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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUÇÃO E PESQUISA

VALÉRIA BRESSAN CANDIDO

APLICAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA À


MEDIAÇÃO ESCOLAR

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2020
VALÉRIA BRESSAN CANDIDO

APLICAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA À


MEDIAÇÃO ESCOLAR

Tese apresentada à sessão de defesa para


obtenção do Título de Doutorado no Programa de
Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Educação da
Universidade Metodista de São Paulo.

Linha de Pesquisa: Políticas e Gestão


Educacionais.

Orientador: Professor Dr. Marcelo Furlin.

SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP

2020
FOLHA DE APROVAÇÃO

A tese de doutorado intitulada “APLICAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA


RESTAURATIVA À MEDIAÇÃO ESCOLAR”, elaborada por VALÉRIA BRESSAN
CANDIDO, foi defendida e aprovada em 10 de março de 2020, perante a banca
examinadora composta por: Prof. Dr. Marcelo Furlin (Presidente/UMESP), Prof. Dr.
Vitor Chaves de Souza (Titular/UMESP), Profª. Drª. Izabel Cristina Petraglia
(Titular/UMESP), Prof. Dr. Renan Antônio da Silva (Convidado UNESP/Marília) e
Profª. Drª Luci Mendes de Mello Bonini (Convidada/UMC).

___________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Furlin

Orientador e Presidente da Banca de Defesa

___________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Furlin

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação

Programa: Pós-Graduação em Educação

Área de Concentração: Educação

Linha de pesquisa: Políticas e Gestão Educacional


FICHA CATALOGRÁFICA

C161a Candido, Valéria Bressan


Aplicações dos princípios da justiça restaurativa à mediação escolar
/ Valéria Bressan Candido. 2020.
172 p.

Tese (Doutorado em Educação) --Diretoria de Pós-Graduação e


Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2020.
Orientação de: Marcelo Furlin.

1. Mediação de conflitos 2. Justiça restaurativa 3. Cultura da paz 4.


Educação – Políticas públicas I. Título.
CDD 379
DEDICATÓRIA

Ao meu avô Antonio Bressan porque tudo que fiz, faço e farei de bom na minha vida,
será para ele.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pois sem ele nada é possível.

À CAPES pela bolsa de estudos concedida.

Ao Desembargador Antonio Carlos Malheiros, que sempre acreditou na minha


capacidade profissional e permitiu que esse projeto se tornasse possível.

À minha família, que arcou com o ônus de todo o meu stress da reta final desse
projeto.

Às professoras: Célia Silva, Idaci de Lima e Michelly Francini Brassaroto do Amaral,


que a cada palavra dita foi fonte de inspiração para esse trabalho.

À professora Sandra Maria Fodra, que através do seu amor pela educação
demonstrou que é possível solucionar conflitos através do amor na rede pública de
ensino.

Ao Promotor Dr. Daniel Serra Azul Guimarães, que pela sua disponibilidade, atenção
e conhecimento me fez, novamente, acreditar na justiça.

À Professora Doutora Elisabete Pinto da Costa, que os caminhos da mediação nos


conduziram a um encontro profissional que será forte e duradouro.

À Priscila Wagna Viera Roger, assistente de coordenação do PPGE da UMESP,


porque sem a sua dedicação, amizade, atenção, competência e simpatia, seria
impossível seguir.

Aos Professores Doutores: Victor Chaves de Souza e Izabel Cristina Petraglia, por
fazerm parte da banca.

Ao Professor Doutor Renan Antônio da Silva, que mesmo de última hora, aceitou o
meu convite, e muito me honrou participando da banca de defesa.

À Professora Doutora Dra. Luci Mendes de Mello Bonini pelo seu conhecimento,
incentivo nas pesquisas, acreditando no meu potencial e sempre me apoiando, e
apesar de tudo que aconteceu, ter aceitado participar da minha banca de defesa.

Ao Professor Doutor Marcelo Furlin, pela sua orientação.


“A coisa mais indispensável a um homem é
reconhecer o uso que deve fazer do seu
próprio conhecimento”.
Platão
RESUMO
Solucionar conflitos vem sendo, ao longo da história da humanidade, uma busca
incessante. Esta pesquisa teve como objetivo analisar como a aplicação dos
princípios da Justiça Restaurativa na Mediação Escolar pode ser uma maneira eficaz
para as soluções dos conflitos existentes nesse ambiente. Por meio de um
comparativo teórico filosófico, entre os quais destaco: Leoberto Brancher (2006);
Kay Pranis (2010); Howard Zehr (2008, 2012); Niklas Luhmann (2016) e Bakhtin
(2009, 2012), e de trabalhos que começam a surgir sobre o tema, buscou-se
construir um ambiente seguro para a observação da atuação de professores,
mediadores e profissionais da educação e de diversos saberes que trabalham, de
forma interdisciplinar, amenizando os danos causados aos atores envolvidos em
lides e conflitos escolares. Os participantes da pesquisa foram professores,
mediadores escolares, diretores de escola, coordenadores pedagógicos, alunos,
funcionários da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e um promotor de
justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, que atua diretamente no
estudo dos problemas da educação do estado. Ao cotejar as experiencias
observadas durante a pesquisa dentro do território nacional com as experiencias
internacionais trazidas à colação, pudemos alcançarb resultados reveladores que,
embora ainda tímida, a mediação escolar, quando aliada aos princípios
restaurativos, podem produzir soluções satisfatórias aos conflitos, trazendo aos
envolvidos a sensação de pertencimento dos jovens e adolescentes no universo
escolar. Os dados demostraram que este tipo de política pública é importante e que
pode trazer a médio e curto prazo resultados positivos: melhora da qualidade das
relações humanas, empoderamento social e satisfação pessoal, no entanto, muito
há que se fazer para a busca da pacificação escolar.

Palavras chave: Mediação Escolar, Justiça Restaurativa, Cultura de Paz, Políticas


públicas, Educação.
ABSTRACT

Solving conflicts has been, throughout human history, an unceasing quest. This
research aimed to analyze how the application of the principles of Restorative Justice
in School Mediation can be an effective way to resolve conflicts in this environment.
Through a theoretical and philosophical comparison, among which I highlight:
Leoberto Brancher (2006); Kay Pranis (2010); Howard Zehr (2008, 2012); Niklas
Luhmann (2016) and Bakhtin (2009, 2012), and from works that are beginning to
emerge on the topic, we sought to build a safe environment for the observation of the
performance of teachers, mediators and education professionals and of different
knowledge that work , in an interdisciplinary way, mitigating the damage caused to
the actors involved in school disputes and conflicts. The research participants were
teachers, school mediators, school principals, pedagogical coordinators, students,
employees of the São Paulo State Department of Education and a prosecutor of the
São Paulo State Public Ministry, who works directly in the study of problems of state
education. By comparing the experiences observed during the research within the
national territory with the international experiences brought to the collection, we were
able to achieve revealing results that, although still timid, school mediation, when
combined with restorative principles, can produce satisfactory solutions to conflicts,
bringing to those involved the feeling of belonging of young people and adolescents
in the school universe. The data demonstrated that this type of public policy is
important and that it can bring positive results in the medium and short term:
improvement in the quality of human relations, social empowerment and personal
satisfaction, however, much needs to be done in the search for school pacification.

Key words: School Mediation, Restorative Justice, Culture of Peace, Public Policies,
Education.
Sumário

Introdução............................................................................................................1

1.JUSTIÇA RESTAURATIVA: PANORAMA HISTÓRICO, CONCEITO E


METODOLOGIA..................................................................................................7

1.1 A Justiça: reflexões de preâmbulo.................................................................7

1.1.2. A Justiça na História da Humanidade........................................................8

1.1.3 Vingança Divina e a evolução das formas de punição no


ocidente.............................................................................................................11

1.1.4 O Direito Penal no Brasil...........................................................................13

1.1.5 A Justiça para a criança e para o adolescente........................................16

1.2 Justiça Restaurativa: origens conceito........................................................19

1.3 Princípios da Justiça Restaurativa...............................................................23

1.4 Metodologias da Justiça Restaurativa.........................................................25

1.4.1 O Processo Circular na Justiça Restaurativa...........................................26

1.4.2 Tipos de Círculos de Construção de Paz.................................................29

1.4.3 Cultura de Paz..........................................................................................31

1.5 Aplicações da Justiça Restaurativa no mundo............................................32

2.MEDIAÇÃO ESCOLAR: ESTADO DA ARTE NO BRASIL.............................37

2.1 Conceito de mediação escolar....................................................................37

2.2 Mediação no Brasil e no estado de São Paulo............................................40

2.2.1 Região Norte.............................................................................................41

2.2.2 Região Nordeste.......................................................................................42

2.2.3 Região Centro-Oeste................................................................................43

2.2.4 Região Sul................................................................................................43

2.2.5 Região Sudeste........................................................................................45

2.3 Um olhar para as políticas públicas de mediação escolar no estado de São


Paulo..................................................................................................................48
2.4 A formação de mediadores..........................................................................56

2.5 Atividade Mediadora: alguns apontamentos sobre algumas escolas ou


modelos.............................................................................................................59

2.5.1 Escola ou Teoria de Harvard....................................................................60

2.5.2 Modelo Circular Narrativo.........................................................................60

2.5.3 Modelo transformativo..............................................................................63

2.5.4 Modelo Waratiano.....................................................................................65

3.CONFLITOS ESCOLARES E MEDIAÇÃO.....................................................68

3.1 Definição de Conflito....................................................................................69

3.2 Conceito de violência...................................................................................73

3.3 A intervenção do Estado na solução dos conflitos......................................76

3.4 Atores legitimados para solução dos conflitos............................................79

4. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS NA MEDIAÇÃO


ESCOLAR..........................................................................................................85

4.1 Identificando o conflito e a violência escolar................................................88

4.2 Atores e práticas de mediação.....................................................................93

4.3 A importância do diálogo para a mediação: algumas reflexões.................107

4.3.1 Círculos de diálogo..................................................................................110

4.3.2 O processo circular: narratividade entre os círculos................................114

4.3.3 O diálogo que restaura: uma reflexão necessária...................................125

4.4 A prevenção como um caminho.................................................................131

4.5 Relatos das experiências de práticas restaurativas no ambiente


escolar..............................................................................................................141

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................155
REFERÊNCIAS................................................................................................163

ANEXOS...........................................................................................................173
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Comparativa de práticas para gestão de conflitos.............................39

Figura 2 – Modelo de Círculo de Diálogo.............................................................112

Figura 3 – Demonstração de uma situação de bullying .....................................134

Figura 4 - Palestra sobre bullying ........................................................................135

Figura 5 - Características do bullying .................................................................136

Figura 6 - Painel Dia do Trabalho ........................................................................ 137

Figura 7 - Painel do Dia do Livro ..........................................................................138

Figura 8 - Painel do Dia do Índio ..........................................................................139

Figura 9 - Utilização da Justiça Restaurativa .....................................................142

Figura 10 - Círculo de diálogo...............................................................................147

Figura 11 - Varal das Almas ..................................................................................151

Figura 12 - Árvore da Entrega ..............................................................................149

Quadro I – Ocorrências Registradas pelo ROE.....................................................55

Quadro 2 – Valores atuais da Justiça Retributiva em relação à Prática


Restaurativa..............................................................................................................77

Quadro 3 - Comparativo entre os Valores atuais da Justiça Retributiva em


relação à Prática Restaurativa e as Práticas Restaurativas Preventivas na
Mediação Escolar ..................................................................................................139

Quadro 4 - Comparativo entre os Valores atuais da Justiça Retributiva em


relação à Prática Restaurativa e as Práticas Restaurativas Preventivas e as
Práticas Restaurativa Efetivas na Mediação Escolar ........................................ 153
1

INTRODUÇÃO

A educação no Brasil vem, ao longo de décadas, buscando ser ofertada a


todas as crianças, aos jovens e aos adolescentes sem, no entanto, conseguir
minimizar as desigualdades sociais. A escola nem sempre é um território pacífico:
como exemplo, verifica-se que a diversidade cultural brasileira, característica de um
país de dimensões continentais, e os movimentos migratórios internos acarretam
diferenças étnico-culturais que podem conduzir a conflitos dentro no ambiente
escolar.

A Educação para a paz e a diversidade é um movimento recente, tanto no


cenário mundial, como no cenário nacional. Os conflitos emergem, por um lado,
causado pelas diferenças e diversidades entre seres humanos e, por outro, porque é
inerente aos cidadãos do planeta serem beligerantes.

É notório que o sistema de solução de conflitos no ambiente escolar não


consegue atender às necessidades da comunidade. A violência na escola tem
apresentado diferentes formas de se manifestar, seja por meio de problemas de
convívio com as diferenças e diversidades, seja por meio de atos de violência
praticados individualmente ou em grupos contra discentes, docentes e trabalhadores
da educação, e até mesmo contra o patrimônio escolar. Dessa forma, a busca por
meios de resolução de conflitos tem sido um importante caminho na construção de
relações e estruturas que buscam diminuir os danos causados às pessoas em meio
ao conflito.

As desigualdades estruturais e sociais no cenário escolar atual vêm


conduzindo a quadros de violência e intolerância cada vez mais abrangentes, não só
no que se refere aos estratos sociais, mas também aos estratos etários. Cada vez
mais, há notícias de crianças, adolescentes e jovens que intimidam e são
intimidados, e de brigas nas portas das escolas. O cotidiano vivido pelos atores
sociais sugere a necessidade de que a segurança escolar seja guarnecida de
esforços preventivos de todos aqueles que participam diretamente da vida desses
alunos: educadores, profissionais da educação em geral, familiares e a comunidade
no entorno da escola.

A Justiça Restaurativa vem, lentamente, buscando adentrar nesse


desenho desafiador da comunidade escolar de forma a encontrar maneiras de
2

reconectar e reconstruir o tecido social e emocional das relações humanas afetadas


pelas ofensas, pelo crime, pela violência. Seu conceito ainda está em formação no
Brasil, e algumas práticas têm demonstrado que é possível a resolução de um
conflito ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito por meio do diálogo, do
empoderamento dos desprivilegiados e da participação ativa da sociedade na busca
de novas formas de reparação e reabilitação ao invés da punição.

O presente estudo é um aprofundamento da pesquisa realizada no


mestrado em Políticas Públicas intitulado “A Iniciativa do Poder Judiciário do Estado
de São Paulo na implantação da Justiça Restaurativa: Práticas de resgate da
dignidade humana” e tem como foco apresentar reflexões acerca da Justiça
Restaurativa e seus conceitos, assim como busca descrever o papel dos princípios
da Justiça Restaurativa (doravante JR) quando aplicados na mediação escolar como
forma alternativa de solução de conflitos sem, contudo, deixar de observar a tutela
jurisdicional que é de detenção exclusiva do Estado. Ao longo do estudo, também
são analisados resultados alcançados em escolas públicas que demonstrem
benefícios e obstáculos da aplicação desse meio alternativo de solução de conflitos,
comparados a exemplos internacionais.

O problema de pesquisa que fundamenta este estudo está registrado nas


questões a seguir, interrelacionadas para o processo de investigação: Como se
manifesta a violência nas escolas e quais práticas podem conter a violência e mediar
os conflitos? Como as escolas podem aplicar os princípios da JR nas soluções e
prevenções de conflitos de modo a mitigar os índices de violência? Quais práticas
emergem nas diferentes escolas públicas investigadas? Como os profissionais da
educação veem os resultados dessas práticas?

Diante dessas questões, o objetivo geral deste estudo é identificar e


refletir sobre as práticas de mediação escolar em escolas públicas dos municípios
de Mogi das Cruzes e São Paulo. Os objetivos específicos estão assim delineados:
i) promover uma reflexão acerca da justiça, dos diferentes modos de punir atos de
violência ao longo da história humana e no Brasil; ii) descrever, de forma
panorâmica, o processo histórico da mediação escolar no mundo e no Brasil, assim
como as diferentes escolas de pensamento que surgiram para amparar as diversas
práticas de mediação; iii) conceituar conflito escolar e compreender como e onde ele
emerge e as formas de mediar e prevenir; iv) descrever a intervenção do Estado na
3

orientação para a solução e prevenção de conflitos escolares, bem como na


capacitação dos atores envolvidos; v) descrever práticas restaurativas e preventivas
no ambiente escolar; vi) refletir como docentes e gestores atuam na prevenção e
resolução de conflitos no ambiente escolar e vii) descrever práticas realizadas com
docentes e estudantes a partir dos estudos aqui realizados.

Faz parte também desta pesquisa conhecer a história da Justiça


Restaurativa no Brasil e como os representantes da Justiça, que já tiveram contato
com as novas formas de solucionar conflitos, se posicionam e atuam nos seus
respectivos órgãos.

A pesquisa busca demonstrar que a Justiça Restaurativa, por meio de


seus princípios aplicados à medição escolar, é um meio útil e eficaz na solução de
conflitos no ambiente escolar, que ainda possui características conservadoras e
necessita mudar o paradigma de atuação para atingir seus objetivos de formação de
cidadãos.

A pesquisa teve como fundamento Leoberto Brancher (2006), Kay Pranis


(2010), Howard Zehr (2008, 2012), principais teóricos precursores da Justiça
Restaurativa no Brasil e no mundo, além do pensamento de Niklas Luhmann (2016),
associando sua teoria dos sistemas sociais aos métodos restaurativos. A pesquisa
também apresenta a perspectiva encontrada por Candido (2014) no início da
implantação do projeto Justiça e Educação no Estado de São Paulo, além de
colacionar aos conceitos aqui apresentados ao pensamento de Bakhtin (2009,
2012).

Esta pesquisa se justifica, uma vez que a escola restauradora poderia


integrar muitas atividades previamente distintas e importantes para as mais
diferentes idades e atores, diferentes atos de violência, e assim por diante. Causa
comum pode ser atribuída às ações que permitam crianças e jovens resolverem
suas dificuldades e àqueles que veem os adultos responsáveis promoverem e
assegurarem as culturas que se destacam contra o assédio moral e bodes
expiatórios em ambientes familiares e de cuidados, instituições de ensino,
organizações voluntárias e locais de trabalho.
4

Este estudo contempla diferentes atores 1 envolvidos na educação a fim


de compreender suas práticas e como elas contribuem para um panorama mais
amplo de mediação se associadas às práticas restaurativas. Espera-se que os
resultados aqui apresentados despertem a esperança de que uma nova cultura
restauradora se desenvolva para sustentar a tarefa da reconciliação nas escolas no
cenário educacional brasileiro. Isso requer uma sociedade escolar que esteja
comprometida com a aprendizagem a partir de sua longa história de inimizades, e de
sua história mais recente de violência, para desenvolver melhores usos para os
talentos e as energias de todos os seus integrantes.

Por meio de uma pesquisa exploratório-descritiva de abordagem


qualitativa, analisam-se as experiências de duas escolas no município de Mogi das
Cruzes e uma de São Paulo, capital, que já se utilizam dos princípios da Justiça
Restaurativa na mediação escolar. Alguns profissionais, gestores públicos e
especialistas envolvidos na resolução de conflitos escolares foram entrevistados
para a pesquisa.

Para cumprir os objetivos propostos, utilizou-se o método indutivo


segundo o qual partimos de algo particular para uma questão mais ampla. Nesse
sentido, para Lakatos e Marconi (2007, p. 86):

Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados


particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou
universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos
argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais
amplo do que o das premissas nas quais se basearam.

A opção por este método deu-se em razão do fato de que a generalização


não ocorre mediante escolhas a priori dos resultados, uma vez que eles devem ser
observados com base nos experimentos, ou seja, nos acompanhamentos das
situações estudadas. Com tal compreensão, “o método indutivo procede
inversamente ao dedutivo: parte do particular e coloca a generalização como um
produto posterior do trabalho de coleta de dados particulares” (GIL, 2008, p. 10).

A fim de se conhecer o estado da arte da JR no país foram enviadas


mensagens eletrônicas a todas as Secretarias Estaduais de Educação do país, no

1
Por opção da semântica desta tese a palavra ator será utilizada para se referir aos sujeitos que compõem o
universo da educação.
5

intento de se obter informações sobre os projetos de mediação de cada estado. No


entanto, somente algumas responderam. Também foi realizada a revisão da
literatura sobre o tema, na sua grande maioria traduzida para o português, pois
ainda é escassa a literatura pátria sobre o assunto.

Como se trata de uma pesquisa exploratório-descritiva, utilizou-se a


técnica da observação nas escolas participantes. As escolas escolhidas foram
contatadas a partir de conhecimento prévio da pesquisadora durante a pes quisa de
Mestrado. Quatro escolas participaram da pesquisa, sendo três no município de
Mogi das Cruzes: E.E. Dagoberto José Machado, E.E Prof.ª Lucinda Bastos, e E.E
Prof. Camilo Faustino de Mello, e uma em São Paulo, capital: E.M.E.F. Prof.ª Áurea
Ribeiro Xavier Lopes, com realidades socioculturais diversas, mas com a atuação
intensa de professoras mediadoras que apresentaram suas atuações para a
contribuição com esta pesquisa. Em cada escola, houve uma observação dos
processos de mediação e em seguida as professoras mediadoras foram convidadas
a fazer um relato de suas experiências.

Foram oferecidas palestras nessas escolas para apresentar o conceito de


JR e debater as diferentes formas de mediação escolar e, nesse sentido, buscou-se
identificar se os 18 docentes conheciam a mediação escolar e os mecanismos de
mediação oferecidos pela Justiça Restaurativa.

Em seguida, as professoras mediadoras das escolas visitadas foram


entrevistadas a fim de conhecer como a mediação escolar acontecia e quais os
pontos fortes das práticas restaurativas dentro das escolas. Finalmente, outros
participantes foram convidados a relatar suas experiências com a JR, seja na gestão
escolar, seja no papel de representante do Judiciário. Convidou-se a gestora
responsável pela implantação do programa Sistema de Proteção Escola (SEPEC) da
Secretaria Estadual de Educação e o promotor de justiça integrante do Grupo de
Estudos para Educação do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Este estudo está assim organizado: o primeiro capítulo aborda a Justiça


Restaurativa; a justiça na história da humanidade e como ela se desenvolve na linha
do tempo; a vingança como uma resposta divina às ações humanas e como as
formas de punir evoluem no ocidente; o nascimento do Direito Penal no Brasil e sua
condução; a introdução de uma justiça especial voltada ao atendimento da criança e
6

do adolescente; a história da Justiça Restaurativa, seu conceito e origens; seus


princípios e métodos; o processo circular na Justiça Restaurativa; os tipos de
círculos de construção de Paz; a Relação de Narratividade que se estabelece entre
os Círculos; como o diálogo pode restaurar as relações e as aplicações da Justiça
Restaurativa pelo mundo;

O segundo capítulo trata da mediação escolar abordando seu conceito,


seu desenvolvimento no Brasil e no Estado de São Paulo; revista as Políticas
Públicas de mediação escolar; analisa a formação de professores mediadores;
investiga a atividade mediadora e apresenta os modelos modernos sobre o tema
abordando em especial a Escola ou Teoria de Harvard; o Modelo Circular Narrativo;
o Modelo Transformativo; o Modelo Waratiano.

O terceiro capítulo lança um olhar sobre os conflitos escolares: as


concepções teóricas de conflitos escolares; de violência; como o Estado intervém na
solução dos conflitos, quem são os atores legitimados para solução de conflitos; e
propõe a prevenção ao invés de solucionar.

O quarto capítulo discorre sobre a aplicação dos princípios restaurativos


na mediação escolar: Identificando o conflito e a violência escolar, apresenta os
atores e práticas de mediação, as vozes dos profissionais que atuam na área, a
mediação do cenário, os conflitos, a formação para a mediação; Traz a importância
do diálogo para a mediação: algumas reflexões, círculos de diálogo e o processo
circular estabelecendo a ligação entre a narratividade e os círculos e propõe o
diálogo e a prevenção como um caminho para uma solução pacífica dos conflitos; e,
por fim, apresenta relatos das experiências de práticas restaurativas no ambiente
escolar.
7

1. JUSTIÇA RESTAURATIVA: PANORAMA HISTÓRICO, CONCEITO E


METODOLOGIAS

1.1 A Justiça: reflexões de preâmbulo

Para iniciar este estudo, necessária se faz a análise de alguns conceitos


que serão discutidos ao longo desta tese. O primeiro deles é a justiça. Valor
primordial de uma sociedade, ela vem sendo questionada nos últimos tempos,
principalmente no Brasil, em razão de sua eficácia.

A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática


efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem
o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a si mesmas, como também
em relação ao próximo (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).

A ação justa só é reconhecida pelo seu contrário, ou seja, pela ação


injusta, pois, “muita das vezes se reconhece uma disposição da alma graças a outra
contrária, e muitas vezes as disposições são idênticas por via das pessoas nas
quais elas se manifestam”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193). Pela analogia dos
contrários, Aristóteles conclui que o termo injusto se aplica tanto às pessoas que
infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que
aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as
pessoas corretas serão justas. O justo, então, é “aquilo conforme a lei e correto, e o
injusto é o ilegal e iníquo” (ARISTÓTELES, 1996, p. 194). Daí se extrai o conceito de
justo universal, pois este é o cidadão cumpridor da lei. Trata-se de uma obediência
ao nómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expresso pelas normas, englobando
também os costumes e princípios preponderantes em uma determinada
comunidade.

Ao longo dos anos, o clamor por justiça tem ocorrido em diversos


segmentos da sociedade. No Brasil, após vinte anos de ditadura militar, em 1988,
um novo Estado de direito surge com a promulgação da Constituição Federal,
chamada de “cidadã” pelo Deputado Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia
Constituinte. Essa nova Constituição Federal traz ao convívio social direitos e
8

garantias fundamentais que haviam sido extirpados pela ditadura militar. No entanto,
esse novo cenário também trouxe consequências, uma vez que há ainda muito que
se caminhar na capacitação de novos atores no Sistema Judiciário para que
encarem novas tarefas e novos olhares para essas questões 2, assim como também
é preciso a melhoria da infraestrutura para essas novas propostas de se fazer
justiça3.

Em razão das lacunas, assiste-se à morosidade da justiça, fazendo com


que o Poder Judiciário não mais tenha condições de atender aos anseios da
população de forma eficiente. O termo: “justiça retardada é justiça denegada”,
estigmatizou o Poder Judiciário, arrastando-o para um desprestígio descomunal. O
termo justiça advém do latim: “justitia”, que explica o termo: “Justitia est perpetua e
constans voluntas tribuendi cuique juius suum” (Justiça é a intenção perpétua e
constante de dar a cada um o que é seu. Então, confunde-se justiça com direito e
encontraremos: “Juris praecepta sunt haec honeste vivere, alterum non laedere,
suum cuique tribuer” (Os preceitos do direito são: viver honestamente, não lesar
terceiros e dar a cada um o que é seu).

A lentidão da justiça macula a dignidade da pessoa humana, pois não há


como escamotear o notório descaso que envolve os Poderes Constituídos. A
angústia da espera, a dor e o desespero dos anônimos que buscam a justiça todos
os dias não é capaz de sensibilizar a pesada máquina que se tornou a justiça.
Parece ter se tornado comum em nosso país o fato de as autoridades públicas
omitirem-se das obrigações para as quais foram empossadas (CUNHA, 2012).

1.1.2 A Justiça na história da humanidade

Este estudo irá considerar como primeiro registro de pena aplicada na


história da humanidade aquela advinda da tradição judaico-cristã, que ocorreu no
paraíso, quando Eva, induzida pela serpente, comeu o fruto proibido, fazendo com
que Adão também o comesse, o que acarretou com que fossem expulsos do jardim
do Éden. Depois dessa primeira condenação, aplicada por Deus, quando o homem
começou a viver em comunidade, adotou o sistema de aplicação de pena toda vez

2
Poder Republicano que tem a prerrogativa das soluções de litígios e conflitos entres os cidadãos.
3
Termo advindo do latim que se traduz em dizer o direito.
9

que um membro da sociedade cometesse um delito. Um marco, também bíblico, é a


entrega a Moisés, no Monte Sinai, das tábuas contendo o Mandamento da Lei de
Deus, que passou a ser o código de conduta do povo hebreu, que tinha a finalidade
de impor ordem e punir aquele que contrariasse o ordenamento 4.

Na era primitiva, nas demais sociedade que não a hebreia, não havia
estado nem justiça. As penas aplicadas eram de forma privada, tendo como base a
vingança, tendo em vista que não só a vítima reagia, mas também todos seus
familiares. Tomados pelo desejo de vingança, a família agia de forma muito cruel
contra o ofensor. Diante disso, a vingança era tida como um comprometimento
religioso sagrado, que resultava em guerra e no extermino de todo o grupo do
respectivo réu.

Tais práticas propagaram-se por vários tempos e aparecem desde o


Código de Hamurabi, que data aproximadamente em 1700 a.C.

Se alguém fizer uma acusação a outrem e o acusado pular no rio e afundar,


seu acusador deverá tomar posse da casa do culpado, e se o acusado
escapar sem ferimentos, ele não será culpado, e então aquele que fez a
acusação deverá ser condenado à morte enquanto aquele que pulou no rio
deverá tomar posse de sua casa que pertencia ao acusador. 5

Começa nesse momento a ideia hoje propagada na sociedade de


“bandido bom é bandido morto”, em que não se pondera o balanceamento entre a
prática ilícita realizada e a penalidade aplicada, fruto de uma atuação tímida dos
Poderes Constituídos no exercício de suas prerrogativas constitucionais.

Essa fase começou a ser superada quando se passou a ser questionado


o cunho religioso nas penalidades aplicadas entre grupos por crimes de guerra. Os
conflitos internos também eram castigados, normalmente, com pena de perda da
paz e o banimento do grupo. O indivíduo era entregue à própria sorte, sem a
proteção do grupo, e geralmente era morto por outros grupos. Com o passar do
tempo, tal prática tornou-se inviável, uma vez que tribos inteiras foram dizimadas.

4
Bíblia Sagrada – Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus - 1990
5
Disponível em: Biblioteca virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo -
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/codigo-de-
hamurabi.html
10

O Estado passou a intervir na sociedade a partir da elaboração de normas


e suas consequentes penalizações, fossem elas de cunho físico6 ou financeiro.
Porém, isso não significou o fim da vingança punitiva privada e, ainda, o apelo
religioso detinha grande influência.

As legislações que marcaram os primórdios das legislações punitivas


nessa fase são: o Código de Hamurabi (Kammu Rabi), datado aproximadamente de
1700 a.C., que descrevia 282 leis (ou artigos), dentre elas a Lei de Talião, que era a
pena de morte; o Talmude, elaborado por Moisés no ano de 1500 a. C., que instituiu
o princípio da personificação da pena e da proteção ambiental, ambos usados até
hoje, além das penas de trabalhos forçados e a prisão perpétua; o Código de Manu,
originário da Índia, confeccionado por sacerdotes adoradores do deus Brahma, que
escravizava o povo e os reis; a lei das XII Tábuas, 450 a.C., que foi a primeira
legislação exigida pelo povo, em que estão presentes resquícios religiosos, foi
elaborada por nobres e patrícios e consolidou a união política da nação. No entanto,
a mão vingativa ainda prevalecia prevendo morte e até esquartejamento de um
devedor.

Foi com a queda do Império Romano e o início da Idade Média, que o


Direito Canônico se firmou como regulador de relações sociais, tendo como
principais fontes as de natureza divina (Sagrada Escritura e Tradição da Igreja), e as
de natureza humana, fossem elas eclesiásticas ou laicas (TUCCI, 2001). A Igreja
sempre tinha conservado, na sua estrutura e na sua disciplina, muitas normas e
influências do Império Romano. Os seus clérigos conheciam, por meio dos livros
antigos, salvos das invasões bárbaras nas livrarias dos conventos, a cultura e a
história romanas. O Direito Canônico é, já nessa época, um sistema jurídico com
profunda influência romanista (CAETANO, 2000). Percebemos, portanto, que a
produção legislativa não mais está a cargo do Estado, que nesse momento histórico
se confunde com a Igreja, e é ela a principal fonte criadora de leis para controle da
sociedade.

Leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se


uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar
uma liberdade inútil pela incerteza de conservá-las (BECCARIA, 2009). As penas

6
Surge a pena restritiva de liberdade, onde se possibilitou ao Estado o encarceramento de quem
praticava ilícitos.
11

nascem da absoluta necessidade de se disciplinar o ato de autoridade de homem


para homem, sendo este o fundamento do direito de punir do soberano, ou seja, da
necessidade de defesa das usurpações particulares.

No início da Idade Média, quando a influência da Igreja Romana não mais


expressava sua força, a justiça de punir era simplesmente expressa pela vingança,
que não tinha a finalidade de correção, reeducação ou ressocialização. Essa fase,
conhecida como um período atroz, tinha sua base em um cunho religioso. Logo, a
punição era como um pecado que deveria ser punido a fim de que se pudesse
acalmar a fúria dos deuses. Não havia razão ou proporcionalidade no tocante a sua
aplicação. A análise ficava por conta do juízo de deuses. Os acusados passavam
por testes (Ordálios) como: jogados ao rio com uma pedra no pescoço, se
sobrevivesse era perdoado, ou ainda, colocados em uma jaula com animais ferozes.

1.1.3 Vingança divina e a evolução das formas de punição no ocidente

No Oriente Médio, muito antes da era cristã, na Mesopotâmia e na


Babilônia, direito e religião misturavam-se, de forma que os valores religiosos e
morais se tornavam normas e regulavam a vida em sociedade. A legislação típica
dessa fase era o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na
Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia
(Avesta) e pelo povo de Israel (HORTA, 2005).

Mais tarde, na Idade Média, a religião atinge influência decisiva na vida


dos povos antigos. A punição ao infrator nesse período histórico tinha por objetivo
impor a "desaprovação" das divindades ofendidas pelo cometimento do delito, bem
como penitenciar o ofensor. A aplicação da pena ficava a cargo dos sacerdotes que,
como procuradores dos deuses, incumbiam-se da justiça (HORTA, 2005). A
utilização de sanções sádicas e desumanas eram comuns, sendo a pena corporal
aplicada como meio de advertência.

À medida que as punições são aprimoradas, o homem assume para si,


também, uma forma de julgar e aplicar penas, de acordo com as punições que se
acreditava que vinham de Deus. Assim, com o processo evolutivo da humanidade,
as sociedades passaram a se organizar, nascendo o poder político, que passa a
12

aplicar sanções como uma forma de correção social, destacando-se entre elas a
pena de morte (HORTA, 2005). Muito embora inexistisse a segurança jurídica, é
certo que esse período da história traz um grande progresso pelo fato de o Estado
ter a prerrogativa de sancionar o delinquente.

Conforme o Estado se organiza, passa também a atender às


necessidades das diversidades da sociedade que o compõe, e as punições vão
sendo alteradas e se transformam em diferentes tipos de delitos ou conflitos,
principalmente porque a laicização do Estado dá lugar a uma série de
transformações sociais e de distribuição do direito de punir. No ocidente, surgem
filósofos que dão origem ao período Humanitário, ou Humanístico entre os quais:
Montesquieu, Voltaire, Rousseau, D’Alembert, que atravessam os séculos XVII,
XVIII e XIX, incentivando ideias mais centradas nos cidadãos. Pode-se afirmar que
esse período marca o nascimento dos direitos civis e a descendente curva da visão
absolutista do Estado, o que trouxe uma reforma penal e administrativa da justiça
penal.

A pena passa a ter um caráter utilitarista, ou seja, prevenir que o agente


volte a cometer novos delitos. Trata-se de uma pena voltada para o futuro. Ocorre
que esta posição foi rechaçada por Kant e Hegel, pois para eles o homem não pode
ser utilizado como meio, já que é um fim em si mesmo, ou seja, seria inconcebível
punir um homem como método para procurar outro fim, ou seja o fim da
criminalidade.

É no Iluminismo e nas suas ideias de liberdade que o princípio da


taxatividade ganha força, retirando a flexibilidade da incriminação aleatória, ou seja,
só haverá crime quando a conduta estiver enquadrada dentro do tipo penal, sendo
que este tipo deve estar disposto em lei, de onde vem a máxima latina: “nullum
crimen sine previa legem” (CANDIDO, 2014, p. 24).

A pena de prisão deixa o caráter de custódia e passa e ser considerada


como pena, tanto que este incremento foi considerado como um marco na
humanização da pena, em relação ao período anterior 7.

7
Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAddAAH/evolucao-historica-direito-penal
13

1.1.4 O Direito Penal no Brasil

Durante o período colonial no Brasil, em razão da legislação portuguesa,


estiveram em vigor as ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas (até 1569), as
quais foram substituídas pelo código de D. Sebastião (até 1603). Em seguida, tendo
sido publicado o Livro V, das Ordenações do Rei Filipe II (compiladas, por Filipe I)
que, em 11 de janeiro de 1603, deveriam ser observadas. Assim sendo, pode-se
afirmar que o primeiro Código Penal do Brasil, foi o Código Filipino (NASCIMENTO,
2004). Ainda com resquícios das práticas da Idade Média, os preceitos religiosos
ainda imperavam como normas legais, sendo as penas aplicadas com o intuito de
difundir o temor pelo castigo (NASCIMENTO, 2004).

Somente em 1827, após a proclamação da independência, teve início a


elaboração de um Código Criminal, tendo sido sancionado por D. Pedro I em 16 de
dezembro de 1830 com a denominação de Código Criminal do Império. Apesar de
seus notórios atributos, tais como: indeterminação relativa e individualização da
pena, previsão da menoridade como atenuante, a indenização do dano “ex delicto”,
este código, também, continha falhas que eram comuns à época: não definia a
culpa, fazendo alusão apenas ao dolo, havia desigualdade no tratamento das
pessoas, mormente os escravos (NASCIMENTO, 2004).

Durante a República, foi editado, em 11 de outubro de 1890, o Código


Criminal da República, logo alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava, as
quais decorriam, evidentemente, da pressa com que o texto constitucional fora
elaborado. Antes mesmo de o novo Código entrar em vigor, o Governo baixou o
Decreto nº 774 de 20 de setembro de 1890, que extinguiu as galés 8, reduziu ao
máximo de 30 anos as prisões perpétuas e estabeleceu que deveria computar-se na
pena o período da prisão preventiva. O Código Penal de 1890 não previa as
medidas de segurança, que só seriam introduzidas no atual Código Penal Brasileiro,
de 1940 (NASCIMENTO, 2004).

Classificadas em principais (mais severas) e acessórias (mais brandas),


as penas previstas eram a prisão celular, a reclusão, a prisão com trabalho
obrigatório, a prisão disciplinar, o banimento, a interdição, a suspensão e perda de

8
Declara abolida a pena de galés, reduz a 30 anos as penas perpétuas, manda computar a prisão
preventiva na execução, e estabelece a prescrição das penas.
14

serviço público e a multa, fixada em dias. O Código republicano declarava


expressamente que não deveria haver penas infamantes e que a prisão não deveria
exceder 30 anos, além de abolir definitivamente a pena de morte, como, aliás, previu
a Constituição promulgada quatro meses depois. Por fim, adotou os Princípios de
Personalidade e Personificação da pena, demonstrando forte influência do
Positivismo Jurídico do século XIX (CHAVES e SANCHES, s.d).

Um aspecto que deve ser ressaltado é que a abolição da pena de morte e


do caráter perpétuo das sanções foi recebida com reservas por parte de juristas
renomados no país à época, como Galdino Siqueira e A. J. da Costa e Silva. Nessa
perspectiva, vale considerar o pensamento de Dotti (2003, p. 296):

Entendiam que a eliminação da pena de morte pelo sistema anticriminal


reclamava um sucedâneo adequado para proteger os interesses sociais
lesionados pelos grandes assassinos, os delinquentes de índole ou estado,
cuja incorrigibilidade e temibilidade se patenteassem.

No decorrer do século XX, por várias vezes tentou-se reformar o Código


Penal de 1890, especialmente após a tomada do poder por Getúlio Vargas, a
consolidação das leis penais de 1932 e a imposição do Estado Novo, com as
Constituições de 1934 e 1937. Vários projetos foram apresentados por renomados
juristas, dentre eles, Alcântara Machado. Seu anteprojeto de Código Penal, detendo
132 artigos, foi concluído em 15 de maio de 1938. Prevendo sanções de reclusão,
detenção, segregação e multa, foi considerado de excelência tamanha que, ao invés
de servir de nova redação ao velho Código, acabou por transformar-se em um novo
(CANDIDO, 2014, p. 26).

