturais (biológicos). A lei proíbe
expressamente quaisquer formas de denominação discriminatória referentes à filiação
como, por exemplo, fazer constar em determinado registro (escolar, dos serviços de
saúde ou assistenciais etc.) que determinada criança ou adolescente é “filho adotado”
(art. 227, § 6º, Constituição Federal; art. 20, ECA; e art. 1.596, Código Civil).
36
quer dizer que todas as medidas legislativas, judiciais e administrativas devem respeitar,
em primeiro lugar, o que é melhor para crianças e adolescentes.
Para promover o melhor interesse de crianças e adolescentes temos que nos voltar para
a própria lei: se seguirmos na trilha das diretrizes do ECA e observarmos todos os
princípios nele instituídos, vamos descobrir que não é tão difícil assim. Especificamente
do ponto de vista da intervenção estatal, é importante que nos voltemos para soluções
que façam diferença positiva na vida de crianças e adolescentes, garantindo-lhes viver
com dignidade (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2020).
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O vínculo da adoção prevê a mudança no registro civil de quem foi adotado (nova
certidão de nascimento), fazendo constar os nomes dos adotantes como pai e mãe e,
assim, acrescido o sobrenome dos adotantes em seu registro (art. 47, § 1º, ECA). A lei
autoriza inclusive a mudança do prenome (primeiro nome), após ouvir o adotado (art.
47, §§ 5º e 6º, ECA), mas a iniciativa precisa ser analisada com muita cautela. O nome
é o primeiro sinal de identidade e é um elo pelo qual mantemos vínculo com nossa
história e com o que somos. Se a mudança do prenome for desejado pelo adotado e se
preservada sua dignidade, identidade e integridade emocional e psicológica, poderá ser
autorizado pelo juiz. Mas, se a mudança for trazer constrangimento ou sofrimento ao
adotado, com vistas ao princípio do melhor interesse, o nome será mantido.
É medida
Obrigatoriamente excepcional Cria novo vínculo
exige a perda do familiar
poder familiar dos
pais biológicos
Após sentença, é
irrevogável, mas pode haver ADOÇÃO Promove a
destituição do poder familiar
mudança de nome
do mesmo modo se fosse
família natural
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são chamados a refletir sobre possíveis idealizações quanto à maternidade e
paternidade e sensibilizados e estimulados a se candidatarem a adotar crianças ou
adolescentes a partir de determinados padrões (CAMPOS, s/d). É fundamental que
fique claro que a integridade da criança ou do adolescente é o que mais importa.
Por outro lado, a criança ou o adolescente também precisa ser preparado para a
convivência numa nova família por meio de atendimento psicossocial, com o objetivo de
dar-lhe segurança e suporte emocional. Mesmo que se conte com o estágio de
convivência, é importante a preparação prévia para o contato entre adotantes e adotado.
Vale lembrar que o estágio de convivência é obrigatório, sendo dispensando nos casos
em que o adotante tenha menos de um ano ou, se maior, já esteja sob a guarda dos
pretendentes a adotar (art. 46 e parágrafos, ECA). Se a adoção for por estrangeiro, o
estágio de convivência também é obrigatório, mas deve ser cumprido no Brasil (art. 46,
§§ 3º e 5º, ECA).
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Uma preparação bem conduzida tende a evitar uma grave consequência da convivência
entre adotantes e adotado: a “devolução”. Por si só, a expressão nos causa
estranhamento e, porque não, certa repulsa. Seja pela má preparação dos adotantes ou
pelas dificuldades que podem brotar na convivência entre pais e filhos - algo que,
convenhamos, pode acontecer em qualquer família - infelizmente são situações
encontradas pelo país.
As maiores consequências, sem dúvida, estão nas marcas que a rejeição deixa na
criança ou no adolescente. O adotado tende a reviver o abandono e a desenvolver
dificuldades em criar novas relações afetivas. A angústia de, mais uma vez, deixar de
ter uma família pode acarretar danos à saúde e integridade psíquica e moral, e até
mesmo física. Além do que, com a interrupção do novo vínculo, a criança ou o
adolescente pode ter perdido a chance de ter se encontrado com outra família (MACIEL,
2019b).
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Relação entre o número de crianças e adolescentes cadastrados para adoção
e pretendentes cadastrados para adotar em maio/2020, por região
Neste ponto entramos em questões difíceis para o tema adoção, mas que precisam ser
enfrentadas. Um deles diz respeito à idade de crianças e adolescente, pois a maioria
dos pretendentes querem adotar crianças pequenas, preferencialmente até 3 anos de
idade. Para ilustrar, 78% das adoções realizadas entre 2015 e 2020 foram de crianças
com até 7 anos completos e apenas 6% de adolescentes (maiores de 12 anos
completos). A medida que a criança ou o adolescente vai ficando mais velho, suas
chances de serem adotadas diminui sensivelmente (BRASIL, 2020b).
Outro ponto está relacionado às preferências raciais dos pretendentes. Cerca de 47%
não desejam adotar criança ou adolescente de determinada cor/raça e pretos e
indígenas são os que menos interessam aos adotantes. Em contrapartida, em média
90% dos pretendentes não descarta adotar brancos. Ainda, a maioria absoluta dos
pretendentes não quer adotar criança ou adolescente com problemas de saúde ou
deficiências, mas 21% dos meninos e das meninas disponíveis para adoção são
portadores de alguma doença tratável ou deficientes (físico ou intelectual) (BRASIL,
2020b).
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Mesmo assim, precisamos investir em maior conscientização para que futuros
pretendentes se abram para adotar crianças mais velhas e adolescentes, especialmente
negros (pardos e pretos). Além de ter valor jurídico, o cuidado é a base para o pleno
desenvolvimento de crianças e adolescentes, bem como o direito à convivência familiar
e comunitária são fundamentais para a proteção integral. Cabe aos atores do SGD
informar a sociedade sobre a adoção e os perfis tanto dos adotantes como dos
pretendentes à adoção, fazendo uso de ações de mobilização tais como palestras,
debates, mesas redondas, audiências públicas etc., para contribuir na construção de
uma visão não apenas sobre adoção, mas também sobre amor, afeto e dignidade. Se
laços de amor não dependem de consanguinidade - e esta é a máxima da adoção -
também não podem depender de raça, sexo ou idade.
FAMÍLIA
NATURAL
Art. 25, ECA
Preferencialmente é a
família natural que deve
cuidar de crianças e
Se não for possível que a FAMÍLIA adolescentes. Não sendo
criança ou o adolescente EXTENSA OU possível, na ordem de
fique com sua família AMPLIADA preferência, é a família
extensa ou ampliada, o Art. 25, parágrafo extensa ou ampliada.
caminho é a família único, ECA
substituta.
FAMÍLIA
Preferencialmente SUBSTITUTA
NACIONAL Art. 28, ECA Destituído o poder familiar,
não sendo possível a
Se não for possível, abre-se criança ou adolescente
possibilidade para permanecer em família
INTERNACIONAL substituta, a adoção passa a
ser a alternativa.
ADOÇÃO
Art. 39, ECA
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tratamento cruel ou degradante.
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