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Introdução à JUSTIÇA RESTAURATIVA:

fundamentos básicos para uma


nova visão da justiça

MÓDULO 1

Estrutura da Justiça Restaurativa


EXPEDIENTE

GOVERNO FEDERAL Revisão Textual


Supervisão: Cleusa Iracema Pereira Raimundo
Presidente da República Victor Rocha Freire Silva
Luiz Inácio Lula da Silva Vivianne Oliveira Rodrigues
Vice-Presidente da República
Design Instrucional
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho
Supervisão: Milene Silva de Castro
Ministro da Justiça e Segurança Pública Joyce Regina Borges
Flávio Dino de Castro e Costa Julia Dias Lopes
Larissa Usanovich de Menezes
Secretário da Secretaria Nacional de Políticas Penais – SENAPPEN
Rafael Velasco Brandani Design Gráfico
Supervisão: Mary Vonni Meürer de Lima
Diretora da Escola Nacional de Serviços Penais – ESPEN
Cleber da Luz Monteiro
Stephane Silva de Araújo
Giovana Aparecida dos Santos
Chefe da Divisão de Educação a Distância Guilherme Comerão Stecca Almeida
Haynara Jocely Lima de Almeida Julia Morato Leite Lucas
Nicole Alves Guglielmetti
Equipe ESPEN PRONASCI Renata Cristina Gonçalves
Ademir Santos da Silva Sonia Trois
Diógenes Gonçalves Bem Tiago Augusto Paiva
Eberson Trindade Rodrigues
Leonardo Conceição Cruz Programação
Maria de Fátima de Souza Moreno Supervisão: Alexandre Dal Fabbro
Luan Rodrigo Silva Costa
Luiz Eduardo Pizzinatto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Audiovisual
Coordenação Geral
Supervisão: Rafael Poletto Dutra
Luciano Patrício Souza de Castro
Angie Luiza Moreira de Oliveira
Financeiro Arthur Pereira Neves
Fernando Machado Wolf Daniele de Castro
Dilney Carvalho da Silva
Consultoria Técnica EaD Kimberly Araujo Lazzarin
Giovana Schuelter Marcelo Vinícius Netto Spillere
Marília Gabriela Salomao Dauer
Coordenação de Produção Rodrigo Humaitá Witte
Francielli Schuelter
Apresentação
Coordenação de AVEA Áureo Mafra de Moraes
Andreia Mara Fiala
Conteúdo
Carlos André dos Santos Pereira

Todo o conteúdo do curso Introdução à Justiça Restaurativa: fundamentos básicos para uma nova visão da
justiça, da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo
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ESCLARECIMENTO

A partir de 1º de janeiro de 2023, o Departamento Penitenciário Nacional


(DEPEN) passou a ser denominado Secretaria Nacional de Políticas Penais
(SENAPPEN), instituída pelo Art. 59 da Medida Provisória nº 1.154; porém,
devido ao fato de o material deste curso ter sido produzido antes da vigência
da referida medida provisória, há conteúdos em que a atual SENAPPEN
é mencionada como DEPEN. É possível, ainda, que outros órgãos gover-
namentais federais citados nos materiais, como ministérios, secretarias
e departamentos, disponham de uma nova estrutura regimental e uma
nova nomenclatura e sejam mencionados de maneira diferente da atual.
SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................................................................6
Objetivos do módulo 6

Unidade 1: Fundamentos da Justiça Restaurativa...................................8


1.1 Resumo histórico 9

1.2 Princípios da Justiça Restaurativa 12

1.3 Visão do crime para a Justiça Restaurativa 15

1.4 Justiça Restaurativa ou prática restaurativa? 16

Unidade 2: Pilares da Justiça Restaurativa..................................................... 18


2.1 Contexto 19

2.2 Conceito 21

2.3 O que não é Justiça Restaurativa 24

Unidade 3: Objetivos da Justiça Restaurativa............................................ 27


3.1 Tratamento do ato lesivo 27

3.2 Tratamento das causas 27


SUMÁRIO

Unidade 4: Elementos da Justiça Restaurativa........................................30


4.1 A importância do “como” 30

4.2 A importância do “quem” 32

Unidade 5: Fundamentos legais da Justiça Restaurativa..........34


5.1 Resolução 2002/12, da ONU 34

5.2 Lei 9.099/1995, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais 35

5.3 Resolução 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça 37

Síntese do Módulo������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 39

Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������40
INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!

Seja bem-vindo(a) ao nosso primeiro módulo de estudos sobre
Justiça Restaurativa.

Os conflitos na sociedade levam-nos a fazer uma reflexão sobre o con-


texto e a complexidade das relações sociais e interpessoais, bem como
sobre as fragilidades que as compõem.

Podemos perceber que os conflitos nascem de um processo natural


e são inerentes às relações humanas; portanto, fazem parte de toda
sociedade. Eles dependem de uma transformação cultural nas relações
sociais para que sejam tratados a partir do desenvolvimento de um
novo olhar – que preserve a escuta, o diálogo, e que promova novas
perspectivas de soluções.

Neste módulo, o cursista terá a oportunidade de conhecer, diferente-


mente do modelo tradicional, o processo inicial e conceitual da Justiça
Restaurativa como ferramenta de solução de conflitos.

Objetivos do módulo

• Apresentar informações iniciais sobre a Justiça Restaurativa, indicando


comparações entre Justiça Restaurativa e Retributiva.

• Contextualizar historicamente o surgimento da Justiça Restaurativa


no cenário mundial e brasileiro.

• Conceituar a Justiça Restaurativa.


• Possibilitar a percepção da colocação da Justiça Restaurativa diante
dos dispositivos legais existentes, com o viés de posicioná-la no âmbito
do mundo jurídico.

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UNIDADE 1

Fundamentos da Justiça Restaurativa


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

1. FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

A justiça é um valor fundamental e vital para o ser humano, que ante-


cede a sua tradução em direito, leis ou instituições (REALE, 2002 apud
TONET; VIEIRA, 2019).

A ideia de citar a justiça como valor fundamental tem o intuito de propor


a reflexão sobre o que deve ser entendido como justiça, antes de com-
parar a tradicional e a restaurativa no contexto da violência.

Justiça, portanto, é um valor e deve ser amparado como condição primeira,


sobrepondo-se sobre qualquer outro valor existente, justamente para
que, numa condição de equilíbrio e proporção, haja para a harmonização
de todos outros valores.

“A justiça é, sempre, um laço entre um homem e outros homens, como


bem do indivíduo, enquanto membro da sociedade, e, concomitan-
temente, como bem do todo coletivo. Por conseguinte, o bem social
situa-se em outro campo da ação humana, a que chamamos de
direito.” (REALE, 2011 apud DELLAGNEZZE, 2020, p. 39).