No auge da ditadura Vargas, Alcântara Machado elaborou um anteprojeto


de Código Penal que incorporava as tendências jurídicas e humanistas recentes,
trazendo o que de melhor havia nos ensinamentos de Nélson Hungria, Vieira Braga,
Narcelio de Queiroz e Roberto Lyra, com colaborações de Costa e Silva e Abgar
Renault para a revisão e redação final do projeto, em um processo que durou
aproximadamente dois anos (NASCIMENTO, 2004).

Nesse horizonte crítico, salienta Dotti (2003, p. 306):

Como os outros anteriores a ele, é marcado por linhas de tecnismo jurídico


ou pelos postulados do neopositivismo jurídico, o qual não mais guardava
qualquer semelhança com o positivismo naturalista. Aliás, como declarou
também o próprio Nélson Hungria, houve no projeto a marginalização da
15

criminologia em face de uma legislação nova que mandou para o limbo as


denominadas ciências criminológicas.

Mesmo promulgado em dezembro de 1940, o novo Código Penal passou a


vigorar em 1º de janeiro de 1942, não só para que se pudesse melhor conhecê-lo, como
também para coincidir sua vigência com a do Código de Processo Penal.

Como observa Dotti (2003, p. 301), até os anos 1970 o Código Penal de
1940 vinha sendo alterado em três frentes: “a) a revogação e a alteração de dispositivos
isolados; b) a alteração setorial e; c) os projetos e as leis de alteração global”.

Dentre essas alterações, as mais importantes verificaram-se com a entrada


em vigor das leis nº. 6.416/77 e 7.209/84. Esta modificou toda a Parte Geral do Código,
enquanto aquela alterou profundamente o rol das sanções. Com a nova Parte Geral, foi
promulgada a nova Lei de Execução Penal, nº 7.210 em 11 de julho de 1984. Era uma
lei específica para regular a execução das penas e as medidas de segurança, o que era
uma súplica geral, tanto que já se fala na criação de um novo ramo jurídico, o qual se
denominaria Direito de Execução Penal.

Em sentido lato, a reforma penal de 1984 manifestou profunda preocupação


com as penas privativas de liberdade, ditas de curta duração, adotando o sistema
brasileiro de penas alternativas, por meio das quais dificilmente um réu condenado à
pena de até dois anos irá para a penitenciária, pois, além do sursis 9, criou o livramento
condicional, o arresto de fim de semana 10, o trabalho em proveito da comunidade, as
interdições para o exercício de determinadas atividades, a proibição do exercício de
certos direitos e, mais recentemente, a transação penal, e ainda revitalizou a pena de
multa, com a adoção do sistema dias-multas 11.

A Lei de Execução Penal prevê outra possibilidade de aplicação, pelo juiz de


execução, dessas mesmas sanções. Essa possibilidade, que a lei chamou também de
conversão, opera-se já no curso do cumprimento da pena (MIRABETE, 1997). Desse
modo, o que se verifica na legislação pátria criminal é que a prisão ou a privação de
liberdade vem deixando de ser a regra e tende a transformar-se em exceção, uma vez
que o próprio sistema carcerário vem mostrando sua ineficiência como aparelho estatal
correcional.
9
Dispensa do cumprimento de uma pena, no todo ou em parte.
10
Liberdade para trabalhar durante a semana e recolhimento ao cárcere nos finais de semana.
11
O art. 32 do Código Penal estabelece as espécies de penas adotadas: "I - privativas de liberdade; II
- restritivas de direitos; III - de multa".
16

Em 1998, com a edição de lei nº 9.714, o Código Penal sofreu alteração na


parte referente às penas restritivas de direito onde houve a inclusão da pena de
prestação pecuniária e perda de bens e valores. Assim, o direito penal brasileiro
caminha em direção aos meios alternativos de solução de conflito que, por sua vez, vem
se mostrando muito mais eficazes na satisfação dos cidadãos que buscam seus direitos.

Como é possível observar, a evolução do direito punitivo no Brasil vem do


modelo mais feroz que, no período colonial permitia até mesmo a pena de morte, a um
modelo que busca alinhar-se aos ditames das convenções internacionais penais, no
sentido de abrandar as penas e olhar para o ser humano como sujeito possuidor de
direitos e garantias individuais, tal como a Constituição Federal preconiza, muito embora
tenha o Código Penal Brasileiro uma redação que data do ano de 1940, uma alteração
de sua parte geral feita em 1984, e, portanto, anterior à Constituição, mas já com ares
garantivistas que sopravam no Brasil neste período.

1.1.5 A Justiça para a criança e o adolescente

Para tratar de educação, é preciso, antes, passar os olhos pelo Estatuto da


Criança e do Adolescente. Esse marco legislativo trouxe à sociedade uma vasta gama
de garantias que devem ser observadas, não só pelo Estado, mas também pela família,
para a efetivação de seus preceitos. Hoje, é mais do que necessária a parceria entre
escola e família para que o bem-estar da criança e do adolescente seja concretizado.

Tendo em vista que o estudo versa sobre conflitos e suas possíveis soluções
por meio do uso dos princípios restaurativos na mediação escolar, é ponderável que
alguns dos ilícitos conflituosos ocorridos dentro do ambiente escolar podem ou não ser
elevados à categoria de ato infracional. Para tanto, faz-se necessário um olhar sobre a
imputação penal que possa ser atribuída às crianças e aos adolescentes, uma vez que a
lei penal brasileira classifica em idades a imputabilidade criminal aos indivíduos que
cometem infrações.

Os preceitos contidos no Código Penal Brasileiro somente são aplicáveis


aos maiores de 18 (dezoito) anos completos, considerados imputáveis pela legislação
brasileira. Aos menores de 18 anos (considerados inimputáveis), a legislação brasileira
17

dá um tratamento diferente, uma lei própria, na qual restam definidos direito, garantias e
formas de aplicação das sanções, denominadas medidas socioeducativas.

É a própria Constituição Federal que determinou tal tratamento:


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010).
Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,
sujeitos às normas da legislação especial.

Esse tratamento constitucional se fez necessário dada à condição de


vulnerabilidade da criança e do adolescente, uma vez que possuem a qualidade da
proteção integral do Estado e a família, não podendo receber o mesmo tratamento
que os adultos quando cometem ilícitos.

A lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida popularmente como


ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), consolidou uma grande conquista da
sociedade brasileira: a produção de um documento de direitos humanos que
contempla o que há de mais avançado na normativa internacional em respeito aos
direitos da população infanto-juvenil. Esse documento altera significativamente as
possibilidades de uma intervenção arbitrária do Estado na vida de crianças e jovens,
como se fazia possível na vigência do revogado Código de Menores.

Em seu artigo 1º está estampado o princípio da proteção integral, que é


norteador do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que dispõe: “Art.
1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. 12

A partir da norma legal, o Estatuto extrai os três princípios fundamentais


que regem a proteção da criança e do adolescente: o primeiro, a doutrina da
proteção integral à criança e ao adolescente, oriunda da Convenção dos Direitos da
Criança de 1989; o segundo, os Princípios do Melhor interesse da Criança e do
Adolescente; e o terceiro, o princípio da prioridade absoluta dos interesses da
criança e do adolescente. Essa legislação, de cunho eminentemente analítico, aliada
aos princípios, traz em seus artigos as várias definições com as quais o operador do

12
Texto da legislação disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
18

direito e a sociedade devem trabalhar as questões que envolvem a infância e


juventude.

Desse contexto, emerge o conceito de ato infracional, que é “a conduta


descrita como crime ou contravenção penal, quando praticada por criança ou por
adolescente” (artigo 103, lei 8.069/90); o conceito de criança: “a pessoa que possui
até doze anos de idade incompletos” (artigo 2º, primeira parte, da lei 8.069/90) e o
conceito de adolescente: “a pessoa que possui entre doze e dezoito anos de idade
incompletos” (artigo 2º, segunda parte, da lei 8.069/90); todos considerados ditames
legais e não meramente doutrinários, o que não deixa margem à flexibilização pelo
intérprete.

Da mesma forma, o ECA define ato infracional em seu artigo 103:


“considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”,
e que seja cometida por pessoas com idade entre 12 e 18 anos. Essa definição é de
suma importância, haja vista que adolescentes não serão mais privados de sua
liberdade, sem haver comprovação fundamentada da autoria do ato infracional.

Portanto, os atendidos pelo ECA não cometem crimes, no sentido estrito


da palavra, mas “Atos Infracionais”, que se classificam em três espécies: a) Leves -
Atos infracionais análogos a infrações penais de menor potencial ofensivo (pena
máxima não superior a dois anos, com base no artigo 61 da lei 9.099/95, alterado
pela lei 11.313/06) 13; b) Graves - Atos infracionais análogos a crimes de maior
potencial ofensivo (pena mínima superior a 1 ano) cometidos sem violência ou grave
ameaça14, e c) Gravíssimos - Atos infracionais análogos a crimes cometidos
mediante violência ou grave ameaça à pessoa cuja pena mínima seja superior a 1
ano15.

Nesse passo, se para cada crime a lei prevê uma pena específica,
também para cada ato infracional a lei prevê uma medida socioeducativa específica,
qual seja: Leves = advertência, reparação do dano, prestação de serviços à

13
Ex: Ameaça 147 CP, calúnia 138 CP, constrangimento ilegal 146 CP, porte de substância
entorpecente para uso próprio, artigo 28 da Lei 11.343/06. Também são considerados leves os atos
infracionais análogos a crimes de médio potencial ofensivo (pena mínima não superior a um ano, com
base no artigo 89 da Lei 9099/95, que autoriza inclusive a suspensão condicional do processo). Ex:
Furto 155 CP, estelionato 171 CP, receptação 180 CP, aborto provocado pela gestante ou com o seu
consentimento 124 CP.
14
Ex: Tráfico ilícito de entorpecentes, artigo 33 da Lei 11.343/06, furto qualificado, 155, §4º, CP.
15
Ex: Homicídio 121 CP, roubo 157 CP, extorsão mediante sequestro 159 CP, estupro 213 CP.
19

comunidade ou liberdade assistida; Graves = reparação do dano, prestação de


serviços à comunidade, liberdade assistida ou semiliberdade; e Gravíssimos =
reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
semiliberdade ou internação.

A par dessa normatização, é certo que os conflitos existentes no ambiente


escolar, muitas vezes, não atingem um patamar de ilicitude a ponto de se aplicar
medidas socioeducativas, que ao invés de educar, somente vão estigmatizar o
jovem ante a sanção penal. Esse ambiente, que tem como missão não só a
formação intelectual, mas também a consolidação de cidadãos, não vem atingido
esses objetivos, pois a pesquisa de campo realizada demonstrou que, por diversas
razões, o trabalho do educador não mais abraça essa perspectiva, seja pelo
contexto social, seja pelas dificuldades pedagógicas, ou até mesmo pelo despreparo
do educador. No entanto, estas questões serão abordadas mais adiante.

É nesse universo que surge a Justiça Restaurativa, sobre a qual


discorreremos a seguir, que visa à reinserção do jovem no ambiente.

1.2 Justiça Restaurativa: origens e conceito

Muito o embora o desenvolvimento do direito penal no Brasil tenha sido


pelo viés punitivo, podemos observar que ele não atende às necessidades da
sociedade no sentido de incluir os cidadãos que comentem delitos e aqueles que os
sofrem; assim, foi imperioso buscar novas alternativas para a solução dos conflitos.
O Poder Judiciário já não mais consegue dar uma resposta apta a apaziguar os
interesses humanos e olhar o indivíduo como sujeito de direitos e deveres.

Esse olhar foi observado nas tribos aborígenes da Austrália que


buscavam estabelecer um meio de solucionar entre os integrantes do grupo, todo e
qualquer conflito que pudesse ocorrer entre seus pares. Isto porque, para esse
grupo, cada membro era importante, e a exclusão de um implicaria em perda para
todos. Foi com essa filosofia que surgiram as primeiras práticas restaurativas – os
membros dos grupos se reuniam, juntamente com a vítima e o ofensor (membros do
grupo) e os demais integrantes da tribo, para, em círculo, buscar o entendimento do
ato ocorrido. O porquê da ação do ofensor, e qual o dano causado à vítima, além
20

dos reflexos sofridos pelos demais integrantes do grupo. Após todas as falas,
buscava-se a “cura” dos integrantes, por meio da reparação do dano à vítima,
quando essa era possível materialmente, a reparação do dano aos integrantes do
grupo, da mesma forma, e a responsabilização do ofensor, sem s eu banimento do
grupo. Esse ato não implicava, necessariamente, no perdão entre os principais
envolvidos, que poderia até acontecer, mas visava à compreensão das
necessidades de respostas e visibilidade à vítima, enquanto prejudicada no
contexto.

Atualmente, a Justiça Restaurativa é um movimento mundial de


ampliação de acesso à justiça criminal recriado nas décadas de 70 e 80 nos Estados
Unidos e Europa. Esse movimento foi inspirado em antigas tradições pautadas em
diálogos pacificadores e construtores de consenso oriundos de culturas africanas e
das primeiras nações do Canadá e da Nova Zelândia.

John Bender (apud ZEHR, 2010, p.149) relata que, em maio de 1974,
dois jovens de Elmira, Ontário, se declararam culpados de vandalismo contra 22
propriedades. Esse fato conduziria, mais tarde, a um movimento com dimensões
internacionais, pois a resolução do conflito, como relata o autor, surgiu a partir da
hipótese de os ofensores se encontrarem com as vítimas, que foi abandonada em
seguida. No entanto, um dos participantes desse grupo cristão, o coordenador do
Serviço de Voluntários do Comitê Central Menonita (MCC) de Kitchener, propôs ao
juiz que os ofensores se encontrassem com as vítimas para combinar o
ressarcimento. A reação inicial do juiz foi avessa a essa proposta, mas no momento
da sentença, o juiz, revendo sua posição anterior, determinou que se fizessem
encontros presenciais entre a vítima e o ofensor a fim de chegar a um ac ordo de
indenização. Acompanhados de seus oficiais de condicional e do coordenador, os
dois rapazes visitaram todas as vítimas, foi negociado o ressarcimento e em um
período de alguns meses, todos foram ressarcidos. Assim nasceu o movimento de
reconciliação entre vítimas e ofensores do Canadá.

Movimentos semelhantes surgiram em outros lugares do mundo: nos


Estados Unidos, por exemplo, o movimento começou com um projeto em Elkhart,
Indiana, em 1977/78; já na Nova Zelândia, a partir de 1989 a Justiça Restaurativa
passou a ser o centro de todo o seu sistema penal para a infância e juventude.
Nesse país, a Justiça Restaurativa surgiu a partir de um movimento da comunidade
21

local que é formada em sua grande maioria por descendentes de tribos aborígines,
especialmente dos Maoris, que estavam insatisfeitos em relação aos procedimentos
adotados pela justiça formal com os jovens que praticavam atos infracionais.
Propuseram, então, um resgate das tradições de suas tribos que seria uma forma
alternativa para resolução de conflitos. A partir de então, estas práticas têm sido
utilizadas regularmente e proporcionam resultados positivos (ZEHR, 2012, p. 14).

No Brasil, o marco legal é de janeiro de 2012, com a lei nº 12.594, de 18


de janeiro de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE) 16, e regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a
adolescente que pratique ato infracional, entre outras providências. Essa lei
contemplou as práticas ou medidas que sejam restaurativas em seu Título II (Da
execução das medidas socioeducativas), Capítulo I, assim estabelecendo;

DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos
seguintes princípios:
(...)
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre
que possível, atendam às necessidades das vítimas; (grifo nosso).

Apesar de não existir um conceito fechado para a Justiça Restaurativa, é


muito comum que se a denomine como “meio alternativo de justiça”, confundindo-a
com os conceitos jurídicos de mediação 17 e arbitragem 18. Com efeito, a Justiça
Restaurativa é uma concepção ampliada de justiça que pretende lançar um novo
olhar sobre o ilícito, para vê-lo como uma violação nas relações entre o ofensor,
vítima e comunidade.

Sob esse olhar, podemos considerar que a Justiça Restaurativa é, na


realidade, um meio paralelo de solução de conflitos, pois não se exclui o preceito

16
Texto da legislação disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12594.htm
17
A mediação é um meio consensual e voluntário de resolução de conflitos de interesses, realizado
entre pessoas físicas e/ou jurídicas, que elegem, segundo a sua confiança, uma terceira pessoa - o
mediador, independente e imparcial, com formação técnica ou experiência adequada à natureza do
conflito, que terá, por funções, aproximar e facilitar a comunicação das partes, para que estas
solucionem suas divergências e construam, por si próprias, seus acordos com base nos seus
interesses.
18
A arbitragem é um meio consensual e voluntário de resolução de conflitos de direitos patrimoniais
disponíveis, aplicado fora do Judiciário, realizada entre pessoas físicas e/ou jurídicas, que elegem,
segundo a sua confiança, uma ou mais pessoas - árbitro ou os árbitros, independente(s) e
imparcial(is), especialista(s) na matéria técnica, para decidir, de modo definitivo, o litígio que tenha
surgido ou que venha a surgir entre elas. A figura do juiz é substituída pela do árbitro, e a grande
vantagem é a especialização sobre a matéria controversa, pois o árbitro, conhecedor do tema, dá
credibilidade e precisão à decisão.
22

constitucional do devido processo legal; no entanto, as práticas restaurativas podem


ser anteriores, concomitantes ou posteriores ao processo judicial, com o intuito de
completá-lo. Tal justificativa se dá pelo fato de que nem sempre o ambiente judicial é
o mais apropriado para a prática da JR.

Com esse olhar crítico, deixamos de priorizar um sistema exclusivamente


retributivo de punição, que é o exercido pelo Poder Judiciário, e acolhemos uma
nova forma de responsabilização pelo ilícito conflituoso a ser solucionado. Porém,
para Roxin (1986), são três os inconvenientes que podem ser apresentados na
análise da teoria da retribuição. O primeiro decorre do fato de que a referida teoria
pressupõe já a necessidade da pena, que deveria fundamentar. O autor assevera:

Pois se o seu significado assenta na compensação da culpa humana, não


se pode com isso pretender que o Estado tenha de retribuir com a pena
toda a culpa. Cada um de nós considera-se culpado perante o próximo de
muitas maneiras, mas não somos por isso puníveis. E, igualmente, a culpa
jurídica acarreta consequências de tipos diversos, como por exemplo, um
dever de indenização por danos, mas apenas em raras ocasiões a pena. A
teoria da retribuição, portanto, não explica em absoluto quando se tem de
punir, mas apenas refere: 'Se impuserdes - sejam quais forem os critérios -
uma pena, com ela tereis de retribuir um crime (ROXIN, 1986, pp.19-20).

O segundo inconveniente descreve os seguintes termos: a liberdade


humana pressupõe a liberdade de vontade (o livre-arbítrio), e a sua existência, como
os próprios partidários da ideia da retribuição concordam, é indemonstrável. Nesse
viés, não adianta o Estado impor uma pena, seja ela qual for, se não houver por
parte do sentenciado a predisposição de ser reeducado e reinserido na sociedade. A
pena não é só a retribuição estatal ao causador do dano, mas uma forma de fazer
com que esse sentenciado aprenda com a medida que lhe foi imposta para que não
volta a cometê-la.

Por fim, o terceiro inconveniente surge no sentido de que, mesmo quando


se considere que o alcance das penas estatais e a culpa humana se encontram
suficientemente fundamentadas com a teoria da expiação, colocar-se-ia sempre uma
terceira objeção, a saber: a própria ideia de retribuição compensadora só pode ser
plausível mediante um ato de fé, porque ao se considerar, racionalmente, não se
compreende como se pode pagar um mal cometido, acrescentando-lhe um segundo
mal: sofrer a pena. Isso demonstra que tal procedimento corresponde ao arraigado
impulso de vingança humana, do qual surgiu historicamente a pena; mas considerar
que a assunção da retribuição pelo Estado seja algo qualitativamente distinto da
23

vingança, e que a retribuição tome a seu cargo 'a culpa de sangue do povo', expie o
delinquente etc., tudo isto é concebível apenas por um ato de fé, que, segundo a
nossa Constituição, não pode ser imposto a ninguém, e não é válido para uma
fundamentação, vinculante para todos, da pena estatal (ROXIN, 1986).

Os inconvenientes trazidos por Roxin (1986) denotam o confronto entre


uma aplicação de justiça punitiva que não mais atende às necessidades humanas
de ressocialização, com a necessidade de uma justiça efetiva que é trazida pelas
práticas restaurativas, uma justiça que humaniza não só a vítima, que precisa de
atenção, respostas e reparação dos danos sofridos, mas também o ofensor, dando-
lhe a oportunidade de explicar os motivos de seus atos à sociedade e à vítima, de
forma que sua responsabilização traga não só a reparação do dano causado, mas
também sua reinserção no convívio da comunidade a que pertence, de uma forma
que o sistema penal não proporciona.

1.3 Princípios da Justiça Restaurativa

As Nações Unidas, por meio do seu Conselho Econômico e Social, em 24


de 3 julho de 2002, editaram a Resolução 2.202/1219, que trata dos “Princípios
básicos para utilização de programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal”.
Essa Resolução recomenda a adoção da Justiça Restaurativa pelos Estados
membros e sugere as principais diretrizes a serem observadas na sua
implementação.

Em seu anexo, essa Resolução estabelece os seguintes critérios


norteadores para a utilização de programas de Justiça Restaurativa, que podemos
adotar como uma verdadeira carta de princípios. São cinco os princípios básicos que
norteiam a prática da Justiça Restaurativa: voluntariedade, informalidade,
oportunidade, neutralidade e sigilo, definidos a seguir.

O primeiro é o Princípio da Voluntariedade. A participação da vítima e do


ofensor nas sessões restaurativas decorre de suas vontades. Ninguém pode iniciar
os trabalhos se uma das partes não quiser participar. Contudo, elas devem ser
encorajadas (e não forçadas) a se valerem da Justiça Restaurativa. O escopo de tal
19
Texto em tradução livre disponível em: http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-
mediacao-e-negociacao-vol4/parte-vi-miscelanea/nacoes-unidas-conselho-economico-e-social
24

princípio (ou regra) é a facilidade na busca de um acordo. Quando uma das partes
não tiver a vontade de participar da sessão, ou seja, não quiser buscar um acordo,
esse não será feito; ou, se feito, não será eficaz.

O segundo é o Princípio da Informalidade, que é o que caracteriza a


Justiça Restaurativa. Não há rituais solenes para o início dos trabalhos, tampouco
depoimentos reduzidos a termo ou burocracias demasiadas. Outro aspecto desse
princípio é que os centros onde são realizadas as sessões devem estar em local
diferente do Fórum, para que não tenha o ambiente formal do Poder Judiciário.
Exceção se faz à informalidade no tocante à elaboração do termo constante do
acordo. Tal termo deve ser redigido em termos objetivos, sendo que as prestações
das partes devem ser proporcionais e possíveis de serem satisfeitas, além de prever
formas de fiscalização, bem como garantia para o cumprimento. Posteriormente,
deve ser o acordo homologado. No entanto, é desejável que a realização de
círculos restaurativos seja acompanhada de ações que possibilitem aos
participantes ficarem à vontade para partilharem suas angústias. Desde a recepção
até a elaboração do acordo, o ambiente deve ser acolhedor.

Para o terceiro princípio, o da oportunidade, a prática restaurativa não tem


momento certo para acontecer, ou seja, não há um organograma procedimental para
sua realização. Assim, independe de ser realizada antes ou depois do oferecimento
ou recebimento da denúncia ou queixa crime, antes ou depois da prolação da
sentença, ou no curso da execução penal. No caso de ser realizada antes do
oferecimento da denúncia, o único requisito a ser analisado é a existência de
indícios que possam fundamentar uma eventual sentença, ou seja, materialidade e
autoria. Na Justiça Retributiva reina o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal,
restringindo a possibilidade de renúncia, desistência etc.

O quarto é o Princípio da Neutralidade. As partes devem estar em um


local e se submeter a um procedimento neutro, sem que nenhuma delas seja
favorecida. Dessa forma, ambas as partes devem ser ouvidas (na presença ou
ausência da parte contrária) sobre a ocorrência dos fatos investigados, bem como
sua motivação e eventuais sequelas. Posteriormente, juntas, as partes devem
discutir sobre a possibilidade de um acordo, de uma restauração.
25

Por fim, há o quinto, que é o Princípio da Neutralidade Tal princípio tem


por objetivo passar às partes segurança de que o que for pronunciado na sessão
não poderá ser usado em outro lugar, a favor ou contra elas. Qualquer declaração
das partes não poderá ser revelada no curso do processo em andamento ou em
nenhum outro. Da mesma maneira, se o ofensor recusar a restauração com a vítima,
isso não poderá ser fundamento ou causa para agravamento da pena aplicada.

Cotejando o exposto, podemos verificar que o objetivo principiológico é a


responsabilização do ofensor e a mais ampla possível reparação de dano ao
ofendido. Não se pode esperar daquele que comete um ilícito uma redenção
automática apenas pelo cumprimento da sanção legal imposta, pois como
anteriormente mencionado, o castigo nem sempre produz um resultado pedagógico
ao sentenciado. É preciso que aquele que pratica um ato danoso tenha a
consciência de seu ato, e quando proporcionar a reparação, faça-a de maneira
consciente e responsável, pois só assim o caráter de reeducação da pena será
completamente atingido.

Em contrapartida, quem sofre o dano não pode ser excluído da equação.


Existem necessidades a serem suprimidas que somente a aplicação de pena não
são preenchidas. A vítima, para o direito penal brasileiro, não passa de mero objeto
que une o autor do delito ao Estado punitivo, sendo totalmente desprezada em suas
necessidades de atenção e respostas. São essas necessidades e respostas que a
Justiça Restaurativa busca entregar, se não de uma forma completa, pois existem
danos que não podem ser restituídos, pelo menos de forma satisfatória de modo a
fazer com que a pessoa lesada se sinta, novamente, inserida no contexto social.

1.4 Metodologias da Justiça Restaurativa

Candido (2014, p. 49) informa que existem no mundo hoje quatro grandes
práticas restaurativas. São elas: Os Círculos Restaurativos, difundidos na América
do Norte, principalmente no Canadá, pelas nações indígenas e algumas nações
indígenas dos Estados Unidos; o VOM (Victim-Offender Mediation), a mediação
entre vítima e ofensor – prática introduzida pelos canadenses em meados dos anos
1970 e muito difundida nos EUA também; Family Group Conferencing
(Conferências Familiares), muito difundido na Austrália e Nova Zelândia – uma
26

tradição também baseada em práticas aborígenes desses dois países; Comissões


de Verdade e Conciliação, prática estatal estabelecida após o Apartheid na África
do Sul para dirimir conflitos entre negros e brancos – hoje difundida pelo mundo
inteiro, inclusive na América do Sul, no Peru, Colômbia e outros países.

Tais metodologias abrangem os princípios da Justiça Restaurativa e


buscam o objetivo de reintegrar todos os envolvidos em conflitos , de uma forma
equânime, na sociedade, pois entendem que todos os componentes de um grupo
social (seja ele qual for), são importantes, e quando há o distanciamento ou a
exclusão de um membro, todo o grupo sofre consequências. A escolha do método
fica a critério do grupo que vai realizar a prática, adequando ao que mais beneficiará
às necessidades de restauração dos participantes.

1.4.1 O Processo Circular na Justiça Restaurativa

Para o presente estudo, a metodologia que se mostra mais adequada é a


do processo circular, pois no ambiente escolar, normalmente, um conflito atinge todo
o grupo, seja de uma forma direta, seja de uma forma indireta, com a necessidade
de que os vários atores desse ambiente exponham seus pontos de vista.

O processo em Círculo de Construção de Paz começou nos Estados


Unidos dentro do escopo da justiça criminal do estado de Minnesota. Oferecia-se um
caminho para incluir as vítimas de um crime, seus perpetradores e a comunidade em
uma parceria com o Poder Judiciário, a fim de determinar a reação mais eficaz a um
crime para promover o bem-estar e a segurança de todos. Os objetivos do Círculo
incluem: desenvolver um sistema de apoio àqueles vitimados pelo crime, decidir a
sentença a ser cumprida pelos ofensores, ajudá-los a cumprir as obrigações
determinadas e fortalecer a comunidade a fim de evitar futuros crimes (PRANIS,
2010 p.19).

De acordo com o estudo de Pranis (2010), os Círculos de Construção de


Paz descendem diretamente dos tradicionais Círculos de Diálogo comuns aos povos
indígenas da América do Norte. Por mais de 30 anos, na sociedade contemporânea
em geral, longe dos olhares da maioria, os Círculos vêm sendo praticados em
pequenos grupos de pessoas não indígenas. De modo particular, grupos de
27

mulheres vêm utilizando amplamente os Processos Circulares formais,


principalmente no contexto de partilha de experiências pessoais dentro de uma
comunidade de apoio. Alguns indivíduos levaram a experiência dos Círculos
Pessoais para contextos públicos, mas o esforço sistemático para utilizá-los em
processos públicos contemporâneos, como na justiça criminal, é algo relativamente
novo e partiu do trabalho iniciado em Yukon, Canadá, no início da década de 1990.

Hoje, comunidades rurais, suburbanas e urbanas utilizam o processo em


casos de crimes envolvendo adultos e adolescentes. Os Círculos acontecem em
uma ampla gama cultural de comunidades, incluindo afrodescendentes, euro-
americanos, asiáticas, latinas, cambojanas e de índios norte-americanos.

Embora os Círculos tenham começado no contexto das varas criminais e


das audiências de sentenciamento, os oficiais de condicional encontraram novas
aplicações para essa abordagem dentro do sistema judiciário. Profissionais
inovadores começaram a usar os círculos para facilitar a integração de egressos da
prisão, e também para aumentar a eficácia da supervisão comunitária sobre as
pessoas em liberdade condicional.

Um exemplo bastante profícuo são os Círculos no estado de Minnesota 20


nos Estados Unidos. Eles surgiram no contexto da justiça criminal, mas logo
começaram a ser utilizados em outros contextos. Voluntários que trabalhavam em
círculos restaurativos logo viram que o processo seria útil em muitas situações não
relacionadas ao crime, e levaram os Círculos para as escolas, locais de trabalho,
assistência social, igrejas, associações de bairros e famílias.

A disseminação dos Círculos de Construção de Paz foi espontânea e


orgânica, e as sementes se espalharam de um lugar para o outro muito mais pelo
interesse e compromisso individual das pessoas do que devido ao planejamento
estratégico e implementação organizada.

Os participantes se sentam nas cadeiras dispostas em roda, sem mesas


no centro. Às vezes se coloca no centro algum objeto que tenha significado especial
para o grupo, como inspiração, algo que evoque nos participantes valores e bases

20
Seminário Internacional promovido pela Ajuris e Programa Justiça para o Século 21, com apoio do
Ministério Público como o tema “Processos Circulares: Ferramenta para intervenção e prevenção no
trabalho de jovens”, disponível em: https://www.mprs.mp.br/noticias/22825/.
28

comuns. O formato espacial do círculo simboliza liderança partilhada, igualdade,


conexão e inclusão. Também promove foco, responsabilidade e participação de
todos.

Com o uso de elementos estruturais intencionais, os círculos objetivam


criar um espaço onde os participantes se sintam seguros para serem totalmente fiéis
a si mesmos, que são: cerimônia – intencional e conscientemente, os Círculos
mobilizam todos os aspectos da experiência humana: espiritual, emocional, físico e
mental. Na abertura e no fechamento, realiza-se uma cerimônia ou atividade de
centramento intencional. A finalidade é marcar o círculo como espaço confiável no
qual os participantes se colocam diante de si mesmos e dos outros com uma
qualidade de presença distinta dos encontros corriqueiros do dia a dia.

Outro elemento essencial é o bastão da fala – somente a pessoa que


está segurando o bastão da fala pode falar. Assim, regula-se o diálogo à medida que
o bastão vai passando de uma pessoa para a outra, dando a volta no Círculo de
forma sequencial. A pessoa que segura o bastão recebe a atenção total dos outros
participantes e pode falar sem interrupções. Esse recurso promove plena
manifestação das emoções, escutas mais profundas, reflexão cuidadosa e um ritmo
tranquilo. Além disso, abre-se um espaço para as pessoas que sentem dificuldade
de falar diante do grupo. No entanto, não se exige que o detentor do bastão fale,
necessariamente. O facilitador ou guardião ajuda o grupo a criar e manter um
espaço coletivo no qual cada participante se sente seguro para falar aberta e
francamente sem desrespeitar ninguém. Ele supervisiona a qualidade do espaço
coletivo e estimula as reflexões do grupo por meio de perguntas ou pautas. O
guardião não controla as questões a serem levantadas pelo grupo, nem tenta
conduzi-lo na direção de determinada conclusão, mas pode intervir para zelar pela
qualidade de interação grupal.

Fazem parte, ainda, do elemento as orientações – os participantes do


Círculo desempenham o importante papel de conceber seu próprio espaço, criando
as balizas para sua discussão. Elas expressam as promessas que os participantes
fazem mutuamente sobre como irão se comportar durante o diálogo no Círculo.
Essas orientações descrevem os comportamentos que os participantes consideram
importantes para transformar o espaço em um lugar seguro onde conseguirão
expressar sua verdade. Tais orientações não são regras utilizadas para julgar o
29

comportamento do outro, mas sim lembretes para que os participantes tenham em


mente o compromisso mútuo de criar um lugar protegido que viabilize os diálogos
complicados. E o último elemento é o Processo Decisório Consensual – no
Círculo, as decisões são tomadas por consenso. Isso não significa que todos terão
entusiasmo em relação a determinada decisão ou plano, mas é necessário que cada
um dos participantes esteja disposto a viver segundo aquela decisão, bem como
apoiar sua implementação.

Antes de discutir a missão do grupo em si, é preciso conhecer todos os


participantes e construir relacionamentos, independente da tarefa do grupo. Metade
do tempo do encontro poderá ser gasto criando-se a base para um diálogo
profundamente honesto em torno do conflito ou dificuldade que acontecerá na etapa
seguinte. Discutir valores, criar linhas-mestras que orientem o trabalho, partilhar
aspectos desconhecidos sobre si mesmo, tudo isso é parte da preparação do
alicerce para um diálogo que mobilizará os participantes emocional e
espiritualmente, além de intelectualmente.

1.4.2 Tipos de Círculos de Construção de Paz

Os Círculos de Construção de Paz vêm sendo usados em diversos países


e suas finalidades são: dar apoio e assistência à vítimas de crimes; sentenciar
menores e adultos infratores; reintegrar egresso do sistema prisional; dar apoio e
monitorar ofensores crônicos em liberdade condicional; dar apoio a famílias
acusadas de negligencia ou maus tratos a crianças e, ao mesmo tempo, garantir a
segurança destas; formar equipes e renovar os quadros de assistência social;
desenvolver missão e planos estratégicos para organizações; desenvolver novos
programas em agências governamentais; lidar com discriminação, assédio e
conflitos interpessoais no local de trabalho; tratar de desentendimento entre
vizinhos; gerenciar os conflitos em sala de aula e no recreio; lidar com a disciplina
nas escolas; tratar de casos de recaída de drogadição em escola para dependentes
em recuperação; desenvolver programas pedagógicos para alunos especais;
resolver conflitos familiares; chorar as perdas de uma família ou comunidade; lidar
com disputas ambientais e de planejamento; facilitar o diálogo entre comunidades de
imigrantes e governo local; lidar com discussões em aulas universitárias; celebrar
30

formaturas e aniversários; e discutir a presença de jovens em shopping centers nos


subúrbios (PRANIS, 2010, pp.31-32).

À medida que os círculos foram sendo aplicados para enfrentar diferentes


problemas, emergiu uma terminologia para diferenciá-los segundo suas funções.
Essa linguagem ainda está em evolução e os títulos ainda não s ão empregados
universalmente, no entanto, podem-se mostrar bastante úteis.

Começaremos pelo Círculo de Diálogo, no qual, em um círculo ou roda


de diálogo, os participantes exploram uma questão ou assunto particular a partir de
vários pontos de vista. Os participantes não procuram consenso sobre o assunto, ao
contrário, permitem que todas as vozes sejam ouvidas respeitosamente e oferecem
aos participantes perspectivas diferentes que estimulam suas reflexões.

Na sequência, ocorre o Círculo de Compreensão. Essa é uma roda de


diálogo que se empenha em compreender algum aspecto de um conflito ou situação
difícil. Em geral, ele não é um Círculo de tomada de decisão e, portanto, não precisa
buscar um consenso. Seu propósito é desenvolver um quadro mais completo do
contexto ou das causas de um determinado acontecimento ou comportamento.

O Círculo de Sentenciamento é um processo dirigido à comunidade, em


parceria com o sistema de justiça criminal. Oferece aos que foram afetados por um
crime ou ofensa a oportunidade de elaborar um plano de sentenciamento adequado,
que contemple as preocupações e necessidades de todos os envolvidos. Tal círculo
reúne as pessoas que sofreram os danos, a pessoa que causou o dano, as famílias
e amigos, outros membros da comunidade, representantes do Poder Judiciário (juiz,
promotor, advogado de defesa, polícia, oficial de condicional) e outros profissionais.
Os participantes discutem: o que aconteceu; por que aconteceu: qual o dano
resultante; o que é necessário para reparar o dano e evitar que aconteça de novo.

Esse tipo de círculo desenvolve uma sentença consensual para a pessoa


que cometeu o crime ou ofensa e poderá, também, como parte do acordo, estipular
responsabilidades para os membros da comunidade e funcionários do judiciário.
Como preparação para um círculo de sentenciamento, é possível realizar um Círculo
de Restabelecimento para a pessoa que foi lesada e um Círculo de Compreensão
para quem cometeu a ofensa, antes que os dois se encontrem.
31

O Círculo de Apoio reúne pessoas-chave, que são aquelas capazes de


oferecer apoio a alguém que passa por uma dificuldade ou transição dolorosa na
vida. Este tipo de círculo se reúne regularmente ao longo de dado período de tempo.
Por consenso, acordos e planos podem ser desenvolvidos, mas não são
necessariamente círculos de tomada de decisão.

O Círculo de Construção do Senso Comunitário tem seu propósito em


criar vínculos e construir relacionamentos dentro de um grupo de pessoas que têm
interesse em comum. Estes Círculos oferecem apoio a ações coletivas e promovem
responsabilidade mútua.

O Círculo de Reintegração reúne um indivíduo com o grupo ou


comunidade do qual foi separado ou afastado a fim de se promover reconciliação e
aceitação, culminando na reintegração do indivíduo. Em geral, o processo se
desenvolve em torno de um acordo consensual. Tal círculo é utilizado para
adolescentes e adultos que retornam a suas comunidades, vindos de prisões ou
instituições correcionais.

Por fim, os Círculos de Celebração ou Reconhecimento. Nesse caso,


reúne-se um grupo de pessoas a fim de prestar reconhecimento a um indivíduo ou
grupo e partilhar alegria e senso de realização.

1.4.3 Cultura de Paz

Não há como considerar os Círculos de Construção de Paz sem examinar


o conceito de Cultura de Paz, pois será este conceito que irá balizar todas as
atividades ocorridas nos Círculos, em seus diversos tipos.

Para a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a


Ciência e a Cultura) 21, a Cultura de Paz é o comprometimento de promover e
vivenciar o respeito à vida e dignidade de cada pessoa sem discriminação ou
preconceito, a rejeição de qualquer forma de violência, o compartilhar de tempo e
recursos com generosidade a fim de terminar com a exclusão, a injustiça e a
opressão política e econômica, desenvolver a liberdade de expressão e diversidade

21
Disponível em: https://www.monjacoen.com.br/textos/textos-da-monja-coen/141-o-que-e-uma-
cultura-de-paz. Acesso em 02 dez. 2019.
32

cultural através do diálogo e da compreensão do pluralismo, manter um consumo


responsável respeitando todas as formas de vida e contribuir para o
desenvolvimento da minha comunidade, área, país e planeta.

Os jovens, no ambiente escolar, têm hoje sofrido com os problemas


sociais, políticos e ambientais que vêm se acumulando, com a dinâmica universal. A
violência, os crimes e os comportamentos destrutivos, situações nas quais os jovens
são vítimas e protagonistas potenciais, mostram a grande tarefa que a educação
tem de transformar estes padrões que tem promovido tanta guerra no mundo.

Como movimento, a Cultura de Paz iniciou-se oficialmente pela UNESCO


em 1999 e empenha-se em prevenir situações que possam ameaçar a paz e a
segurança – como o desrespeito aos direitos humanos, discriminação e intolerância,
exclusão social, pobreza extrema e degradação ambiental – utilizando com
principais ferramentas a conscientização, a educação e a prevenção.

De acordo com a UNESCO, a Cultura de Paz “está intrinsecamente


relacionada à prevenção e à resolução não violenta de conflitos” e fundamenta-se
nos princípios de tolerância, solidariedade, respeito à vida, aos direitos individuais e
ao pluralismo.

O ano 2000 foi o ponto de partida para a grande mobilização, assim como
foi o Ano Internacional para a Cultura de Paz. Foi neste momento que as Nações
Unidas iniciaram um movimento global para a Cultura de Paz, criando uma “grande
aliança” que unia todos os movimentos já existentes que já trabalhavam em prol da
Cultura de Paz nos oito âmbitos de ação. Este movimento foi crescendo com a
Década Internacional para a Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do
Mundo (2001-2010), nos termos da Resolução das Nações Unidas A/RES/53/25 22.

1.5 Aplicações da Justiça Restaurativa no mundo

Diante das respostas obtidas pelas práticas restaurativas, estas têm


ressoado no mundo como um caminho para solucionar as relações prejudicadas por
situações de violência. Assim, inúmeras entidades assistenciais uniram-se para
difundir e aplicar a JR.

22
Texto integral da resolução disponível em: http://www.comitepaz.org.br/ResONU5811.htm
33

Nos Estados Unidos, conforme informação no site da Restorative Justice


International23, fundada em 2009, que possui mais de 5.900 membros (até a data),
entre eles: Restorative Practices International (Austrália); Victim Offender Mitigation
Initiative (Colorado, EUA.); Theological Ethics, Louisville Seminary (Kentucky, EUA),
promovido por Scott Williamson e Robert H. Walkup; National Center for Restorative
Justice (Washington, EUA); NW Michigan Center for Mediation and Restorative
Practice (Michigan, EUA); a iniciativa da Dra. Jane Bolitho, professora de
criminologia da Universidade de Nova Gales do Sul; a iniciativa de Caren Harp, da
Liberty University School of Law (Virginia, EUA), entre outros.

No mesmo país, também se destaca o projeto The Justice &


Reconciliation Project (JRP) desde 2001, que se concentra em levar justiça
restaurativa às vítimas de crimes violentos em nível nacional.

Agora, o Restorative Justice International lidera um esforço para expandir


e implementar o uso de justiça restaurativa dirigida pelas vítimas, nacional e
globalmente, colocando as vítimas no centro do sistema judiciário, buscando sua
restauração, tanto quanto possível, bem como a de comunidades, enfatizando a
responsabilidade do infrator. Por meio da responsabilização do infrator, os infratores
são transformados, levando a comunidades mais seguras e a vidas mudadas.

Na Austrália, um dos berços da Justiça Restaurativa, o estilo restaurativo


utilizado segue os padrões da Nova Zelândia, utilizando-se largamente da teoria da
reintegrative shaming 24, desenvolvida por John Braithwaite, respeitado criminólogo
australiano, que preceitua que, ao final do processo restaurativo, todos os
responsáveis sentirão vergonha pelo ocorrido e, então, apresentarão um pedido de
desculpas à vítima. Cada Estado tem autonomia para decidir sobre o processo da
medida alternativa utilizada, fazendo com que em alguns locais existam até mais de
dois modos de solução de conflitos. Entretanto, o mais utilizado é a teoria acima
citada. (ROBALO, 2012, p. 160).

No Canadá, a cultura aborígene, apesar de seguir diversos ramos, traz o


chamado círculo de sentença para solução de conflitos das tribos. Os círculos são
regidos de forma a seguir a cultura e os costumes da tribo, por meio de tribunais

23
Relação completa disponível em : http://www.restorativejusticeinternational.com/affiliate-members-
of-rji/
24
Tradução livre: vergonha reintegrativa.
34

itinerantes, fazendo com que a solução seja mais pacífica para os envolvidos.
(ROBALO, 2012, p. 151). A legislação canadense permite que, caso o juiz seja
favorável à aplicação de outro método, estando este de acordo com a legislação,
seja autorizada a utilização de medidas alternativas. Ou seja, a utilização da Justiça
Restaurativa no Canadá, mais precisamente pela adoção dos círculos de sentença,
dar-se-á mediante decisão do juiz e não das partes (MEIADO, 2016, p.66).

No entanto, os círculos de sentença não são o único modelo de Justiça


Restaurativa utilizado no Canadá. Lá, também, existem outros modelos como os
circles of support 25, que consistem na reintegração de condenados por crimes
sexuais, e os processos restaurativos, que são utilizados para a solução de conflitos
entre o Estado e a sociedade (ROBALO, 2012, p. 155). Assim como na Austrália, a
cultura aborígene teve (e ainda tem) forte influência no modelo restaurativo do
Canadá, trazendo a sabedoria ancestral aliada ao método ritualístico para a solução
de conflitos por intermédio da justiça.

Na África do Sul, o modelo restaurativo possui influências dos modelos


australiano, canadense e neozelandês, entretanto, a Justiça Restaurativa na África
não se iniciou apenas com estes modelos, eles foram os responsáveis pelo seu
fortalecimento. (ROBALO, 2012, p. 180). Como forma de solucionar os crimes da
apartheid, o Arcebispo Desmond Tutu presidiu a Comissão para a Verdade e
Reconciliação, que realizou seus trabalhos segundo método UBUNTU (sem
tradução para o ocidente). A comissão buscava a confissão dos crimes raciais.
(ROBALO, 2012, p. 181). Caso o crime tivesse sido realizado por motivação política,
as vítimas tinham a possibilidade de se expressar diante os criminosos. Muito
embora esse modelo não se caracterize como um modelo restaurativo, apesar de
ser assim classificado por alguns autores, uma vez que é princípio da JR que a
aceitação da participação no círculo não implica em confissão, os resultados foram
satisfatórios em termos de recomposição social.

Também na África do Sul se desenvolveu outro modelo, em razão do


descaso do Estado para o seu povo antes da democratização. Os próprios membros
da comunidade se reuniam com a vítima e o agressor, buscando-se reconhecer o
erro e juntos encontrar alternativas para a solução. O modelo apresentado traz

25
Tradução livre: Círculos de Suporte.
35

consigo uma das finalidades da Justiça Restaurativa, que é a própria sociedade


resolver seus problemas. Porém, com a consolidação da democracia na África do
Sul, esse modelo perdeu força, mas serviu de base para o modelo restaurativo
existente. O próprio modelo democrático sul-africano buscava a conversa entre
Estado e sociedade para a resolução de conflitos (MEIADO, 2016, p. 69).

A partir dessa experiência surgiram as conferências de grupos de famílias


para tratar de assuntos que envolvessem os jovens. Para os adultos, existe a
conferência vítima-ofensor, que utiliza a figura do mediador para a solução dos
conflitos.

Em Portugal, a experiência restaurativa teve seu início em 2004, na


Faculdade de Direito do Porto em parceria com o Departamento de Investigação e
Ação Penal da comarca do Porto. (ROBALO, 2012, p. 193).

A prática consistia em uma mediação, na qual estavam presentes a vítima


e o autor, bem como os seus familiares, que podiam opinar ao final do processo de
mediação, mas que se findou a partir do ano de 2008, quando entrou em vigor de
uma lei que regulamentava a prática, sendo encaminhados sessenta e oito casos
para a mediação por parte do Ministério Público, pois a lei nº 21/2007 criou um novo
regime de mediação penal (ROBALO, 2012, p.197).

O legislador permite a mediação somente nos casos de natureza privada


ou semi pública, pois foi a própria vítima quem iniciou o processo, podendo também
por fim ao mesmo, com a sua desistência. Isso evidencia o princípio da “ultima ratio”
(argumento decisivo, ou razão final) no sistema português, pois antes de se buscar o
processo, os casos das naturezas citadas acima deverão passar pelo processo de
mediação.

Nos países de língua espanhola da América Latina, não é diferente o


interesse pelas práticas de Justiça Restaurativa. Merecem destaque a Argentina, a
Colômbia e a Costa Rica, que começam a instaurar no âmbito de seus Poderes
Judiciários as práticas restaurativas dentro do direito penal, e demonstram grande
interesse nos estudos e desenvolvimento dos métodos.

Observamos, portanto, que nos diversos países do mundo já se utilizam


as práticas restaurativas nos ambientes judiciais para as soluções de demandas
36

jurisdicionais, com grande eficiência e resultados satisfatórios. Esse movimento tem


tomado grande vulto, principalmente, na Europa, onde vários países vêm,
constantemente, promovendo simpósios e encontros para estudos e discussões
sobre as técnicas e práticas, o que demonstra que o caminho restaurativo é um
horizonte em esboço.
37

MEDIAÇÃO ESCOLAR: ESTADO DA ARTE NO BRASIL

2.1 Conceito de mediação escolar

Como visto no capítulo anterior, a mediação é um meio consensual e


voluntário de resolução de conflitos de interesses, realizado entre pessoas físicas
e/ou jurídicas, que elegem, segundo a sua confiança, uma terceira pessoa – o
mediador, independente e imparcial, com formação técnica ou experiência adequada
à natureza do conflito, que terá, por funções, aproximar e facilitar a comunicação das
partes para que estas solucionem suas divergências e construam, por si próprias,
seus acordos com base nos seus interesses.

No entanto, o termo mediação também pode ser empregado no sentido


de auxiliar como intermediário entre indivíduos ou grupo de pessoas , ou ainda como
intervenção26, ou seja, no sentido de exercer influência em determinada situação na
tentativa de alterar o seu resultado; em síntese, uma interferência sem que haja,
necessariamente, um conflito.

O estudo da mediação vem sendo desenvolvido por várias pessoas e


investigada como meio de resolução de diversos tipos de conflitos. Cresce assim, as
posturas de meios amigáveis e intervenções nos conflitos e de como resolvê-los,
não se limitando apenas ao meio jurídico. Logo, aumentam as discussões s obre os
benefícios que a mediação proporciona, quando desenvolvida, de modo particular,
no ambiente escolar (LOTH, 2017).

A escola, com as suas especificidades de natureza organizativa, e suas


nem sempre harmoniosas relações com as finalidades educativas da sociedade e a
inevitável ressonância da conflituosidade social, é um campo propício à emergência
do conflito. Daqui se depreende a necessidade de educar gerações, e todo o corpo
educativo, na resolução criativa e nos benefícios da gestão construtiva dos conflitos.
Inúmeros são os casos relatados, dentro e fora do Brasil, sobre conflitos escolares.

26
Conceitos extraídos do dicionário on line de português, disponível em
https://www.dicio.com.br/mediacao/
38

Mais recentemente, há o caso da Escola Raul Brasil 27em Suzano, São Paulo,
ocorrido em 13 de março de 2019, onde, a exemplo de Columbine28, no estado do
Colorado, nos Estados Unidos, ocorrido em 20 de abril de 1999, aconteceu um
massacre de pessoas, por alunos e ex-alunos armados. Outra situação foi a da
Escola Estadual Maria de Lourdes Teixeira, em Carapicuíba 29, também, no estado
de São Paulo, ocorrido em 31 de março de 2019, onde alunos agrediram,
verbalmente, uma professora de 45 anos e lhe arremessaram livros, carteiras e
cadeiras.

Ramón Heredia (1999, p. 35), apud Sales e Alencar 30, conta que a história
da mediação de conflitos escolares nasceu há cerca de trinta anos por meio dos
estudiosos da resolução de conflitos, dos grupos comprometidos com a não
violência, como a igreja Quaker, pelos oponentes da guerra nuclear, pelos membros
do Educators for Social Responsibility (ESR) e advogados. O autor destaca que no
início dos anos 70, nos Estados Unidos, foram implementados os primeiros centros
de justiça de vizinhos, conhecidos como Programa de Mediação Comunitária,
oferecendo um espaço onde os cidadãos pudessem se reunir e resolver seus
conflitos. Esses centros obtiveram um grande êxito e posteriormente se estenderam
pelos Estados Unidos. Na década de 1980, o sucesso das atividades do programa
de mediação comunitária foi levado para as escolas, com o objetivo de ensinar os
estudantes a mediarem os conflitos com os seus colegas.

A gestão de conflitos escolares pode acontecer de duas formas distintas:


por meio de ações que visam apenas a aplicar medidas punitivas – essas são as
mais usuais. Há, porém, as mais eficientes, que visam à busca de soluções, à
despolarização dos conflitos, entre outras práticas conforme sintetiza a figura 1 a
seguir.

Figura 1 – Comparativo de práticas para gestão de conflitos

27
Reportagem sobre a tragédia ocorrida em março de 2019, disponível em:
https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/03/13/tiros-deixam-feridos-em-escola-
de-suzano.ghtml
28
Reportagem sobre o aniversário de 20 anos do massacre ocorrido em Columbine, disponível em :
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/03/13/massacre-em-columbine-nos-eua-completa-20-anos-
em-abril-relembre.ghtml
29
https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2019/06/vandalismo-em-escola-comecou-com-uma-porta-
fechada.shtml
30
Artigo disponível em: https://docplayer.com.br/14008093-Mediacao-escolar-como-meio-de-promocao-da-
cultura-da-paz-lilia-maia-de-morais-sales-1-emanuela-cardoso-onofre-de-alencar-2.html
39

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

A aplicação de medidas socioeducativas não tem se mostrado como uma


resposta adequada, por não atender às necessidades dos envolvidos no conflito.
Elas apenas concorrem para aumentar a quantidade de processos judiciais que, na
maioria das vezes, gera novos conflitos, pois os intervenientes não encontram os
canais adequados para geri-los. Essa insatisfação afeta toda a instituição escolar,
levando os alunos a sentirem que os adultos que trabalham na escola transmitem
valores contrários aos da participação responsável e ao protagonismo crítico e
transformador da sociedade. Em outras palavras, a escola acaba por adotar
determinados modelos administrativos que nem sempre alcançam os resultados
desejados.

Tratar os conflitos escolares por meio da mediação possibilita gerar um


sistema em que o conflito é enfrentado como natural, sendo dada a oportunidade
aos sujeitos do ato a iniciativa na condução da solução do problema por meio do
estímulo dos valores da solidariedade, tolerância, igualdade, bem como um juízo
crítico, que promove a capacidade para inovar com a procura de novas soluções.

Com a mediação, há o destaque aos princípios básicos, como a


cooperação, a corresponsabilidade e o respeito, lidando-se, dessa forma, com a
instabilidade emocional que afeta os intervenientes na organização que é a escola.
40

2.2 Mediação no Brasil e no estado de São Paulo

Sendo o Brasil uma República Federativa 31, a Constituição Brasileira


outorgou aos estados, municípios e ao Distrito Federal autonomia administrativa. O
princípio federativo é a descentralização em quatro ordens: a) Legislativa: produção
de normas jurídicas; b) Administrativa: administração própria; c) Política: formação
de poderes e autogoverno; d) Judiciária: aparato jurisdicional próprio. (COELHO,
2001). Essa mesma Constituição estabelece, em seu art. 22, inciso XXIV, que é
competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação
nacional32,que se materializou por meio da Lei 9.394, publicada a 20 de dezembro
de 1996.

Assim, muito embora seja competência da União legislar sobre a matéria


concernente à educação, também os estados membros e os municípios, dentro dos
limites constitucionais, possuem autonomia para organizar seus respectivos
sistemas de ensino. Não se verifica, no entanto, uma lei federal que disponha de
forma geral como a mediação escolar acontecerá. Essa tarefa fica a cargo dos entes
federados por meio de suas secretarias de educação.

Sendo o território brasileiro composto por 26 estados e um Distrito


Federal, e estando dividido em cinco regiões no território nacional, apresentaremos
uma breve análise regional da implementação de programas de mediação escolar
como forma de resolução de conflitos, com fundamento em informações obtidas
junto às Secretarias Estaduais, por meio do site ou por respostas às
correspondências eletrônicas enviadas. Ressalta-se que, embora tenha sido
encaminhado a todas as Secretarias Estaduais de Educação mensagem solicitando
informações para o estudo, somente as relatadas a seguir responderam à
mensagem.

Fez-se uma reflexão a respeito das lacunas deixadas pela falta de


posicionamento das secretarias em se manifestarem. Entre essas razões, pode-se
pontuar: falta de interesse em se envolver, falta de ações que possam relatar, falta

31
Preâmbulo da Constituição Federal de 1988
32
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXIV - diretrizes e bases da educação
nacional.
41

de pessoal para poder atender aos pesquisadores e demais interessados. Enfim,


entende-se que essa lacuna deixada pelas pastas na área de educação demonstram
a falta de interesse de forma geral no tema deste trabalho.

2.2.1 Região Norte

No estado de Rondônia existe um projeto com o título de Mediação


Tecnológica, que tem por objetivo promover a expansão do ensino médio em defesa
do ensino de qualidade para todos, com investimento prioritário no atendimento à
juventude, objetivando oferecer as comunidades de difícil acesso e com demanda
reprimida, melhores condições de cidadania, de trabalho e de inclusão social aos
estudantes desse segmento populacional 33. Nesse caso, verificamos a utilização do
termo mediação como forma de auxiliar o desenvolvimento do conhecimento
tecnológico, que nos parece ser a grande preocupação da Secretaria da Educação
deste estado e não, como o estudado aqui, resolver conflitos.

No estado do Tocantins existe o projeto Gerenciar Conflitos nos Espaços


de Trabalho – Práticas e Consequências 34. A iniciativa tem como objetivo orientar
os servidores quanto ao gerenciamento de conflitos no ambiente de trabalho,
viabilizando o bom desempenho nas relações interpessoais e visando evitar atitudes
de assédio moral. O trabalho se desenvolve por meio de palestras, formações,
estudos em ambiente virtual, reuniões setoriais e multissetorial, trocas de
experiências com foco nas temáticas abordadas e monitoramento. São atendidos
pelo projeto servidores que ocupam cargos de liderança na SEDUC, assessores,
técnicos e gestores das Diretorias Regionais de Educação (DREs) e profissionais
que fazem parte da equipe diretiva das unidades escolares.

Muito embora não seja dirigido diretamente à resolução de conflitos entre


os alunos, percebe-se que a Secretaria Estadual deu importância ao bem-estar no
ambiente de trabalho, o que, sem sombra de dúvidas, se reflete nos
relacionamentos com os alunos. É fundamental que o bem-estar dos professores
seja observado, pois isso dá sustentação não só no que diz respeito à formação
pedagógica, mas também, à formação do cidadão-aluno.

33
Relatório disponível em http://www.rondonia.ro.gov.br/seduc/institucional/conheca-o-projeto/
34
Relatório disponível em https://seduc.to.gov.br/programas-e-projetos/gerenciamento-de-conflitos/
42

Neste caso particular, entende-se que o exemplo que “vem de cima”, ou


seja, se existem treinamentos dirigidos aos profissionais da educação, é possível se
afirmar que esses profissionais desenvolvam e apliquem essas práticas no cotidiano
escolar.

Observa-se, portanto, que na Região Norte, composta por sete estados,


apenas duas secretarias de educação responderam o questionário enviado, o que
leva à hipótese de que não haja, por parte dessas secretarias, uma atividade voltada
à questão de mediação escolar, seja na vertente preventiva ou na vertente de
solução de conflitos. Pode-se inferir, também, que para essas secretarias, a
mediação dos conflitos fique restrita aos gestores de cada escola. Dadas as
características específicas de cada região brasileira – geográficas, populacionais,
culturais –, considera-se que as secretarias estaduais deleguem às secretarias
municipais os projetos de mediação, de modo que possam atender a problemas
locais.

2.2.2 Região Nordeste

No estado de Alagoas é desenvolvido um programa de mediação em


parceria com outros órgãos, entre eles, o Tribunal de Justiça do Estado, a Escola da
Magistratura, o Ministério Público, a Secretaria de Combate à Violência e a Polícia
Militar. Os programas desenvolvidos têm como objetivo fomentar a reflexão e
promover o conhecimento sobre os direitos e deveres do cidadão, visando à
prevenção à violência nas escolas e buscando atuar nos níveis de prevenção a partir
da Agenda Integrada de Prevenção à violência no estado e, também, com o intuito
de incentivar a implantação de núcleos e centros de mediações de conflitos nas
unidades de ensino, por meio de formações para mediadores de conflitos escolares
com oficinas e palestras para docentes.

No estado de Sergipe existe no Serviço de Educação em Direitos


Humanos - SEDH/SEED, o NPV - Núcleo de Prevenção à Violência, composto de
psicólogos, assistente social e pedagogos com os quais, de acordo com a demanda
das escolas da rede estadual de educação, são assistidos os alunos que necessitam
de atendimento quando encaminhados pelas escolas ou conselhos tutelares.
43

A região nordeste do Brasil possui nove estados, todavia, apenas as


secretarias de educação dos estados de Alagoas e Sergipe responderam às
mensagens encaminhadas. Acredita-se que seja pelos mesmos motivos já expostos
anteriormente que os demais estados da região nordeste não responderam às
mensagens encaminhadas.

2.2.3 Região Centro-Oeste

No estado do Mato Grosso do Sul existe uma iniciativa da Coordenadoria


da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça Estadual denominada Justiça
Restaurativa na Escola35, que tem por objetivo: sensibilizar a comunidade escolar
para esse novo modelo de solução de conflitos proposto pela Justiça Restaurativa,
realizando os procedimentos restaurativos com os membros da comunidade escolar
(alunos, pais, professores, coordenadores, diretores e demais funcionários), efetivar
a implantação da Justiça Restaurativa nas demais escolas da rede pública estadual,
do estado de Mato Grosso do Sul, vidando à integração e articulação de técnicas
restaurativas e de espaços de resolução de conflitos nas escolas. No caso
específico do programa, não se trata de mediação escolar, mas sim de efetivar a
Justiça Restaurativa.

É importante registrar que esse programa é uma iniciativa do Poder


Judiciário do Estado do Mato Grosso do Sul em parceria com a Secretaria Estadual
da Educação que, trabalhando juntos, estabeleceram uma política pública conjunta.

A Região Centro-Oeste é formada por três estados, e é onde se situa o


Distrito Federal e a capital federal, Brasília. Não obtivemos respostas das secretarias
de Educação dos estados que compõem a região, talvez, pelos mesmos motivos já
apresentados anteriormente.

2.2.4 Região Sul

Na Região Sul do país, o destaque é para o estado do Rio Grande do Sul,


pioneiro na disseminação das práticas de Justiça Restaurativa. Este estado se

35
Relatórios dos trabalhos desenvolvidos disponível em:
https://www.tjms.jus.br/_estaticos_/infanciaejuventude/projetos/REELISE_JRE.pdf
44

encontra na vanguarda das ações integradoras entre educação e solução de


conflitos.

A atuação do Tribunal de Justiça estadual, mais especificamente do


Desembargador Leoberto Brancher, promoveu o estado ao status de referência
nacional, apresentando um desenvolvimento singular no país e com uma atuação
eficaz da JR, quer no ambiente escolar, quer nas atividades jurisdicionais.

Intitulada como Justiça Para o Século 21 36, o projeto tem o objetivo de


divulgar e aplicar as práticas da Justiça Restaurativa na resolução de conflitos em
escolas, ONGs, comunidades e Sistema de Justiça da Infância e Juventude como
estratégia de enfrentamento e prevenção à violência em Porto Alegre. Implementado
desde o ano de 2005, na 3ª Vara da Infância e da Juventude da capital gaúcha, o
Projeto Justiça para o Século 21 é articulado pela Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul.

A concepção de trabalho do referido projeto tem estratégias


emancipatórias, irradiando para a rede de atendimento e para a comunidade na
relação com as Políticas Públicas definidas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) por meio de parcerias individuais e institucionais. Em três anos
de Projeto (2005-2008), 2.583 pessoas participaram de 380 procedimentos
restaurativos realizados no Juizado da Infância e da Juventude. Outras 5.906
participaram de atividades de formação promovidas pelo Projeto. Além do Juizado,
outros espaços institucionais como as unidades de privação da liberdade da
Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (antiga FEBEM),
unidades de medidas socioeducativas de meio aberto, abrigos, escolas e ONGs
também já estão aplicando essas práticas na gestão de conflitos internos, como
forma de evitar sua judicialização.

As secretarias de educação dos outros dois estados que compõem a


região sul do país não retornaram as nossas mensagens eletrônicas. No entanto, o
exemplo do Rio Grande do Sul, por si só, pode representar a região. Seu
pioneirismo no desenvolvimento da cultura de paz extravasou os limites dos

36
A integra do projeto Justiça para o Século 21 está disponível em:
http://justica21.web1119.kinghost.net/
45

tribunais e alcançou as escolas do estado, com uma eficácia e integração entre o


Poder Judiciário e a Secretaria de Estado da Educação que pode ser considerado
como exemplo para o resto do país. Contínuas ações de formação em mediação e
práticas restaurativas são frequentemente implementadas pelos dois órgãos
públicos com o intuito de aprimorar o Projeto.

2.2.5 Região Sudeste

No estado de Minas Gerais destaca-se o programa “Justiça Restaurativa


nas Escolas de Belo Horizonte 37” que tem a meta de proporcionar um tratamento
adequado e satisfatório aos conflitos escolares, permitindo que cada caso seja
abordado no âmbito da própria escola, possibilitando uma solução mais eficaz para
todos: adolescentes, comunidade escolar e famílias envolvidas. A iniciativa prevê
também a criação de um comitê gestor interinstitucional que ficará encarregado do
planejamento, da coordenação, da supervisão, da avaliação e do monitoramento das
atividades.

Inicialmente, foram capacitados cinco integrantes de cada escola, com


previsão de atender 120 escolas estaduais e 120 escolas municipais da capital,
totalizando 1.200 pessoas durante ano de 2018, segundo informações que podem
ser encontradas no site do Tribunal. Além disso, a Escola Judicial Desembargador
Edésio Fernandes (Ejef) do TJMG e o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento
Funcional do Ministério Público capacitaram outras 140 pessoas, preferencialmente
das redes locais de atendimento socioeducativo e acolhimento institucional.

No estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Educação 38


firmou Termo de Cooperação Técnica com a EMERJ – Escola de Magistratura do
Rio de Janeiro, a fim de capacitar 240 servidores na competência “Mediação de
Conflitos”, tão importante para a implantação de uma Cultura de Paz nas escolas e
demais unidades administrativas, melhorando a qualidade das relações
interpessoais e prevenindo conflitos. Até o primeiro semestre de 2013, foram
compostas quatro turmas, com capacitação de 110 servidores. No entanto, não

37
Relatório das ações realizadas disponível em: http://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-e-
parceiros-lancam-programa-de-justica-restaurativa.htm#.W8SnbmhKjIU
38
Relatório das ação realizada disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-
id=1653164
46

houve mais quaisquer informações da Secretaria de Educação acerca da


implementação do projeto. Infere-se a esse respeito que muitos podem ser os
motivos pelos quais certas secretarias deixam de implementar projetos, como a falta
de vontade política. A falta de recursos humanos e de planejamento e orçamento
têm sido motivos comuns para que políticas educacionais sejam relegadas ao
segundo ou terceiro plano. Esses motivos, e outros já descritos ao longo deste
capítulo, podem atrasar os avanços na redução da violência entre crianças e
adolescentes e, consequentemente, elevar os índices de violência entre essa
população.

No estado do Espírito Santo, o Programa Reconstruir o Viver é um projeto


que multiplica métodos pacíficos de solução de conflitos e que foi levado para todo o
estado por meio do Ato Normativo Conjunto nº 28/2018, que amplia o programa e
instala a Central da Justiça Restaurativa nos Juízos da Infância e da Juventude. A
iniciativa leva em consideração a necessidade de difusão da Justiça Restaurativa
em âmbito judicial e de práticas restaurativas, como a comunicação não violenta, a
mediação escolar e a mediação comunitária, com base no sucesso do projeto-piloto
desenvolvido pela 1ª Vara da Infância e da Juventude de Vila Velha desde 2016.

A regulamentação pelo Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo dá


inteiro cumprimento à resolução nº 225/2016 do CNJ. Isso significa que o Poder
Judiciário do Espírito Santo inova, efetivando a Justiça Restaurativa com o viés de
cidadania, formando uma rede de capacitação e prática não apenas de magistrados
e servidores, mas dos profissionais da rede. São incluídas as crianças e os
adolescentes, que desde tenra idade terão disponibilizados a oitiva, ou seja, essas
crianças serão ouvidas e terão, ao longo de todo o processo, direito a uma fala
respeitosa e ferramentas para serem sujeitos sociais de pacificação.

A Central de Justiça Restaurativa funciona, pelo que se depreende do


texto, junto à Coordenadoria da Infância e será responsável por realizar círculos
restaurativos de processos dos Juízos da Infância e da Juventude de Vitória,
enquanto não houver núcleos na própria Vara. A unidade também manterá as
estatísticas de ações e as listagens de facilitadores da Justiça Restaurativa,
facilitadores de Círculos de Construção de Paz, instrutores de Círc ulos de
Construção de Paz, mediadores escolares e mediadores comunitários capacitados
pelo Poder Judiciário.
47

Os facilitadores da Justiça Restaurativa e seus instrutores serão


capacitados pela Escola da Magistratura do Espírito Santo (EMES), de acordo com a
Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A comissão para
implantação do projeto em todo o estado, tem o apoio da coordenadoria da Infância
e da Juventude.

O estado de São Paulo será tratado no próximo item, em razão de suas


peculiaridades no estudo.

A Região Sudeste do país, por ser a mais desenvolvida economicamente,


apresentou secretarias de estado de educação com maior engajamento e
preocupação nas questões que envolvem os conflitos escolares e nas formas de
prevenção e solução desses conflitos. Os estados acima mencionados têm suas
secretarias atuantes, quer em ações próprias, quer em parcerias com o Poder
Judiciário, a fim de que situações conflituosas sejam resolvidas de maneira a evitar o
estigma da penalização.
48

2.3 Um olhar para as políticas públicas de mediação escolar no estado de São


Paulo

O estado de São Paulo, com uma população estimada em 45.919.049 de


habitantes 39, sendo 12,2 milhões apenas em sua capital, conforme dados
apresentados pelo IBGE em 28 de agosto de 2019 40, é um micro país, com uma
diversidade e complexidade que o destaca dos demais estados da federação.

Ao contrário do indivíduo que não será obrigado a fazer ou deixar de fazer


algo senão em virtude de lei 41, a Administração Pública tem como princípio basilar a
necessidade de autorização legal para agir. Em outras palavras, qualquer ação do
Poder Executivo, e toda e qualquer política pública passam, necessariamente, pelo
crivo do Poder Legislativo para que seja implementada. É por essa razão que se faz
imperativa uma perfeita harmonia entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo,
pois a necessidade refletida pela política pública deve ser percebida por ambos os
Poderes.

A história da mediação escolar no estado de São Paulo iniciou-se com as


primeiras ações voltadas aos municípios de Guarulhos e São Caetano do Sul, por
meio do projeto piloto denominado Justiça e Educação, uma parceria entre o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Poder Judiciário) e a Secretaria
Estadual de Educação, que foi introduzida formalmente em 2004, por meio do
Ministério da Justiça, que elaborou o projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no
Sistema de Justiça Brasileiro”, juntamente com o PNUD – Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento. Tal projeto associa à mediação escolar os
conceitos e princípios da Justiça Restaurativa como metodologia para a solução de
conflitos.

Em razão da eficácia experimentada pelos participantes do projeto Justiça


e Educação, no âmbito da educação, os princípios da Justiça Restaurativa se
fizeram presentes, também, em outros ramos da Administração Pública e podem ser
considerados uma política pública. Aqui vale citar as ações empreendidas,

39
Dados colhidos no site: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/panorama
40
Dados colhidos no site: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama
41
Art. 5º, inciso II, da Constituição Federal
49

atualmente, pelo município litorâneo de Santos, que tornou a Justiça Restaurativa


uma política pública local, por meio de parcerias firmadas entre a Prefeitura
Municipal, por meio da Secretaria de Educação. Como se vê, muitas vezes é no
nível municipal que as secretarias de educação iniciam projetos de mediação
escolar. Com a municipalização do ensino fundamental, muitos municípios atraíram
para si as tarefas de buscar soluções para os problemas locais.

E para que se possa analisar qualquer política pública, é necessário


lançar olhares para as normas que a institui, o que, como acima já explicitado, deve
acontecer por meio de um comando legal, ou seja, por meio de uma lei.

O município de São Paulo, atento à eficácia do projeto implementado


dentro de seu território pelo governo estadual, edita a lei nº 13.396, de 26 de julho de
200242, que criou a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), em seu art.
2º incisos I, e VIII. Ao estabelecer suas competências, determinou que esta
secretaria fosse direcionada, também, ao estabelecimento de políticas, diretrizes e
programas de segurança urbana no município, além de contribuir para a prevenção
e a diminuição da violência e da criminalidade, promovendo a mediação de conflitos
e o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Como medida de política pública implementada pela gestão municipal, a


mediação de conflitos ficou a cargo da Guarda Civil Metropolitana (GCM), na
qualidade de órgão de execução da política municipal de segurança e subordinado à
SMSU, como disciplinados pela lei nº 13.866, de 1° de julho de 2004 43, assim
destacado:

Art. 1º A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, principal órgão de


execução da política municipal de segurança urbana, de natureza
permanente, uniformizada, armada, baseada na hierarquia e disciplina, tem
as seguintes atribuições:
I - exercer, no âmbito do Município de São Paulo, as ações de segurança
urbana, em conformidade com as diretrizes e programas estabelecidos pela
Secretaria Municipal de Segurança Urbana, promovendo o respeito aos
direitos humanos;

42
Relatório com a íntegra das informações disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/seguranca_urbana/13_396.pdf
43
A Lei 14.879, de 07 de janeiro de 2009 – Introduz alterações nas Leis 13.396/2002, Lei
13.292/2002 e,
quanto à Lei 13.866/2004 introduz, por meio dos artigos 23, alterações nos artigos 1º e 12; e, através
do
artigo 24, acrescenta parágrafo 6-A ao artigo 6°.
50

[...]
X - intervir, gerenciar e mediar conflitos e crises em bens, serviços e
instalações municipais ou relacionadas ao exercício de atividades
controladas pelo poder público municipal;
[...]

Destaca-se a fundamental parceria do Poder Público Municipal para a


sedimentação desde a iniciativa, em especial em São José do Rio Preto, onde os
Núcleos de Mediação Comunitária funcionam nos espaços municipais “Núcleos da
Esperança”.

Também vale ressaltar a ação do Poder Executivo Estadual, no âmbito da


Polícia Militar do Estado, que pedagogicamente alavanca, com a implantação dos
Núcleos de Mediação, um movimento de construção do verdadeiro senso de
pertencimento social. Nesses Núcleos, o MEDIADOR, um policial militar, capacitado
pela Polícia Militar e pelo Ministério da Justiça/SENASP no campo da mediação de
conflitos, com fundamentos de Psicologia e Programação Neurolinguística, é um
facilitador entre as partes na busca da solução, conduzindo ao diálogo e fazendo-os
perceber que o conflito nasce do comportamento recíproco. Nesse sentido, cada um
refletirá sobre a parcela de responsabilidade para a construção de uma nova
relação.

Retornando ao âmbito da Secretária Estadual de Educação, a mediação


escolar tem início com o projeto Justiça e Educação, como já mencionado acima,
que foi uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação e o Tribunal de
Justiça de São Paulo, por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude, que
passou a promover a implantação de Justiça Restaurativa entre as comarcas do
Estado, no ano de 2006.

Esse projeto objetivou contribuir para a transformação de escolas e


comunidades que vivenciam situações de violência em espaços de diálogo e
resolução pacífica de conflitos, por meio da colaboração entre o Sistema Judiciário e
Educacional (do trabalho com a Rede de Apoio e da parceria com a comunidade).
No âmbito do Judiciário, o projeto visou contribuir para o aperfeiçoamento do
Sistema de Justiça da Infância e Juventude. Nessa parceria, busca-se tornar a
Justiça mais educativa e a educação mais justa.
51

Houve a criação de espaços para a realização de círculos restaurativos


nas escolas, para que conflitos ou situações de violência, envolvendo eventuais atos
infracionais referidos a delitos de menor potencial ofensivo, pudessem ser resolvidos
por meio destes círculos restaurativos, facilitados e organizados por pessoas da
própria comunidade escolar. Uma vez realizados os círculos – como no exemplo
acima descrito – os acordos são encaminhados para a Diretoria de Ensino da região
e, eventualmente, tratando-se de atos referidos a delitos, podem ser encaminhados
ao representante do Ministério Público designado para atuar no projeto, o qual, não
constatando qualquer irregularidade, sugere a remissão ao juiz responsável pelo
projeto, que os homologa.

Do mesmo modo, foram criados espaços de resolução de conflitos na


própria comunidade do entorno das unidades escolares, onde os conflitos ali
surgidos podem ser resolvidos por meio de círculos restaurativos. Na comunidade,
os acordos são encaminhados diretamente ao Ministério Público.

O Projeto Justiça e Educação concentrou a implantação de práticas


restaurativas em 10 escolas públicas de ensino médio na região de Heliópolis no
segundo semestre do ano de 2006. Concomitantemente, no bojo dessa parceria,
iniciou-se, também, a implementação do projeto junto a 10 escolas públicas de
ensino médio na Cidade de Guarulhos/SP, que foi coordenado pelo Juiz da Vara da
Infância e Juventude daquela Comarca. O projeto teve a duração de três anos, com
o encerramento do convênio em 2009.

Os círculos restaurativos eram facilitados por pessoas que foram


capacitadas em seminários de mais de 80 horas. Os círculos restaurativos possuem
três fases: o pré-círculo, no qual se pontua o foco do conflito a ser trabalhado, é
estabelecido quem participará do encontro e toda a sua logística; o círculo
restaurativo, que se faz de modo ordenado, mediante técnicas de comunicação e
mediação e resolução de conflito de modo não violento; o pós-círculo, no qual se
verifica se o acordo elaborado no círculo restaurativo foi cumprido ou não e, neste
último caso, as causas deste descumprimento.

Eram requisitos para ocorrer o círculo restaurativo: a voluntariedade de


todos (não se faz o círculo de modo impositivo) e o reconhecimento pelo causador
do dano da ação que a ele é imputada. No círculo, portanto, não se discutir á se ele
52

fez ou não aquela ação – não se trata de uma câmara de julgamento onde serão
ouvidas testemunhas. Para tal, o sigilo no círculo é observado.

Portanto, observa-se que não basta somente a ação de voluntários que


desenvolvam projetos e os apliquem, mas é preciso que os sujeitos envolvidos
diretamente no ato conflituoso sejam capacitados para tal, por meio de uma
formação de rede a fim de dar o apoio necessário para a realização dos círculos.

Em pesquisa anterior, destacou-se esse projeto e suas ações locais no


município de Guarulhos:

Por outro lado, em Guarulhos, onde a parceria não existe, a duras penas, o
Juízo da Infância e Juventude luta para a manutenção das práticas
restaurativas, muito embora dependa da participação de voluntários, que
nem sempre se encontram disponíveis. Por fim, ainda que a Coordenadoria
de Infância e Juventude, através de seu setor de Justiça Restaurativa
venham promovendo cursos de formação e divulgação da cultura de paz, o
conservadorismo do Judiciário Paulista é uma grande barreira a ser
transposta (CANDIDO, 2014, p. 93).

É importante ressaltar que, concomitante à realização dos círculos,


busca-se a articulação de uma rede de apoio que atue de modo sistêmico e de
forma interdisciplinar. Buscam-se, também, mudanças institucionais e educacionais
nas escolas e nas Varas da Infância e Juventude, possibilitando as condições físicas
e organizacionais para que os princípios que informam a Justiça Restaurativa
possam fazer parte do projeto pedagógico da escola e das redes de atendimento do
Judiciário.