Complementa-se a questão da justiça com mais uma menção definida


por Reale, que ensina:

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 8


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

“A nosso ver, a Justiça não se identifica com qualquer desses valores,


nem mesmo com aqueles que mais dignificam o homem. Ela é antes
a condição primeira de todos eles, a condição transcendental de sua
possibilidade como atualização histórica. Ela vale para que todos
os valores valham. Não é uma realidade acabada, nem um bem
gratuito, mas é antes uma intenção radical vinculada às raízes do
ser do homem, o único ente que, de maneira originária, é enquanto
deve ser. Ela é, pois, tentativa renovada e incessante de harmonia
entre as experiências axiológicas necessariamente plurais, distintas
Axiológico e complementares, sendo, ao mesmo tempo, a harmonia assim
Tudo aquilo que se refere atingida.” (REALE, 2002 apud TONET; VIERA, 2019, p. 375).
a um conceito de valor
ou que constitui uma
axiologia, isto é, os valores
predominantes em uma No contexto apresentado, quando se fala de justiça, busca-se um equilí-
determinada sociedade. brio, uma solução dos conflitos sociais de forma harmônica. No entanto,
a cultura de solução de conflitos, arraigada na sociedade por leis e có-
digos, impõe um processo de solução baseado na retribuição do injusto,
com punições severas aos seus transgressores, e na ampliação do poder
estatal punitivo como a única proposta viável.

Decerto, vivemos dias difíceis, a violência está cada vez mais acentuada, e a
política criminal, que viria como remédio para sanar essas dores, na verdade
não é capaz de contê-la com medidas efetivas na solução de conflitos.

O modelo tradicional de Justiça penal (retributivo-punitivo)


não tem sido eficaz, nem na teoria, nem na prática. Portanto,
é importante se pensar em um sistema ampliado, que permita o
protagonismo das partes envolvidas no conflito (vítima, ofensor
e comunidade) na busca da reparação de danos, restauração de
laços, solução do conflito e restabelecimento da paz social.

Nada obstante, propõe-se neste módulo a demarcação da Justiça Res-


taurativa como alternativa ou complemento à Justiça tradicional.

1.1 Resumo histórico


As práticas restaurativas originam-se nas comunidades onde os inte-
resses coletivos superavam os interesses individuais, e sua proposta era
a manutenção da coesão do grupo, a solução de conflito, com o objetivo
de restaurar o equilíbrio rompido.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 9


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Segundo a literatura, a prática restaurativa teve início no Canadá e na


Nova Zelândia, e foi baseada nos mecanismos de solução de conflitos
aborígenes, voltados ao enfrentamento das consequências experimen-
Aborígenes tadas pela vítima em detrimento da proposta de punição do agressor.
Povo originário da
Austrália. Que ou quem é
PODCAST
originário do país em que
vive. Que foi o primeiro a
habitar ou que pertence Prudente (2013) relata que a primeira experiência contempo-
aos primitivos habitantes. rânea com práticas restaurativas se deu em 1974, em Kitchener,
província de Ontário, Canadá, onde dois jovens foram acusados
da prática de vandalismo contra 22 propriedades. Conta-se que
esse caso ganhou muita publicidade e surgiu naturalmente em
um grupo de cristãos que havia se reunido para discutir uma
resposta cristã a assaltos em lojas.

Já, na Nova Zelândia, segundo o autor, o movimento foi gerado a


partir da grande insatisfação na comunidade Maori (população
indígena do país), pela maneira como eles e seus jovens eram tra-
tados pelas agências sociais e pelo sistema de Justiça Criminal.
As famílias Maori (whanau) e os enormes grupos tribais (hapu)
não se sentiam contemplados pelos processos dos tribunais.
Os jovens infratores recebiam sanções sem sentido antes de
serem liberados, ou eram recolhidos a instituições punitivas,
que os isolava de qualquer influência social positiva de suas famílias.

No mesmo sentido, Howard Zehr (2015) resume que, desde os


anos 1970, vêm surgindo vários programas e práticas restau-
rativas em centenas de comunidades espalhadas pelo mundo.

Atualmente, a Justiça Restaurativa tem ganhado alcance e, ao longo do


tempo, começa a aparecer em diversos institutos legais. Ela passa também
a ser efetivamente considerada como mecanismo a ser utilizado dentro
do sistema de Justiça tradicional como modelo de reforma da Justiça
Criminal por meio de novas lentes para a solução dos conflitos sociais.

Apontando uma cronologia de acontecimentos e tomando por base a


década de 1970, pode-se observar o avanço desse processo de solução
de conflitos. Tonet e Viera (2019, p. 6-7) informam os fatos apresentados
na linha do tempo a seguir.

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FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Cronologia de acontecimentos em
relação à solução de conflitos

1970/EUA - O Instituto para Mediação e Resolução de


Conflito (IMCR) usou 53 mediadores comunitários e
recebeu 1.657 indicações em 10 meses.

1976/Canadá - Criado o Centro de Justiça Restaurativa


Comunitária de Victoria, na cidade de Victoria, Canadá.

1980/Austrália - Estabelecidos 3 Centros de Justiça


Comunitária experimentais em Nova Gales do Sul.

1982/Reino Unido - Primeiro serviço de mediação


comunitária do Reino Unido.

1988/Nova Zelândia - Mediação vítima-agressor por


oficiais da condicional da Nova Zelândia.

1989/Nova Zelândia - Promulgada a "Lei sobre Crianças,


Jovens e suas Famílias", incorporando a Justiça Penal Juvenil.

Cronologia de acontecimentos
1994/EUA - Pesquisa em de
nacional localizou 123 programas
relação à solução de conflitos
mediação vítima-infrator no país.

1999/5 países - Conferências de grupo familiar de bem-estar e


projetos-piloto de justiça em curso na Austrália, Nova
Zelândia, Estados Unidos, Grã-Bretanha, África do Sul.

2001/Europa - Decisão-quadro do Conselho da União


Europeia sobre a participação das vítimas nos processos
penais para implementação de lei nos Estados.
Decisão-quadro é a decisão coletiva sobre a revisão de
determinada situação.

2002/ONU - Resoluções do Conselho Econômico e Social da


ONU. Definição de conceitos relativos à Justiça Restaurativa,
balizamento e uso de programas no mundo.

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2005/Brasil - No Brasil, o Ministério da Justiça e o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
Zelândia, Estados Unidos, Grã-Bretanha, África do Sul.

INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA: 2001/Europa - Decisão-quadro do Conselho da União


FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇAEuropeia sobre a participação das vítimas nos processos
penais para implementação de lei nos Estados.
Decisão-quadro é a decisão coletiva sobre a revisão de
determinada situação.

2002/ONU - Resoluções do Conselho Econômico e Social da


ONU. Definição de conceitos relativos à Justiça Restaurativa,
balizamento e uso de programas no mundo.

2005/Brasil - No Brasil, o Ministério da Justiça e o Programa


das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
patrocinam três projetos de Justiça Restaurativa em Porto
Alegre, São Caetano do Sul e Brasília. Início do Projeto Justiça
Século 21.

2010/Porto Alegre (RS, Brasil) - Implantação do Projeto


Justiça Juvenil Restaurativa na Comunidade e oficialização da
Central de Práticas Restaurativas do Juizado da Infância e
Juventude pelo Tribunal de Justiça do Estado.

Cada local realizou a aplicação da Justiça Restaurativa, considerando


diferentes técnicas, que foram construídas a partir da experiência e
cultura de cada localidade, levando em consideração o seu contexto
sociocultural e jurídico.

1.2 Princípios da Justiça Restaurativa


O artigo 2º da Resolução 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), prescreve:

“Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a cor-


responsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às neces-
sidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade,
a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade,
a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.” (CNJ, 2016).

Por conseguinte, trazemos os conceitos principiológicos dispostos no


Manual de Gestão para as Alternativas Penais (BRASIL, 2020, p. 94-96):

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 12


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Conceitos principiológicos

Corresponsabilidade: pressupõe a assunção da


responsabilidade por todas as pessoas que integram
uma prática restaurativa.

Reparação dos danos: significa a busca por restaurar os


danos dos afetados no conflito e pode ser de ordem
material (como indenização, conserto, devolução etc.)
ou emocional (como escuta ativa sobre os danos
causados e pedido de desculpas).

Atendimento à necessidade: requer atenção para que todos


os sujeitos envolvidos sejam igualmente considerados em
suas individualidades, autonomia e necessidades frente ao
caso trazido à esfera restaurativa.

Participação: corresponde à importância de que todas as


pessoas que integram uma prática restaurativa tenham igual
condição de participar do procedimento, respeitadas em
suas manifestações.
Conceitos principiológicos

Empoderamento: agrega a necessidade de que todas as


pessoas envolvidas se sintam igualmente importantes,
afirmando a sua autonomia para expressar livremente seus
sentimentos e sua visão da história, à sua maneira e com os
sentidos que considere necessários, além de pressupor
também o direito de aceitar participar ou não de uma prática
restaurativa, aceitar ou não o pedido de desculpas ou o
acordo proposto pela outra parte.

Consensualidade: imprime à prática restaurativa a busca


por uma negociação pacífica e a abertura dos envolvidos
para se chegar a uma solução justa e harmônica.

Voluntariedade: pressupõe participação espontânea de


todas as pessoas, bem como a possibilidade de
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interromperem o procedimento a qualquer tempo,
cientes da responsabilidade dos seus atos.
Consensualidade: imprime à prática restaurativa a busca
INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
por uma negociação pacífica e a abertura dos envolvidos
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA para se chegar a uma solução justa e harmônica.

Voluntariedade: pressupõe participação espontânea de


todas as pessoas, bem como a possibilidade de
interromperem o procedimento a qualquer tempo,
cientes da responsabilidade dos seus atos.
Conceitos principiológicos

Confidencialidade: significa a proteção dos assuntos tratados


no procedimento, considerando: a) que os diálogos realizados
em qualquer uma das etapas do procedimento são
considerados privados e sigilosos; b) o compromisso das
pessoas, dos facilitadores e de outras pessoas que porventura
participem, como grupos de apoio e advogados, quanto ao
sigilo das questões tratadas ali; c) que nenhum fato tratado ali
poderá servir de justificação em processos posteriores e;
d) que não poderão os facilitadores ou grupos de apoio serem
chamados a testemunhar posteriormente em processos
judiciais em relação às questões tratadas ali, caso a prática
restaurativa seja interrompida.

Imparcialidade: significa a atitude que deve ter o facilitador


quanto a não favorecer nenhuma das pessoas. O facilitador
deve se eximir de dar respostas ou sugerir soluções, que possa
ser interpretado como a beneficiar uma das partes. Por isso,
é importante que os facilitadores tenham formação anterior,
para que estejam munidos de técnicas de comunicação,
garantindo a condução de forma imparcial.
Conceitos principiológicos

Interdisciplinaridade: é importante por considerar a


complexidade dos problemas e a necessidade de
abordagens mediante a convergência, a cooperação e a
combinação adequada de diferentes olhares e saberes,
incompletos e provisórios, promovendo a tolerância às
diferenças e a busca de consenso.

Informalidade: como princípio de uma prática restaurativa,


contrapõe-se ao extremo rigor dos processos judiciais,
atendo-se à liberdade de ação e palavra dos seus
protagonistas e caracterizando-se por um estilo consensuado
pelo qual as pessoas buscam se relacionar em prol de uma
solução para os seus dilemas. Considerando-se o direito penal
e os bens por ele tutelados como sendo do âmbito do direito
público, o princípio da gratuidade determina que práticas
restaurativas que pretendem fazer frente ao processo penal
não podem ter custos financeiros para as pessoas, uma vez
que o acesso à Justiça é um direito constitucional.

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FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Conceitos principiológicos

Celeridade: relaciona-se à garantia das práticas restaurativas


de promoverem o acesso à Justiça dentro de uma
temporalidade razoável, sob risco de, devido às dificuldades
próprias à lentidão e extrema burocratização do sistema de
Justiça impedirem a possibilidade de resolução ou mesmo
levarem à acentuação do conflito. A celeridade não deve ser
entendida como um obstáculo para as práticas restaurativas,
justificando procedimentos rápidos que, via de regra,
são incapazes de promover abordagens capazes de restaurar
e reparar verdadeiramente os conflitos e controvérsias.

Urbanidade: tocante à necessidade de respeito ao outro


no curso da prática restaurativa, promovendo uma
escuta ativa por parte de todos, cordialidade e dignidade
de todas as pessoas envolvidas.

1.3 Visão do crime para a Justiça Restaurativa


Baseado em estudos de Zehr (2015) sobre aspectos principiológicos,
o crime e os comportamentos nocivos representam uma ferida na co-
munidade, por meio da quebra da teia de relacionamentos e do desfa-
zimento de vínculos.