O projeto foi encerrado no ano de 2009, tendo seu desmantelamento por


conta do final da parceria entre o Poder Judiciário e a Secretaria da Educação. Por
parte do Poder Judiciário, a mudança de metodologia na formação e na maneira de
reconhecer a Justiça Restaurativa levou o Tribunal de Justiça a percorrer outros
caminhos. Já por parte da Secretaria de Educação, a causa verificada, em grande
parte, foi a rotatividade dos profissionais. Vários professores, coordenadores
pedagógicos, entre outros, que participaram da formação e capacitação promovida
pelo projeto foram realocados em outras unidades de ensino, inviabilizando, assim, a
sua continuidade.

Nesse cenário, a Secretária Estadual de Educação, visando dar


continuidade ao processo de implementação da Mediação Escolar, mas por outros
caminhos, introduziu na rede púbica estadual, com vistas à diminuição da violência
53

nas escolas públicas do estado, em 13 de fevereiro de 2010, pelo então Secretário


da Educação do Estado de São Paulo, Paulo Renato de Souza (1945-2011), através
da Resolução SE (Secretaria da Educação) nº 19/2010, o Sistema de Proteção
Escolar, criando a função de Professor Mediador Escolar e Comunitário. O artigo 7º
da Resolução SE 19/2010 revela as ações específicas do Sistema de Proteção
Escolar, ressaltando as atribuições desse professor, que são: adotar práticas de
mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de ações e
programas de Justiça Restaurativa; orientar os pais ou responsáveis dos alunos
sobre o papel da família no processo educativo; analisar os fatores de
vulnerabilidade e de risco a que possa estar exposto o aluno; orientar a família ou os
responsáveis quanto à procura de serviços de proteção social; identificar e sugerir
atividades pedagógicas complementares, a serem realizadas pelos alunos fora do
período letivo; orientar e apoiar os alunos na prática de seus estudos.

Nos sete anos de atuação, o Sistema de Proteção Escolar criou uma rede
de escuta e orientação com as Diretorias de Ensino e escolas, o que contribuiu para
minimizar os conflitos, as ações de violência e os danos ao patrimônio público. Sua
atuação se dá de diversas formas: Projeto Professor Mediador Escolar e
Comunitário, realizado em ações de resolução de conflitos nas escolas e
encaminhamentos à rede de proteção, quando necessário; a Vigilância Eletrônica
(VE), com instalação e manutenção de câmeras, alarme e sistema de gravação de
imagens em 1.582 escolas e 22 Diretorias de Ensino a fim de proteger o patrimônio
público; o Sistema de Registro das Ocorrências Escolares (ROE), que consiste em
uma ferramenta de gestão que permite subsidiar, a partir dos dados produzidos
pelas escolas, o planejamento das ações da Secretaria tanto no nível central, como
nos níveis regional e local; a parceria com a Segurança Pública: a Ronda Escolar -
garante o policiamento ostensivo em todas as escolas - O DEJEM - Diária Especial
por Jornada Extraordinária de Trabalho do Policial Militar que reforça o policiamento
nas escolas; o PROERD- Programa de Prevenção ao uso de Drogas que colabora
com a formação dos alunos de 9 a 14 anos, por meio de cursos e palestras; o
DPCDH da Polícia Militar – Departamento de Polícia Comunitária dos Direitos
Humanos, que atua na busca de solução dos problemas de segurança nas escolas;
a Representação em Conselhos: Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas –
54

CONED, e Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente –


CONDECA.

Podemos verificar que, diante da grandeza que se apresenta o estado de


São Paulo, é necessário que os projetos realizados pela Secretaria de Educação
possuam a mesma magnitude. Esse primeiro passo dado visando à integração entre
a Secretária da Educação e a Secretaria de Segurança Pública possuem aspectos
importantes, mas não podem ser o objetivo final da busca de resolução de conflitos.

Não é somente a ação policial que garante a paz, pelo contrário, como
podemos verificar neste estudo, quanto mais se busca o modelo punitivo, mais
distante ficamos da pacificação social, e no nosso caso, da pacificação social. Por
outro lado, a Polícia Militar, por meio da Ronda Escolar, tem se mostrado uma
parceira importante na busca da inserção da cultura de paz, não só no ambiente
escolar, mas também na sociedade como um todo.

Lançado para a rede em julho de 2010, o projeto Sistema de Proteção


Escolar disseminou a cultura de resolução de conflitos por meio do diálogo entre os
envolvidos, estreitou relações com os familiares e a comunidade e ainda ampliou o
sistema de parceria com a rede de proteção local nos diversos municípios do
estado.

Para o Ministério Público do Estado de São Paulo,

[...] a instituição do Professor Mediador é uma ação de política pública que


atende ao estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Ressaltou ainda que a mediação surge como forma alternativa de
resolução dos conflitos, onde o mediador, figura imparcial, atua com o
propósito de estimular para que as partes cheguem a um acordo
mutuamente, contribuindo para novas formas de cooperação, solidariedade,
confiança e reorientação das relações sociais (Notícias do Ministério Público
do Estado de São Paulo, 10/10/2017).

O Projeto Professor Mediador Escolar e Comunitário conquistou


excelentes resultados nas escolas participantes. Os gestores regionais das 91
Diretorias de Ensino contribuíram muito para isso e para os grandes parceiros da
Secretaria de Educação, pois a representam em suas respectivas regiões e primam
pela formação e acompanhamento desses docentes. Nessa interpretação, a
repercussão do projeto não poderia ser diferente.
55

Nos seminários promovidos pelo SPEC em 2013, 2014 e 2015, os


gestores regionais e os professores mediadores tiveram a oportunidade de socializar
as ações exitosas desenvolvidas nas escolas, que foram reconhecidas
internacionalmente.

No quadro a seguir, podemos observar os resultados da ação dos


Professores Mediadores entre 2014 e 2016, indicando o percentual de redução nas
ocorrências registradas no ROE neste período. Do total de escolas com Professor
Mediador nos últimos três anos, 68% apresentaram um decréscimo no número de
ocorrências registradas no sistema ROE, enquadradas nas seguintes naturezas
conforme descritas no quadro 1.

Quadro 1 – Ocorrências Registradas no ROE

NATUREZA DAS NATUREZA DAS


OCORRÊNCIAS OCORRÊNCIAS
77% Uso de álcool, tabaco e outras 39% Desaparecimento de aluno
drogas lícitas comunicado por
familiar/responsáveis
66% Ação violenta de Grupos/Gangues 38% Violência sexual e/ou estupro
56% Posse ou encontro de armas e/ou 36% Utilização indevida de aparelhos
outros objetos perigosos eletrônicos
54% Uso de drogas ilícitas 35% Saída injustificada de atividade
pedagógica/sala de aula
53% Álcool e outras drogas 35% Bullying/humilhação sistemática
abandonadas e/ou escondidas
47% Agressão Física 34% Discriminação
45% Roubo 33% Tráfico/Venda de drogas ilícitas
45% Acidentes 31% Violência auto-infligida
44% Episódio de indisciplina recorrente 26% Invasão
43% Ameaça 25% Aluno vítima de maus tratos e/ou
abandono
42% Furto 19% Evasão
41% Vandalismo/Depredação 17% Venda de álcool ou tabaco para
menores
41% Agressão verbal
Fonte: Secretaria Estadual da Educação

Os números demonstram que a efetiva ação estatal gerou resultados


significativos nos estabelecimentos escolares em que foram aplicadas a política
pública, trazendo, tanto aos pais, mas principalmente aos professores e alunos, uma
sensação de estabilidade e segurança que não era experimentada antes, levando-se
em conta a vulnerabilidade dos locais em que se encontravam essas escolas.
56

2.4 A formação de mediadores

Para que as ações possam ser implementadas, é necessário que os


atores da educação tenham informações sobre como lidar com as situações de
conflitos e a melhor forma de mediá-las, e foi com essa intenção que aconteceram
as formações interdisciplinares, para a apresentação da Justiça Restaurativa e suas
práticas e princípios.

Como apresentado anteriormente, o início da formação de mediadores


aconteceu na rede estadual de ensino por meio da parceria firmada pelo Projeto
Justiça e Educação, como forma de se iniciar o caminhar para a tentativa de
promover a solução de conflitos no âmbito escolar de forma alternativa ao
conhecido, evitando, assim, a judicialização do problema. Ao término da parceria, a
Secretaria Estadual de Educação continuou trabalhando por meio próprio, no sentido
de conscientizar seus agentes da necessidade da resolução pacífica de conflitos,
dando início ao projeto Sistema de Proteção Escolar.

Esse projeto foi formalizado por meio da Resolução SE nº 19, de 12 de


fevereiro de 201044, que instituiu a figura do professor mediador comunitário lhe
dando uma determinada carga horária, ficando assim estabelecido:

Art. 7º - para implementar ações específicas do Sistema de Proteção


Escolar, a unidade escolar poderá contar com até 2 docentes, aos quais
serão atribuídas 24 (vinte e quatro) horas semanais, mantida para o
readaptado a carga horária que já possui, para o desempenho das
atribuições de Professor Mediador Escolar e Comunitário, que deverá,
precipuamente:

Esse professor tinha como atividade adotar práticas de mediação de


conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de ações e programas de
Justiça Restaurativa, orientar os pais ou responsáveis dos alunos sobre o papel da
família no processo educativo, analisar os fatores de vulnerabilidade e de risco a que
possa estar exposto o aluno, orientar a família ou os responsáveis quanto à procura
de serviços de proteção social, e identificar e sugerir atividades pedagógicas
complementares a serem realizadas pelos alunos fora do período letivo.

No que tange à formação, esse projeto que, nesse momento, acontece


por meio de uma parceria entre a Secretaria Estadual de Justiça e a Secretaria

44
Texto integral da resolução disponível em:
http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=20100212001
57

Estadual de Educação, portanto dentro do âmbito do Poder Executivo, levou aos


professores mediadores uma formação sobre conceitos de direitos civis e
constitucionais, e forneceu informações e esclarecimentos relativos à natureza das
atribuições e competências das diversas instâncias a serem mobilizadas no
enfrentamento e mediação dos conflitos que comprometem e distorc em a
convivência no ambiente escolar e que podem até, eventualmente, extrapolar a
dimensão pedagógica.

À época, foram disponibilizados materiais 45 para a formação (que hoje


não mais são adotados), e por meio de conceitos jurídicos buscou-se identificar os
tipos conflitos existentes no ambiente escolar. Entre eles foram elencados: Ausentar-
se das aulas ou dos prédios escolares, sem prévia justificativa ou autorização da
direção ou dos professores da escola; Ter acesso, circular ou permanecer em locais
restritos do prédio escolar; Utilizar, sem a devida autorização, computadores,
aparelhos de fax, telefones ou outros equipamentos e dispositivos eletrônicos de
propriedade da escola; Utilizar, em salas de aula ou demais locais de aprendizado
escolar, equipamentos eletrônicos como telefones celulares, pagers, jogos portáteis,
tocadores de música ou outros dispositivos de comunicação e entretenimento que
perturbem o ambiente escolar ou prejudiquem o aprendizado; Ocupar-se, durante a
aula, de qualquer atividade que lhe seja alheia; Comportar-se de maneira a perturbar
o processo educativo, como, por exemplo, fazendo barulho excessivo em classe, na
biblioteca ou nos corredores da escola; entre outros.

A tecnologia presente na vida de crianças, adolescentes e jovens, por um


lado, coloca o sujeito com mais acesso à informação, e por outro lado facilita a
disseminação de atos de intolerância, ódios e vingança. Ao lidar com o ser humano,
não é possível estabelecer modelos certos de conduta, principalmente diante das
inúmeras possibilidades apresentadas pela tecnologia utilizada pelos mais jovens.
Entende-se aqui que, da mesma forma que a tecnologia é utilizada para disseminar
os diferentes tipos de violência entre a população menor de 18 anos de idade, pode-
se pensar em utilizá-la para reduzir a violência. É possível que aplicativos estejam
sendo desenvolvidos com esse objetivo. Entende-se também, que novas

45
Conteúdo dos matérias utilizados pela Secretaria de Estada da Educação disponível em:
http://file.fde.sp.gov.br/portalfde/Arquivo/normas_gerais_conduta_web.pdf
58

metodologias de ensino-aprendizagem podem ampliar o espectro do uso de


tecnologias que desestimulem o uso com objetivos voltados para a violência.

Atualmente, a Secretaria Estadual da Educação, por meio da Resolução


SE 8, de 31 de janeiro de 2018, aperfeiçoou o programa de Mediação Escolar,
denominando Projeto Mediação Escolar e Comunitária. Este projeto buscou a
formação de professores e dirigentes visando à responsabilização de todos do
ambiente escolar. A Secretaria de Educação Estadual de Educação concluiu, ainda,
que também faz parte da formação da pessoa a resolução de conflitos e a criação
de ambiente de paz em todas as escolas da rede e, para isso, não somente a ação
de um único professor bastava – era necessário envolver todos aqueles que
vivenciam o cotidiano escolar.

A formação dos servidores visa qualificar suas ações, tanto para a


prevenção, quanto para a resolução de conflitos, principalmente aqueles que levam
a violência experimentada hoje nos ambientes escolares, com um olhar mais
apurado, para a responsabilização de todos os envolvidos com a educação, a fim de
disseminar a cultura de paz dentro da escola, com reflexos em toda a comunidade.

Caberá aos vice-diretores escolares, membros da equipe gestora, a


articulação da mediação escolar. A experiência mostrou que são esses agentes que
agem na solução de conflitos, quando inexiste um professor mediador. Todavia, nem
sempre o professor mediador tem a possibilidade de alcançar todos os espaços da
escola, seja pelo ambiente físico, seja por carga horária. Assim, o vice-diretor serve
com um apoio essencial no trabalho de mediação.

A formação contou com a seguinte metodologia: Curso inicial por EAD


(educação a distância), no qual todos os vice-diretores foram inscritos no curso
“Introdução à Mediação Escolar e Comunitária”, que foi oferecido pela Escola de
Formação dos Professores – EFAP no início de 2018; Curso de Mediação para
gestores regionais da capital; Orientação para implantação do projeto; d) Documento
orientador com os temas relacionados à resolução de conflitos; Vídeo-aulas sobre
resolução de conflitos; Pauta de formação, elaborada a partir dos indicadores
extraídos do ROE e necessidades apontadas pelos Gestores Regionais, para
subsidiar a formação dos mediadores nas DE nas Orientações Técnicas.
59

Como exposto acima, a pauta da formação atende aos indicadores


extraídos do ROE (Registro de Ocorrências Escolar), que direcionou para os
assuntos que mais afligem os agentes escolares no seu cotidiano, que circunda não
só a resolução de conflitos, mas também prevenções, como por exemplo, o suicídio,
a indisciplina, entre outros.

Durante o ano de 2018 foram oferecidas cinco formações que abordaram


temas que, por envolver o cotidiano escolar, são os que mais se destacam no
levantamento feito pela Secretaria como geradores de conflitos. Não há, até o
presente momento, índices estatísticos de que essas formações tenham algum
reflexo imediato nas escolas. O que se entende é que os projetos iniciados pela
Secretaria Estadual de Educação em São Paulo atribui às Diretorias de Ensino a
tarefa, para os supervisores específicos da mediação que atuam nos processos, de
formação e orientação dos professores mediadores das escolas estaduais em São
Paulo. Em outras palavras, percebe-se no estado de São Paulo que os problemas
são resolvidos localmente. Já se fez essa reflexão aqui anteriormente, mas
entendeu-se, ao longo desta pesquisa, que cada região do país, e para esta
pesquisa, cada região do estado, tem suas características peculiares. Entende-se
que é preciso que as diretorias de ensino, seus dirigentes e supervisores conheçam
as escolas e seus respectivos bairros ou distritos e suas peculiaridades, tais como a
cultura, as demandas sociais e econômicas, os índices de violência doméstica e
social, enfim, esses problemas são conhecidos mais pontualmente pelos atores
locais, e isso vem fortalecendo, entende-se aqui, o trabalho dos professores
mediadores.

2.5 Atividade Mediadora: alguns apontamentos sobre algumas escolas ou


modelos

São diversas as escolas ou modelos de mediação. Aqui se apresentam


escolas e modelos com ressonância mundial, que são: Escola ou Teoria de Harvard;
Modelo Circular Narrativo, Modelo Transformativo, o Modelo Waratiano, e o Círculo
de Diálogo.
60

2.5.1 Escola ou Teoria de Harvard

A Escola ou Teoria de Harvard, também chamada de modelo tradicional,


é baseada em uma negociação assentada em princípios que fundamentam todos os
demais modelos. Gabbay (2013, p.47) comenta sobre tal teoria:

Trata-se de negociações que objetivam reconciliar interesses, denominadas


“negociação com princípios” (principled negotiations), “negociação baseada
em interesses” (interested-basead negotiation) ou “negociação solução de
problemas” (problem-solving negotiation). O enfoque reside no tratamento
da controvérsia como um problema mútuo e no mediador que atua
intervendo junto aos indivíduos em disputa para tornar possível um ajuste.

A Escola de Harvard apresenta como princípios fundamentais, segundo


Fisher et al (2005, pp. 36-110):

Separar as pessoas do problema: os negociadores ficam presos ao


problema e se esquecem de levar em consideração as pessoas, o problema
é o foco a ser resolvido; Focar os interesses e não as posições: para que
haja uma negociação é necessário que ambos os interesses dos
negociadores sejam considerados, escutados, que estejam acessíveis a
comunicação e identificados interesses comuns; Criar opções de ganhos
mútuos: apresentar opções de soluções e buscar interesses comuns e
convergentes, interesses divergentes devem ser harmonizados; Insistir em
critérios objetivos: a construção das opções que levem ao acordo deve estar
fundamentas em critério de realidade, desta forma podem ser considerados:
valor de mercado; custos, padrões profissionais, tradição, em como o
tribunal decidiria, etc.

Observa-se que esse modelo de mediação tem um direcionamento


voltado para “business”, ou seja, sua utilização é melhor aplicada nas relações
empresariais, onde a discussão ou controvérsia, versa sobre a atividade comercial
exercida por pessoas jurídicas. Portanto, o conflito aqui identificado está na seara
dos negócios, e não das relações pessoais. O que se busca reestabelecer por meio
deste modelo e um relacionamento mercantil e comercial, não a quebra de uma
relação de confiança entre pessoas que convivem no mesmo espaço físico e que o
abalo na harmonia da relação perturba não só convívio entre as partes envolvidas,
mas, também de toda a comunidade do entorno.

2.5.2 Modelo Circular Narrativo

Para descrever este modelo são necessárias algumas palavras sobre sua
criadora. Sara Cobb. É professora da Escola de Análise e Resolução de Conflitos
(S-CAR) da George Mason University, onde também foi Diretora por oito anos. Neste
61

contexto, ela ensina e conduz pesquisas sobre a relação entre c onflitos narrativos e
violentos. Ela também é a diretora do Centro para o Estudo da Resolução Narrativa
e de Conflitos no S-CAR, que fornece um centro de estudos sobre abordagens
narrativas para análise e resolução de conflitos. Anteriormente, ela foi diretora do
Programa de Negociação da Harvard Law School e ocupou cargos em várias
instituições de pesquisa, como a Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, a
Universidade de Connecticut e, mais recentemente, a Universidade de Amsterdã.

Ela também consultou e/ou realizou treinamento para uma série de


organizações públicas e privadas, incluindo o Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados, o PNUD, o La Caxia Bank, a Exxon, a American Bar
Association, a Fox Learning Academy e várias universidades na Europa e na
América Latina. As obras da Dr.ª Cobb são amplamente publicadas. Atualmente, seu
livro A Política da Narrativa na Análise e Resolução de Conflitos está sob contrato na
Oxford University Press. Ela tem sido líder nos campos de negociação e estudos de
resolução de conflitos, conduzindo pesquisas sobre a prática da neutralidade, bem
como a produção de “pontos de virada” 46 e “momentos críticos” 47 nos processos de
negociação. Algumas dessas pesquisas são baseadas em estudos de caso de sua
pesquisa de campo na Guatemala, Chile, Ruanda e Holanda – uma somatória entre
pesquisa acadêmica e o desenvolvimento de programas nas comunidades.

O Modelo Circular-Narrativo, instituído por ela48 em meados dos anos


1990, está fundamentado na comunicação circular. Corresponde a um processo que
agrega ao modelo de Harvard premissas da teoria dos sistemas de Luhmann. Para
Luhmann (2016), os sistemas integram todos os acontecimentos e seres num
determinado momento ou numa sociedade. Luhmann (2016, p.161) entende que a
sociedade é um processo sistêmico, ou seja, há uma dinâmica em que tudo está
ligado. Nesse modelo, o acordo deixa de ser o objetivo principal, tornando-se uma
possível consequência do processo circular narrativo.

46
“pontos de virada” são os momentos durante a negociação ou solução de conflitos onde se verifica que o
ponto central da questão não era o que vinha sendo discutido e, portanto, o caminho para a solução toma um
novo rumo.
47
“momento crítico” é o momento em que, embora haja a intenção de um acordo, algum detalhe impede que
que ele aconteça.
48
Relatório identificador de dos diferentes modelos de mediação, disponível em:
https://www.mediare.com.br/diferentes-modelos-em-mediacao/
62

O Modelo Circular-Narrativo tem o objetivo de fomentar a reflexão e


mudar o significado do conflito visando à interação das partes. Uma de suas
particularidades é a busca da desconstrução das narrativas iniciais, característica
frequente no modelo circular narrativo, visto que a escuta das narrativas se alterna
com as perguntas de esclarecimento e de desestabilização. Desde a primeira
reunião conjunta, depois dos esclarecimentos e as recomendações iniciais, o
mediador solicita a apresentação de alternativas, trabalhando, assim, a
interdependência e a circularidade. Outra peculiaridade do modelo refere-se às
reuniões privadas ou individuais que consistem em etapas e não meras
possibilidades ditadas pelas circunstâncias do caso, como ocorrem em outros
modelos.

Conforme Suares (2010), nas reuniões privadas são utilizados


mediadores chamados de “equipe reflexiva”, que se instalam em uma antecâmara e
observam a dinâmica, podendo ingressar e se retirar da sala de mediação com a
finalidade de conversar com os mediadores acerca do que observaram em ocasiões
diversas, sem trocar palavras com os que são mediados, que se mantém como
observadores desta conversa até que a “equipe ref lexiva” se ausente. Desse modo,
como método alternativo de resolução de conflitos, a mediação visa promover o
diálogo entre as partes para que, se possível, possam alcançar um consenso ao
final.

É pelo caminho do consenso que as relações se reestabelecem , pois


como anteriormente mencionado, quando as partes em conflito se encontram para,
através da comunicação oral, buscar o entendimento da situação, as palavras são
utilizadas como instrumentos do processo de expressão não somente com o outro,
mas para o outro, como forma de se fazer entender por meio de uma dinâmica
integrada com a linguagem que expressa, acima de tudo, sentimentos.

Ao narrarem seus sentimentos, os envolvidos transmitem suas


percepções sobre o fato, demonstrando ao grupo o porquê do ato praticado, não
com o intuito de justificá-lo, mas como uma forma de trazer aos demais o que sua
mente realizou no momento da ação, o que pode não ser, necessariamente, algo
louvável, mas que no universo da complexidade humana encontra um caminho de
ser externado pela sua atuação naquele momento. Somente ouvindo a si mesmo, na
63

sua narrativa, possibilita ao autor do fato a assunção de sua responsabilização de


uma maneira plena e reparadora, não trazendo as marcas punitivas indesejáveis.

Bakhtin (2012, pp. 82-83) entende que a linguagem é a maneira


apropriada para demonstrar de forma concreta todo o sentimento abstrato, porque a
expressão do ato a partir do interior é a expressão do existir-evento único no qual se
dá o ato exigem da inteira plenitude da palavra, e completa: “isto é, tanto o seu
aspecto de conteúdo-sentido (a palavra conceito), quanto o emotivo-volitivo (a
entonação da palavra), na sua unidade”.

À medida que as relações conflituosas adquirem características


circulares, que são próprias do modelo em questão, as partes envolvidas são
capazes de renegociar o significado dos fatos. Por isso, a grande vantagem deste
modelo é a sua aplicabilidade, porque está centrado tanto nas relações, como nos
acordos.

Baseado na premissa de que a mediação não é terapia, mas é


terapêutica, esse modelo lúdico, no sentido de jogo e troca de papéis, proporciona
que a mediação termine não apenas com a redação do acordo, mas sim com o
meta-acordo, trabalhando com as histórias “más” ou problemáticas, e não o
problema em si. Os mediadores são responsáveis não só pelo processo, mas
também pelo conteúdo da história melhor formulada, cientes do poder que exercem
e dos juízos que fazem, garantindo um melhor êxito na busca pela conciliação.

2.5.3 Modelo transformativo

A mediação transformativa foi elaborada por Robert A. Barush Bush,


teórico da área de negociação, e Joseph F. Folger, teórico da comunicação. Esse
modelo criado, aplicado e adaptado em todo o mundo, tem como objetivo situar o
acordo como uma possibilidade, diferente do modelo harvardiano que tem o acordo
como principal objetivo. Esta Escola Clássica visa trabalhar os interesses e
necessidades das partes e não somente a posição cristalizada do conflito 49.

49
Artigo sobre a mediação transformativa disponível em: http://www.filosofias.com.br/mediacao-
transformativa-colaborativa/
64

O modelo transformativo fundamenta-se, também, na comunicação, mas


com foco no aspecto relacional. Trabalha para o empoderamento das partes, que
devem ser vistas como responsáveis por suas ações, ou seja, o modelo é voltado
para o reconhecimento do outro como protagonista de sua vida e co-protagonista do
conflito. Entende-se aqui, o que explica Martins (2015), que, por meio da mediação,
as partes se transformam: protagonistas do conflito devem recuperar sua
autoestima, empoderando-se as partes pelo processo mediativo.

Além disso, o método possui como meta modificar a relação entre as


partes, sendo, portanto, o oposto do modelo harvardiano, pois não objetiva apenas
obter o acordo, mas é centrado na transformação das relações. Nesse sentido, o
processo não vislumbra a desestabilização das pessoas, com a desconstrução das
histórias iniciais e a criação de uma história alternativa, como propõe o modelo
Circular-Narrativo. Contudo, o método costuma ser elogiado e considerado como o
mais completo porque tem o objetivo de reconstruir a relação rompida, sem
desconsiderar a importância do acordo.

A função do mediador, nesse modelo, tem como meta a mediação


passiva, não intervindo diretamente no conflito, mas sim utilizando-se de técnicas de
negociação facilitando, assim, o diálogo entre as partes, para que juntos ou
individualmente possam conversar e chegar a alguma conclusão. O empowerment
(emponderamento) das partes é de suma importância para que elas solucionem por
si só o conflito.

Esse modelo busca trabalhar a totalidade do conflito. Portanto, por vezes,


utiliza-se de outros saberes, como por exemplo, da psicologia, economia, do campo
emocional e até mesmo afetivo. Casos particulares requerem o acompanhamento de
uma comissão multidisciplinar e transdisciplinar.

Contemplando-se que, nos últimos anos, as transformações sociais e


humanas modificaram as famílias e suas estruturas, e que essa multiplicidade de
modelos familiares (a monoparental, a adotiva, a recomposta, as homoparentais,
entre outras) exige novos saberes profissionais e abordagens, é possível afirmar que
a mediação transformativa de Bush e Folger representa um instrumento adequado
para resolver estas novas questões (CARDIA, 2006, p. 13).
65

Tal mediação também é possível de ser considerada como um


instrumento de pacificação social baseada na construção de uma Cultura de Paz,
pois promove a paz no lar e os comportamentos familiares que refletem os
comportamentos sociais.

2.5.4 Modelo Waratiano

O modelo Waratiano é um modelo muito peculiar, pois trata de amor.


Neste sentido, o amor deve ser a capacidade de superar o conflito através de um
sentimento maior que o dano causado, experimentado pelas partes envolvidas.
Amor, um sentimento que poucos conseguem definir, ou ao menos conceituar, pode
estar aqui sendo usado como o desejo que todo ser humano tem de ser amado,
cada um do seu jeito, desde que o resultado seja uma compreensão do amor a si
próprio e a compreensão do outro e sua necessidade de amor próprio também.

Segundo Ildemar Egger (2008. pp. 121-122):

[...] o modelo waratiano, auto-designado “Terapia do Amor”, o qual propõe


mediar a partir da psicoterapia do reencontro ou do amor perdido, de tal
modo que nesse modelo a mediação é a inscrição do amor no conflito;
busca assim, uma forma de realização da autonomia, uma possibilidade de
crescimento através dos conflitos, ou seja, um modo de transformação dos
conflitos a partir das próprias identidades, uma prática dos conflitos
sustentada pela compaixão e pela sensibilidade, uma prática cultural e um
paradigma específico do direito, um direito da outridade, uma concepção
ecológica do direito, um modo particular de terapia.

Para Warat, (2001, p. 92), este modelo propõe a terapia do amor mediado
(TAM) de forma que se “possa ajudar as pessoas a compreender seus conflitos com
maior serenidade, retirando deles a carga de energia negativa que impede a sua
administração criativa”.

Em um mundo que se observa a disputa de egos e a competição


exacerbada em todos os campos dos relacionamentos humanos, a proposta de se
resolver conflitos através de um dos valores básicos do homem se mostra, ao
mesmo tempo, inovador e primitivo. Inovador na medida em que as novas gerações,
66

dominadas pelas novas tecnologias, não conseguem mais experimentar as relações


humanas de uma forma plena e real. E primitiva, porque é instinto do ser humano
dar e receber o amor.

Explicam Rocha e Gubert (2017), que é por isso que na perspectiva


waratiana o amor é ativo e construtor de mundo, sendo, portanto, fundamental para
o processo de mediação como construção de autonomia e transformação dos
conflitos.

As relações de afetividade, em especial, o sentimento do amor, serão,


portanto, a base para a proposta de mediação em Warat. Como já referido,
esta não é uma teoria puramente jurídica, e este é uma alerta importante ao
leitor que busca de fato deixar o texto dizer-lhe algo novo. Trata-se de uma
proposta que parte justamente da crítica aos modelos de mediação
institucionalizadas já existentes, aos moldes propostos pelas justiças
brasileira e argentina. Sua mediação é uma verdadeira terapia do amor
mediado (ROCHA; GUBERT, 2017, p.112).

O amor é um sentimento muito vasto e difícil de ser conceituado, mas


está em semente nos seres humanos, pois todo humano deseja ser amado. É muito
provável que a violência surja em consequência da falta de amor em algum
momento da vida de cada ser humano. No contexto atual, retomando-se aqui as
tecnologias e seus efeitos, pode-se tentar entender a falta de amor e a necessidade
de atenção que certas pessoas, principalmente adolescentes e jovens, que
necessitam da aprovação e da atenção de outros, na prática do consumo excessivo
de substâncias químicas lícitas e ilícitas, na busca por diferentes experiências
sexuais e pelo narcisismo exacerbado que alguns jovens demonstram nas redes
sociais.

Melhor entendimento é explicitado por Bauman (2011, p.123):

...Essa pode parecer uma solução melhor, mas não está livre de seus
próprios perigos. Mexer com o sistema imunológico é arriscado e pode
mostrar-se patogênicos. Ademais, tornar o organismo resistente a certas
ameaças provavelmente o torna vulnerável a outras.

A proposta waratiana se diferencia das demais, pois além de criar um


modelo, propõe, também, que a mediação seja vista sob a ótica da alteridade, a fim
de que permeie todo o sistema jurídico, inclusive no que tange ao processo judicial,
67

pois será fundada em uma ótica com aspectos psicológicos, com viés direcionado às
relações dos vínculos cotidianos de família, vizinhos, trabalho, entre outros.

Para Warat (2001, p.18), quando se perceber a importância da


comunicação na realização desse processo, a agressão violenta produzida pela
mediação que força à argumentação e à linguagem afirmativa fará um contraponto
entre a verdade produzida pelo homem científico, como um produto de sua
consciência, expressa por meio de perguntas e respostas prontas e, de outro lado, a
verdade como o sentido produzido pela sensibilidade do homem, que é capaz de
sentir e de amar com sabedoria. É neste momento que o consenso se torna eficaz e
profícuo.
68

2. CONFLITOS ESCOLARES E MEDIAÇÃO

A mediação escolar é necessária no momento atual de todo o processo


educacional brasileiro. As políticas educacionais buscaram a igualdade de acesso,
porém, as desigualdades socioeconômicas e culturais não foram superadas,
fazendo emergir no cenário escolar conflitos de todas as magnitudes.

Em março de 2019, 11 pessoas morreram vítimas de violência dentro da


Escola Raul Brasil, no município de Suzano e os acontecimentos da Escola Estadual
Maria de Lourdes Teixeira, em Carapicuíba, no mesmo ano, trouxeram à tona a
discussão sobre os conflitos que podem envolver os alunos. Esses casos de
violência aconteceram em escolas públicas, onde a diversidade é mais acentuada.

A tragédia vivida pelos estudantes da escola Raul Brasil era, até então,
noticia que vinha de outros países, mas que agora o Brasil importou e que trouxe um
sentimento de insegurança para pais, alunos e professores. O mesmo pode-se
afirmar em relação à Escola Estadual Maria de Lourdes Teixeira, pois os atos de
vandalismos transmitidos via internet assombraram o país, diante da brutalidade das
agressões impingidas a uma professora de 45 anos, atingida por livros, cadeiras e
carteiras.

No primeiro caso, entre os mortos estavam os agressores, que tiraram as


próprias vidas, além das demais. No entanto, restaram diversos feridos, física e
psicologicamente, que teriam que voltar àquele cenário e enfrentar o cotiando que
nunca mais seria o mesmo. No segundo caso, dez adolescentes foram levados à
delegacia e três apreendidos em uma unidade da Fundação Casa 50.

Tendo em vista esses fatos recentes, e outro não tão recente, mas que
também deixou marcas amargas, como o caso da escola de Realengo no Rio de
Janeiro, é necessário refletir com profundidade todo o leque que envolve os
profissionais da educação, da justiça e da gestão pública. As desigualdades

50
A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA), instituição vinculada à
Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, tem a missão primordial de aplicar
medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
69

socioeconômicas não devem desaparecer como num passe de mágica. Logo, a


formação de profissionais da educação deve ter em vista um componente curricular
necessário que leve em conta a solução de conflitos. Da mesma forma, o poder
judiciário deve trabalhar de forma intersetorial com a educação, de modo a amparar
os profissionais envolvidos com os conflitos escolares, buscando soluções urgentes
e necessárias. Por último, e não menos importante, um trabalho intersetorial entre
gestores públicos locais integrados aos anteriores deve dar garantias de segurança
para e na escola, seja a segurança dos cidadãos envolvidos, seja a segurança do
patrimônio escolar.

Para que fique mais claro neste estudo o que é um conflito e como
compreender a violência, este capítulo busca aprofundar esses conceitos de modo
que se possa chegar às práticas utilizadas nas escolas, alvo desta pesquisa no
capítulo final.

3.1 Definição de Conflito

Não é raro se tomar a conceituação de conflito pelo de violência e vice-


versa, daí o porquê de ser muito comum a confusão entre eles, pois nem todo
conflito pode resultar em violência, mas é sempre provável que a violência tem se
originado de um conflito.

Inicialmente, vamos lançar um olhar para o conflito e para as formas pelas


quais a doutrina tem buscado conceituá-lo, uma vez que há nuances diferentes e, ao
analisá-lo, Leme (2009, p. 360) o define:

Definindo em poucas palavras, o conflito é uma situação de oposição entre


pessoas envolvidas em uma interação social. Essa oposição pode consistir
em diferenças nos objetivos de cada uma, como por exemplo, a negação de
um dos protagonistas ao pedido do outro, o que provoca frustração neste
último.

Já para Chrispino (2002, pp. 30-31):

O conflito é o nosso companheiro de jornada mais próximo. É parte


integrante da vida e da atividade social. O conflito se origina da diferença de
interesses, de desejos e aspirações. Percebe-se que não existe aqui a
noção estrita de erro e de acerto, mas de posições que são defendidas
frente a outras, diferentes.
70

Ao cotejar os dois conceitos acima propostos, verifica-se um ponto em


comum entre eles, que é o termo diferença. Nesse sentido, em razão da diversidade
existente no ambiente escolar, vale ressaltar que conflitos aparecem
inevitavelmente.

Os conflitos nascem da variedade de pontos de vista entre pessoas, d o


pluralismo de importâncias, imperativos e perspectivas, da variação entre as
maneiras de agir e de pensar de cada um. Os ambientes onde incidem maior
número de conflitos entre pessoas são, normalmente, os de convivência cotidiana,
não excetuando deste contexto as salas de aula.

Para Costa51, o conflito, com base na diversidade de pontos de vista, é


assim definido:

A noção de conflito compreende a percepção de divergências de interesses,


desejos, opiniões e a visão dos indivíduos de que as suas aspirações não
podem satisfazer-se simultaneamente ou conjuntamente. E, consoante o
tipo de abordagem às situações de divergência ou incompatibilidade pode
resultar o estancamento ou a escalada do conflito.

Esse conceito é o que melhor esclarece o cotidiano vivenciado hoje nos


ambientes das escolas, sejam elas públicas ou privadas. No caso específico deste
trabalho, volta-se o olhar apenas para as escolas públicas que abrigam muitas
diferenças socioeconômicas e culturais que fragilizam muitos sujeitos.

Como já se apontou em outro momento desta pesquisa, a busca pela


equidade ao direito pela educação fez com que muitas crianças, adolescentes e
jovens tivessem acesso à escola. Programas tais como o do livro didático, do
transporte escolar, do uniforme e da merenda, auxiliaram, em muito, que muitos
brasileiros pudessem ter acesso à educação. Vale lembrar que mesmo com esse
acesso, muitos dos matriculados nas escolas podem trazer problemas mais
profundos desde a mais tenra infância e podem apresentar problemas de
aprendizagem, ou mesmo alunos com deficiências físicas, visuais, auditivas,
intelectuais e, embora todos tenham direito de estar incluídos nas escolas, nem
todos finalizam suas trajetórias.

51
Trabalho apresentado no I Seminário Internacional “Contributos da Psicologia em Contextos
Educativos”. Braga: Universidade do Minho, em 2010, disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/216042087_A_mediacao_escolar_na_narrativa_dos_alunos
_do_ensino_secundario.
71

A escola é excludente porque as políticas públicas educacionais são


incapazes de resolver todos os problemas, a começar pela infraestrutura dos prédios
escolares, passando pela formação dos profissionais da educação e por mais
programas que deveriam impingir à escola o papel de incluir o sujeito na vida em
sociedade, no mundo da cultura e da cidadania, mas infelizmente não é isso que
ocorre. Além de tudo o que foi descrito anteriormente, há ainda, em meio a tantas
diferenças, o comportamento violento de crianças, adolescente e jovens que se
espelham na realidade em que vivem mergulhados: de abandono político, social e
econômico, reflexos da perversidade de um sistema excludente.

Para Lederach (2012, p. 37), a presença dos conflitos é normal e perene,


pois são resultados da mudança dinâmica das sociedades, que não possuem
características estáticas.

Entretanto, o conflito não pode ser visto, somente, como um agente


nocivo. Ele deve ser aproveitado como uma alavanca que impulsiona novas
experiências e mudanças de comportamento, com o intuito de transformar o meio
social e buscar o benefício dos envolvidos no processo experimentado. Essa
experiência é denominada por Lederach (2012) de ponto de vista descritivo, pois a
transformação trazida pelo conflito influencia diretamente o bem-estar físico, a
autoestima, a estabilidade emocional, a capacidade de percepção clara e a
integridade espiritual.

O autor também aborda o que chama de ponto de vista prescritivo:

Do ponto de vista prescritivo, a transformação representa uma intervenção


proposital a fim de minimizar os efeitos destrutivos do conflito social e
maximizar seu potencial de fazer crescer a pessoa enquanto ser humano
individual, nos níveis físico, emocional e espiritual. (LEDERACH, 2012, p.
38)

Ora, se um conflito pode ser criativo e transformador, talvez esse seja o


caminho buscado pela mediação dentro da escola. Como se viu anteriormente, há
uma escola cujo modelo é transformativo. O modelo waratiano busca transformar os
sujeitos de um conflito, resgatando a autoestima. Isso é transformação, logo, isso se
encaixa no pensamento seguinte, pois para Fullan (1993, p. 36), o conflito, bem
gerenciado, é essencial à mudança e ao aperfeiçoamento também da escola.
72

O grupo que percebe o conflito como uma oportunidade para aprender


alguma coisa (em vez de algo a ser evitado, ou uma ‘deixa’ para cada um
se entrincheirar em sua própria posição), é o grupo que vai progredir. Não
se pode ter aprendizagem organizacional sem aprendizagem individual, e
não se pode aprender em grupo sem processar conflitos.

Em síntese, o conflito não pode ser visto apenas com olhar negativo, pois
ele faz parte da natureza do indivíduo até mesmo como uma forma de se posicionar
na sociedade. Tratar o conflito apenas como algo negativo limita o crescimento do
ser humano, qualificando-o como sujeito à margem da sociedade e somente
passível de punição.

Ceccon (2009, p.31) informa que entre nós, o conflito tem uma conotação
mais negativa que positiva porque todo o seu potencial construtivo e criativo
desaparece, quando ele é ignorado ou mal administrado. Quando os conflitos são
negados ou disfarçados, esgotam a energia da equipe, atrapalham o trabalho
colaborativo e fazem os ressentimentos crescer e se acumular, podendo exprimir-se
de maneira violenta. No entanto, o autor lembra que perder a razão numa situação
de conflito pode levar a um resultado que será desastroso para todos os envolvidos.

Em se tratando ainda de administrar os conflitos, Lederach (2012, p. 41),


elenca os objetivos de mudança da transformação de conflitos, começando pelo
pessoal, que deve minimizar os efeitos destrutivos do conflito social e maximizar o
potencial de crescimento e bem-estar da pessoa enquanto ser humano individual
nos níveis físico, emocional, intelectual e espiritual.

No campo das relações humanas, deve-se minimizar a comunicação


disfuncional, por um lado, e por outro maximizar o entendimento. Além disso, é
necessário trazer à tona e trabalhar os medos, as emoções e as possíveis
interdependências nos relacionamentos. No campo estrutural, deve-se compreender
e tratar as causas subjacentes e condições sociais que dão origem aos conflitos,
promover mecanismos não violentos que reduzam o confronto entre antagonistas e
diminuam a violência. Assim, eliminam-se as nocividades e fomenta-se o
desenvolvimento de estruturas que atendam às necessidades humanas básicas
(justiça substantiva) e maximizem a participação popular em decisões que afetem
suas vidas (justiça procedimental).

Por fim, no campo cultural, deve identificar e compreender os padrões


culturais que contribuem para o aumento das expressões violentas do conflito. É
73

preciso compreender, na imensidão da diversidade cultural brasileira, como


identificar as diversidades e diferenças para construir, a partir de recursos e
mecanismos do próprio contexto cultural, reações construtivas para lidar com
qualquer tipo de conflito.

Dos conflitos, no âmbito escolar, são os relacionados com a violência os


que mais chamam a atenção, desde os mais graves até os de “menor potencial
ofensivo” que comprometem a chamada conduta socialmente desejável, ou seja,
aqueles que impedem o convívio harmonioso dos alunos com seus colegas e
professores. São nesses conflitos, em particular, que a mediação escolar, utilizando-
se de práticas restaurativas, vai buscar a formação de indivíduos aptos a viver em
sociedade de maneira responsável, que é uma das funções primordiais da escola.

3.2 Conceito de violência

Segundo Nunes (1994, p. 855), violência é o constrangimento físico ou


ficto exercido sobre a vontade de alguém para obrigá-la a submeter-se à vontade de
outrem ou a consentir. Qualquer força material ou moral, utilizada contra a vontade
ou liberdade, ou resistência de pessoa, ou coisa, que possui as seguintes espécies:
física ou material; moral ou ficta; iminente ou imediata e arbitrária.

Paviani (2016, p. 8) explica que:

O conceito de violência é ambíguo, complexo, implica vários elementos e


posições teóricas e variadas maneiras de solução ou eliminação. As formas
de violência são tão numerosas, que é difícil elencá-las de modo
satisfatório. Diversos profissionais, especialmente na mídia, manifestam-se
sobre ela, oferecem alternativas de solução; todavia, a violência surge na
sociedade sempre de modo novo e ninguém consegue evitá-la por
completo. Nesse panorama, cabe à filosofia, de modo especial à ética,
refletir sobre suas origens, a natureza e as consequências morais e
materiais.

No entanto, um ponto pacífico é que a violência é uma característica


inerente ao homem desde o seu nascedouro, como forma de preservação da
espécie, e que foi com o decorrer do tempo sendo refinada a ponto de ser o homem
reconhecido como civilizado ou apto a conviver em grupos da mesma espécie.
74

Estudos realizados pela Universidade de Évora, em Portugal 52 definiram


violência da seguinte forma:

O termo "violência" deriva o termo latino violentia e significa força violenta,


ou ainda recurso à força para submeter alguém contra a sua vontade.
Violência física é a ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à
integridade física de uma pessoa. Violência psicológica é a ameaça direta
ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique
prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento
pessoal. A violência sexual é a ação que obriga uma pessoa a manter
contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais
com uso da força, intimidação, manipulação, ameaça ou qualquer outro
mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Violência econômico-
financeira é a ação destinada a controlar as finanças de alguém, quer seja
através da retenção/limitação do dinheiro ou dos cartões, controlo de
gastos, acumulação deliberada de dívidas ou forçando alguém a trabalhar,
entre outros.

Entretanto, as definições acima não esgotam o assunto, pois existem


outras e mais variadas formas de violência. No Brasil, também são classificas como
crimes, como por exemplo, o feminicídio53 que é o crime de ódio baseado no gênero,
amplamente definido como o assassinato de mulheres. O estupro, outra forma de
violência, que consiste no fato de o agente “constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso” descrito no “caput” do artigo 213, do Código Penal 54. O
racismo55, crime resultante de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional, entre demais fatores.

Segundo Iavelberg (2002), as relações entre a violência e a educação têm


sido objeto de investigação no Brasil desde a década de 1980. Contudo, por se
basearem em aspectos teóricos distintos, produzem resultados que definem e
analisam os fatos de modos diversos, conforme demonstram Abramovay e Ruas
(2002) em uma pesquisa realizada nas áreas urbanas das capitais dos estados de
Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Par á,
Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo e em

52
Parte integrante do texto “Violências e maus tratos” texto na íntegra disponível em:
http://www.violenciadomestica.uevora.pt/index.php?/Violencia-e-Maus-Tratos/Definicao
53
Texto integral da norma disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13104.htm
54
Texto integral da norma disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del2848compilado.htm
55
Texto integral da norma disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm
75

Brasília (DF), ao enfatizarem que a violência na escola não pode ser vista como uma
modalidade de violência juvenil, e analisam as percepções dos atores sociais que
convivem nas escolas sobre: as violências no ambiente interno e no entorno da
escola (policiamento, gangue e tráfico de drogas, ambiente escolar, etc.); o
funcionamento e as relações sociais na escola (percepções sobre a escola,
transgressões e punições, etc.) e as violências nas escolas: tipos de ocorrências
(ameaças, brigas, violência sexual, uso de armas, furtos e roubos, outras violências
etc.), praticantes e vítimas.

A preferência dada aos pesquisadores englobam os seguintes temas: os


diferentes tipos de violência (física, verbal, simbólica) e suas manifestações, a perda
da função socializadora da instituição escolar (os valores da cultura e a ausência de
legitimidade do professor), as relações entre a violência e a formação dos
professores, as características das escolas que apresentam os maiores índices de
casos, as relações entre a violência e o desempenho dos alunos, o bullying (com
ênfase no perfil das vítimas e dos agressores) e as relações com o contexto familiar
dos alunos.

A dúvida surge quando o tema é o combate à violência no ambiente


escolar. Segundo Barros (2018), combater significa guerrear, bombardear, batalhar,
o que traz uma prática adequada para acabar com ela. Até pouco tempo atrás, as
próprias instituições públicas se utilizavam desse conceito errôneo, princípio que era
o motivador para a falta de engajamento dessas ações.

Combater violência com violência não produz resultado eficaz. Por isso,
faz-se necessário incentivar a Cultura de Paz por meio da/na educação, para
promover valores, atitudes e comportamentos, incluindo os meios de resolução
pacífica de conflitos, o diálogo, a construção do consenso e a não violência ativa,
renovando, ou até mesmo ensinando valores como a tolerância, o diálogo e a
compreensão e a responsabilidade, tão necessários para a vida numa sociedade
cada vez mais complexa.

A Cultura da Paz é definida pela UNESCO como um conjunto de valores,


comportamentos e estilos de vida que rejeitam a violência e previnem os conflitos,
76

resolvendo os problemas por meio do diálogo e da negociação entre os indivíduos,


os grupos e as nações 56.

É por meio da mediação de conflitos desenvolvida nas escolas que, além


de ensinar como bem administrar os conflitos surgidos entre os membros da
instituição, a mediação estimula a paz e possibilita que o seu conhecimento seja
levado para além dos muros escolares, sendo praticado na comunidade em que
vivem os alunos, professores e funcionários.

3.3 A intervenção do Estado na solução dos conflitos

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXV, dispõe que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça do direito”. Isso
equivale a afirmar que é o Estado quem tem a prerrogativa de solução de conflitos.
Este é o denominado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que visa
evitar a autotutela, forma primitiva de solução de conflitos pelo exercício arbitrário
das próprias razões.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) 57 consagrou o princípio da


proteção integral, ou seja, a criança e o adolescente têm assegurados prioridades
visando o seu desenvolvimento sadio. Nesse passo, é certo que uma nova ordem
jurídica foi destinada para o tratamento de ilícitos cometidos pelos jovens. Assim,
não se afasta o poder jurisdicional do Estado, mas este poder será aplicado de
forma diferenciada quando envolver crianças e adolescentes.

Entende-se que, neste ponto, necessário se faz comparar a atuação


jurisdicional que se dá, basicamente de forma retributiva, com as práticas
restaurativas (quadro 2) a fim de, oportunamente, justificar sua importância na
mediação escolar.

56
Além da educação, a Declaração e Programa para uma Cultura de Paz das Nações Unidas
relacionam ainda a promoção de um desenvolvimento econômico e social sustentáveis; promoção do
respeito aos direitos humanos; desenvolver a igualdade entre homens e mulheres; fomentar a
participação democrática; promover a compreensão, a tolerância e a solidariedade; promover uma
comunicação participativa e a livre circulação de conhecimentos e informações; e promover a paz e a
segurança internacionais. Fonte: UNESCO.
57
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
77

Quadro 2 – Valores atuais da Justiça Retributiva em relação à Prática


Restaurativa

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA


Primado do interesse do Estado Primado do interesse das pessoas envolvidas
e da comunidade
Foco na punição – encarceramento ou Foco na responsabilidade e nas necessidades
penas alternativas ineficazes das partes e comunidade
Culpabilidade individual Co-responsabilização individual e coletiva
Uso dogmático do Direito Uso crítico do Direito
Formal, ritualístico/cenário de Poder Informal, simplificado/cenário extrajudicial ou
comunitário
Linguagem e regras complexas Linguagem comum e regras flexíveis
Processo decisório das Processo decisório compartilhado com
autoridades/operadores jurídicos envolvidos e comunidade
Participação mínima da vítima Voz e papel efetivo da vítima no processo
Mínima assistência psicossocial e jurídica Necessidades psicossociais e jurídicas
à vítima atendidas efetivamente
Insatisfação e frustração com o sistema Satisfação e controle sobre a situação,
recuperação da autoestima.
Ofendido e ofensor alienados do processo. Participação responsável do ofendido e
Comunicação através do advogado ofensor no processo
Necessidades praticamente Necessidades efetivamente consideradas
desconsideradas
Inacessível e sem interação Acessível e interação com a vítima e
comunidade

Fonte: elaborado pela autora58

O quadro anterior foi criado a partir de uma reflexão na literatura que


aborda a Justiça e sua trajetória histórica, já descrita no capítulo 1, e de uma
vivência de práticas nas escolas desde a pesquisa de mestrado.

A Justiça Retributiva, que hoje é a usada pelo nosso sistema judicial,


traduz o processo penal que é voltado exclusivamente à questão da culpa do
ofensor e, uma vez estabelecida, as garantias processuais e os direitos
fundamentais são deixados de lado, resultando em uma menor atenção ao desfecho
do processo, conforme destaca Zehr (2012).

58
CANDIDO, Valéria Bressan. A Inciativa do Poder Judiciário do Estado de São Paulo na implantação da Justiça Restaurativa:
Práticas de resgate da dignidade humana. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas), Universidade de Mogi das Cruzes,
Mogi das Cruzes, 2014
78

Ainda, ao ser apurada a culpa, focaliza-se o passado, pois se tenta


“reconstruir” o fato delituoso em questão (ZEHR, 2012). Assim, é possível concluir
que o foco não está no dano causado à vítima, ao infrator e à comunidade, ou na
experiência destas na ocorrência do delito, como a Justiça Restaurativa faz, mas sim
na violação à lei e a determinação da culpa.

Não se pode esquecer que o Brasil tem um sistema prisional com graves
problemas de superlotação e de infraestrutura precária, que culmina com a
morosidade da máquina do judiciário.

Esse modelo antigo, retributivo, não mais atende às necessidades dos


indivíduos, pelo contrário, gera uma insatisfação ainda maior diante da
impossibilidade de ação eficaz do Estado, sobrecarregando a justiça sem dar uma
resposta satisfatória à população.

Muito embora não seja o Poder Judiciário o Poder da República


legitimado para ações administrativas que envolvam a execução de política públicas,
como vimos no início desse estudo, foi uma parceria entre esse Poder e a Secr etaria
Estadual da Educação do Estado de São Paulo (órgão integrante do Poder
Executivo Estadual) que deu início, no estado, à mediação escolar.

Atualmente, algumas ações perpetradas pelo Poder Judiciário estadual


junto às escolas visam à integração do conceito de justiça e cidadania. Um exemplo
a ser citado é o realizado pelo Juiz de Direito do município de São Carlos, André
Luiz de Macedo, que desde o ano de 2011, promove o projeto “A Escola e a Justiça:
trilhando parcerias”, que resulta em um livreto com as redações elaboradas por
alunos de escolas estaduais da região de São Carlos, que relatam suas experiências
após a vivência do projeto.

Esse livreto, editado em parceria do Tribunal de Justiça do Estado de São


Paulo, da Secretaria Estadual de Educação, da Associação Paulista dos
Magistrados (APAMAGIS) e da Associação Brasileiras dos Magistrados (AMB), é
distribuído gratuitamente nas escolas do município como forma de partilha do
conhecimento adquirido pelos alunos.

Nas palavras do juiz:

Trilhar parcerias era uma ideia que se transformou em caminho, e neste


segundo ano, numa experiencia de rara beleza. Educar é transformar. É
79

despertar a alegria, a esperança e a beleza que vive em cada um. Viagem


que só tem início. A justiça encontra na Educação parceria que dá vida, que
semeia expectativas de um mundo melhor, quem ama a Justiça também
ama a Educação. Quem ama a Educação ama sua comunidade.

Contudo, é na esfera do Poder Executivo que se concentra a legitimidade


de ações e políticas públicas. Portanto, é dentro das Secretarias de Educação que
devem acontecer atuações efetivas para a transformação dos conflitos, pois é o
contato direto entre professor e aluno no dia a dia da sala de aula que autoriza uma
prática eficaz, seja ela preventiva ou de solução de conflitos, e a nossa proposta é a
utilização dos princípios restaurativos através da mediação escolar, como
demonstraremos, mais adiante.

3.4 Atores legitimados para solução dos conflitos

Como vimos acima, o primeiro legitimado para a solução dos conflitos é o


Estado na pessoa do Poder Judiciário. Assim, todo e qualquer conflito que envolva
criança e adolescente, inclusive os que ocorrem dentro do ambiente escolar, passa
pelo Conselho Tutelar, que é um órgão municipal responsável por zelar pelos
direitos da criança e do adolescente, e que foi criado conjuntamente ao ECA, em
seu artigo 136, o qual dispõe que são atribuições do Conselho Tutelar atender as
crianças e adolescentes nas hipóteses em que seus direitos forem violados, seja por
ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais
ou responsável, ou em caso de ato infracional.

Mais que um auxiliar da Justiça, o Conselho Tutelar pode, em parceria


com os educadores, articular táticas que desenvolvam sugestões de medidas
preventivas, auxiliando, assim, um meio ambiente escolar pautado pela ordem,
equilíbrio e solução amigável dos conflitos, como forma de evitar a judicialização nos
casos possíveis.

Ainda que a atividade do conselheiro seja limitada, faz-se basilar sua


atuação como sujeito integrante da formação de cidadania e suas várias
capacidades de sensibilização. Assumindo, assim, o papel de segundo legitimado
para a solução, também, no caso dos conflitos escolares.

Olhando, novamente, para a nossa lei maior, temos que o artigo 205
dispõe que:
80

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal distribuiu a obrigação de educar entre todos


aqueles que fazem parte da vida da criança e do adolescente. Estes titulares
absolutos do direito serão satisfeitos pela somatória de ações integradas e
individualizadas dos atores determinados pela lei, para que sua formação como
cidadãos seja alcançada de forma plena e satisfatória.

A educação também possui uma regra legal específica na qual pode se


basear, conforme preceitua a LDBEN 59:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem


na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à


prática social.

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,


gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por
objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

IV - O fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade


humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traduz de forma direta


a função da escola como complementar à atuação da família na formação dos
cidadãos. É a escola, através do conhecimento epistemológico que capacita o
indivíduo ao mundo do trabalho e à prática social, que somado à formação
educacional oriundos dos demais meios de convivência, forma o cidadão.

A formação do cidadão, conforme prevê a lei, é dever da família, do


Estado e da sociedade. Para que isso aconteça, em seu artigo 3º a lei estabelece os
princípios que norteiam as ações dos educadores, reproduzindo, em parte, o
disposto no artigo 206 da Constituição Federal, que fixou como princípio maior a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber,
através da liberdade pedagógica para atender às necessidades tanto de quem
oferece quanto de quem recebe o ensino (ARAUJO, 2012).

59
Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996.
81

Para Saviani (1997, p.2), o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e


intencionalmente, em cada indivíduo, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Para que isso se torne possível, é
necessário que sejam identificados os elementos culturais que precisam ser
assimilados pelo indivíduo, somados à descoberta das formas aptas para atingir
esse objetivo.

Todavia, não é somente o educar para o conhecimento que está no rol


das atribuições da escola. Essas vão além, e se materializam na função social que
desempenham, pois também são um dos pilares de sustentação na formação do
indivíduo. É a escola a porta de entrada do sujeito para as relações sociais.
Transformando-se, então, no terceiro legitimador para a solução dos conflitos que
acontecem dentro de seus espaços.

Com efeito, é sobre este legitimado que nosso estudo se debruça. É


preciso que a comunidade escolar se torne a principal protagonista na busca de
soluções de conflitos entre seus atores, pois as horas de convívio, o contato, a
interação, muitas vezes são maiores do que as experimentadas pelos alunos em
suas casas, com seus familiares. Os atores escolares são, na sociedade atual, na
maioria das vezes, o exemplo substituto para muitos jovens.

Muller (2006, p.71) entende que o educador não deve ambicionar


somente instruir, mas educar a criança, uma vez que o ensino é dirigido aos jovens
que, na maioria das vezes, não escolheram ou não querem estar ali, seja porque
estão em um ambiente que não é acolhedor, seja porque são obrigados a assimilar
conteúdos desinteressantes transmitidos por metodologias ultrapassadas e
profissionais não capacitados.

Ao educar, o professor transmite, ou pelo menos deveria transmitir ao


aluno, o entendimento de que o saber “vale a pena”, não somente como uma forma
de ascensão social, mas também, como uma realização pessoal. Nas palavras de
Muller (2006, p.76), “enquanto a instrução ensina ‘como fazer’, a educação transmite
‘como viver’”. A autora continua:

Num texto chamado “conta a violência”, o Comitê Nacional de combate à


violência na escola, organizado pelo Ministro da Educação da França,
afirma que as políticas educacionais das instituições acadêmicas devem ter
como fundamento uma moralidade universal baseada no respeito pela
dignidade da pessoa humana, garantindo-se que todos sintam-se membros
82

da comunidade humana, e, como tal, sujeitos a certos deveres que incluem


a rejeição da violência, do racismo e das humilhações em quaisquer
circunstâncias, e das doutrinas que levam a tais abusos (MULLER,2006,
p.79).

O olhar do professor e de todos aqueles envolvidos com a educação


deveria buscar um novo foco, quando se trata de conflitos. Não mais apenas a
questão da punição institucionalizada que, como já mencionamos, não mais atende
às necessidades dos jovens, apenas os estigmatizam, mas um olhar mais amplo,
buscando alcançar suas reais carências.

Trazer o tema conflito para a sala de aula e para os demais espaços da


escola, desde as séries iniciais, é uma forma de trabalhar com um tema controverso
e presente em nossas vidas, oportunizando momentos de reflexão que auxiliarão na
transformação social, pois é externalizando o problema que se facilita a inclusão
daqueles que se sentem atingidos por ele, e os tornam aptos a revelarem suas
angústias perante aqueles que ainda não os perceberam, a ponto de se
conscientizarem que pessoas não são o problema, o problema é o problema
(HOLLKER, 2019, p.56).

As diversas formas de comunicação, como recortes de jornais e revistas,


pesquisas, filmes, músicas, desenhos animados, notícias televisivas, dentre outros,
auxiliam os professores a levantar discussões acerca do tema numa possível forma
de criar um ambiente de respeito ao próximo, considerando que todos os envolvidos
no processo educativo devem participar e se engajar nessa ação para que ela não
se torne contraditória. O material elaborado pela Secretaria Estadual de Educação e
disponível na internet 60, intitulado “Conflitos na escola: modos de transformar: dicas
para refletir e exemplos de como lidar”, traz uma série de exemplos de matérias que
podem ser utilizados pelos professores.

Não obstante, devemos observar, também, a realidade que se apresenta


na maioria dos ambientes escolares. Os espaços, em grande parte e,
principalmente, na periferia dos municípios, não são propícios para a atuação dos
professores, quer por falta de recursos físicos, quer for falta de formação humana
para essa atuação. Nesses estabelecimentos escolares, encontramos professores

60
https://www.imprensaoficial.com.br/downloads/pdf/projetossociais/conflitos_na_escola.pdf
83

desmotivados, não só em razão da situação social que circunda o entorno de seu


trabalho, mas também pela falta de suporte, quer por parte da Administração
Pública, quer por parte das famílias dos alunos, que hoje, apesar de serem
corresponsáveis, constitucionalmente, pela educação das crianças a adolescentes,
delegam apenas à escola funções que deveriam ser exercidas em casa.

Essa realidade foi verificada na pesquisa de campo realizada em três


escolas estaduais no município de Mogi das Cruzes, onde se observou que pouco
se conhece sobre a Cultura de Paz, embora essas escolas contem com professores
que exercem a função de mediadores. Em um universo de vinte professores,
somente sete responderam que tinham alguma experiência com a Cultura de Paz, e
esta experiência se resumia a conceitos e bases teóricas. Algumas ações
apresentam características multidisciplinares, basicamente voltadas para as artes,
em que o tema era abordado, mas não como sendo o principal, integrado ao assunto
desenvolvido.

Por outro lado, a pesquisa também demonstrou que, no que diz respeito à
Justiça Restaurativa, doze professores tinham ouvido falar sobre o assunto, no
entanto, apenas cinco relataram o que tinham ouvido.

Nesse contexto, as respostas foram no seguinte sentido: duas - Que já


haviam participado de um círculo na escola; uma - Através do Projeto Justiça e
Educação61; uma - Que tinha ouvido só comentário, mas não sabia do que se
tratava; uma – Que era uma forma mais justa de mediar um conflito.

E quando perguntado aos professores “Qual a sua ação em casos de


conflitos entre adolescentes dento da escola?”, a resposta foi unânime no sentido da
promoção do diálogo. Alguns ainda mencionaram a participação do professor
mediador nesse processo.

Desta forma, algumas observações podem ser feitas acerca dos


resultados obtidos. Em primeiro lugar, que o tema Cultura de Paz precisa ser melhor
difundido e deixar de ser apenas conceitos teóricos, visando a uma conscientização
maior dos professores quanto aos benefícios trazidos a todo o ambiente escolar pelo
exercício de ações práticas que envolvam as soluções pacíficas dos conflitos.

61
Vide capitulo 2 p. 49
84

Em segundo lugar, embora o tema Justiça Restaurativa tenha sido objeto


de parceria entre o Judiciário e a Educação, a palavra “justiça” não é bem vista
dentro do ambiente escolar, sendo que os professores preferem a expressão
“práticas restaurativas”, por entenderem que ao se falar justiça, o ambiente se torna
um espaço de “vingança”, não de solução pacifica de conflitos.

E, por fim, inconscientemente, os professores aplicam os princípios


restaurativos quando se deparam com os conflitos. O fato de os professores
buscarem promover o diálogo entre as partes envolvidas demonstra que a escuta
empática, que é uma forma de ouvir o outro se colocando em seu lugar, sentindo
como se o problema do outro fizesse parte de sua vivência, é o início de um trajeto
que se percorre para soluções pacificadoras.
85

3. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS NA


MEDIAÇÃO ESCOLAR

Durante o período de pesquisa para esse estudo, foi possível observar o


trabalho realizado por alguns profissionais que dedicam seus esforços à busca de
maneiras para solucionarem os conflitos no ambiente escolar de modo a causar o
menor dano possível aos envolvidos nos casos. Dentre esses profissionais estão
duas professoras mediadoras, uma diretora de escola, a responsável pelo programa
de mediação da Secretária da Educação do Estado de São Paulo e um membro de
Ministério Público, também,do Estado de São Paulo, que atua no Grupo de Atuação
Especial de Educação – GEDUC, que relataram suas experiências.

A escola, como meio social, tem características próprias resultantes de


seus componentes. Para o estudo desse universo complexo, é necessária uma
visão sociológica apurada, mas não absoluta e para isso, novamente vamos nos
valer dos ensinamentos, anteriormente citados de Luhmann (2016) e Bakhtin (2012).

Candido (2018), analisando o pensamento de Luhmann, em seu livro


“Introdução à teoria dos Sistemas” concluiu que, assim como organismos vivos, as
organizações sociais devem ser analisadas dentro do olhar da unicidade, pois para o
autor, os seres vivos não eram apenas um conjunto de moléculas, mas sim uma
dinâmica molecular, ou seja, uma interação entre as distintas classes de moléculas
que interagem em uma relação de vizinhança criando uma rede fechada de trocas e
sínteses, possibilitando uma capacidade de se autorrepararem, se
autorreestruturarem, e autotransformarem, se autoadaptarem sem, contudo,
perderem sua identidade, da mesma forma que as sociedades se apresentam.

Surge então o conceito de “sistemas autopoiéticos”, inicialmente


desenvolvido pelos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, e aperfeiçoado
por Luhmann, que é a capacidade dos seres vivos se produzirem a si próprios, que
só têm sua existência possível diante de sua interação com os sistemas do entorno,
que são as relações necessárias que circundam o sistema fechado, para que estes
possam atingir seus objetivos (RODRIGUES; NEVES, 2017, pp. 39-41).
86

Em resumo, o sistema fechado/único é meramente operacional, ou seja,


para que exista um sistema, este primeiro tem que ser fechado, autossuficiente, para
poder depois interagir com o meio, “o sistema de entorno”.

A sociedade se comporta da mesma forma. Desde o menor núcleo social


(a família), até ao maior (Estado), é necessário que haja uma auto-organização para
que as relações se estabeleçam em busca de harmonia. O indivíduo, observado em
si mesmo é um ser único, com incertezas e dúvidas existenciais, já quando inserido
no meio social, tende a demonstrar essas inseguranças pessoais, que se
concretizam em forma de conflitos.

Se olharmos para o universo escolar, a dinâmica não é diferente. As


diversas realidades individuais que hoje povoam o ambiente escolar e que,
diariamente, se relacionam, explicam o paradigma proposto por Luhmann. Ao
analisarmos o aluno como um “sistema fechado” e que precisa, primeiro se auto-
organizar, se reconhecer como sujeito de direitos e deveres, poderemos caminhar
em direção mais concreta às soluções dos conflitos que hoje inflam as estatísticas
de violência no ambiente escolar.

E a forma de interação mais comum entre os jovens é a comunicação,


que para Bakhin (2012, p. 26), se materializa através da palavra. É a palavra que
coloca o eu em relação ao outro, estranho ou que não faz parte do seu convívio
social, mas o outro que pertence ao seu meio comum, que tem as mesmas
experiências de vida, os mesmos desejos, que sofre as mesmas inseguranças,
próprias de suas contemporaneidades, passado e futuro, porque são pessoas reais.

Como relatado anteriormente, não é raro notícias em jornais e telejornais


apresentarem informações sobre alunos que agridem professores, colegas e
funcionários da escola. O caso mais recente ocorreu em 19 de setembro de 2019
dentro do Centro Educacional Unificado (CEU) Aricanduva, uma escola municipal na
Zona Leste da cidade de São Paulo, onde o aluno, de 14 anos, estava em troca de
aulas e encontrou o professor no corredor, esfaqueou-o e voltou para a sala. Ao
avisar os colegas sobre o que tinha feito, feriu-se, mas foi contido por outro
professor. O estudante está no 9º ano do ensino fundamental e não tem histórico de
87

problemas com colegas e funcionários. Pelas referências, é um bom aluno, nunca


deu problema, tem apresentado boas notas 62.

Nacionalmente, os dados da Prova Brasil 63 mostram um cenário


preocupante: 10.984 diretores, o que equivale a 15,41% dos entrevistados,
relataram que alunos frequentaram a escola em 2017 com armas brancas, como
facas e canivetes. Outros 1.685 disseram que estudantes foram para a escola com
armas de fogo. O número equivale a 2,36% dos entrevistados 64.

Pouco mais da metade, 50,64% dos diretores (36.056) disseram que


houve agressão verbal ou física a alunos, professores ou funcionários e 71,56%, ou
50.988 diretores, afirmaram que houve agressão verbal ou física de alunos a
colegas. Os questionários da Prova Brasil foram respondidos em 2017 por 71,3 mil
diretores e 352,5 mil professores em todo o país 65. A complexidade das estruturas
sociais abarca as experiências dos membros do grupo, não podendo ser qualificada
de forma absoluta. Esse é tônus das ciências humanas.

Luhmann (2011, p.36, apud. Talcott Parson,1951), tentou encontrar uma


resposta que definisse a sociologia, propondo que nela não é possível uma teoria
global, ao estilo de Newton, que considere todas as variáveis com todas as suas
interdependências. Ou seja, não é possível observar o meio social da mesma
maneira que os cientistas das ciências exatas fazem.

Luhmann foi crítico à teoria do funcionalismo estrutural. Esta teoria,


defendida por Talcott Parson no livro Social System (1951), tem como ponto de
partida a origem nos sistemas de estímulos de estudos etnológicos e social-
antropológicos realizados com tribos ou clãs que haviam ficado isolados do
desenvolvimento universal. O objeto dessas disciplinas era apreender, mediante

62
Reportagem sobre os dados da prova Brasil disponível em. https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2019/09/19/professor-e-esfaqueado-por-aluno-dentro-de-ceu-na-zona-leste-de-sp-diz-
policia.ghtml. Acesso em 23 set. 2019.
63
A Prova Brasil é uma avaliação censitária das escolas públicas das redes municipais, estaduais e
federal, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino. Participam desta avaliação as escolas que
possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/anos avaliados, sendo os resultados
disponibilizados por escola e por ente federativo. Disponível em: https://academia.qedu.org.br/prova-
brasil/o-que-e-a-prova-brasil/
64
Fonte: https://noticias.r7.com/sao-paulo/docentes-relataram-casos-de-agressao-na-escola-de-
suzano-em-sp-17032019.Acesso em 31 jul. 2019.
65
Idem.
88

observação metodizada, as estruturas originais da sociedade (LUHMANN, 2011


p.36), assim dizendo:

A sociologia do final dos anos 1940 e início dos anos 1950 foi superada pela
necessidade de explicitar as condições de possiblidades da preservação
das referidas estruturas nos sistemas. E isso levou, no melhor dos casos, à
exposição de lista e catálogos que se aplicavam “ad hoc”, mas sem terem
sido teoricamente fundamentados.

Dessa forma, o pensamento de Luhmann questiona a base de


identificação de uma sociedade, questionando quantas mudanças se precisava
identificar para que qualquer observador coincidentemente assentisse que a
sociedade antiga já tinha suas estruturas e não necessariamente se mantiveram nas
sociedades atuais.

Nesse caminho, Luhmann propõe que os critérios da conservação da


identidade de um sistema social não podem ser descritos (como hoje se sabe), por
um observador externo, mas isto deve ser uma operação que surge a partir do olhar
interno desse sistema.

Para melhor identificar o que ele chama de “Teoria Geral dos Sistemas”
esse autor apresenta o modelo orientado pela metáfora do equilíbrio e que se
harmoniza com este estudo.

Nesse modelo, é empregado o contexto do balance of trade (equilíbrio no


mercado internacional), cujo foco é o viés econômico e, também, no final do século
passado, sob o viés do desenvolvimento nivelado das forças armadas dos diferentes
países europeus, que pressupõem uma distinção entre estabilidade e perturbação,
de tal modo que com o termo equilíbrio se enfatize o aspecto de estabilidade
(LUHMANN, 2001, p.60).

Entretanto, o próprio Luhmann (2011, p.61) critica esse modelo, pois


entende que “[...] tem-se chegado à convicção de que no desequilíbrio os sistemas
adquirem sua estabilidade”, abrindo, dessa forma, o caminho de nossa discussão.

4.1 Identificando o conflito e a violência escolar

O ambiente escolar se desenvolveu como um campo propício à geração


de conflitos e violência. Isto porque, em virtude do maior acesso à educação, após a
89

Constituição Federal de 1988, que determina que educação é direito de todos e um


dever do Estado66, os alunos de diferentes culturas e classes sociais passaram a
conviver no mesmo ambiente escolar.

Todos que vivem em sociedade terão a experiência do conflito. Desde a


infância convivemos com ele, nas relações escolares, tanto com os colegas quanto
com os professores. Após a infância, passa-se aos conflitos adolescentes e então,
quando adultos, continuamos com as lides interpessoais. Ele é um integrante da
vida e da atividade social (CHRISPINO, 2007), que assim completa (p..16):

Ainda no esforço de entendimento do conceito, podemos dizer que o conflito


se origina da diferença de interesses, de desejos e de aspirações. Percebe-
se que não existe aqui a noção estrita de erro e de acerto, mas de posições
que são defendidas frente a outras, diferentes.

Este problema não é exclusividade do Brasil. Em Portugal, a problemática


da violência e dos conflitos escolares é, também, emergente, veja o que diz António
Amaral67:

De ano para ano os números oficiais de ocorrências registavam significativo


acréscimo. Em 2002 registaram-se 199 casos de atos de violência contra
professores a nível nacional, e, um ano depois, este número subia para 293
casos. O Departamento de Segurança do Ministério da Educação (ME)
registou no ano letivo de 2004/2005 mais de 1.200 agressões dentro das
escolas. O relatório referia que 191 alunos, professores e funcionários
tiveram de receber tratamento hospitalar devido a agressões no interior dos
estabelecimentos.

Para Muller (2007, p.18), “a chegada do outro é perigosa, ao menos em


possibilidade”, pois nos tira de nossa zona de conforto, nos fazendo refletir sobre a
probabilidade de ter nosso espaço invadido, ou até mesmo tomado. É uma nuvem
de incertezas que essa chegada pode proporcionar, instalando, necessariamente,
uma sensação de insegurança.

Para Girard apud Muller (2007, p.19), esta insegurança gera uma
rivalidade que tem por finalidade a apropriação de um mesmo objeto (material ou
imaterial) e é a fonte geradora dos conflitos.

66
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
67
Artigo “A Mediatização da Indisciplina e Violência nas Escolas”, disponível em:
http://www.fersap.pt/index.php/artigos/98-a-mediatizacao-da-indisciplina-e-violencia-nas-escolas
90

Um caso relatado pela professora mediadora de uma escola estadual em


Mogi das Cruzes durante a pesquisa de campo exemplifica a tese:

Havia dois meninos de classes sociais distintas na escola. De repente o


blusão do clube de futebol, comprado na Espanha, desapareceu. O dono do
blusão lastimou-se, uma vez que não sabia se voltaria àquele país e poderia
adquirir novo vestuário. Identificado o aluno que subtraído a peça de roupa,
este foi levado a secretaria onde confessou a subtração. Envergonhado, o
aluno questionou: “Por que ele pode ter um blusão como esse, e eu não”

É evidente que a questão socioeconômica que envolve a realidade dos


alunos de escolas públicas é um fato a ser considerado quando se busca tratar os
conflitos. No entanto, esta não pode ser uma muleta na qual os teóricos se apoiam
para justificar a origem da indisciplina na escola. Esses problemas precisam ser
encarados pelos professores, professores mediadores e gestores de modo geral.

Os conflitos não são, necessariamente, situações completamente


negativas. Com o desequilíbrio que é trazido por ele, ao contrário, é possível
estabelecer resoluções sólidas e duradouras, verificando-se, assim, sua
positividade. Portanto, é certo que o conflito impacta as situações e modifica as
coisas em quatro campos da existência humana, quais sejam: pessoal, relacional,
estrutural e cultural (LEDERACH, 2012).

Nesse passo, o autor (p.41) apresenta uma síntese dos objetivos de


mudança na transformação de conflitos que, no âmbito pessoal, tem por objetivo
minimizar os efeitos destrutivos do conflito social e maximizar a potência de
crescimento e bem-estar da pessoa enquanto ser humano individual nos níveis
físico, emocional, intelectual e espiritual.

No âmbito relacional, propõe a redução da comunicação disfuncional e o


aumento do entendimento, possibilitando trabalhar medos e esperanças em relação
às emoções e à interdependência no relacionamento.

No campo estrutural, o objetivo é compreender e tratar as causas


subjacentes e condições sociais que dão origem à expressão violenta ou nociva do
conflito, promovendo mecanismos, não violentos, que reduzam o confronto entre
antagonistas, diminuindo a violência, e por fim eliminando-a, além de fomentar o
desenvolvimento de estruturas que atendam às necessidades humanas básicas
(justiça substantiva) e aumentem a participação popular em decisões que afetam
suas vidas (justiça procedimental).
91

Por fim, no campo cultural, identificar e compreender os padrões culturais


que contribuíram para o aumento das expressões violentas do conflito, identificando
e construindo, a partir de recursos e mecanismos do próprio contexto cultural,
reações constitutivas para lidar com a situação.

António Amaral 68 aponta que:

As quatro escolas mais indisciplinadas da Grande Lisboa, na ordem,


apontam que: A Escola Básica 2/3 das Olaias “está situada junto ao
problemático bairro de Chelas e acolhe também dezenas de jovens que
estão já a contas com a Justiça”. A Escola Básica 2/3 de Alfornelos “foi
palco de lutas entre ‘gangs’ e assaltos praticamente mensais”. Sublinha-se
que “não nos podemos esquecer que muitos miúdos daqui vêm de meios
sociais muito degradados. Alguns só começaram a comer uma refeição
diária quente quando vieram para a escola e muitos chegaram aqui no 2º
ciclo, com 12, 13 anos, e nem sequer sabiam pegar ainda numa colher ou
num garfo”. A Escola Básica 2/3 Luís de Camões, “localizada em pleno
Areeiro, uma zona que não é propriamente pobre, os problemas desta
escola devem-se principalmente aos alunos provenientes das zonas de
Almirante Reis e das Olaias, segundo afirmam muitos dos seus alunos.
Agressões físicas a professores e a funcionários, ameaças, assaltos
constantes entre colegas, insultos verbais são alguns dos incidentes
apontados pelos jovens deste estabelecimento.” A Escola Básica 2/3
Marquesa de Alorna “situada em pleno Bairro Azul, a dois passos do El
Corte Inglês, ninguém diria que esta fosse uma das escolas com mais
problemas de indisciplina na cidade de Lisboa. Uma situação que, segundo
o SDPGL, se deve ao facto deste ser um estabelecimento que já teve vários
bairros degradados à volta”, e “receber alunos daí provenientes que trazem
para dentro da escola os reflexos da estrutura familiar em que vivem.” (...)
“Segundo conta Rita, aluna da Marquesa de Alorna, o principal problema é
mesmo a droga. ‘Como muitos têm pais e irmãos que vendem droga, vêm
também para aqui vender, então lá fora junto ao portão e é certinho, entre
vender e consumir há de tudo’, revela Sandra, 12 anos. ‘Até já aprendi
como é que se faz um charro ou uma chinesa’, acrescenta com orgulho”.