Assim, o crime provoca ondas de repercussão e acaba por perturbar a


teia, que perde o equilíbrio em função de um comportamento nocivo,
e exige, portanto, o restabelecimento dos prejudicados, dos provocadores
do dano e de suas comunidades.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 15


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FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Com efeito, Zehr (2015) faz um comparativo acerca da visão do crime,


considerando a importância de corrigir, consertar e endireitar as coisas,
em contraponto ao crime para o sistema jurídico tradicional.

Duas visões diferentes


Justiça Criminal Justiça Restaurativa

O crime é uma violação da lei e do Estado. O crime é uma violação de pessoas e de relacionamentos.

As violações geram culpa. As violações geram obrigações.

A Justiça exige que o Estado determine a culpa e o A Justiça envolve vítimas, ofensores e membros da
imponha uma punição (sofrimento). comunidade num esforço comum para corrigir a situação.

Foco central: as necessidades da vítima e a


Foco central: os ofensores devem receber o que merecem.
responsabilidade do ofensor de reparar o dano cometido.

Fonte: Adaptado de Zehr (2015, p. 37).

As abordagens são condensadas em três questionamentos centrais.

Três perguntas diferentes


Justiça Criminal Justiça Restaurativa

Que leis foram infringidas? Quem sofreu danos?

Quem fez isso? Quais são suas necessidades?

O que o ofensor merece? De quem é a obrigação de suprir essas necessidades?

Fonte: Adaptado de Zehr (2015, p. 37).

1.4 Justiça Restaurativa ou prática restaurativa?


A terminologia para a questão da Justiça Restaurativa é controversa,
pois a ferramenta restauradora pode ser utilizada em qualquer âmbito que
busque a solução de conflitos de relações, seja na família, no trabalho ou
na escola, o que ensejaria a utilização da expressão “prática restaurativa”.

Todavia, há que se ressaltar a experiência de Zehr (2015), que, reconhe-


cendo os limites da linguagem da Justiça e considerando o fato de a
maioria dos conflitos envolverem uma vivência ou percepção de injustiça,
opta pela expressão “Justiça Restaurativa”, mesmo reconhecendo “prática
restaurativa” como um termo mais apropriado.

Nesse sentido, a abordagem ideal é considerar a Justiça Restaurativa


como instituto de solução de conflitos diferente do sistema tradicional.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 16


UNIDADE 2

Pilares da Justiça Restaurativa


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2. PILARES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

De acordo com Zehr (2015), a Justiça Restaurativa possui três pilares:


a) danos e necessidades; b) obrigações; e c) engajamento.

Nesse sentido, ao perceber o crime como dano causado a pessoas


e comunidades, a Justiça Restaurativa tem como foco o dano
cometido, diferente do sistema jurídico tradicional, que prevê a
Justiça focada em regras e leis, em que o Estado substitui a pessoa
ofendida na qualidade de vítima.

O sistema tradicional propõe a solução de conflitos por meio da punição


do agressor, na medida de seu merecimento. Já a vítima, para o mesmo
sistema, é uma preocupação secundária.

Na Justiça Restaurativa, o foco é o dano, e não a vítima. Portanto, a pre-


ocupação é inerente às necessidades da vítima, de maneira que o “fazer
justiça” tem essa questão como ponto de partida.

O segundo pilar enfatiza a acusação e a responsabilização da-


queles que causaram danos, implicando obrigações que esti-
mulam o ofensor a compreender o dano que causou e as res-
pectivas consequências de seu comportamento sob o prisma
da necessidade de responsabilidade de correção da situação,
no intuito de “fazer a coisa certa”. A obrigação recai primeiramente
sobre o responsável pelo dano, mas reflete-se também na comu-
nidade e na sociedade, que também têm obrigações.

O último pilar baseia-se no engajamento das partes afetadas pelo crime:


ofensor, vítima e comunidade, tendo em vista que desempenham pa-
péis importantes para a solução do conflito no processo judicial ao pro-
piciar um diálogo direto entre as partes (ofensor e vítima), ou indireto,
por meio de representantes, de modo que se possa chegar a um con-
senso do que pode ser feito.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 18


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Pilares da Justiça Restaurativa

Danos e
Obrigações Engajamento
necessidades

2.1 Contexto
O fenômeno criminológico tem exigido dos especialistas grande esforço
para se pensar soluções para a lógica da retributividade penal. O que se
vê é que, mesmo com o engessamento da pena, com a manutenção da
prisão como mecanismo de combate ao crime, a violência não diminui.

Cada vez mais, pessoas estão sendo encarceradas. Cada vez mais,
o sistema penal se alimenta e é sobrecarregado sob a perspectiva de
melhoria dos índices de violência.

Foto: © [Joa Souza] / Shutterstock.

No entanto, a mobilização frente ao fenômeno do crime enseja resposta


diferente do que vem sendo proposto como solução, haja vista a neces-
sidade de encará-lo em toda a sua complexidade.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 19


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Somente a oferta de um sistema de punição ou responsabilização criminal


rígido não é suficiente para avançar no processo de cultura de paz com
a capacidade de diminuir a violência e os índices criminais e de reduzir
a população carcerária de maneira eficiente.

A proposta para se combater o fenômeno criminológico é pensar em


políticas públicas de base, que tenham a capacidade de combater as
razões que levam as pessoas a cometerem crimes.

A outra medida é avançar para um sistema flexível de Justiça


Criminal, que permita uma avaliação real do caso concreto e
possibilite uma maior participação dos sujeitos envolvidos,
com o objetivo de enxergar o sistema penal com uma ótica dife-
rente, saindo de uma espécie de sistema punitivo rígido do Estado
para um sistema multifacetado, que ofereça respostas diferentes
e mais adequadas à criminalidade.

Pois bem, a privação da liberdade pressupõe uma desintegração social e a


destruição dos laços familiares e comunitários que marcam o aprisionado
e dificultam ou impedem o retorno da pessoa ao mundo extramuros
sem sequelas.

Portanto, a punição sem medida, a aplicação do castigo e toda a violência


decorrida do encarceramento somente confirma que o sofrimento é o
modelo de punição adotado como resposta à violência causada.

Nesse sentido, é preciso pensar novas formas de responsabilização criminal


para substituir o exercício do poder punitivo estatal pela aplicação de mo-
delos mais efetivos de solução de conflitos, como a Justiça Restaurativa.

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou


tablet) no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre formas
de combate ao fenômeno criminológico, ou acesse o link: https://
youtu.be/hFIcGOqBs3g.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 20


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

2.2 Conceito
O conceito de Justiça Restaurativa pressupõe uma outra visão do que se
entende como justiça, para que se possa enxergar o crime como violação
dos interesses das pessoas, e não como infrações das normas.