Para a professora Costa69, os atritos entre docentes e alunos podem ser


resolvidos com diálogo:

A questão da violência nas escolas tem sido muito mediatizada. O contexto


apresenta alguns fenómenos que exigem análise por parte de especialistas
e intervenção de todos aqueles que estão na escola. É possível identificar
vários fenómenos de perturbação de convivência na escola e devemos
identificá-los para decidir que estratégias adotar. Na mediação de conflitos
em contexto escolar, intervém-se sobre o fenómeno da conflitualidade,
mostrando que podemos educar comportamentos e atitudes em prol de uma
melhor convivência [...]. A abordagem da mediação de conflitos passa por
criar canais de comunicação e diálogo, promovendo competências ao nível

68
Artigo “A Mediatização da Indisciplina e Violência nas Escolas”, disponível em:
http://www.fersap.pt/index.php/artigos/98-a-mediatizacao-da-indisciplina-e-violencia-nas-escolas
69
Póvoa Semanário, 2008, disponível em: http://www.fersap.pt/index.php/artigos/98-a-mediatizacao-
da-indisciplina-e-violencia-nas-escolas
92

da responsabilidade e colaboração e a internalização desses princípios


levará ao respeito, que é o suporte da verdadeira autoridade.

Muller (2006, p. 25) crê que o conflito é “[...] componente estrutural de


todo relacionamento com os outros e, assim, de toda vida social”. No entanto, a
grande questão é: como transformar o conflito? E a resposta é: através da
comunicação.

É nesse momento que os círculos de construção de paz surgem como o


catalizador de experiências, mais especificamente, o círculo de diálogo, pois, como
já vimos no capítulo 2, é o local onde os participantes exploram uma questão ou
assunto particular a partir de vários pontos de vista. Não procuram consenso sobre o
assunto. Ao contrário, permitem que todas as vozes sejam ouvidas respeitosamente
e oferecem aos participantes perspectivas diferentes que estimulam suas reflexões.

Para Muller (2007, p.19), o que está em jogo nos conflitos em todas as
escalas sociais é, geralmente, o desafio do poder. Se em um primeiro momento o
homem busca o poder para não ser dominado pelo outro, em um segundo momento,
este mesmo poder se impõe para a dominação do outros.

Quando o intuito de dominação alça voos maiores, pode surgir a


agressividade. Muller (2007, p.21) entende que a agressividade está inscrita na
natureza humana. Ao contrário do discurso que afirma que a violência é intrínseca
do ser humano, ou seja, “a violência é tão-somente uma expressão da
agressividade, e não uma necessidade natural que se expressa pela violência”.

No olhar de Galtung (2006, pp.13-14), o ponto central dos conflitos é a


frustração de não se atingir o que se pretende, e, então qualquer tipo de
relacionamento será:

[...] rapidamente preenchido com emoções fortes, do ódio à apatia, ou ainda


desprezo por uma traição contra si próprio, se a pessoa desiste da meta ou
simplesmente se subtrai. Quanto mais extenso espectro de soluções, mais
alternavas para a violência. E este é o ponto primordial para impedir que o
conflito desliza para uma fase de violência: use a energia do conflito para
chegar a soluções criativas.
93

Essa proposta vem ao encontro do que procuramos nesse estudo, ou


seja, olhar para os conflitos de forma humana, enriquecedora e produtora da Cultura
de Paz, construindo uma ponte que ligue as insatisfações geradoras do conflito e
violência, com métodos que modifiquem, moderem ou que possam mediar
interesses.

Este percurso não é fácil, pois envolve uma educação para a paz em
tempos de muita polarização ideológica. No entanto, esta forma de educação, nas
palavras de Jarez (2007, pp.45-46), é um processo contínuo e permanente, que
exige uma atenção constante, não só do corpo administrativo escolar, mas, também,
dos projetos pedagógicos e parâmetros curriculares às programações em salas de
aulas e, principalmente, aos professores.

4.2 Atores e práticas de mediação

São os professores os atores mais próximos aos alunos. São eles que
experimentam, diretamente, as angústias, os sofrimentos, as inseguranças e as
dificuldades de relacionamentos entres os jovens que se encontram sob seus olhos
nas salas de aulas. Nada mais correto que o primeiro olhar a ser lançado para a
identificação da origem do conflito venha do cotidiano do professor.

Para isso, fomos até as escolas para experimentar um pouco o cotiando


desses atores, possibilitar que seus relatos fossem dados em seus ambientes, em
um lugar onde vivenciam suas experiências de conflitos e soluções. Essa foi a
melhor forma que achamos de entregar o “bastão da fala” aos atores para que nos
fossem compartilhadas suas vivências.

- As vozes dos profissionais

Não há um conceito fechado para a Justiça Restaurativa, pois é uma


concepção ampliada de Justiça que pretende lançar um novo olhar sobre o ilícito,
para vê-lo como uma violação nas relações entre o ofensor, vítima e comunidade.
Assim, para que seja possível a integração dos conceitos, em primeiro lugar
devemos entender o termo “Justiça Restaurativa”.
94

Explicam Evans e Vaandering (2018, p.51):

[...] o termo justiça como forma de ressaltar a natureza abrangente da


justiça básica na JRE, que trata da busca recíproca daquilo que todos
precisam para o seu bem-estar individual e coletivo.

É o olhar para a Justiça como “certo”, a forma pela qual as pessoas


deveriam agir e ser, e não como o instrumento legal utilizado pelo Estado para
aplicar sanções e penas. Ou seja, não devemos olhar para a Justiça Restaurativa
como uma justiça que se refere às leis ou comportamentos prescritos, mas sim como
relacionamentos baseados na paz.

Outro conceito importante é o de equidade. Evans e Vaandering (2018,


p.54) nos dizem que “equidade remete à imparcialidade e a um senso de que
ninguém está sendo preterido”. Daí porque não podemos usar a palavra equidade
como sinônimo de igualdade.

O tratamento igualitário como forma de justiça parte do pressuposto de


que todos são idênticos, o que não corresponde à verdade. A imagem nos mostra
que quando tratamos, sem distinção, com igualdade, os indivíduos não têm suas
necessidades atendidas corretamente, dando apenas uma impressão de missão
cumprida. Já quando buscamos atender aos indivíduos com equidade, utilizamos de
modos diferentes para o atendimento das necessidades.

O tratamento justo baseado na equidade sugere duas questões: O que as


pessoas precisam para vivenciarem o bem-estar? Como pode o universo escolar se
tornar menos violento e mais restaurativo e acolhedor para os jovens
contemporâneos?

Não se pode mais, nos dias atuais, ter como referencial a metodologia
aplicada nas décadas dos anos 1970 e 1980 na escola pública nesse período.

As experiências escolares eram as primeiras socializações conhecidas


pelas crianças que saiam do convívio familiar e começavam a estabelecer relações
de amizades, já que os bairros de classe média, nessa época, eram formados por
famílias com o intuito de melhoria na qualidade de vida, e elevar o padrão
socioeconômico.

Esta mesma proximidade beneficiaria o contato entre as famílias, que


tinha nos templos religiosos o ponto de encontro e convívio social. Assim, as famílias
95

que viviam nos bairros se relacionavam não somente através da frequência ao


comércio local, mas, também, em razão da profissão religiosa.

Dessa forma, as amizades que se formaram na escola se estendiam à


igreja. Neste contexto, falar em conflitos escolares era falar em situações pontuais.
Por óbvio, não era toda a comunidade escolar que mantinha a dinâmica escola-
igreja, até porque havia alunos que professavam outras religiões, mas essa
diversidade não era motivo de exclusão, pelo contrário, havia uma curiosidade, uma
vontade de entender a diferença.

Mas, ainda assim, vivendo em um período de Regime Militar, no qual os


conceitos conservadores estavam arraigados nas famílias de classe média, o fato de
haver certa integração religiosa nos tornava mais fraternos, relevando opções
acerca das igrejas escolhidas. Neste mesmo contexto, temos um olhar para a
questão social, ou seja, nesse período era muito comum que as mulheres não
trabalhassem foram de casa, dispendendo seu tempo à criação dos filhos e
dependendo, exclusivamente, dos maridos, no que tange à situação financeira.

Sem aqui querer mensurar ou julgar padrões de valores da época, é certo


que a educação iniciada em casa, corroborada pela escola e pela igreja, trazia no
seu âmago conceitos morais, algumas vezes mais rígidos, outras vezes menos, mas
que, de modo geral, eram compartilhados pela comunidade. Este era o cenário
escolar em um bairro classe média, de um município em desenvolvimento.

Nesse momento, temos que olhar novamente para a questão dos


conflitos, que nos períodos acima relatados eram quase inexistentes, pois as
crianças cresciam juntas, frequentavam os mesmos lugares, eram ensinadas,
praticamente, dentro dos mesmos valores e conceitos de vida em sociedade.
Tinham como disciplinas aulas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e
Política Brasileira no ginásio (período que compreendia da 5ª a 8ª séries). Assim, o
trabalho dos professores de ensinar ficava mais fácil, pois não havia a necessidade
de sua intervenção na solução de conflitos, que eram de pouca incidência. E,
quando aconteciam situações que necessitassem a intervenção dos professores
para a resolução de conflitos, os alunos eram levados à Diretora da Escola. A
palavra bullying, na concepção de hoje inexistia, muito embora pudesse ocorrer em
alguns casos.
96

Os conceitos de disciplina e conflitos estavam atados, pois a disciplina da


escola era controlada por inspetores de alunos, funcionários de ambos os sexos que
possuíam autoridade máxima dentro do ambiente escolar, o que vale dizer, podendo
inclusive impingir agressões físicas para conter a indisciplina. A resolução do
conflito, na maioria das vezes, dava-se nesse momento, sem grandes
consequências. Muito embora essas ações hoje fossem passiveis de processos,
tanto no campo administrativo, quanto no campo penal, a figura do inspetor era
obedecida. Todos tinham pavor de ser “pego” por ele.

Manter a disciplina em uma escola onde havia três turnos e cerca de mil
alunos não era um trabalho difícil para os inspetores, pois havia regras de convívio,
e essas eram apresentadas aos pais no ato da matricula, e quando não observadas,
sofriam sanções, que sendo de conhecimento desses pais, também, por eles eram
observadas. Por exemplo: se alguém fosse pego correndo no recreio, além de ser
chamado a atenção, tinha a mãe chamada na escola. E esta mãe, jamais,
contrariaria a “pena” imposta, pois o filho tinha feito o que não podia fazer. A ideia de
“punição” era perfeitamente aceita pelos pais, que não viam o ato como danoso à
formação do filho, mas como uma medida educativa, dentro dos moldes sociais da
época.

Essas relações mudariam drasticamente no meio da década de 1980,


com a abertura democrática, o nascimento de uma nova Constituição em um país
agora governado por civis, que trouxe consigo o denominado princípio das garantias
dos direitos fundamentais.

Se por um lado a nova ordem legal do país abre as portas para a


modernidade, por outro leva a um caos econômico, que no início da década de 1990
expunha a sociedade a uma inflação de 89% ao mês.

Esse quadro econômico altera a estrutura familiar. As mulheres, que


antes viviam apenas dos salários dos maridos, são obrigadas a se lançarem no
mercado de trabalho para a manutenção da família, delegando, agora à escola, a
função de educar os filhos. A lei do divórcio, que nasce em 1977, vai produzir, na
década de 1990, famílias descaracterizadas, nas quais a responsabilidade do
homem na gerência da casa é esfacelada, muito em razão da posição machista, que
97

entendia que o divórcio se estendia a toda à família, e não era apenas o fim das
obrigações conjugais.

A abertura democrática joga na sociedade os conceitos de “tudo pode”, e


sob o fundamento da opressão da ditadura, questiona valores, permite ações, e tudo
justifica com o exercício dos “direitos humanos”. A sociedade começa a ficar
“despreparada” para enfrentar o cotidiano. Quando nas décadas de 1970 e 1980 o
problema das drogas era ainda nascedouro, a partir da década de 1990 se inflama,
até chegar às atuais constatações. Os conflitos se alteram e ultrapassam os portões
da escola, refletindo consequências para dentro deles.

A Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, se por


um lado, se mostra um marco exitoso legislativo, por outro impõe direitos que o
Estado não está preparado para oferecer, ou ao menos garantir. Um deles, e o que
nos diz respeito, é o ensino básico e fundamental obrigatório. Sem questionar a
utilidade social deste comando, é certo que, hoje, após 30 anos da Constituição,
esse direito é subjacentemente tratado ou considerado, uma vez que a população,
que antes orbitava na classe média, tem seu padrão de vida reduzido, gerando uma
classe social muito mais preocupada em colocar comida no prato do filho do que
saber o que é apresentado no currículo escolar.

A sociedade brasileira, com resquícios populistas, se encanta com


promessas mirabolantes de educação em quantidade, mas se esquece da
qualidade, o que, diga-se de passagem, não é interesse dos governantes que se
sucederam na “Época Democrática”, pois prometem escolas em tempo integral, mas
sem estrutura para manter os alunos e sem condições para o trabalho dos
professores.

Assim como o universo legislativo, a escola passa a ser um reflexo da


sociedade, ao invés de ser sua transformadora. Nas palavras de Nunes (2016), o
cotidiano escolar é complexo, pois em regra não vai dispor de instrumentos
adequados ou respostas eficientes para gerenciar ou resolver os conflitos.

A seguir serão expostos os pensamentos dos participantes da pesquisa,


a saber: 1ª participante: gênero feminino, professora responsável na Secretaria
Estadual de Educação pela implantação do programa Sistema de Proteção Escola
(SEPEC); 2ª participante: gênero feminino, professora mediadora e vice-diretora de
98

uma escola estadual em Mogi das Cruzes; 3ª participante: gênero feminino, diretora
de uma escola municipal em São Paulo; 4º participante: gênero masculino, promotor
de justiça integrante do Grupo de Estudos para Educação do Ministério Público do
Estado de São Paulo.

Separam-se as falas dos participantes de acordo com o conteúdo, cujas


categorias seguem:

- a formação para a mediação

1º. Participante:

Também, atua nesse trabalho de mediação na Escola, a legislação diz


que toda escola tem que ter um plano de trabalho tem que fazer um
projeto a partir das vulnerabilidades detectadas na escola e é em cima
dessa legislação que nós estamos atuando, em uma formação assim
temos muitos materiais eu vou te passar depois, e que tem esse
documento orientador, também, essa semana nós gravamos uma vídeo
aula sobre suicídio e projeto de vida, que é um tema bem, a gente procura
tirar do ROE, Você conhece o ROE que é o nosso sistema de registro de
ocorrências.

2º Participante

[...] qual é o respaldo que a gente tem para dar o suporte e a formação
dessas pessoas para serem mediadores de conflito de quanto em quanto
tempo tem uma reunião chamando os mediadores de conflito, então duas
reuniões ao longo do ano, como a comissão que não tem a formação e
justiça restaurativa e mediação de conflitos.

3º. Participante

[...] então era uma formação que enxugava gelo, quando ia começar mais
efetiva, acabava.
99

4º. Participante

[...] aquela formação que foi boa, de repente se fosse para grupos
maiores, então se condições de ter professor na sala de aula, aí tem mais
professores com outras funções, eu digo em São Paulo né pensando na
política concreta da Secretaria Estadual de Educação.

- a mediação, o cenário, os desafios

1º. Participante

[...] todos os educadores na verdade, até os funcionários da escola são


responsáveis pelas ações de mediação agora a gente tem que formar,
então bimestralmente nós enviamos uma falta de formação para a
diretoria de ensino e elas replicam essa formação dos vice-diretores e
professores mediadores que replicam na escola os professores
mediadores;

[...] qual foi o propósito da secretaria faltam professores na rede, e a


gente não pode atuar tirar professor para sala de aula para fazer projeto,
porque o principal papel da escola é oferecer a aula para os alunos, então
foi um corte muito grande, o ano passado já se resolveu um pouco porque
teve um ingresso de professores, a rede é muito dinâmica com 270.000
servidores só da educação.

2º. Participante:

[...] depois que você começa a trabalhar com alunos ele falam assim é um
vagabundo não serve para nada, então não tem uma empatia, não tem
cuidado para conversar, o que tá acontecendo com você? você não tá
bem hoje? como tá lá em casa? conta para mim eu posso te ajudar, às
vezes não é dinheiro a gente ouvir, vi você e falar olha você tem valor que
você pode mudar ,hoje é dia de conversão muito caminho vem para cá
que vai dar certo, então são poucas as pessoas que têm esse cuidado
com a outra, que vê o outro como um ser inferior, olha quanto tempo já
passou essa vida amada para entender que o outro ainda interior?
100

3º. Participante:

Nossa ação para solucionar problemas e chamado o diálogo, só com um


jovem, só para criança, aí a gente chama a família, e não tem a questão
de ser um probleminha um problemão porque quando a gente entende
um problema menor como algo que se não tiver atenção vai se desdobrar
chegar um problema maior, então assim a gente atende aqui em pais aos
montes todos os dias, a maior parte do nosso dia né Ana, não tem essa
de atender separado a gente coloca pai e filho a gente monta um grupo
atende chama e a gente sempre faz aquela roda de conversa e às vezes,
essa questão da conversa dura uma hora uma hora e meia por que as
pessoas têm diferentes formas de entendimento das coisas e muitas
vezes quando uma criança está demonstrando aqui, elas são um
recipiente de que ela recebeu e só tá dando para fora, né então, assim a
gente acaba percebendo que muitas vezes essa conversa tem muito mais
por trás, é o pai do que a criança e esse pai com qualidade o que faz e aí
ele ajuda a melhorar então assim tem casos que a gente nota que tem
melhora com essas conversas, esses encaminhamentos que a gente faz,
muitas vezes a gente encaminha para parceria com outros ou em outros
locais, a gente percebe que tem mudança a gente olha e fala, nossa você
viu como mudou como melhorou né, Fulano não tá mais vindo para cá
com tanta frequência, tá aprendendo a questão da autorregularão, na
comunidade tem criança que a gente precisa de uma coisa maior

4º. Participante:

Sem recursos, sem estrutura, sem professores, professores em formação,


funcionários em formação, alunos sem a mínima condição de tá ali,
alguns chegar inclusive até a escola, tem dificuldade de saídas que não
passem por uma discussão mais estrutural Né, olha quanta vindo para
educação como é que tá esse movimento ao longo dos anos né, que a
gente quer para a educação brasileira, e isso não é discutido né, quando
a gente vem em períodos eleitorais o máximo que se fala sobre a
educação são discussões bizarras sobre conteúdo lecionado, você não ve
política educacional sendo discutida no período pós 88 tava começando a
101

ter essas discussões, os conselhos se formando e as políticas sendo


construídas, a gente tá vivendo refluxo disso aí.

Quando nas décadas de 1970, 1980 e começo de 1990, o professor


gozava de prestigio e autoridade em relação aos pais e alunos, a partir de meados
da década de 1990 até os dias atuais, os professores não mais ostentam esta
condição, sofrendo, como já dito, até mesmo agressões físicas, com salários
aviltantes, condições de espaços físicos das escolas inadequados e desvalorização
da carreira.

Sob a falsa ideia de liberdade, o que se verifica hoje é um maior


aprisionamento dos jovens pela marginalidade. A consciência de impunidade pelo
jovem é latente. Nas palavras de um aluno da Escola Estadual Dagoberto Machado
na cidade de Mogi das Cruzes: “Não preciso me preocupar com indisciplina, não vai
me acontecer nada, sou de menor (sic)” 70.

Se por um lado, o jovem não reconhece mais o Estado como o detentor


da prerrogativa punitiva e o desafia, de outro, esse mesmo Estado não está
aparelhado para reeducar o jovem que, quando em seu poder, sofre as sanções
punitivas visando à reintegração ao meio social.

Mas, se por parte dos alunos a descrença é grande, não se mostra


diferente o desânimo do professor. Nas palavras de uma professora eventual da
mesma escola estadual: “É difícil manter qualidade, não há incentivo do governo,
eles simplesmente colocam a escola, como aqui, em um local desfavorecido e não
dá nenhuma condição ao professor” 71.

Mas o problema acima relatado não é constatado somente na sociedade


brasileira. Recentemente, foi publicado pelo periódico francês: France Culture72, um
artigo intitulado: La violence, c'est le quotidien des enseignants (“A violência é o
cotidiano dos professores”).

70
Círculo de Diálogo sobre Byllyng realizado em maio de 2016.
71
idem
72
https://www.franceculture.fr/emissions/hashtag/la-violence-cest-le-lot-quotidien-des-enseignants.
Acesso em 11 fev. 2019.
102

O referido artigo informa que um vídeo do roubo de um professor por um


estudante armado em “Créteil” circulou pelas redes sociais. As imagens chocantes
provocaram dezenas de milhares de depoimentos de professores. Eles denunciam,
em particular, a falta de apoio de sua hierarquia e um sentimento de abandono.

O vídeo filmado no colégio “Edouard-Branly de Créteil” (Val-de-Marne)


percorreu as redes sociais na sexta-feira, 19 de outubro de 2018. No entanto, os
relatos dão conta de que a violência existe há muitos anos nas escolas, mas os
ataques contra professores raramente são filmados e ainda menos divulgados nas
redes sociais. Este assalto é um incidente excessivo para professores que estão
zangados com a agressão que experimentam diariamente. Eles raramente são
físicos e são principalmente verbais, mas existem. Não é preciso mais para
desencadear uma enxurrada de depoimentos em redes sociais. Milhares de
professores dão suas histórias, muitas vezes anônimas por meio de “nicknames”
(apelidos), através da hashtag #PasDeVague. Eles denunciam acima de tudo a falta
de escuta por parte de sua hierarquia:

2009: Um estudante me chama de cadela suja muitas vezes porque eu


insisto em ter seu caderno por causa do atraso. Conselho Disciplinar: não é
excluído do estabelecimento. Apenas mudou de classe. "Não tome por si
mesmo", me disseram! Eu registrei uma queixa e ganhei. - Hélène (@
rouxhelene7030, 24 de outubro de 2018).

Nos seus depoimentos, os professores denunciam principalmente insultos


por parte de alunos ou pais de alunos. O vídeo do assalto em Créteil rapidamente
associou a violência escolar a clichês contíguos aos subúrbios. Mas a violência na
escola é, na verdade, traiçoeira, física e verbal, nenhum ambiente escapa.

Muitos professores nem sempre são capazes de denunciar esses ataques


a seus superiores. O sentimento de culpa está muito impregnado, segundo Sandra:

Eles dizem que o exército é o grande burro, mas a Educação Nacional


também. Não é natural que um professor vá contar suas histórias porque
muitas vezes há um tipo de culpa do professor, para explicar que em sua
aula, as relações não vão bem. A mensagem que é enviada de volta para
ele imediatamente é: você tem que manter seus alunos, não é muito
complicado. Se isso der errado em sua classe, é que você é um professor
ruim, e essa culpa é terrível, diz a professora de francês.
103

Quando o professor finalmente decide denunciar a agressão de que foi


vítima, um novo obstáculo pode aparecer: a falta de escuta do diretor da escola. Isso
é o que muitos professores apontam em seus depoimentos em redes sociais.

Naturalmente, toda a equipe de gerenciamento não tem culpa, eles estão


presos entre sua hierarquia e a administração do estabelecimento. No meu
antigo colégio, tínhamos um diretor que não queria um conselho disciplinar
porque ele estava querendo uma boa escola. 1/2 - Patrice Vibert (@patvib)
25 de outubro de 2018.

Parece-nos que é de interesse do diretor que nada saia de sua escola.


Ele é considerado pela sociedade e seus superiores como um bom professor,
alguém que é capaz de administrar problemas, quando nada é exposto para além
dos muros da escola, lamenta uma professora, que trabalha em uma faculdade na
região de Paris.

A situação não é diferente nas escolas das áreas rurais, como relata o
professor Pierre, que não se sente muito apoiado:

O inspetor nos convida a relatar incidentes assim que houver qualquer


coisa. Apesar de tudo, na verdade, nós não, Eu não quero apontar os dedos
aos inspetores, eles fazem um trabalho muito difícil, eles têm que gerenciar
cerca de cinquenta de nós, não vemos nada neste campo apontando que foi
um pouco longe demais, apenas recebe-se uma carta dizendo: cuidado, a
instituição defende sua equipe. 25 de outubro de 2018.

A decisão de uma sanção não é um prazer, ou mera liberalidade do chefe


de estabelecimento, tudo isso é enquadrado por regras de direito, diz Pascal Bolloré,
Secretário Geral Adjunto do SNPDEN (o Sindicato Nacional do Corpo Executivo
Nacional de Educação).

Por outro lado, o sociólogo Benjamin Moignard, especialista em violência


escolar, refuta o fato de que os estudantes não são suficientemente sancionados na
França:

Este não é um país onde há um hábito de pouca punição, todas as medidas


que temos, seja de ministérios independentes ou de pesquisas, mostram
que estamos em um país que sanciona muito ou mesmo pune com mais
força entre os países europeus, com práticas punitivas que, em algumas
instituições, não fazem mais sentido à punição. Alguns estudantes são tão
castigados que não fazem mais a diferença entre o fato Quer seja ou não,
temos uma sensibilidade muito alta para essa questão na França, tratamos
isso de um ponto de vista muito ideológico, com aqueles que são a favor ou
104

contra, quando alguns professores dizem que talvez devêssemos trabalhar


em o desafio educacional da sanção, então eles são contra a sanção, e
inversamente, quando alguns pedem mais sanções, então eles são
percebidos como professores temerosos, seguros e obcecados pelas
questões de sanção, violência, explica o professor da Universidade Paris-
Est-Créteil.

O artigo denota que o que caracteriza a violência na escola é o fato da


violência estar presente entre os estudantes. Em seguida, vem a violência contra os
professores relacionada ao abuso verbal, com muito menos frequência aos atos
físicos.

Em 2017 foram recebidas 113 ligações na plataforma telefônica e houve


80 encaminhamentos de associações de apoio a vítimas, das quais apenas 5%
envolviam professores, explica Olivia Mons, porta-voz da “France Victimes”. O
restante das ligações vem de pais de alunos ou estudantes. Estes números não são
representativos, porque a “France Victimes” pode ser aproveitada pelo professor,
pelo chefe de estabelecimento, pela inspeção da academia, pelo reitor, e até pelo
ministério. Esta ferramenta ainda não é bem conhecida dentro da c omunidade
educacional. A “France Victimes” é frequentemente considerada um complemento,
já que a Educação Nacional prefere administrar seus problemas internamente no
início. Verifica-se, portanto, que não só no Brasil, mas também na França, os
conceitos de conflito e violência andam de mãos dadas.

Para que se possa iniciar um caminho para a solução desse problema,


faz-se necessário olhar para a mediação escolar, o último conceito a se integrar,
como um norte a ser seguido, pois como salienta Costa (2019, p.110), confere-se à
mediação um caráter verdadeiramente polivalente de dimensões e finalidades, bem
como de efeitos multiplicadores.

Ainda que não seja uma atuação proporcionada pelo sistema público de
educação, é certo que a “France Victimes” tem utilizado o meio escolar para
introduzir as práticas restaurativas nas medições que conduz.

Em primeiro lugar, vamos ouvi-lo, vamos respeitar a palavra dele, vamos


acreditar. Esta é uma primeira consideração da vítima como vítima. Nós não
diremos, mas foi o que você fez?, Mas eles são filhos únicos. Em seguida, iremos
informá-lo sobre todos os seus direitos e todas as consequências que terá para ele
105

escolher de forma independente, quer ele deseje registrar uma queixa ou não. Nós
não somos polícia nem justiça, estamos aqui para ajudar as pessoas, explica Olivia
Mons (2018, s/p):

Percebemos que é lidando cedo com os primeiros fatos, as primeiras


agressões, os primeiros deslizes que poderemos restaurar a confiança para
a vítima em si mesma, mas também em seu ambiente de trabalho. que
intervenhamos, finalmente, impede novas vitimizações e se inventarmos ou
reinventarmos modos de regulação de conflitos, como a justiça restaurativa
ou a mediação escolar. Ao trazer os protagonistas ao redor de uma mesa,
seremos capazes de remover a reincidência. ter um lar tranquilo e uma aula
pacífica, diz ela.

O sociólogo Benjamin Moignard, especialista em violência escolar,


também defende o estabelecimento de novas formas de diálogo dentro da
comunidade educacional para evitar situações de crise.

As instituições onde há muitas dificuldades são lugares onde surge a


questão do coletivo. São estabelecimentos onde há equipes que não são
estáveis, equipes com altos níveis de rotatividade, com muita frequência
esses funcionários não são treinados, eles têm que se mover muito, as
instituições ficam com equipes de adultos, muito desestruturados. E, às
vezes, enfrentando certas dificuldades, é necessário ter coletivos adultos
bem estruturados e coerentes que pode fazer um ato de educação, analisa.

Do outro lado do oceano, na Academia de Educação da “Eastern


Mennonite University (EMU) 73”, foi realizado um debate acerca das aplicações das
práticas restaurativas no ambiente estudantil.

O objetivo da segunda academia anual, organizada pelos programas de


Mestrado em Justiça Restaurativa e Mestrado em Educação da EMU, era fornecer à
comunidade educacional princípios e práticas para criar ambientes de aprendizagem
justos e equitativos que promovam relacionamentos saudáveis e transformem
conflitos.

A conferência incluiu sessões de capacitação e construção de


conhecimento, bem como sessões reflexivas. “Nós construímos tempo nesta
academia para reflexão sobre a prática atual de um professor e cultura escolar, e
como a justiça restaurativa pode ser implementada nesse ambiente”, disse a

73
https://emu.edu/now/news/2017/07/educators-learn-restorative-justice-shifts-shifts-discipline-
punishment-transformation-two-day-academy/. Acesso em 11 fev. 2019.
106

professora Kathy Evans (principal docente do novo mestrado da EMU no programa


de Justiça Restaurativa na Educação).

Já Lea Murray (2017), professora de ciências da Kate Collins Middle


School, em Waynesboro, Virgínia, disse que ensinar de forma mais restauradora
levou-a a mudar o foco da disciplina da punição para a transformação, o que
resultou em "avanços surpreendentes" no sentido da comunidade.

Avery Trinh (2017), estudante do ensino médio da Wilde Lake High


School em Columbia, Maryland, compartilhou suas experiências com a JR no painel,
em que afirmou essa importância da aprendizagem através de relacionamentos. Sua
voz era de uma parte interessada e investida. "Eu aprendo mais de histórias
pessoais do que de um livro ou artigo que li", disse ele. “Eu percebi como é
importante conhecer pessoas”. “É tudo sobre experiências”.

Essa mesma Universidade (EMU), anteriormente, em 2016, realizou um


workshop sobre a construção da paz na Academia de Justiça Restaurativa na
Educação, com a fala da professora Judy Mullet (2016) 74.

Entre os participantes estava Jonathan Stith (2016, s/p), coordenador


nacional da Aliança para a Equidade Educacional, nos Estados Unidos. De sua fala
ressalta-se:

Não estamos interessados apenas na justiça restaurativa como uma


alternativa às suspensões de escolas e para desafiar o oleoduto entre a
escola e a prisão. Estamos trabalhando por ambientes de aprendizado mais
justos e socialmente justos para todas as crianças e acreditamos que a
justiça restaurativa tem um enorme potencial para nos ajudar a chegar lá.

Já Sarah Armstrong (2016, s/p), diretora do programa de pós-graduação


da EMU e ex-superintendente, diretora e professora da instituição, traçou os
objetivos do trabalho:

Nossos objetivos para essa experiência foram fazer duas grandes


perguntas. Queríamos discutir como o RJE pode nos ajudar a lidar com as
necessidades de alunos e estudantes marginalizados e os desafios de baixa
frequência, taxas de graduação, baixa realização e preocupações com a
disciplina. Em segundo lugar, queríamos compartilhar como o RJE pode
beneficiar estudantes, professores e a cultura geral da escola.

74
https://emu.edu/now/news/2016/07/restorative-justice-education-academy-draws-educators-six-
states-introduction-creating-socially-just-equitable-learning-environments/.Acesso em 11 fev. 2019.
107

A sessão de construção da paz concentrou-se em parte na construção de


relacionamentos, ou "tendendo, consertando e fazendo amizade", como a professora
Judy Mullet (2016) sugeriu.

Por fim, a JR “é uma forma de abordar a vida e os relacionamentos”, diz


David Ward, conselheiro de assistência estudantil da Harrisonburg High School.
Ward acrescentou que os princípios da JR foram úteis na adaptação do currículo
anti-bullying para atender às necessidades específicas da escola, como a
construção da comunidade e o estabelecimento de um terreno comum entre os
diferentes grupos de estudantes.

No entanto, é preciso equalizar o problema. A comunidade escolar deve


cumprir seu papel na formação de cidadãos, seja na transferência e
compartilhamento de saberes, seja na questão do preparo para a vida em
sociedade. Assim, ao propor uma solução para situações conflituosas, a escola
deve, também, atentar-se para o meio social além de seus portões. Para a realidade
que o aluno encontrará ao sair da escola, é preciso que a escola o capacite para
lidar com ela e com os conflitos que também lá existem, replicando, assim, o
aprendizado que recebeu no espaço escolar.

4.3 A importância do diálogo para a mediação: algumas reflexões

O diálogo e as interações humanas aproximam as pessoas de modo a


fazer com que elas se reconheçam como seres humanos, possuidores de desejos,
necessidade e questionamentos, principalmente no que se refere ao comportamento
do outro para consigo. No entanto, faz-se necessário identificar o que é diálogo.
Muitas são as definições encontradas, mas o termo é mais comumente usado para
designar qualquer tipo de troca verbal.

Para Schirch e Campt (2018, p.8), o diálogo “é um processo de


comunicação que procura construir o relacionamento entre pessoas ao partilhar
experiências, ideias e informações sobre um assunto comum”. Os autores (p.9),
buscando definir melhor o termo, propõem comparações com outros importantes
estilos de comunicação, diferenciando o diálogo da conversação, da discussão, do
treinamento ou aula e do debate.
108

Em primeiro lugar, ao compararem à conversação, os autores imprimem a


ideia de que nesta os conceitos e opiniões transcendem as pessoas com o propósito
de auto expressão, sem a pretensão de persuadir ou tentar mudar a perspectiva de
compreensão da outra pessoa. Já no diálogo, o objetivo específico é ampliar a
compreensão que os participantes têm sobre um determinado assunto.

Em segundo lugar, no que tange à discussão, é certo que nela a


informação e as ideias são trocadas para cumprir uma determinada tarefa ou
resolver um problema. A intenção do diálogo, por sua vez, não é realizar uma tarefa,
muito embora um processo de diálogo às vezes inclua tarefas de acompanhamento
posterior.

Em terceiro lugar, no treinamento ou aula, a intenção é aprender algo, em


geral, pela transferência de conhecimento. Ainda que no diálogo, também, possa
haver um aprendizado, este não será por transferência direta, mas pela
compreensão coletiva gerada através das trocas entre as partes.

E, por fim, no debate existe a busca de um vencedor. As partes


envolvidas se observam, buscando brechas ou defeitos na fala do outro, com o
intuito de sair vitorioso por meio da demonstração das falhas nas afirmações do
oponente. Já para o diálogo, o objetivo é compreenderas diferentes perspectivas e
aprender sobre a visão do outro.

Como descrito anteriormente, os princípios da Justiça Restaurativa


orbitam em torno da responsabilização do ofensor e do atendimento das
necessidades da vítima. Assim, o diálogo se faz ferramenta obrigatória nas práticas
circulares. Voluntariamente, as partes envolvidas no conflito buscam compreender e
aprender, reconhecendo os benefícios de escutar, falar e trabalhar com o outro.

Não se trata de sessão para perdão, mas da compreensão do fato,


mesmo que não haja concordância sobre ele. Não há justificativas para a infração
que acometeu o outro, pois a pretensão da JR não é dar respostas ao dano pelas
práticas punitivas, mas pela cura dos afetados pelo dano e, também, pela
comunidade na qual correu o dano.

Quando uma escola se interessa pela aplicação dos princípios da Justiça


Restaurativa nos processos de mediação, ela pode ser tentada a ir direto às
109

punições alternativas, o que é muito comum e foi observado durante a pesquisa de


campo. Mas uma verdadeira prática restaurativa, aliada à mediação escolar, coloca
forte ênfase nos relacionamentos. Essas relações vão a todas as direções: professor
para aluno, aluno para aluno, professor para professor e entre a escola e a
comunidade maior.

Hackett (2018) tem estudado escolas no Texas, na Carolina do Sul, na


Califórnia, na Pensilvânia, e em outras áreas, que encontraram sucesso na disciplina
restaurativa, observando que isso ajuda a manter os alunos na escola e promove
neles empatia, o que pode ajudar a evitar um mau comportamento no futuro.

Verificou-se, também, que as escolas decidiram tentar uma nova técnica


disciplinar: duas vezes por semana, alunos e professores fazem um círculo para
falar sobre seus sentimentos, completando com uma "peça falante" de madeira que
os alunos passam entre si para ter a chance de falar, o denominado “bastão da fala”.
Em vez de procurar formas de tornar as punições mais rigorosas, esse tipo de
disciplina restaurativa busca construir relacionamentos e reparar danos.

O diálogo não consiste somente em dizer, mas implica, também, no ouvir,


pois ao falar e ouvir o indivíduo expõe seu pensamento, seu sentimento, Este
sentido humano é bem explicado por Le Breton (2016, p.130):

O pensamento encontra no som, isto é, na palavra, sua forma maior de


expressão. Os outros sentidos, exceto a visão que partilha com a audição o
mesmo privilégio, mas em outro registro, permanecem embrionários neste
aspecto, excessivamente próximos corpo, demasiadamente impreciso,
íntimos demais.

É mais fácil compreender o processo dialógico sob o prisma de três


dimensões, como propõem Schirch e Campt (2018, p.17-18). O primeiro é o
intelecto. A exposição de pensamentos e pessoas diferentes, por meio do diálogo,
cria um lugar seguro para questionar e observar conceituações e experiências
diferentes, expandindo a compreensão de uma visão individual.

O segundo aspecto é a emoção. Falar e ouvir, para Le Breton (2016,


p.133) são importantes. O ouvir é fundamental, pois:

[...] a audição ultrapassa o olhar, uma vez que traduz a espessura sensível
do mundo aí aonde o olhar se satisfez com a superfície e passou adiante
sem desconfiar das vibrantes insinuações que a sua coloração dissimulava.
Assim, ouvir é uma maneira de se apresentar disponível ao outro e, aceitar
sua presença.
110

Por fim, a experiência de receber estima verdadeira pode expandir o


senso comunitário e de pertencimento de uma pessoa. O exercício da empatia é a
palavra de ordem hoje no mundo. A empatia é conceituada por Kraznaric (2015,
p.10) como “a arte de se colocar no lugar do outro por meio da imaginação,
compreendendo seus sentimentos e perspectiva e usando essa compreensão para
guiar as próprias ações”.

É crível que em um mundo no qual impera o domínio das redes sociais,


falar em empatia seja utópico. No entanto, a necessidade de se encontrar um ponto
de equilíbrio nas relações humanas, partindo do convívio escolar, faz com que o
“sentir o outro” seja relevante.

Esse movimento empático encontrou ressonância nas práticas


restaurativas, quando uma professora da escola Mueller Elementary, em Wichita,
Kansas, sabendo que a educação, por si só, não é suficiente para deixar os alunos
animados para ir à escola, decidiu criar um ritual de classe que é apelidado de ser a
maneira mais legal de atrair seus alunos para irem sempre ansiosos à sua aula.
Jerusha Willenborg é professora do ensino fundamental e cumprimenta cada um de
seus alunos com um aperto de mão personalizado. Ela diz que o aperto de mão
personalizado é criado para representar seus sentimentos sinceros em relação a
cada um de seus alunos e que também é importante construir um relacionamento e
uma confiança duradouros e fortes, e o ritual fez com que os alunos sempre
esperassem participar da aula75.