A justiça não pode ser sinônimo de punir, mas de buscar por


mecanismos que possibilitem a solução de conflitos nos quais
as pessoas estejam em primeiro plano.

O que temos hoje é uma Justiça tradicional focada na punição, no es-


tabelecimento da culpa, na imposição de dor por meio da pena. É uma
visão da justiça segundo a qual a violação da lei atenta contra os inte-
resses do Estado.

Na Justiça Restaurativa, como o próprio nome sugere, o objetivo é res-


taurar as relações, trazer a reparação para as pessoas, proporcionar uma
ação transformadora que promova a cultura da paz.

Foto: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

Mas enfim, como a literatura especializada conceitua a Justiça Restaurativa?

PODCAST

“A Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso,


em que a vítima, o infrator e, quando apropriado, outras pessoas
ou membros da comunidade afetados pelo crime, participam
coletiva e ativamente como sujeitos centrais na construção

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 21


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

de soluções para a cura das feridas, dos traumas e das perdas


causados pelo crime” (PINTO, 2005, p. 20).

O conceito trazido aborda a questão de maneira bem ampla, mas,


na essência, o que se ressalta é um procedimento voluntário
onde são valorizadas as pessoas envolvidas no conflito como
sujeitos centrais para a construção da solução e cura das feridas.

O processo tem características predominantemente informais,


e pode ser realizado em espaços comunitários, por profissionais
que detenham as técnicas de mediação, conciliação e transação,
sob a proposta de alcance do resultado restaurativo, em busca
da reintegração social da vítima e do ofensor.

“A Justiça Restaurativa é uma abordagem que visa promover


justiça e que envolve, tanto quanto possível, todos aqueles
que tem como interesse numa ofensa ou dano específico,
num processo que coletivamente identifica e trata os danos,
necessidade e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de resta-
belecer as pessoas e endireitar as coisas na medida do possível”
(ZEHR, 2015, p. 54).

Embora haja um entendimento firmado sobre os contornos conceituais


básicos de Justiça Restaurativa, de acordo com Zehr (2015), os profissionais
do ramo não conseguiram chegar a um consenso sobre um significado
específico. Esse autor enfatiza que alguns questionam a utilidade de
uma definição ou mesmo duvidam da sabedoria de se fixar tal definição.
E critica: “mesmo reconhecendo a necessidade de princípios e critérios
de qualidade, preocupa-nos a arrogância e a finalidade de estabelecer
uma conceituação rígida” (ZEHR, 2015, p. 53).

Outro conceito que corrobora o que foi apresentado acima é o de Jaccoud


(2005), citado por Sica (2007), segundo o qual, a Justiça Restaurativa

“[...] é uma aproximação que privilegia toda a forma de ação, individual


ou coletiva, visando corrigir as consequências vivenciadas por ocasião
de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das
partes ligadas a este.” (JACCOUD, 2005 apud SICA, 2007, p. 169).

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 22


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Por fim, num conceito bem mais enxuto e objetivo, de acordo com o
artigo 1º da Resolução 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
temos a seguinte definição:

“Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado


e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias,
que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais
e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os
conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de
modo estruturado na seguinte forma:

I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima,


bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso,
com a presença dos representantes da comunidade direta ou indireta-
mente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos;

II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores res-


taurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais
de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo
ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por
entidades parceiras;

III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das neces-


sidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que
contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso
e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da
reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo
conflito e as suas implicações para o futuro.” (BRASIL, 2016).

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre o conceito de
Justiça Restaurativa de acordo com o Conselho Nacional de Justiça,
ou acesse o link: https://youtu.be/-g3HkiGmB6E.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 23


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

2.3 O que não é Justiça Restaurativa


O estudo de Zehr (2015) nos traz importantes informações que auxiliam
na identificação dos princípios restauradores que solidificam o conceito
de Justiça Restaurativa.

Nesse sentido, considerando as definições conceituais do que vem ou


não a ser Justiça Restaurativa, fica cada vez mais clara a ideia de mudança
de cultura sobre a questão da punição por meio da prisão, sugerindo a
aplicação de outros meios de solução de conflitos.

A Justiça Restaurativa, de acordo com Zehr (2015, p. 19-26):

• Não tem como objetivo principal o perdão ou a reconciliação:


algumas vítimas e defensores de vítimas reagem negativamente à Jus-
tiça Restaurativa, porque imaginam que o objetivo do programa seja
estimular, ou mesmo forçar, a vítima a perdoar ou a se reconciliar com
aqueles que causaram danos a ela ou aos seus entes queridos. O perdão
ou a reconciliação podem ocorrer com mais frequência do que ocorreria
no processo penal; contudo, não deve haver pressão no sentido de per-
doar ou buscar a reconciliação, pois estes não são pré-requisitos nem
resultados necessários da Justiça Restaurativa.

• Não implica necessariamente um retorno às circunstâncias anteriores:


o termo “restaurativo” pode suscitar controvérsia porque pode sugerir
um retorno ao passado, como se a ofensa não tivesse acontecido.
Isso não é possível, especialmente no caso de danos graves.

• Não é mediação: tal como a mediação, muitos programas de Justiça


Restaurativa são desenhados em torno da possibilidade de um en-
contro facilitado entre vítimas, ofensores e, possivelmente, familiares
e membros da comunidade. O encontro com mediação pode acontecer,
mas não descreve a Justiça Restaurativa adequadamente; pois, num con-
flito mediado, presume-se que as partes atuem num mesmo nível ético,
com responsabilidades que muitas vezes precisam ser partilhadas.
No caso da mediação, portanto, a linguagem neutra pode induzir a erro,
enquanto na restaurativa, na maioria dos casos o ofensor deve admitir
algum grau de responsabilidade.

• Não tem por objetivo principal reduzir a reincidência ou as ofensas


em série: a redução da reincidência é um subproduto da prática da
Justiça Restaurativa, mas não é o motivo pela qual se deve promover

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 24


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

os programas restauradores. Aqueles que sofreram o dano devem ser


capazes de identificar suas necessidades e tê-las apontadas, ao passo
que aqueles que causaram o dano devem ser estimulados a assumir a
responsabilidade, e aqueles que foram afetados por um delito devem
ser envolvidos no processo.

• Não é um programa ou um projeto específico: não existe um mo-


delo puro que possa ser visto como ideal ou passível de implementação
imediata em qualquer comunidade. Todos os modelos estão, em alguma
medida, atrelados à cultura e devem ser construídos de baixo para cima
pelas comunidades, através do diálogo sobre suas necessidades e recursos.

• Não se limita a ofensas menores ou ofensas primárias: as abordagens


restaurativas podem produzir maior impacto nos casos de crimes mais
graves, mesmo quando seja mais fácil o apoio da comunidade para os
casos de menor potencial ofensivo.

• Não é algo novo nem surgiu nos Estados Unidos da América:


as raízes dos elementos restaurativos são tão antigas quanto a história
da humanidade e têm precedentes inspirados nas tradições indígenas
dos povos nativos da América do Norte e da Nova Zelândia.

• Não é uma panaceia nem necessariamente um substituto para o


sistema judicial: a Justiça Restaurativa não é uma resposta para todas
as situações nem substituiria o sistema judicial num mundo ideal.
Assim, mesmo que a Justiça Restaurativa pudesse ganhar ampla imple-
mentação em algum tipo de sistema jurídico ocidental, ainda seria ne-
cessária, como salvaguarda e defesa dos direitos humanos fundamentais,
a manutenção do sistema jurídico tradicional.

• Não é necessariamente uma alternativa ao aprisionamento: se a Justiça


Restaurativa fosse levada a sério, nosso recurso ao aprisionamento seria
reduzido, e a natureza dos estabelecimentos prisionais mudaria signifi-
cativamente. No entanto, as abordagens restaurativas podem também
ser usadas em conjunto com as sentenças de detenção ou em paralelo
a estas. O fato é que a Justiça Restaurativa pode ser uma alternativa à
prisão, mas não elimina a sua necessidade para alguns casos.

• Não se contrapõe necessariamente à Justiça Retributiva: a Justiça


Restaurativa não se opõe totalmente à Justiça Retributiva, muito embora
a retributiva reduza a confiança na punição por si só.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 25


UNIDADE 3

Objetivos da Justiça Restaurativa


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

3. OBJETIVOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

A Justiça Restaurativa busca o restabelecimento das coisas sob o enfoque


da retificação ou minimização do dano causado, objetivando o tratamento
do ato lesivo e das causas que levaram a sua prática.

3.1 Tratamento do ato lesivo


Está no escopo da Justiça Restaurativa endireitar as coisas, como en-
sina Zehr (2015). Nesse sentido, para aqueles que causaram um dano,
ela é uma oportunidade e um estímulo para fazer a coisa certa diante das
pessoas que foram lesadas, assumindo responsabilidades tanto quanto
possíveis para reparar o dano causado à vítima.

BOAS PRÁTICAS

Como exemplo da possibilidade de reparar o dano causado, pode


o ofensor responsabilizar-se a ponto de satisfazer interesses do
ofendido, o que podemos chamar de reparação de fato.

Já na reparação de danos mais graves, cujo ato lesivo seja de impossível


reparação, a responsabilidade pode alcançar as “covítimas”, num pro-
cesso de reparação indireta, que signifique, por exemplo, a indenização
a familiares.

No caso de um homicídio, por exemplo, em que não seja possível reparar


o dano, essa reparação pode ser simbólica, por meio de indenização à
família da vítima, ou do processo de arrependimento em que o ofensor
deseje retratar-se pelo dano causado à família da vítima ou ainda de
outra forma que signifique o exercício do perdão e do arrependimento
através das práticas de Justiça Restaurativa.

3.2 Tratamento das causas


Na busca do endireitamento das coisas, é necessário não só cuidar dos
danos, mas abordar as causas do crime (ZEHR, 2015).

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 27


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

A ideia trazida consiste no fato de que muitos dos que foram vitimados
desejam saber quais medidas estão sendo tomadas para reduzir os danos
para si ou para outrem.

Para o tratamento da causa, é preciso pensar num plano que permita verificar
a necessidade da vítima e a possibilidade do ofensor para o cumprimento
das obrigações num primeiro momento; mas, por seguinte, contemplar as
necessidades do ofensor para que possa modificar o seu comportamento.

Para corrigir a situação, é preciso:

Tratar os danos Tratar as causas

Fonte: Adaptado de Zehr (2015, p. 47).

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 28


UNIDADE 4

Elementos da Justiça Restaurativa


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

4. ELEMENTOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Os elementos da Justiça Restaurativa traduzem as pessoas envolvidas


no processo restaurador e o modo pelo qual se dá a relevância entre o
“como” e o “quem”, consoante a proposta de Howard Zehr (2015).

4.1 A importância do “como”


Zher (2015) entende que o processo jurídico é um sistema conduzido
por profissionais que representam o ofensor e o Estado, tendo como
árbitro o juiz, e cujo resultado é imposto por autoridades que são alheias
ao conflito. Os interessados e integrantes dos conflitos, compostos pelas
vítimas, comunidade e ofensores, raramente participam do processo de
maneira substancial.

Diferentemente da Justiça Criminal, a Restaurativa dá preferência a pro-


cessos colaborativos e inclusivos e, na medida do possível, a desfechos
que tenham sido alcançados pelo consenso.

No entanto, ressalta-se que o processo de Justiça Restaurativa admite a


necessidade de autoridades externas e reconhece o papel dos profissionais
envolvidos, mas sobressai a importância da participação daqueles que
estão diretamente envolvidos e sofreram o impacto ou têm interesse
legítimo no evento danoso.

Nesse sentido, o “como” pressupõe um encontro direto dos


interessados com um facilitador, precedido de preparação,
planejamento e salvaguarda adequados.

Via de regra, no “como”, realiza-se um encontro entre as pessoas que


foram prejudicadas e aquelas que causaram o dano com a finalidade de
negociar diretamente um modo de corrigir a situação.

Nessa oportunidade, o ofendido tem a chance de expor ao ofensor o


impacto da ofensa, de modo que o ofensor poderá ouvir e compreender
os efeitos de seu comportamento.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 30


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir ao vídeo de animação sobre
como podem se dar os processos de resolução de conflitos na
óptica da Justiça Restaurativa, ou acesse o link: https://youtu.be/
OQqO6fcagOA.

Cabe salientar que o encontro direto, embora mais eficaz, não é regra e
deve ser avaliado caso a caso, considerando que, a depender da ofensa,
não é recomendado. Já o encontro indireto pode ser uma solução razoável
para as situações que devem ser tratadas com certo distanciamento, por
exemplo, por meio de carta, vídeo gravado ou por meio de representação.

Em suma, deve-se possibilitar ao máximo a troca de informações e o


envolvimento entre as partes interessadas.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 31


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

4.2 A importância do “quem”

Além dos membros da comunidade eventualmente afetados e


que tenham interesse imediato no caso, o “quem” são as pessoas
diretamente prejudicadas pelo dano e aquelas que o causaram.