Dessa forma, o exercício do diálogo como princípio restaurativo é um


grande aliado da mediação escolar, proporcionando não só a integração, mas
também o conhecimento entre os diversos atores que formam a comunidade escolar
e que podem levar essa experiência para suas vidas além da escola.

4.3.1 Círculos de diálogo

Com uma metodologia diversa dos círculos narrativos, os círculos de


diálogo têm sido um elemento fundamental de práticas restaurativas, principalmente

75
Artigo “This teacher has the coolest way to get her students excited to come to class and it is
amazing”, disponível em: http://en.goodtimes.my/2018/07/05/this-teacher-has-the-coolest-way-to-get-
her-students-excited-to-come-to-class-and-it-is-amazing/. Acesso em 05 fev. 2019.
111

para incentivar a participação e o conhecimento entre os membros de um grupo.


Não sendo usado apenas para resolver conflitos, mas especialmente no dia a dia
dos grupos, seja escola ou não.

Ru-Lan (2019) discorre no que consiste um círculo de diálogo:

Los círculos de diálogo son una conversación en grupo en la que: Los


participantes se sientan en círculo; Hay un facilitador que formula las
preguntas o propone temas sobre los que se hablará; Tenemos un objeto
para hablar: el que lo tiene habla y los otros escuchan con respeto; El objeto
se va pasando alrededor del círculo.

Assim, os círculos de diálogo são uma conversa de grupo em que os


participantes se sentam em círculo; existe um facilitador que faz as perguntas ou
propõe tópicos que serão discutidos; temos um objeto para falar; quem tem o objeto
fala e os outros ouvem com respeito; o objeto circula pelo círculo.

É por meio dos círculos de diálogo que os participantes passam a se


conhecer, entender os diferentes universos individuais e suas complexidades,
interagindo, assim, de forma a criar laços de respeito mútuo e valores interligados
nas relações.

A prática restaurativa através de círculos de diálogo é uma forma de se


trabalhar a mediação escolar visando ajudar o grupo no conhecimento mútuo,
fazendo com que os participantes exercitem a coerência na troca de ideias,
facilitando a participação de todos os envolvidos no processo mediativo, pois
favorece o envolvimento de cada um, que sente que sua palavra conta,
principalmente pela percepção de serem ouvidos.
112

Figura 1 – Modelo de Círculo de Diálogo

Fonte: Mediación escolar

Ru-Lan (2019), ao defender a prática, ressalta que ela é utilizada “às


vezes, para relaxar a atmosfera da aula e rir juntos”. Uma das razões pela qual os
jovens frequentam a escola é para socializar e estar com os amigos, o que
transforma o espaço em um local motivador. Quantas amizades foram firmadas nos
bancos escolares e permaneceram ao longo da vida das pessoas?

Este espaço (escola) é um ambiente propicio para aprender e administrar


relacionamentos, uma vez que extrapola a relação familiar. Ao desenvolver as
relações, o jovem aprende a manter sua identidade, sem que com isso precise,
necessariamente, estar de acordo ou discordar totalmente, das ideias e ações que
orbitam seu universo.

Os erros cometidos nestas áreas, que levam a choques verbais e até


conflitos físicos, são frequentemente descritos como ‘mau-comportamento’,
ao invés de serem vistos como erros devido à falta de habilidade e
experiência na condução mais eficaz destas situações. (HOPKINS, 2011,
p.13).

Mas como organizar um círculo de diálogo na escola a fim de que eles


sejam produtivos e eficazes? Embora existam diferentes formas de organizar um
círculo, existem, necessariamente, alguns requisitos essenciais para caracterizá-lo.
113

Em primeiro lugar, é essencial a presença de um facilitador, que é a


pessoa que geralmente apresenta as perguntas e às vezes resume as intervenções.
Quando necessário, lembra o grupo das regras do círculo, para que o diálogo não se
disperse ou tome rumo diferente do pretendido, alterando a proposta inicial do
círculo.

Em segundo lugar, para que haja respeito, valores e colaboração, é


necessário estabelecer as regras de participação, sempre lembrando aos
participantes da condição de igualdade no espaço em que se encontram, mas que
todos devem ter respeito mútuo.

E, por fim, temos um objeto para falar, que está na posse de quem tem
poder de fala (ou para passá-lo adiante) enquanto os outros escutam atentamente,
pois como veremos adiante, o objetivo do círculo não é ganhar um debate, mas
compartilhar e enriquecer com o que cada um pode contribuir.

Devem ser priorizadas as respostas curtas, para que as voltas durem


alguns minutos. Dessa forma, ainda que a posse do objeto seja por pouco tempo em
cada mão, é criado um ritmo lento que convida a ouvir e sentir-se ouvido.

Assim que todos os participantes estiverem sentados, o facilitador abrirá o


círculo: ela cumprimentará e fará uma pergunta. O facilitador indica para qual lado
vai passar o objeto da fala, responde ao primeiro lugar, para descontrair e sugerir o
modelo de uma possível resposta. No final da rodada, o facilitador pode fazer (se a
pergunta ou as respostas sugerirem) um breve resumo do que foi dito, também
poderá ser feita outra pergunta, proposta numa dinâmica, ou dar o círculo por
finalizado e apresentar a atividade que será feita a seguir.

Caso o objeto seja passado de um aluno a outro sem interação, esse


método estabelece como regra que, quando o objeto chega até nós, ele pode ser
passado para o parceiro sem nada ser dito. Agora, se é uma questão que queremos
que todos respondam, vamos sinalizar ao aluno para indicar que quando a roda
estiver terminada, retornaremos o objeto para ele para que ele possa responder
desta vez. Se tivermos um aluno que passa frequentemente o objeto sem responder,
consideraremos o caso individualmente.
114

Normalmente, busca-se a equidade nos círculos, uma vez que queremos


incentivar a participação de todos. Quando apenas aqueles que levantam as mãos
participam, o diálogo tende a ser reduzido aos "participantes profissionais", enquanto
o resto são espectadores passivos. O fato de o objeto da fala circular ajuda todos a
participarem e pode servir para que aqueles que sempre participam aprendam a
esperar e a ouvir.

Esse método tem proporcionado grandes progressos, principalmente aos


alunos que não se sente incluídos no grupo, pois no momento do círculo, eles
podem se expressar sem serem discriminados ou repreendidos, e como veremos
nos capítulos seguintes, o método proporcionou transformações significantes aos
relacionamentos dentro do ambiente escolar.

Em síntese, podemos observar que a utilização compartilhada dos


modelos Circular-Narrativo e dos Círculos de Diálogos se completam na metodologia
da mediação escolar. Por meio de rodas de conversa, pode-se preparar o ambiente
para a efetiva solução de um conflito já existente, ou em vias de existir, sem que
haja uma exposição direta dos atores envolvidos no fato. Nesses dois modelos,
todos têm a liberdade de se expressarem sem imposições, o que gera um ambiente
seguro para suscitarem os medos e conflitos que possam estar experimentando,
possibilitando, assim, que os mediadores verifiquem os pontos exatos a serem
abordados, caso haja a necessidade, em uma mediação restaurativa.

4.3.2 O processo circular: narratividade entre os círculos

Tendo sido o processo circular a metodologia escolhida para balizar o


nosso estudo, imperioso se faz trazer ao contexto a filosofia bakthiniana que
também se utilizou desse símbolo, o círculo, para lastrear seus estudos e diálogos
interdisciplinares, mas sem se afastar da relação eu e o outro, entendendo que toda
a unicidade se dá na ação, no ato individual e responsável não indiferente. Nesse
sentido, viver é agir, e agir em relação a tudo o que não é eu, em relação ao outro
(FARACO, 2009, p. 21).

Mikhail Mikhailovitch Bakthtin (1895-1975) foi um teórico russo que


baseou seus estudos e trabalhos na linguagem, tendo desenvolvido suas teorias
115

decorrentes da análise do indivíduo por meio de questões relativas à teoria geral da


literatura e da cultura, e conversando interdisciplinarmente com vários ramos dos
saberes, como filosofia, psicanálise, etc. O linguista manteve uma unidade de
pensamento por meio da centralidade da linguagem.

Bakhtin (2009, p.31) afirma que “tudo que é ideológico possui um


significado e remete a algo situado fora de si mesmo”, ou seja, tudo que é ideológico
possui um signo e procura apontar as diversas vozes presentes em um mesmo
discurso e a sua historicidade, como se estabelecesse a relação de um discurso
com o outro.

O chamado Círculo de Bakhtin tratava-se de um grupo multidisciplinar de


intelectuais russos, entre eles, o próprio Bakhtin, Voloshinov e Medvedev, que se
reuniam regularmente entre 1919 e 1929. Os membros do Círculo tinham em comum
a paixão pela filosofia e pelo debate de ideias. Mergulhavam fundo nas discussões
de filósofos do passado, sem deixar de se envolver criticamente com autores de seu
tempo. Podemos acrescentar a essa paixão outra que, progressivamente, invade os
interesses do Círculo, em especial em seus tempos de Leningrado: a paixão pela
linguagem. Os estudos do grupo se voltaram para o universo da criação ideológica,
no qual ideologia é o nome que o Círculo costuma dar, então, para o universo que
engloba a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja,
todas as manifestações superestruturais (FARACO, 2009, p.46).

O Círculo de Bakhtin toma a comunicação como realização concreta da


interação verbal porque entende que toda palavra procede de alguém e se dirige
para alguém; toda palavra "serve de expressão a um em relação ao outro".
(BAKHTIN, 2009, p.117).

A comunicação, por esse entendimento, não é a expressão de algo (pré-


existente, interior) por alguém a alguém por meio de palavras – o que a
caracterizaria como um mero instrumento. A comunicação, tomada como realidade
fundamental da língua, é justamente o processo de expressar-se em relação ao
outro, e não simplesmente para o outro. É essa relação, pela qual o eu só existe em
relação ao outro e só assim pode se expressar, que configura a dinâmica da
interação verbal/discursiva. (MOLON; VIANNA, 2012, p.6).
116

Nesse contexto, os signos, para o Círculo de Bakhtin, realizam duas


operações simultâneas: refletem e refratam o mundo, sendo a refração uma
condição necessária do signo: não é possível significar sem refratar. Faraco (2009,
p.51) explicita que isso se dá porque as significações não estão no signo em si, mas
são construídas na dinâmica da história e estão marcadas pelas diversificadas
experiências dos sujeitos, com seus valores, contradições e interesses sociais. Com
a dinâmica da História, cada grupo em cada época recobre o mundo com múltiplas
significações e diferentes vozes sociais que participam dos processos de
significações, daí resultando as inúmeras semânticas, as várias verdades, os vários
pontos de vista e posições com que atribuímos sentido ao mundo. Esses novos
aspectos, segundo aponta Faraco (2009, p.56), dão significado ao que Bakhtin
chama de línguas sociais – complexos semióticos axiológicos com os quais
determinado grupo humano diz o mundo.

Para o autor, a ideologia reside, precisamente, no fato de que ela se situa


entre indivíduos organizados, sendo o meio de sua comunicação, entendendo que
os signos pertencem a um terreno não natural ou interindividual, não bastando
colocar face a face dois seres humanos para que os signos se constituam. Para que
isso aconteça, é necessário que esses indivíduos estejam socialmente integrados,
pois a consciência individual não pode explicar por si só, mas ao contrário, deve ela
própria ser explicada a partir do meio ideológico e social.

Ao se separar os fenômenos ideológicos da consciência individual, nós os


ligamos às condições e às formas da comunicação social. A existência dos signos
nada mais é do que a materialização dessa comunicação. É nisso que consiste a
natureza de todos os signos ideológicos.

A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social e instrumento


de consciência. Daí a proximidade da filosofia bakhtiniana à proposta da Justiça
Restaurativa. Quando pensamos em Justiça Restaurativa e em seu significado
etimológico, temos a seguinte conceituação: “Significado de Restauração: s.f. Ato ou
efeito de restaurar. Reparo, conserto de qualquer coisa desgastada pelo uso.
Recomposição de algo76”. Devemos, então, levar em conta o retorno de uma
situação que envolve um ilícito ao status quo anterior.

76
Verbete disponível em: V= https://www.dicio.com.br/restauracao/
117

No entanto, quando fazemos uma analogia das relações humanas com o


mundo objetivo, temos que aquelas se parecem com uma taça de cristal quebrada.
Ainda que colada suas partes e conservada sua utilidade, não mais será um objeto
perfeito, possível de reconstituir seu status quo anterior.

A Justiça Restaurativa seria, então, um salto quântico, transcendendo as


ideologias repressivas e sociológicas, em que o caráter punitivo e retributivo
imperam, não dando margem à recuperação e à reparação efetiva tanto da vítima,
quanto da sociedade e do ofensor.

O Círculo, portanto, olha para o diálogo face a face do mesmo modo que
olha para uma obra literária, um trato filosófico, um texto religioso, isto é,
como eventos da grande interação sociocultural de qualquer grupo humano
[...] (FARACO, 2009, p. 62).

A realização de círculos restaurativos proporciona que os envolvidos no


conflito se encontrem, frente a frente, e é por meio da voz ativa de cada um deles
que se pode sentir o outro, não com o intuito final de perdão, mas buscando
proporcionar à vítima uma compreensão do ato que lhe gerou dano, para que não se
sinta como sendo ele o causador, e ainda possibilita ao agressor expor as condições
que o levaram a cometer o ato, tendo em vista que a linha que separa vítima e
agressor é muito tênue, como demonstraremos mais adiante.

Nesse caminho, encontramos um dos eixos da Justiça Restaurativa, que


está fincado na Comunicação não Violenta. O falar e o ouvir são os sentidos que
levam a nos entregarmos de coração, ligando-nos a nós mesmos e aos outros de
maneira tal que permite que nossa compaixão natural floresça.

O objetivo e o conceito da Comunicação não Violenta é lembrar o que já


sabemos, ou seja, de como nós, humanos, deveríamos nos relacionar uns com os
outros e nos ajudar a viver de modo que se manifesta concretamente esse
conhecimento, ajudando a reformular a maneira pela qual nos expressamos e
ouvimos os outros, pois a narrativa não é só um gênero literário, ela é parte do modo
humano de ser.

Rosenberg (2006, pp. 21-22) afirma que as palavras, ao invés de serem


reações repetitivas e automáticas, devem ser respostas conscientes, firmemente
baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e desejando,
118

levando-nos a expressarmos com honestidade e clareza, ao mesmo tempo em que


damos aos outros uma atenção respeitosa e empática.

Kearney (2012, p. 412) explica que:

Toda existência humana é uma vida em busca de uma narrativa, isto, não
apenas porque ela se empenha em descobrir um padrão com o qual lidar
com a experiência do caos e da confusão, mas, também, porque cada vida
humana é quase sempre implicitamente uma história.

É nesse contexto que a Justiça Restaurativa se baseia. A história de cada


um dos envolvidos no conflito pode dar a oportunidade de um novo olhar para ação
que está sendo discutida, pois nas palavras de Josso (2004, p. 90), ao relembrar a
experiência, é possível articular fatos da vida que o narrador tenha deixado como
uma marca formadora de sua história.

A dinâmica dos Processos Circulares oferece um processo ordenado e


reflexivo que reforça valores positivos (AMSTUTZ; MULLET 2012, p.76), porque ele
está enraizado em tradições antigas e tem o aporte de conhecimentos
contemporâneos sobre a vida em sociedades multiculturais que mudam com
rapidez.

As comunidades antigas usavam processos similares aos Círculos para


tratar do trabalho da comunidade – como é costume em muitas comunidades
indígenas em todo o mundo. Acreditamos que é uma forma comum de engajamento
coletivo em torno de questões de interesse da comunidade em todos os tempos e
lugares. Os processos circulares descritos aqui descendem mais diretamente das
tradições de vários povos das Primeiras Nações, pessoas que ainda usam os
Círculos e encarnam ensinamentos centrais relacionados aos Círculos em seu modo
de vida. O processo circular também é formado por experiências modernas de
diálogo, criação de consenso, comunicação intercultural, reconhecimento de
interesses individuais, teoria das mudanças e transformação pessoal. O processo é
um equilíbrio entre o antigo e o contemporâneo, o indivíduo e o grupo, o ser interno
e o externo.

O Círculo é uma técnica para organizar, de modo eficiente, a


comunicação grupal, para construir relacionamentos, tomar decisões e resolver
conflitos. Ainda mais importante, o Círculo assume e nutre uma filosofia de
relacionamento e interconexão que pode nos guiar em todas as circunstâncias –
119

dentro e fora do Círculo. O Círculo é um espaço intencional concebido para apoiar


os participantes permitindo que tragam à tona o “melhor de si” – para ajudá-los a se
comportarem com base nos valores que retratam seu modo de ser quando estão no
melhor de si. O Círculo cria um espaço protegido que permite praticar o
comportamento baseado em valores daquele “melhor de si” naquelas ocasiões em
que pareceria arriscado fazê-lo. Quanto mais as pessoas praticam esse
comportamento no Círculo, mais esses hábitos são reforçados e levados para outras
regiões de suas vidas.

Nas suas mais variadas formas e objetivos, os processos circulares têm


na palavra sua fonte de integração entre os envolvidos em litígios e conflitos. Os
principais elementos desses processos são a Reunião: as partes muitas vezes se
encontram pessoalmente, embora em algumas circunstâncias seja realizado com a
participação de um terceiro, um substituto; a Narrativa: as pessoas que vêm falar
sobre o que aconteceu, como foram afetados, e com lidar com o mal feito; a
Emoção: considerada como um elemento facilitador para a compreensão,
modificando a ênfase na racionalidade existente nos tribunais; a Compreensão: as
partes chegam a compreender melhor uma à outra, o ato lesivo, o dano causado
pelo ato lesivo, e como corrigir a situação; o Acordo: quando as partes são capazes
de explorar as repercussões pessoais, materiais, morais e espirituais do ato lesivo,
elas, então, planejam um acordo específico para a situação.

Para Bakhtin (2012), a palavra é a expressão máxima da ação


responsável, ainda que não dita. Segundo o autor:

O “não álibi do ser” coloca o eu em relação com o outro, não segundo uma
relação indiferente com o outro genérico e enquanto ambos exemplares do
homem em geral, mas enquanto co-envolvimento, relação não indiferente
com a vida do próprio vizinho, do próprio contemporâneo com o passado e
o futuro de pessoas reais” (BAKHTIN, 2012, p. 26).

Assim, o autor impõe ao indivíduo a sua “carga” de responsabilidade


social, mostrando que embora seja o homem fruto de seu meio, este fato por si só,
lhe impõe o encargo de atuar na construção da sociedade que pertence.

A filosofia moral, que Bakhtin qualifica como “filosofia primeira”, deve


descrever “a arquitetônica concreta”, em que a indiferença do indivíduo abstrato,
genérico, intercambiável, substituível na sua responsabilidade estabelecida e
circunscrita a sua presença a um todo, a um gênero, à sua adjudicação a uma
120

determinada tipologia substitui a não indiferença do indivíduo tornando-o único


apenas por ser insubstituível na sua responsabilidade diante da qual o
acontecimento de sua existência, sem álibi, o põe (BAKHTIN, 2012, p. 27), ou seja,
embora o indivíduo seja único com todas suas características singulares, na relação
com a sociedade ele apresenta formas comuns que o faz interagir com o meio.

É nessa inspiração que os círculos de construção de paz atuam. Nos


Círculos Restaurativos a fala é muito considerada, pois é o momento em que as
partes em conflito podem exprimir seus sentimentos, indignações e desejos.

O outro, seja ele vítima ou ofensor, tem voz e ela é ouvida e sentida.
Assim, como no Círculo de Bakhtin, o outro se torna tão central no pensamento
porque o interlocutor não é passivo. Ao perceber e compreender o significado
(linguístico) do discurso, o interlocutor ocupa simultaneamente em relação ao locutor
uma ativa posição responsiva:

Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza


ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante
diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela
forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2006,
p.271).

Ao tornar-se parte do diálogo, a assunção de responsabilidade e a


compreensão do ato danoso ficam mais próximas de que os viveu, podendo assim
construir um cenário empático para a reparação do dano sofrido, evitando-se a
reincidência de forma consciente e sem o estigma da punição, pois esta é apenas o
voz do Estado ao ilícito, que não pode ser desprezado.

Tendo por premissas que todos quererem estar ligados aos outros de
modo positivo, que todos são membros valiosos da comunidade e têm direitos às
suas crenças e que todos têm valores centrais que indicam o que significa estar
ligado ao outro de modo positivo (muito embora nem sempre seja fácil agir segundo
esses valores, principalmente em tempos de conversas difíceis ou conflitos), os
processos circulares trazem aos participantes a responsabilidade individual.

Rosenberg (2006) argumenta que:

[...] quando nos entregamos de coração, nossos atos brotam de alegria que
surge e resplandece sempre que enriquecemos de boa vontade a vida de
outra pessoa. Isso beneficia tanto quem doa quanto quem recebe. Este
121

último aprecia o presente sem se preocupar com as consequências que


acompanham o que foi dado por medo, culpa, vergonha ou desejo de lucrar
alguma coisa. Quem doa se beneficia daquele reforço de autoestima que se
produz sempre que vemos nossos esforços contribuírem para o bem-estar
de alguém. (ROSENBERG, 2006, p.24).

Todas as espécies de círculos restaurativos têm em comum a fala dos


participantes expondo seus pontos de vista, anseios, perspectivas e uma forma
comunitária de solução de conflitos, fazendo que com os participantes não só
ouçam, mas também sintam a narrativa de cada um, porque é através desse
sentimento que a responsabilização e a restauração acontecem.

Contudo, a realização de um círculo de construção de paz necessita de


elementos estruturais para criar um espaço seguro, onde as pessoas se ligam umas
às outras de modo positivo, mesmo em circunstâncias de conflito, dano ou
dificuldades. Como já citados anteriormente, esses elementos são: cerimônia
(abertura e encerramento), orientações, o bastão da fala, coordenação/facilitação e
decisões conceituais.

As cerimônias marcam o tempo e o espaço do círculo como um lugar à


parte. Já as orientações são compromissos ou promessas que os participantes
fazem unas aos outros quanto ao modo como se comportarão no círculo. A
facilitação/guarda é exercida por uma pessoa que tem como função envolver os
participantes na partilha da responsabilidade pelo espaço e pelo trabalho comum. É
necessário dar um destaque maior aos outros elementos: o bastão da fala e o
processo decisório consensual, pois se observa que são nestes dois elementos que
a filosofia bakhiniana mais se aproxima.

Pranis (2010, p.51) explica que o bastão da fala é um objeto que passa de
pessoa para pessoa dando a volta no círculo, dando a oportunidade ao seu detentor
de falar enquanto os outros participantes têm a oportunidade de escutarem sem
pensar em uma resposta.

O bastão da fala tem sido usado há séculos por muitas tribos de índios
americanos como um meio de fala e escuta justa e imparcial. Era usado comumente
em reuniões de conselho circulares para designar quem tinha o direito de falar.
Quando assuntos de grande importância vinham à frente do conselho, o chefe da
tribo pegava o bastão e iniciava a discussão. Quando ele terminava o que tinha a
dizer, ele passava o bastão para alguém que desejasse falar. Dessa maneira, o
122

bastão era passado de um indivíduo para outro, até que todos que desejassem falar
o tivessem feito. O bastão então era passado novamente ao chefe da tribo, para que
ele pudesse guardá-lo em lugar seguro (LOCUST, 2009). Ele é a garantia de que
seu detentor será ouvido e poderá pensar e expressar esse pensamento da forma
que entender adequado, além de proporcionar segurança de que lhe será integral e
responsavelmente ouvido.

Bakhtin (2012) entende que cada um dos pensamentos do indivíduo, com


o seu conteúdo, é um ato singular e responsável, considerando que a vida em sua
totalidade é uma espécie de ato complexo, e cada ato singular e cada experiência
de vida são um momento do viver-agir, formando um todo integral:

Tal pensamento, enquanto ato, forma de um todo integral: tanto o seu


conteúdo-sentido quanto o fato de sua presença em minha consciência real
de um ser humano singular, precisamente determinado e em condições
especiais, ou seja, toda a historicidade concreta de sua realização, estes
dois momentos, portanto, seja o do sentido, seja o histórico-individual
(factual), são dois momentos unitários inseparáveis na valoração deste
pensamento como meu ato responsável (BAKHTIN, 2012, p.44).

Assim o bastão da fala, por desacelerar o ritmo da conversa e estimular a


interação, proporcionando a reflexão e o cuidado entre os participantes, vai ao
encontro do pensamento de Bakhtin:

Eu, que realmente penso e sou responsável pelo ato do meu pensar não
tem lugar no juízo teoricamente válido. O juízo teoricamente valido é, em
todos os seus momentos, impenetrável para a minha atividade
individualmente responsável (BAKHTIN. 2012, p. 45).

Estar na posse do bastão da fala deve ser uma experiência segura para
quem o detenha, possibilitando expor pensamentos e sentimentos de sua
experiência de vida associando-os ao contexto proposto pelo círculo. Portanto, é
neste momento que o possuidor do bastão irá narrar o experimento vivido, seus
motivos e consequências, fazendo-se ouvir sem interferências ao mesmo tempo em
que interage com os demais integrantes do círculo.

Como mencionamos acima, toda existência humana é uma vida em busca


de uma narrativa e a partilha de histórias pessoais é a fonte essencial do poder dos
Círculos. Os Círculos constroem relacionamentos, exploram problemas e partilham
123

sabedoria basicamente por meio da partilha das experiências de vida dos


participantes. O Círculo convida os participantes a compartilharem aquelas partes de
suas vidas que têm relevância para o propósito do Círculo. A contação de histórias é
uma ferramenta poderosa para transformar relacionamentos, pois ela permite que os
participantes vejam uns aos outros sob um prisma multidimensional, que em geral
derruba preconceitos ou pressupostos que impedem a boa comunicação. A
contação de histórias envolve o coração e o espírito mais do que o fariam dados e
informações.

Bakhtin (2010) compreende que o gênero do discurso se manifesta na


comunicação por meio do tom da voz e através de uma série de códigos implícitos
que são percebidos pelos interlocutores, mas que ficaria sem sentido para aquele
que está fora do âmbito desse diálogo, pois em um diálogo não há passividade nem
no sujeito do discurso, tampouco no ouvinte, visto que:

[...] toda compreensão plena e real é responsiva e não é senão uma fase
inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma que ela se dê). O
próprio falante está determinando precisamente a essa compreensão
ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por
assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma
resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma
execução, etc. (os diferentes gêneros do discurso pressupõem diferentes
diretrizes de objetivos, projetos de discurso dos falantes ou escreventes)
(BAKHTIN, 2010, p. 272).

No que diz respeito ao processo decisório consensual, na teoria


bakhtiniana, a noção de atividade (humana) está circunscrita, dentre outras, na
noção de ato ético. No texto, “Para uma filosofia do ato”, o pensador russo discute o
ato ético como um ato responsável. Para tanto, discorre sobre a arquitetônica do ser,
em que o ser humano é o centro axiológico em permanente relação com outros
valores. O foco, nesse sentido, recai sobre o acontecimento, o evento único do ser,
em um plano concreto, cuja responsabilidade, uma ética democrática, revela a
singularidade do ato.

Para Faraco (2009), o texto de Bakhtin sobre o ato contém (em gérmen, é
verdade, considerando seu caráter de rascunho fragmentário) as coordenadas que
sustentarão boa parte do edifício posterior: a eventicidade (o irrepetível), o sempre
inconcluso (o que está sempre por ser alcançado), o antirracionalismo (o
antissistêmico), o agir (o interagir) e, acima de tudo (segundo meu ponto de vista), o
124

axiológico (o vínculo valorativo), que, em PFA, é designado principalmente pela


expressão “tom emotivo-volitivo”

O sujeito é um centro de valor em relação: eu-para-mim, outro-para-mim,


eu-para-outro, que, ocupando um lugar único (espacial e temporal) na arquitetônica
valorativa concreta, constitui-se como evento em processo com outros membros
reais, “interconectados por relações-eventos no evento único do Ser”. O que vale
dizer que, nas interações humanas, o indivíduo ocupa espaço de destaque, quer
para consigo mesmo, quer para os demais pertencentes do grupo, e é por isso que
sua atuação, quando vítima do ato danoso, ao necessitar de respostas para o que
sofreu, merece toda a atenção. E o ofensor, ao explicar o que o impulsionou a
praticar o ato, faz com que a sociedade se atente, também, para suas necessidades
humanas.

Nessa perspectiva, temos que nos Círculos Restaurativos todos os


envolvidos buscam tratar o ato lesivo e as suas causas, buscando reparar os danos
causados, por meio do reconhecimento de suas dores pessoais e da
responsabilização, não só do agente, mas de todos os envolvidos, pois a ideia é de
uma interação social e responsável.

A Justiça Restaurativa requer, no mínimo, que cuidemos dos danos sofridos


pela vítima e de suas necessidades; que seja atribuída ao ofensor a
responsabilidade de corrigir aqueles danos, e que vítimas, ofensores e a
comunidade sejam envolvidos nesse processo. (ZEHR, 2012, p.36).

Um Círculo Restaurativo de tomada de decisão em grupo se concentra


em chegar a uma decisão consensual. Nesse caso, a preparação é parte importante
do processo e poderá exigir a realização de Círculos de Compreensão e Círculos de
Formação de Espírito Comunitário antes que se reúna o grupo para a tomada de
decisão. Grupos de trabalho, conselhos diretores, conselhos consultivos e famílias
vêm usando estes Círculos de Tomada de Decisão para tomar decisões importantes
no escopo de suas comunidades. As decisões tomadas nos Círculos Restaurativos
podem servir de embasamento para decisões judiciais, dependendo da gravidade do
ato lesivo, sendo que, em alguns casos, até ser substituídas, pois a consciência do
ofensor, aliada à forma de reparação do dano, pode traduzir o sentenciamento que
determina a própria lei.
125

Por ser a ideia primeira da Justiça Restaurativa a busca da correção das


falhas no sistema tradicional da concepção de justiça retributiva por meio do diálogo,
que não cuida da vítima, não cuida do ofensor, e tem uma percepção linear do
conflito, por meio de um olhar mais humano sobre aquele que praticou o ato ilícito e
sobre todas as relações humanas que nele se entrelaçam.

Quando é preciso tomar uma decisão em um Círculo, essa decisão deve


ser consensual. Em um Círculo, o consenso significa que todos podem viver com
aquela decisão e apoiá-la. Talvez aquela decisão não fosse o ideal para todos, mas
ela precisa ser aceitável para todos. A eficácia do processo consensual depende de
uma sólida visão partilhada, equidade de vozes e relacionamentos de confiança
entre os participantes. Pelo fato de os Círculos serem fundados sobre valores
partilhados, oferecerem voz igual para todos por meio do bastão de fala, e
construírem relacionamentos ao longo de todo o processo, chegar a um consenso
no Círculo não é tão difícil como a maioria das pessoas imagina. As decisões
consensuais têm uma vantagem significativa sobre as decisões impostas por voto da
maioria – elas são muito mais fáceis de implementar porque todos estão
empenhados e unidos na intenção de fazê-la funcionar.

Os Círculos de Construção de Paz são úteis quando duas ou mais


pessoas precisam tomar decisões conjuntas, discordam, precisam tratar de uma
experiência que resultou em danos a alguém, querem trabalhar em conjunto como
uma equipe, desejam celebrar, querem partilhar dificuldades e desejam aprender
uns com os outros, pois sua finalidade é congregar as pessoas para estabelecerem
vínculos, reuni-las para resolverem problemas e chegarem a entendimentos, além
de fortalecer relacionamentos.

4.3.3 O diálogo que restaura: uma reflexão necessária

Não há como conceber uma prática restaurativa sem a palavra. Ela é


essencial para que a compreensão entre os envolvidos seja plena. Somente é
possível se atingir os objetivos da prática restaurativa quando o of endido expressa
suas concepções sobre o ato conflituoso, podendo demonstra a dor, o dano, os
sentidos, e também quando o ofensor busca explicar o porquê da ação perpetrada.
126

Explica Josso (2004, p.91) que ao narrar situações experimentadas, o


indivíduo progressivamente demonstra sua trajetória explicitando por meio de
questionamentos, de hipóteses, de constatações de recorrências nos
comportamentos, nas atitudes ou nas valorizações, a maneira pela qual geriu a sua
própria vida.

Mas para que essa expressão do ofendido alcance seus objetivos, os


interlocutores devem interpretar a palavra de modo satisfatório, de modo a
extrapolar os limites do imaginário até alcançar a materialização, o que leva o nome
de Hermenêutica77.

Silva (2011, p.26), ao estudar a interpretação hermenêutica em Paul


Ricoeur (1913-2005), entende que interpretar é decifrar o sentido oculto da palavra,
seja pela fala, pelo discurso, pela construção ou reconstrução de um texto. Isso
reflete diretamente na educação, uma vez que, ao tentar solucionar os conflitos no
ambiente escolar, não se procura identificar sua origem ou o histórico que deu causa
à situação desconfortável que levou a quebra da paz no ambiente.

A dinâmica escolar, na sua maioria, não dá vez e voz aos seus alunos
com o intuito de ajudar e compreender uma situação conflitosa que surgiu no
ambiente escolar, o que foi lá explicitado. Nesse passo, Ricoeur (1989, p. 57) propõe
que é necessário que a fala dos alunos seja interpretada para que ocorra uma
mediação, dada as múltiplas possiblidades de interpretação do que se visa
expressar.

Assim, a Justiça Restaurativa baseia-se em um procedimento de


consenso, em que a vítima e o infrator, e outras pessoas ou membros da
comunidade afetados pelo ato danoso, participam coletiva e ativamente na
construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados
pelo ilícito.

Contudo, esse processo não é simples, pois exige a tomada de


consciência em diversos aspectos, que variam desde os referenciais de saberes,
passando pelo universo que o caráter está inserido e das concepções da
causalidade que caracterizam as relações com a mudança, perpassando pela maior
ou menor disponibilidade para lidar com referenciais novos que se ajustam ou
77
Segundo o novo dicionário Aurélio é “a interpretação dos sentidos das palavras”, p. 719
127

colocam em questão os antigos referenciais, até às situações, acontecimentos e


encontros que colocaram em questão ou fizeram evoluir os referenciais (JOSSO,
2004, p. 104).

Daí porque só se pode chegar às estruturas apaziguadoras de conflitos


existentes neste século após um olhar atento à história de desprezo pela raça
humana, pelo próprio homem, que vem de longa data. Desde os primórdios da
humanidade a ideia de poder exercido sob a égide da violência acompanha a
evolução do homem.

Analisando esse contexto histórico, Cláudio Fernandes 78 narra que o


século XX ficou marcado como um século de catástrofes e morticínios. As duas
guerras mundiais levaram cidades inteiras à destruição e milhões de pessoas à
morte. Nesse ínterim, alguns regimes de governo que se pautavam por orientações
políticas ideológicas nacionalistas, eugenistas e racistas levaram a cabo o projeto de
extermínio sistemático de povos que julgavam ser inferiores ou que divergiam de
seu projeto de expansão territorial, entre outras razões. Os motivos eram inúmeros.
O holodomor, isto é, o genocídio de ucranianos pelos soviéticos, é outro. Porém,
antes desses dois, houve o genocídio dos armênios perpetrado pelo Império Turco-
Otomano.

Já na Primeira Guerra Mundial, os turcos — o assim chamado movimento


turco jovem dirigido por Enver Pascha e Talaat Pascha — mandaram
assassinar mais de um milhão de armênios. Importantes quadros militares e
governamentais, embora, ao que tudo indica, soubessem do ocorrido,
guardaram sigilo estrito. O genocídio tem suas raízes naquela ressurreição
do nacionalismo agressor que vicejou em muitos países a partir do fim do
século XIX (ADORNO, 1969, p.119).

Esse tipo de atrocidade tornou-se intenso entre os anos de 1915 e 1918.


Com o fim da guerra, a Armênia foi anexada à URSS. Entretanto, a população de
armênios que conseguiu voltar para regiões centrais da Turquia passou a ser
novamente alvo de ataques dos turcos. Porém, esse fato, até há pouco tempo, era
desprezado pelo mundo. Somente em 2016, quando o Papa Francisco o
reconheceu, é que o assunto veio à tona, mas ainda não é admitido por várias
nações.

78
Artigo narrado a história do genocídio armênio, disponível em
https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/genocidio-armenio.htm
128

É certo que a violência é inerente ao homem, quer seja para o ataque,


quer seja para a defesa. Mas essa inerência não pode ser a justificativa para as
atrocidades impingidas, nem mesmo sob o argumento da defesa da Pátria. Assim
como na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, as demais guerras que assolam a
história do homem tiveram apenas um único objetivo: impor a supremacia do homem
sobre o homem.

Mas foi na Segunda Guerra, com o advento da shoá e a exposição


pública do que se passava nos campos de concentração nazista, é que o mundo
direcionou o seu olhar para o extermínio sem justificativa. O relato de lembranças,
principalmente das pessoas que sobreviveram aos campos de concentração, traz
uma possibilidade de reflexão dos atuais acontecimentos mundiais.

Um ícone na narrativa da shoá é sem dúvida o italiano Primo Levi 79. Autor
de diversos livros, sua narrativa é um testemunho de quem viveu os horrores da
guerra no campo de Auschwitz, e procura, por meio de seus relatos, mostrar,
principalmente aos jovens, que recontar, ensinar e aprender sobre Auschwitz é uma
forma de fazer com que isto não se repita. Suas recordações descrevem o que viveu
e sentiu naqueles dias de horror:

Não havia um campo de Auschwitz, houve 39. Houve cidade Auschwitz e


dentro havia um campo de concentração, e foi Auschwitz propriamente
falando, ou a sede central do sistema: não havia mais sob 2 km Birkenau,
ou seja, de acordo Auschwitz: aqui era a câmara de gás. Foi um enorme
campo, vizinho dividido em 4-6. Mais acima havia sim a fábrica, e perto da
fábrica foi Monowitz, ou Auschwitz terceiro: eu estava lá, os campos
pertenciam à fábrica, tinham sido financiados por ele. Em toda a volta, havia
30-35 outros pequenos campos (minas, fábricas de armas, fazendas etc.).
No meu campo estávamos em torno de 10.000, embora a administração era
um por todos Auschwitz e Birkenau foi o campo de extermínio (CAMON,
1987).
[...]
Os primeiros dias foram terríveis, para qualquer um. É algo de um choque
ocorre, uma entrada trauma relacionado em um campo de concentração,
que pode durar cinco, dez, vinte dias. Quase todas as pessoas que
morreram, sucumbiu na primeira fase. Nosso modo de vida mudou
completamente em poucos dias, especialmente no caso de nós judeus
ocidentais. Os judeus poloneses e russos em guetos já tinha feito um
treinamento duro para Auschwitz, e para eles o trauma foi menos violento.
Nós, italianos judeus, franceses e holandeses, foram rasgados como para
as nossas casas e preso em um campo de concentração. Eu podia sentir,
no entanto, juntamente com o medo, a fome e exaustão, um desejo muito
intenso de compreender o mundo em torno deles. A linguagem em primeiro
lugar. Eu sabia um pouco de alemão, mas eu sabia que tinha que aprendê-

79
Artigo no jornal “La stampa” Turim, 31 de julho de 1919 — Turim, 11 de abril de 1987.
129

lo muito melhor. Eu cheguei ao ponto de ter aulas, pagando-lhes uma parte


da minha ração de pão. Eu não sabia que eu estava aprendendo uma forma
muito grosseira de alemão (GREER, 1985).

Escrever e contar sua história foram para Levi uma atitude restauradora.
Seu relato não busca o perdão, o que também, não é buscado pela Justiça
Restaurativa, mas tentou mostrar às gerações futuras os fatos vividos por pessoas
que não eram consideradas humanas. Um artigo publicado no jornal “La Stampa”
em 26 de julho de 1986 teve como título “Por que um novo livro sobre Auschwitz?”.
A resposta dada por Levi foi: “Entender não é perdoar”.