Deve-se lembrar que, além do círculo envolvendo vítima, ofensor e


comunidade, há outros membros secundários que podem ter sido im-
pactados pelo dano, como família e amigos, bem como pessoas que
têm vínculos com quem causou o dano.

Por fim, é importante ressaltar que, quando se fala em comunidade,


fala-se da microcomunidade de lugar e de relacionamento, daquela
que está imediatamente afetada pelas ofensas, mas, de maneira geral,
é negligenciada pela Justiça estatal.

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir ao vídeo de animação sobre
quem são as pessoas que sofrem com os impactos causados por
um dano criminal, ou acesse o link: https://youtu.be/cwjUjpj7U6k.

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UNIDADE 5

Fundamentos legais da
Justiça Restaurativa
INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

5. FUNDAMENTOS LEGAIS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

A Justiça Restaurativa surge como nova possibilidade a ser inserida no


âmbito comunitário e jurídico como ferramenta de solução de conflitos.

O marco inicial da regulação da Justiça Restaurativa foi a Resolução 26, de


28 de julho de 1999, intitulada “Desenvolvimento e Implementação de
Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal”, seguida
pela Resolução 2000/14, de 27 de julho de 2000, intitulada “Princípios
Básicos para utilização de Programas Restaurativos em Matérias Criminais”
e pela Resolução 2002/12, que trouxe diversas proposições do grupo de
especialistas estudiosos do tema a serem adotadas na implantação da
Justiça Restaurativa.

5.1 Resolução 2002/12, da ONU


A Resolução 2002/12 estabelece os princípios básicos para utilização de
programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal, representando
um importante instrumento de convocação dos Estados-membros da
ONU a difundirem a Justiça Restaurativa no contexto criminal.

O item I trata da terminologia e, no art. 2º, define:

“2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima


e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou
membros da comunidade afetados por um crime, participam ati-
vamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente
com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem
incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária
(conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles).” (ONU, 2002).

O artigo 6º abre o tópico da utilização de programas de Justiça Restaura-


tiva e indica esse instituto como mecanismo a ser utilizado em qualquer
fase do sistema de Justiça Criminal nacional.

Em linhas gerais, a Resolução 2002/12 apresenta fundamentos que devem


ser respeitados na implantação de um programa de Justiça Restaurativa
no âmbito penal.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 34


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Aliás, o artigo 15 da resolução prevê a incorporação nas decisões judiciais


e julgamentos dos acordos oriundos dos programas de Justiça Restaura-
tiva, apreciando status resolutivo à decisão no sentido de fazer precluir
Precluir a ação penal relacionada aos mesmos fatos. Ou seja, resolvida a situ-
Impedimento do uso ação no âmbito da Justiça Restaurativa, esta não poderá ser retomada
de uma faculdade
no processo judicial criminal, tendo em vista a aplicação da preclusão.
processual no âmbito
jurídico, por não a
ter usado no tempo No entanto, não havendo acordo, prevalecerá o procedimento tradi-
determinado pela lei ou cional de Justiça Criminal, conforme estabelece o artigo 16 da resolução
por já ter sido exercida. em comento:

“Art. 16. Quando não houver acordo entre as partes, o caso deverá
retornar ao procedimento convencional da justiça criminal e ser deci-
dido sem delonga. O insucesso do processo restaurativo não poderá,
por si, [ser] usado no processo criminal subsequente.” (BRASIL, 2002).

Por fim, outro artigo importante é o artigo 20, que impõe aos Estados-
-membros o dever de buscar a formulação de estratégias e políticas
nacionais de desenvolvimento da Justiça Restaurativa e a promoção de
cultura da paz.

5.2 Lei 9.099/1995, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
A Lei 9.099/1995 tem como principal característica a promoção da
conciliação, do julgamento célere e da execução das causas jurídicas
consideradas menos complexas.

Na essência, a norma denominada Lei dos Juizados Especiais e Criminais


veio regulamentar o processo nos juizados para prever a possibilidade de
conciliação e julgamento de infrações que são consideradas de menor
potencial ofensivo, determinando rumos das situações menos graves.

Fonte: Adaptado de © [vTopRated] e © [freepik] / Freepik.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 35


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Em consonância com o processo conciliador, a lei em comento dispõe


em seus artigos 72 e 73, parágrafo único, a composição entre as partes
para solução dos conflitos, determinando a condução da conciliação
por juiz ou conciliador sob sua orientação, recrutado preferencialmente
dentre os bacharéis em direito.

O parágrafo único do artigo 74 dispõe que o acordo homologado acar-


reta a renúncia ao direito de queixa ou representação nos casos de ação
privada ou pública sujeita à representação. Nestes casos, o poder juris-
dicional não fica afastado e, caso o acordo deixe de ser cumprido em
algum momento, poderá ser executado em esfera cível pela outra parte.

Outro instrumento importante é a suspensão do processo como


método de pena alternativa à prisão, previsto de forma expressa,
conforme se verifica no artigo 89, da Lei 9.099/1995, de maneira
que o Ministério Público poderá propor a suspensão do processo,
desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha
sido condenado por outro crime.

Conforme se encontra no Manual de Gestão para as Alternativas Penais


(2020), quanto à utilização de práticas restaurativas em crimes não
acolhidos pela lei dos Juizados Especiais Criminais, estudiosos sobre o
tema têm defendido essa possibilidade.

Nesse sentido, de acordo com o manual mencionado:

“São vários os mecanismos de que se lança mão, na experiência


comparada, para a efetivação dos ideais de Justiça Restaurativa.
A utilização dos princípios da oportunidade e do consenso caracte-
rizam a experiência anglo-saxônica, em que a ação penal está na
disponibilidade do autor, que pode desistir ou transigir com o arguido,
tendo em conta os fins ou interesses que pretende atingir ou defender.”
(ACHUTTI, 2014 apud BRASIL, 2020, p. 99).

Confira alguns exemplos comentados pelo autor.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 36


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

Na Alemanha, desde 1924, foi conferida ao Ministério


Público a possibilidade de arquivamento do processo,
mediante a verificação de certos requisitos.

Na Itália, o Código de Processo Penal (CPP) de 1988


introduziu vários procedimentos especiais,
com soluções de simplificação e também de consenso.

Na Espanha, foi prevista a possibilidade


de a acusação e a defesa pedirem ao juiz a “sentença
de conformidade” com a acusação, no processo
abreviado para crimes de menor gravidade.

Ao estudar o Manual de Alternativas Penais (2020), podemos destacar


que, em que pese a existência de obstáculos na legislação brasileira,
a discricionariedade da ação penal é um princípio basilar da Justiça Res-
Discricionariedade taurativa nos países que a abrigam, permitindo ao Ministério Público
Liberdade para agir e
o direito de dispor da ação, caso considere inexistentes as provas que
tomar decisões dentro
caracterizam materialidade delitiva ou autoria, ou ainda, se considerar
dos limites da lei.
atípica a ação.

5.3 Resolução 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça


A Resolução 225/16 do CNJ veio dispor sobre a Política Nacional de Justiça
Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, considerando as recomen-
dações da Organização das Nações Unidas para fins de implantação da
Justiça Restaurativa nos Estados-membros.

Entre as informações mais importantes, o artigo 1º (já apresentado neste


Módulo, na Unidade 2, no subitem 2.2, intitulado “Conceito”) nos traz
a definição e a estrutura pelas quais os conflitos e a violência deverão
ser solucionados, incluindo, portanto, a necessidade de participação do
ofensor, da vítima, de suas famílias e dos demais envolvidos no fato

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 37


INTRODUÇÃO À JUSTIÇA RESTAURATIVA:
FUNDAMENTOS BÁSICOS PARA UMA NOVA VISÃO DA JUSTIÇA

danoso, com a presença dos representantes da comunidade, a coorde-


nação de facilitadores e a realização de práticas com foco na satisfação
das necessidades de todos os envolvidos.

Por fim, cabe destacar a importância dos incisos I, II e III, referendados


pelo artigo em comento, pois demonstram o modo de operação do pro-
cesso restaurativo, indicando a necessidade da participação do ofensor
e, quando houver, da vítima, bem como das suas famílias e dos demais
envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da co-
munidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais
facilitadores restaurativos, bem como definindo como e a meta das
práticas restaurativas.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre o fenômeno da Justiça Restaurativa e seus


impactos no sistema de Justiça Criminal brasileiro, leia o artigo
completo de Renato Sócrates Gomes Pinto (2009), intitulado
“A construção da Justiça Restaurativa no Brasil – O impacto no
sistema de Justiça Criminal”, disponível em: https://revistas.unaerp.
br/paradigma/article/view/54/65.

Confira a seguir uma retomada dos principais pontos deste módulo.

MÓDULO 1 | Estrutura da Justiça Restaurativa 38


SÍNTESE DO MÓDULO

Na Unidade 1, aprendemos sobre os fundamentos da Justiça Restaurativa,


abordando seus princípios, sua visão sobre o crime e um resumo histórico
sobre as origens das práticas restaurativas.

Na Unidade 2, foram apresentados os três pilares da Justiça Restaurativa:


a) danos e necessidades; b) obrigações; e c) engajamento. Além disso,
conceituamos o que é e o que não é Justiça Restaurativa.

Já, na Unidade 3, aprendemos que tratar os danos e as causas do


crime são os principais objetivos da Justiça Restaurativa, e, em seguida,
na Unidade 4, vimos que os elementos dessa Justiça se referem às
pessoas envolvidas no processo restaurador, pensando principalmente
“como” e “quem”.

Por fim, na Unidade 5, abordamos os fundamentos legais da Justiça Res-


taurativa, trazendo as Resoluções da ONU, do Conselho Nacional de Justiça
e a Lei 9.099/1995, que trata dos juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Você finalizou o Módulo 1!


Vamos agora para o Módulo 2, aprender mais sobre a prática em Justiça
Restaurativa.
.

39
REFERÊNCIAS

ACHUTTI, D. S. Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal: contribuições


para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil. 2021.
Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais,
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2012.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Jui-


zados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, DF:
Presidência da República, 1995. Disponível em: https://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 20 jan. 2023

BRASIL. Manual de gestão para as alternativas penais. Brasília, DF:


Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.
br/wp-content/uploads/2020/09/manual-de-gest%C3%A3o-de-alter-
nativas-penais_eletronico.pdf. Acesso em: 28 nov. 2022.

BRASIL. Resolução nº 225, de 31 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política


Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá outras
providências. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2016. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_225_31052016_02062016161414.
pdf. Acesso em: 29 nov. 2022.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Seminário de Justiça Restaura-


tiva: Mapeamento dos Programas de Justiça Restaurativa. Brasília, DF:
CNJ, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/
conteudo/arquivo/2019/06/8e6cf55c06c5593974bfb8803a8697f3.pdf.
Acesso em: 2 fev. 2023.

DELLAGNEZZE, R. A dimensão do direito em outra perspectiva. Revista


Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6348, 17 nov. 2020.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86324/a-dimensao-do-direi-
to-em-outra-perspectiva. Acesso em: 20 jan. 2023.
REFERÊNCIAS

JACCOUD, M. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a justiça


restaurativa. In: SLAKMON, C.; VITTO, R de.; PINTO, R. G. (org.). Justiça
Restaurativa: coletânea de artigos. Brasília, DF: Ministério da Justiça e
PNUD, 2005. p. 163-188.

NAÇÕES UNIDAS. ECOSOC. Resolution 1999/26: Development and


implementation of mediation and restorative justice measures in criminal
justice. ONU, 1999. Disponível em: https://www.un.org/ecosoc/sites/www.
un.org.ecosoc/files/documents/2020/resolution-1999-26.pdf. Acesso em:
2 fev. 2023.

NAÇÕES UNIDAS. ECOSOC. Resolution 2000/14: Basic principles on


the use of restorative justice programmes in criminal matters. ONU, 2000.
Disponível em: https://www.un.org/ecosoc/sites/www.un.org.ecosoc/
files/documents/2020/resolution-2000-14.pdf. Acesso em: 2 fev. 2023.

NAÇÕES UNIDAS. ECOSOC. Resolution 2002/12: Basic principles on the


use of restorative justice programmes in criminal matters. ONU, 2002.
Disponível em: https://www.un.org/ecosoc/sites/www.un.org.ecosoc/
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PALLAMOLLA, R. P. Justiça Restaurativa: da teoria à prática. São Paulo:


IBCCRIM, 2009.

PINTO, R. S. G. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: SLAKMON, C.,


R. V.; PINTO, R. G. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça
e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 20-39.

PINTO, R. S. G. A construção da Justiça Restaurativa no Brasil - o impacto


no sistema de justiça criminal. Revista Paradigma, v. 18, p. 215-235, set.
2011. Disponível em: https://revistas.unaerp.br/paradigma/article/view/54.
Acesso em: 2 fev. 2023.

PRUDENTE, N. M. Introdução aos Fundamentos da Justiça Restaurativa.


2. ed. Maringá: Factótum Cultural, 2013.
REFERÊNCIAS

REALE, M. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

REALE, M. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002

SICA, L. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: O Novo Modelo de Justiça


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