Perdoar não é minha palavra. O termo é tratado, porque todas as cartas que
recebo, especialmente de jovens leitores e, especialmente, os católicos, tem
esse problema. Perguntam se eu perdoei. Eu acho que estou em meu
próprio caminho um homem justo. Eu posso perdoar um homem e não
outro; Gostaria de fazer um julgamento apenas em casos individuais. Se eu
tinha diante de mim Eichmann, eu teria condenado à morte. Perdoar de
imediato, como você me perguntar, eu não vou. (CALCAGNO, 1986).

Note-se que a busca pelo entendimento do ato praticado faz com que a
vítima absorva a situação, não para aceitá-la ou perdoá-la, mas para que, por meio
da compreensão, seja possível dar continuidade a sua existência. É assim, pelo
diálogo, pela exposição do fato, que a prática da Justiça Restaurativa se aplica
perfeitamente a esse estudo: não se quer “passa a mão na cabeça” do ofensor e
dizer: “tudo bem, está perdoado”, mas ouvi-lo, compreendê-lo na sua motivação, e
responsabilizá-lo, com o intuito de que esta responsabilização seja pedagógica a
ponto de que não o motive a praticar novamente o ato.

Outra faceta da tragédia é a figura dos próprios judeus que trabalhavam


nos campos, os chamados Kapos.

Ao pôr-do-sol, toca a sirene do Feierabend, do fim do trabalho, e, já que


todos estamos fartos (ao menos por algumas horas), não há brigas,
sentimo-nos bem-dispostos, o Kapo não tem vontade de espancar-nos,
conseguimos pensar em nossas mães e em nossas mulheres, o que
raramente acontece. Durante algumas horas, podemos ser infelizes à
maneira dos homens livres. (LEVI, 1988, p.77).

Kapo era um termo usado para certos presos que colaboravam com os
nazistas nos guetos e nos campos de concentração em várias posições
administrativas mais baixas. Eles recebiam mais privilégios que os presos normais,
130

para quem eram, com frequência, brutais. Dependendo do campo, os privilégios


mudavam: geralmente recebiam melhor alimentação, melhores roupas e um local
melhor para dormir. Sendo que a alimentação era um dos pontos fundamentais para
sobrevivência nos campos, mas mesmo tendo a ração extra, muitos ainda roubavam
dos prisioneiros ou não entregavam toda ração que lhes eram destinadas.

A narrativa de Levi nos traz a busca da humanização dessas pessoas,


tentando mostrar que, embora alguns deles fossem judeus, não se buscava a
subjugação do outro simplesmente pelo ódio, mas como uma forma de se manter
mais um dia vivo. É constante em suas obras a necessidade de “compreender” para
“ensinar”, evitando a reincidência.

Em um artigo intitulado Variazioni Rumkowski: sulle piste della zona


grigia, Mengoni (1963) descreve:

É 20 de novembro de 1977: as colunas de "La Stampa", em um texto


intitulado O Rei dos Judeus, Primo Levi diz estas palavras que contêm a
essência, reduzidos a um mínimo ainda já evidente, a categoria de "zona
cinzenta", uma vez que será desenvolvido, analisado e discutido nove anos
depois, em O Afogados e os Sobreviventes. A parte exterior do regime
político, o assunto moralidade que oscila, e o espaço entre a vítima e o
agressor que a zono cinzenta está cheia: já parece todos os pensamentos,
todos os presentes na mente de Levi (tradução livre).

Quando pensamos nos princípios da Justiça Restaurativa, principalmente


na intenção de reparar os danos e atendimento das necessidades de todos os
afetados, numa preocupação concomitante de restauração da relação antes dos
danos a serem causados, além de equacionamento projetivo desta relação para
evitar nova emergência do conflito, entendemos a intenção de Levi.

Ao relatar suas terríveis experiências, Levi busca uma reparação do dano


psicológico sofrido pelos sobreviventes. Já quando estuda a ação dos Kapos, a
intenção é demonstrar a causa e consequência, a fim de não se lançar um
julgamento indevido aos atos dessas pessoas. E, por fim, tentar mostrar o que
aconteceu, evitando que se repita.

Recentemente, Eva Lavi, que foi a pessoa mais jovem a ser salva pela
lista do empresário alemão Oskar Schindler durante a Segunda Guerra Mundial, em
discurso proferido na cerimônia anual de memória ao Holocausto, realizada na sede
131

das Nações Unidas, declarou sentir-se culpada por ter sobrevivido. Em suas
palavras:

Não foi fácil ser uma criança no pós-guerra. Eu continuei a me esconder.


Por quê? Meus pais não me levavam a encontros com outros sobreviventes
para não machucar aqueles que haviam perdido os filhos”. Talvez ele
[Deus] quisesse que eu fizesse algo grande. Sou apenas uma mulher
comum. Com nenhuma grande conquista. Mas agora estou aqui, falando
com as Nações Unidas. Esse é meu 'grande feito' que Deus planejou para
mim. 80

Assim, temos que, tanto na narrativa de Levi, quanto na de Lavi, é a fala


que empodera o sobrevivente a lutar para que não se repitam as atrocidades vividas
por eles nos campos de concentração nazistas. Portanto, dar voz às vítimas para
que exorcizem seus traumas é a melhor forma de restaurar.

O exemplo dado pelos sobreviventes do holocausto ilustra bem a


abordagem dada pela prática da Justiça Restaurativa. Falar, narrar, expor a dor para
que ela não se repita, para que ela mostre ao ofensor e a comunidade a intensidade
do dano causado e suas consequências pessoais e sociais. Relembrando as tribos
aborígenes, “quando um do grupo é prejudicado, todo o grupo também o é”. E essa
narrativa demonstra ao ofensor a necessidade de responsabilizar-se por seu ato e a
conscientização de não mais repeti-lo.

4.4 A prevenção como um caminho

O modelo atual de mediação, como vimos no capítulo anterior, tem,


também um foco direcionado à prevenção dos conflitos pela realização de palestras
temáticas e atividades que envolvem os alunos, desafiando-os a pensar sobre os
temas que geram discussões não só no ambiente escolar, mas também em toda a
sociedade.

Para Rosenberg (2006), o diálogo e a construção de uma Cultura de Paz


também se fazem urgente no contexto escolar, no qual as relações interpessoais
entre os escolares encontram-se desgastadas e a violência, na maioria das vezes,

80
https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2018/02/01/sobrevivente-mais-jovem-
da-lista-de-schindler-conta-sua-historia.htm
132

toma conta do cotidiano da escola, retratando a crise pela qual esta vem passando,
enquanto instituição social e educacional.

O professor mediador, ao propor ações aos alunos além de desenvolver


suas criatividades, também exercita o pensamento crítico sobre o assunto.
Aproveitam-se as variadas datas comemorativas para abordar temas, como por
exemplo: racismo, ideologia de gênero, religião, entre outros, que são ainda objeto
de preconceitos, mas permeiam o cotidiano da escola e da sociedade. É uma forma
de fazer com que o aluno se expresse, demonstrando seus conhecimentos e
dúvidas sobre o tema, além de provocar nos demais alunos questionamentos e a
formação cidadã.

Prevenir a violência é fundamental, de forma que o desenvolvimento do


aluno atinja um patamar em que a Cultura de Paz prevaleça. A utilização de
acontecimentos históricos e contemporâneos é um instrumento que desafia o aluno
a refletir o mundo que vive e o mundo que quer viver. Nas palavras de Muller (2007,
p.102):

Para que a não violência realize todo o seu potencial, deve de fato enraizar-
se em um ambiente humano, ou seja, numa comunidade, numa sociedade
na qual todos os membros – ou ao menos a grande maioria deles –
partilhem os mesmos valores e as mesmas convicções.

Evans (2018) entende que o mais importante na implementação das


práticas restaurativas na escola é o fato de que ela fortalece a cultura relacional de
interconexões entre os estudantes, colocando-os em contato com a realidade social
experimentada dentro e fora do ambiente escolar.

Hoje, embora a temática do conflito ainda seja uma tônica, é certo que
formar e cultivar um ambiente escolar saudável é importante, por meio de ações dos
estudantes visando o engajamento social, ao contrário do controle social, fazendo
eco às pesquisas na área da pedagogia que incentivam mudanças no ambiente
escolar, ao invés de simplesmente tentar mudar o comportamento dos alunos de
forma individual (EVANS, 2008, p.28).

Assim, para a autora, três ações interdependentes se sobrepõem: a) criar


ambientes justos e equitativos; b) nutrir relacionamentos saudáveis; c) reparar danos
133

e reparar conflitos. Por isso, uma atmosfera de prevenção de conflitos e combate à


violência deve envolver a comunidade escolar em projetos de longa duração
voltados para a promoção da segurança neste ambiente.

Portanto, identificar as necessidades dos alunos de segurança na escola


é um trabalho que deve se dar por meio da observação contínua, do registro
detalhado de situações de conflito e dos relatos voluntários de professores,
funcionários e alunos.

Como forma de evitar potenciais problemas de comportamento, a


Secretaria Estadual da Educação 81 sugere algumas ações que podem ser levadas a
efeito, como por exemplo: retomar e avaliar o acordo coletivamente construído com
os alunos sobre as normas de convivência na sala de aula; não permitir que alunos
com potenciais de problemas de comportamento se sentem perto uns dos outros ou
trabalhem juntos; colocar os alunos com problemas próximos ao professor; dar as
instruções verbalmente e também por escrito, eliminando a confusão ou frustração
que costuma levar a problemas de comportamento; preparar atividades significativas
e motivadoras, adequadas ao nível de desenvolvimento dos alunos; prever tempo
suficiente para que a atividade seja completada; ajustar as atividades para alunos
com dificuldades de aprendizagem ou portadores de necessidades especiais;
conectar um aluno com dificuldade a outro que possa apoiá-lo; dar a um aluno
potencialmente “bagunceiro” a tarefa de observar um grupo que coopera
eficazmente; conversar sempre com os alunos para investigar se existem questões
pessoais ou familiares que possam causar outros problemas.

Essas simples ações e práticas enriquecem o estudo e a reflexão dos


temas relacionados aos valores, à não violência e ao gerenciamento pacífico de
conflitos, transformando os assuntos discutidos em situações simples e práticas do
cotidiano (NUNES, 2016, p.65).

Um exemplo de mediação preventiva verificado na pesquisa de campo foi


a ação da professora mediadora da Escola Lucinda Bastos, que entre vários
projetos, promoveu a palestra sobre Bullying para os alunos do Ciclo I, com a

81
Manual: Conflitos na Escola, como transformar. Material disponível no site:
https://www.imprensaoficial.com.br/downloads/pdf/projetossociais/conflitos_na_escola.pdf, p.123.
134

colaboração da Gestão, alunos e de três professores, como se vê nas figuras 2, 3 e


4.

Figura 2 – Demonstração de uma situação de bullying

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos

Devemos tratar o jovem como protagonista de sua história, ainda que esta
seja difícil. Um dos caminhos para que isso ocorra é mudar nossa maneira de
entender os adolescentes e de agir em relação a eles. Para isso, temos de começar
mudando a maneira de vê-los. O adolescente deve começar a ser visto como
solução e não como problema, assim ele passa a compreender e assumir um
compromisso responsável por seus atos. (COSTA, 2007).

Para o autor, o educador que se dispuser a atuar como animador de


grupos de adolescentes em ações de protagonista deverá: ter consciência de que a
participação na solução de problemas reais da comunidade é fundamental para o
desenvolvimento pessoal e social de um adolescente; conhecer os fundamentos, a
dinâmica e a evolução do trabalho com grupos; ter algum conhecimento a respeito
135

da situação ou problema que se pretende enfrentar; compreender adequadamente o


projeto e ser capaz de explicá-lo quando necessário; ter participado de ações
grupais, ainda que não tenha sido na condição de animador; estar convencido da
importância da ação a ser realizada e estar disposto a transmitir a outras pessoas
esse conhecimento; ter capacidade de administrar oscilações de comportamento
entre os adolescentes, como conflitos, passividade, indiferença, agressividade e
destrutibilidade; ser capaz de conter-se para proporcionar aos educandos a
oportunidade de pensar e agir livremente; acolher e compreender as manifestações
verbais e não verbais emitidas pelo grupo; respeitar a identidade, o dinamismo e a
dignidade de cada um dos membros do grupo.

Figura 3 – Palestra sobre bullying

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos


136

Figura 4 – Características do bullying

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos

Esta mediadora constantemente promove encontros, palestras e reuniões


entre os alunos e convidados internos e externos para a abordagem dos mais
variados temas de interesse das crianças e adolescentes, visando à integração dos
alunos entre si e a comunidade, e atualizando-os sobre os temas recorrentes da
sociedade. A escola onde é mediadora encontra-se em uma região periférica do
município de Mogi das Cruzes, onde o nível sócio-econômico-cultural é baixo, mas
esse fato não impede as ações da professora.

Outra atividade promovida por ela é a confecção de cartazes pelos


alunos, como os demonstrados pelas fotos a seguir (figuras 5 e 6), que foram feitas
por ocasião da comemoração do dia do trabalho e intitulado como “Painel sobre dia
1º de maio (Dia do Trabalho)”.
137

Figura 5 – Painel Dia do Trabalho

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos

Figura 6 – Painel Dia do Trabalho

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos


138

E, por fim, duas últimas imagens de painéis comemorativos de 18/04 (Dia


do Livro) e 19/04 (Dia do Índio), respectivamente demonstrados pelas figuras 07 e
08.

Figura 7 – Painel do Dia do Livro

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos


139

Figura 8 – Painel do Dia do Índio

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos

Agora propomos uma nova análise do quadro dos valores atuais da


Justiça Retributiva em relação à Prática Restaurativa comparando-os as Práticas
Restaurativas Preventivas na Mediação Escolar.

Quadro 3 – Comparativo entre os Valores atuais da Justiça Retributiva em relação à


Prática Restaurativa e as Práticas Restaurativas Preventivas na Mediação Escolar

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA PRÁTICAS RESTAURATIVAS


RESTAURATIVA PREVENTIVAS NA MEDIAÇÃO
ESCOLAR

PRIMADO DO INTERESSE Primado do interesse das Primado dos interesses de toda


DO ESTADO pessoas envolvidas e da comunidade escolar
comunidade

FOCO NA PUNIÇÃO – Foco na responsabilidade Foco no conhecimento dos


ENCARCERAMENTO OU e nas necessidades das problemas que envolvem os alunos
PENAS ALTERNATIVAS partes e comunidade e a comunidade escolar
INEFICAZES

CULPABILIDADE Corresponsabilização Conscientização individual e


INDIVIDUAL individual e coletiva coletiva

USO DOGMÁTICO DO Uso crítico do Direito Conhecimento crítico do Direito


DIREITO

FORMAL, Informal, Informal, mais ritualístico/cenário de


140

RITUALÍSTICO/CENÁRIO DE simplificado/cenário ambientação escolar


PODER extrajudicial ou comunitário

LINGUAGEM E REGRAS Linguagem comum e Linguagem acessível e regras


COMPLEXAS regras flexíveis comuns

PROCESSO DECISÓRIO Processo decisório Conhecimento e compartilhamento


DAS compartilhado com do assunto tratado
AUTORIDADES/OPERADOR envolvidos e comunidade
ES JURÍDICOS

PARTICIPAÇÃO MÍNIMA DA Voz e papel efetivo da Participação voluntária dos alunos


VÍTIMA vítima no processo que se sentem envolvidos pelo tema

MÍNIMA ASSISTÊNCIA Necessidades Necessidades psicossociais e


PSICOSSOCIAL E JURÍDICA psicossociais e jurídicas jurídicas reveladas e refletidas
À VÍTIMA atendidas efetivamente

INSATISFAÇÃO E Satisfação e controle sobre Sensação de pertencimento ao


FRUSTRAÇÃO COM O a situação, recuperação da grupo
SISTEMA autoestima.

OFENDIDO E OFENSOR Participação responsável Participação de toda a comunidade


ALIENADOS DO do ofendido e ofensor no escolar
PROCESSO. processo
COMUNICAÇÃO ATRAVÉS
DO ADVOGADO

NECESSIDADES Necessidades Necessidades compartilhadas


PRATICAMENTE efetivamente consideradas
DESCONSIDERADAS

INACESSÍVEL E SEM Acessível e interação com Interação voluntária entre os


INTERAÇÃO a vítima e comunidade participantes

Fonte: elaborado pela autora

Após a observação do quadro proposto, podemos verificar que a prática


restaurativa preventiva na mediação escolar tem como objetivo abordar temas
cotidianos do universo escolar que são os principais ensejadores de conflitos. Ao
envolver os alunos nas atividades de datas comemorativas, como por exemplo, dia
do índio, dia da mulher, entre outros, o professor aproxima o aluno das diversidades
da sociedade, que se refletem na escola, buscando, por meio da educação, a
conscientização do convívio com as diferenças.

Mas não é só isso. Com essas ações, o professor também visa manter
viva a atenção à postura de cidadania dos alunos, buscando afastar a ideia de
punição que, como já discutido anteriormente, não mais atende às necessidades das
crianças e adolescentes que se encontram em formação de personalidade e caráter.
141

4.5 Relatos das experiências de práticas restaurativas no ambiente escolar

Para Nunes (2016, p. 47), a introdução das práticas restaurativas no


ambiente escolar não exclui as normas e regras de disciplinas existentes. Daí surge
o questionamento quando se tenta conceituar a Justiça Restaurativa como meio
alternativo de solução de conflitos.

A proposta deste estudo é conceituá-la como meio paralelo de solução de


conflitos. Não podemos excluir o poder coercitivo e pacificador do Estado, sob pena
de incorrermos em uma inconstitucionalidade, haja vista que é a Constituição
Federal que atribui ao Estado-Juiz o poder de dizer o direito 82.

As práticas restaurativas aplicadas ao ambiente escolar podem ser um


meio de se evitar a judicialização do conflito, quando este mostra sinais que irá
acontecer – este é o caráter preventivo da JR, já explanado no capítulo 3.

Poderá ser utilizado, quando após o fato, este de natureza ilícita, estiver
sob o crivo do Poder Judiciário, no exercício de sua jurisdição, auxiliando na
aplicação da sanção legal, ou mesmo após o processo judicial, quando na fase de
execução de sentença, sendo as práticas restaurativas consideradas um meio
sancionador. Assim, o seguinte gráfico demonstra o que foi acima explicitado:

82
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal [...].
142

Figura 9 – Utilização da Justiça Restaurativa

Fonte: autora

Ou seja, as práticas restaurativas são cabíveis em qualquer momento,


não sendo correto afirmar o que alguns autores mencionam de ser a Justiça
Restaurativa um método complementar.

As práticas restaurativas podem e devem caminhar sozinhas, pois sua


efetividade advém da consciência/responsabilização que envolve as partes em
conflito. Se assim for, entendemos que a escola é o ambiente ideal para sua
utilização. Daí o nosso intuito em evitar a judicialização dos conflitos escolares. Isto
em razão do fato que o estigma deixado por uma “pena” acompanhar o indivíduo por
toda sua vida, ainda mais quando ela foi imposta em tenra idade.

Mas como integrar o ambiente escolar a fim de que, por meio de práticas
restaurativas, a incidência de conflitos seja reduzida, e por que não dizer,
eliminados? Mais uma vez quem nos dá essa resposta é Luhmann.

Ao propor uma nova Teoria Social, Luhmann fundamenta-se na noção de


sistema. Para o autor, os sistemas, sejam eles: orgânicos, psíquicos ou sociais, são
143

autorreferentes, ou seja, constituem-se em sistemas que são capazes de


estabelecer relações consigo mesmo e diferenciar essas relações como seu entorno
(RODRIGUES, 2017, p.29).

Esse cenário é mais bem compreendido quando olhamos o universo


escolar. As diversidades no âmbito da comunidade escolar forma um sistema que
busca o convívio entre os seus semelhantes, sem deixar de fazer parte do todo. Os
grupos formados entre alunos com as mesmas características (na maioria das vezes
ensejador de segregação) vai obrigatoriamente interagir com os demais alunos,
podendo ou não ser subsídio para o conflito.

O elo que conecta a teoria de Luhmann com as práticas restaurativas é a


comunicação. Essa comunicação se expressa através do diálogo. E a forma de
identificar diálogo como um meio de comunicação capaz de criar um ambiente
solucionador de conflitos nos é apresentada por Schirch e Campt (2018, p. 09). Para
eles, é necessário diferenciar o diálogo de outros estilos de comunicação. Assim, o
diálogo é diferente da conversação, discussão, treinamento ou aula ou do debate.

Conversação, para os autores, é uma forma de ampliar a compreensão


que os participantes têm de determinado assunto, sem o intuito de alterar a
perspectiva ou compreensão deste assunto, já existente entre os participantes. Já a
discussão objetiva cumprir uma determinada tarefa ou resolver um problema. De
outro lado, o treinamento ou aula nos ajuda a compreender algo através da
transferência de conhecimento do professor ao aluno. E, por fim, no debate, os
participantes escutam os outros tentando encontrar algo errado, incompleto ou
defeituoso no discurso do oponente, visando identificar as falhas, expô-las e
desagregar os argumentos do oponente.

O diálogo tem como essência a escuta respeitosa, o aprendizado e a


troca de experiências que formam nossas crenças. Assim, o falar e o ouvir têm sido
o primeiro passo na busca de soluções de conflitos, pois é por meio da narrativa do
fato vivido que se pode expressar o sentimento causado pelo ato.

Silva (2011, p.57) explica que para Luhmann, é graças à memória que
reproduzimos as informações. Neste ponto, os pensamentos de Luhmann e Bakhtin,
que defendia que o tempo não se repete, se encontram, pois: “Reproduzir, na Teoria
144

dos Sistemas, é alterar, mudar o sentido anterior e, não, repetir igualmente. Cada
ato é único irrepetível” (p.58).

Ao reproduzir a experiência vivida, esta será narrada com sentimentos


diferentes. Ao viver a experiência, o sentimento pode ser, por exemplo, de dor. Ao
narrar, outro sentimento, como por exemplo, a raiva, pode somar-se à dor, ou seja,
na narrativa, demonstra-se o que se está vivendo no momento da narração, que
pode ser ou não acrescido do sentimento que está fixado na lembrança.

Para Luhmann, nessa lógica, os sistemas de sentido se formam nos


meios de sentido, naqueles meios de comunicação genericamente simbolizados, de
maneira que esses sistemas constroem complexidade própria a ponto que se
diferenciam do entorno (meio), porém mantendo correspondências seletivas com
seus elementos (SILVA, p. 58).

Para Schirch e Camp (2018, p.17), o diálogo atinge três partes: o


intelecto, a emoção e o espírito. No que diz respeito ao intelecto, afirmam os autores
que o diálogo confronta as pessoas a maneiras diferentes de pensar e ver o mundo,
proporcionando, assim, a possibilidade de refletirem, de forma cognitiva, sobre os
novos conceitos percebidos, podendo ou não, incorporá-los à vida.

Quanto à emoção, o acima descrito funciona com explicação. É através


do diálogo, da narrativa que se possibilita ao outro conhecer os sentimentos vividos
em decorrência do ato a fim de compreendê-los e internalizá-los, como caminho
para a solução do conflito.

E, por fim, o espírito. Por pior que possa ser o ato danoso, é por meio do
diálogo que a humanidade e o senso de respeito comum transparecem, conforme
afirmam os autores: “fazendo uma comovente descrição de como o diálogo pode
tocar nos níveis mais profundos de nossa humanidade, um participante certa vez
descreve o trabalho do facilitador como ‘uma cirurgia na alma’” (SCHIRCH; CAMP,
2018, p. 18).

Ao longo desse estudo, tivemos a oportunidade de acompanhar o


desenvolvimento do processo de mediação escolar com aplicações de práticas
restaurativas em três escolas no Município de Mogi das Cruzes.
145

- Escola 1

A Primeira, uma Escola Estadual situada em um bairro periférico do


município, próximo a um conjunto habitacional destinada a pessoas de baixa renda
no bairro Jardim Bela Vista, distrito de César de Souza.

A escola atende alunos do ensino médio em dois períodos, manhã e


tarde, com aproximadamente 286 alunos 83 que tinha como professora mediadora,
até o ano de 2017, uma professora formada pelo grupo de capacitação do Projeto
Justiça e Educação, (já mencionado nesta pesquisa), com a participação do
Ministério Público Estadual. A professora atuava, principalmente, com a mediação
preventiva, ou seja, a elaboração de cartazes, pelos alunos, sobre assuntos de seus
interesses (violência de gênero, racismo, entre outros) e a realização de palestras
sobre temas cotidianos.

No início de 2015, esta pesquisadora foi contatada pela professora Célia,


pois esta tomara conhecimento da dissertação de mestrado que abordava o tema
Justiça Restaurativa, para a realização de um círculo de conversas, com alunos que
se encontravam à margem do grupo escolar, com grande dificuldade de
relacionamento.

Em nosso primeiro encontro, a professora já havia identificado


previamente quem eram esses alunos entre as três salas de 8º ano do ensino
fundamental, alunos estes que, na sua maioria, demonstravam comportamento
indisciplinado.

Observou-se que os alunos, embora não demonstrassem interesse na


situação, eram inteligentes e possuíam boa percepção do mundo e do contexto que
estão inseridos. Notou-se, também, que alguns alunos lideravam os outros na
indisciplina e na hostilidade em relação como os demais.

Diante dessa experiência, foram realizados, no segundo semestre, três


círculos de diálogos com os alunos que se sentiam excluídos pelos demais. No
primeiro encontro, havia seis alunos, que no início sentiram-se um pouco intimidados
em falar, especialmente diante de uma pessoa estranha, mas que com o passar do
tempo adquiram confiança e participaram ativamente do diálogo.

83
https://www.melhorescola.com.br/escola/publica/dagoberto-jose-machado
146

Nesse primeiro encontro, destacou-se uma aluna, que apresentava uma


grande “angústia” pelo fato de que uma de suas professoras seria transferida de
escola ao final do ano letivo. A garota, que foi caracterizada pela mediadora como
portadora de atraso cognitivo, demonstrou sentir-se amparada pela situação
experimentada no círculo, e logo começou a narrar seus sentimentos, principalmente
de tristeza diante da partida da professora que entendia ser “mais atenciosa” com
ela.

Em um primeiro momento, os demais participantes do círculo não se


interessaram muito pela narrativa, até o momento em que a aluna que vamos
identificar por X começou a chorar. Percebeu-se então, uma empatia, quase que
mecânica dos demais, que se mostraram solidários à situação. Após este momento
de desabafo e escuta da aluna X, ficou acertada a realização de um novo círculo,
para que fosse aprofundado o tema, com a concordância de todos que estavam
presentes.

No segundo encontro, dois dos participantes do círculo anterior não


estavam presentes, mas a aluna X, que estava presente, ainda se mostrava “muito
triste” com o fato acima narrado. O grupo interagiu, mostrando-se solidário à “dor” da
colega, pois, por vezes ela voltou a chorar ao relatar a “sua relação”, em que
demonstrou, além de uma carência afetiva, um apego exagerado pelo que
considerava “amizade” pela professora (figura 10).
147

Figura 10 – Círculo de diálogo

Fonte: docente da escola Lucinda Bastos

Neste momento, os participantes propuseram encontrar uma solução para


o momento vivido pela colega, comprometendo-se de que, no próximo encontro,
fariam propostas para tentar aliviar a dor experimentada, agora por todo o grupo.

No terceiro encontro, que aconteceu próximo ao final do ano letivo,


buscou-se, no círculo, encontrar um ponto de equilíbrio no sentimento da aluna X, e
os demais participantes disseram que iriam realizar uma festa de despedida para a
professora, e que era a aluna X que iria organizá-la. A percepção do resultado obtido
foi de que, aparentemente, a ação trouxe alívio a ela, pois ao aceitar a incumbência
ofertada pelos demais alunos, a aluna X sugeriu formas de como a festa poderia se
dar, músicas para embalar o evento, e contou com a participação de todos os
membros do grupo que se organizaram de forma a distribuir tarefas.

Ao início do ano letivo, quando se esperava obter continuidade do projeto,


tomou-se conhecimento de que a professora mediadora da escola havia sido
148

transferida para outra unidade, não se sabendo se houve continuidade do trabalho


realizado.

Em conclusão à pesquisa, obtivemos a percepção da necessidade de


uma política pública eficaz, no sentido de manter os mediadores o maior tempo
possível dentro da escola na qual desenvolvem a mediação. A alta rotatividade dos
professores gera uma insegurança de relacionamento entre os alunos, que
desencadeia a desconfiança na ação de mediação. Aquele professor que é, em um
primeiro momento, sua referência para a solução do conflito, não é mais encontrado
no ambiente escolar no ano letivo seguinte, descontinuando todo o trabalho de
envolvimento e pertencimento realizado com os alunos.

- Escola 2

A segunda escola pesquisada foi a Camilo Faustino de Mello, situada em


uma região próxima ao centro do Município de Mogi das Cruzes, que atende alunos
do ensino fundamental I, II e ensino médio em um total de aproximadamente 892
alunos 84, com características socioeconômicas bem diversificadas, transitando por
alunos advindos de família com grande capacidade financeira e alunos que vivem na
faixa da pobreza. Entre os anos de 2012 a 2018, a função de mediadora era
realizada pela professora mediadora, que até então ocupava o cargo de vice-
diretora.

O trabalho da professora mediadora é facilmente reconhecido por meio


das postagens em rede sociais, tanto as feitas por ela mesma como pelos alunos.
Seu trabalho vai desde a realização de palestras educativas, passando por reunião
com pais e responsáveis, organização e acompanhamento de grêmio estudantil, até
a realização de círculos de diálogo para solução de conflitos.

A professora relatou situações em que a utilização das práticas


restaurativas, associadas à mediação escolar, solucionou conflitos. Entre essas
práticas, estão as relatadas pela professora a seguir.

Ao longo dos seis anos que atuei como mediadora, embora não mais
exerça o cargo atualmente, sempre serei mediadora, o que eu pude notar

84
https://www.melhorescola.com.br/escola/publica/camilo-faustino-de-mello-prof
149

que a melhor coisa que pode acontecer para solução do conflito é o círculo.
Que deve ser composto sempre com as mesmas pessoas, para que estas,
sentindo-se confiante, e ciente de que o que acontecer ali, ficará ali, que a
intenção é a ajuda mútua. A partir do momento em que um dos integrantes
se sente a vontade para falar, os demais sentem-se motivados a fazer o
mesmo.
Eu tive um círculo que foi maravilhoso, ainda tenho alguns alunos
estudando na escola. Fomos para o pátio e assentamos no chão, e quando
parecia que nada ia dar certo naquele círculo, uma menina perguntou se
podia falar. Dado o bastão da fala para ela, começou a contar um pouco de
si, o porquê ela era tão agressiva, extremamente agressiva, ela conta o
caso que tinha descoberto que era adotada já em uma idade dos 12 para os
13 anos, e ela sentia algo diferente na família mas não entendia o que era,
então quando ela descobre que é adotada ela se dá conta que é por causa
disso. E aquilo foi revoltando ela de uma tal maneira, porque não foram os
pais que contaram, parece que foi em uma briga, e uma prima contou, a
partir daí ela começou a se expressar de forma agressiva para chamar a
atenção para si, agora já com 16 para 17 anos e ninguém podia chegar
perto, se chegasse apanhava.
Após o primeiro relato, outros se seguiram, uma garota queixou-se do
bullyng que sofria em razão de sua obesidade, tendo até procurado a
cirurgia bariátrica. Outro rapaz contou que utilizava maconha em razão dos
maus tratos que sofria em casa.
Assim, cada um foi contado sua história, choraram muito, se abraçaram, um
pediu perdão para o outro porque não consegui entender a situação. Ao
final o circulo encerrou-se com a conclusão de que eram todos irmãos, que
estavam lá para se ajudarem, que eles podiam contar uns com os outros.
A percepção na mudança de comportamento foi nítida. Este é o segredo
para a mudança.
Não há mais espaço para a punição como forma socializadora no meio
escolar. Há necessidade da compreensão do respeito do espaço do outros,
de suas diferenças, angustias e dores experimentadas, que somente
através da empatia poderá ser alcançada.

Outra observação feita pela professora foi no sentido de que o mediador


da escola não pode ser mudado. Ela ressalta que somente se adquire a confiança
para um diálogo empático quando o relacionamento é continuo, gerando confiança.

O mediador deve ir devagar, conquistando o espaço, a confiança até que


haja uma mudança de paradigma, no sentido de que atos praticados não
sejam mais concebidos como ataques, mas meros acontecimentos
cotidianos, como por exemplo, pedidos de desculpas, pedidos de
permissão.

Outra prática restaurativa foi a denominada “alma no varal”. A professora


estendeu um varal na sua sala e recortou camisetas em papel anotando em c ada
uma delas um sentimento bom e as pendurou neste varal. A ideia era de que todos
nós sentimos falta de algo, não estamos completos. O aluno, ao identificar no varal a
camiseta com o sentimento que lhe falta, tinha a liberdade de pegá-la. Por outro
150

lado, o aluno era convidado a colocar uma camiseta (esta, em branco, a ser
preenchida pelo aluno) com algo de bom que ele tem para dar. Foi, então,
construído um lixinho para que eles colocassem um sentimento ruim seu, do qual
que eles quisessem se desfazer. Os alunos anotavam no papel o sentimento e a
série a que pertenciam, sem identificação.

Após o evento, a caixinha foi aberta e a professora mediadora separou os


sentimentos por séries e identificou os problemas mais comuns ali “jogados fora”. A
partir dessa identificação, iniciaram-se rodas de conversas para abordar os temas
que mais afligiam os alunos. Foi uma forma que a professora/mediadora encontrou
de aproximar os alunos da mediação sem os expor, proporcionando à equipe
administrativa da escola o conhecimento das questões que os incomodavam, mas
de uma forma segura, pois o anonimato possibilitou a exposição do problema sem a
exposição do indivíduo.

A professora relata que estes círculos tiveram resultados satisfatórios,


principalmente nos que se referiam aos relacionamentos entre os alunos, que
experimentaram a empatia, o que até então era desconhecido por eles, já que o
diálogo não existia entre o grupo como um todo, sendo reservado apenas para os
grupos que se formam entre os alunos que possuíam características em comum.

As atividades (figuras de 11 e 12) a seguir demonstram a prática no


momento em que ela ocorreu.
151

Figura 11 – Varal das Almas

Fonte: docente da escola Camilo Faustino.

Figura 12 – Árvore da Entrega

Fonte: docente da escola Camilo Faustino.


152

- Escola 3

Na terceira escola, uma Escola Estadual, tivemos a oportunidade de


conversar com os professores e distribuir os questionários de pesquisa (ANEXO I).

Das 18 professoras que participaram da pesquisa, 11 já tinham ouvido


falar de Justiça Restaurativa e 7 já tinham trabalhado com a Cultura de Paz. Essas
professoras tinham idades entre 22 e 57 anos e se dividiam entre educação infantil,
coordenação pedagógica e ensino fundamental. 16 tinham ensino superior completo
e duas tinham pós-graduação.

A seguir, gostaríamos de apresentar uma fala relatada na IES “Ramiro II”


de La Robla, 24640, León, Espanha85.

A mediação escolar realizada pelo especialista, o mediador da


instituição, José Aurelio López Gil, e relatada ao site “Mediación
Escolar – La primeria web em castellano para formarte como
mediador/a”86, e intitulada ¿Quiéndices que se va a pegar a la
salida? Un proceso de mediación escolar espontâneo.
A compreensão de todos no ambiente escolar de que cada um que
integra a comunidade de aprendizado é importante, e que a exclusão de qualquer
pessoa importa ao grupo todo, melhora as relações, tornando-as mais humanas,
com reflexos na vida de todos os envolvidos dentro e fora da escola.

A responsabilização pelo ato danoso cria no ofensor não só a obrigação


de reparar o dano, mas também de que ele pertence àquele meio, que ele é
importante nesse meio, tornando a escola um lugar seguro e feliz não só para ele,
mas para todos os que ali convivem.

A partir do estudo aqui elaborado, buscou-se sintetizar no quadro a seguir


(Quadro IV) o processo evolutivo pelo qual passou a justiça quando o foco de suas
ações são crianças, adolescentes e jovens no ambiente escolar.

Realizou-se esta síntese com base na fundamentação teórica aqui


apresentada e nas experiências vividas com os atores e suas percepções sobre as
políticas de mediação escolar e seus efeitos imediatos na vida dos profissionais da
educação e dos estudantes.

85
https://mediacionescolar.org/caso-real-proceso-mediacion-escolar-espontaneo/
86
Quem vai bater a saída? Um processo de mediação escolar espontânea (tradução livre). Disponível
em: https://mediacionescolar.org
153

Pontuam-se aqui valores atuais da Justiça Retributiva em relação à


Prática Restaurativa e as Práticas Restaurativas Preventivas na Mediação Escolar, e
acrescenta-se mais uma coluna, a das Práticas Restaurativas Efetivas.

QUADRO 4: Comparativo entre os Valores atuais da Justiça Retributiva em relação


à Prática Restaurativa e as Práticas Restaurativas Preventivas e as Práticas
Restaurativa Efetivas na Mediação Escolar

JUSTIÇA JUSTIÇA PRÁTICAS PRÁTICAS


RETRIBUTIVA RESTAURATIVA RESTAURATIVAS RESTAURATIVAS
PREVENTIVAS NA EFETIVAS NA
MEDIAÇÃO ESCOLAR MEDIAÇÃO ESCOLAR
PRIMADO DO Primado do interesse Primado dos interesses Primado no interesse
INTERESSE DO das pessoas envolvidas de toda comunidade dos envolvidos na
ESTADO e da comunidade escolar solução do conflito
FOCO NA PUNIÇÃO – Foco na Foco no conhecimento Foco na
ENCARCERAMENTO responsabilidade e nas dos problemas que responsabilização do
OU PENAS necessidades das envolvem os alunos e a ofensor e na satisfação,
ALTERNATIVAS partes e comunidade comunidade escolar do ofendido
INEFICAZES
CULPABILIDADE Corresponsabilização Conscientização Conscientização das
INDIVIDUAL individual e coletiva individual e coletiva partes envolvidas
diretas e indiretamente
USO DOGMÁTICO DO Uso crítico do Direito Conhecimento crítico do Utilização do
DIREITO Direito conhecimento crítico do
Direito
CENÁRIO FORMAL, Cenário Informal, Cenário Informal, mas Cenário Informal, mas
RITUALÍSTICO/CENÁR simplificado/cenário ritualístico/cenário de ritualístico/cenário de
IO DE PODER extrajudicial ou ambientação escolar ambientação escolar
comunitário que pode envolver o
além escola para a
reparação do dano
LINGUAGEM E Linguagem comum e Linguagem acessível e Linguagem acessível e
REGRAS COMPLEXAS regras flexíveis regras comuns regras comuns às
partes.
PROCESSO Processo decisório Conhecimento e Processo decisório
DECISÓRIO DAS compartilhado com compartilhamento do compartilhado com
AUTORIDADES/OPER envolvidos e assunto tratado envolvidos direta e
ADORES JURÍDICOS comunidade indiretamente, se
necessário, da
comunidade
PARTICIPAÇÃO Voz e papel efetivo da Participação voluntária Voz e papel efetivo da
MÍNIMA DA VÍTIMA vítima no processo dos alunos que se vítima no processo
sentem envolvidos pelo
tema
MÍNIMA ASSISTÊNCIA Necessidades Necessidades Necessidades
PSICOSSOCIAL E psicossociais e jurídicas psicossociais e jurídicas psicossociais e jurídicas
JURÍDICA À VÍTIMA atendidas efetivamente reveladas e refletidas dos envolvidos no
conflito atendidas
INSATISFAÇÃO E Satisfação e controle Sensação de Recuperação da
FRUSTRAÇÃO COM O sobre a situação, pertencimento ao grupo autoestima dos
SISTEMA recuperação da envolvidos.
autoestima.
OFENDIDO E Participação Participação de toda a Participação dos
154

OFENSOR responsável do ofendido comunidade escolar envolvidos direta, e


ALIENADOS DO e ofensor no processo indiretamente no
PROCESSO. conflito.
COMUNICAÇÃO
ATRAVÉS DO
ADVOGADO
NECESSIDADES Necessidades Necessidades Necessidades atendidas
PRATICAMENTE efetivamente compartilhadas
DESCONSIDERADAS consideradas
INACESSÍVEL E SEM Acessível e interação Interação voluntária Interação voluntária
INTERAÇÃO com a vítima e entre os participantes entre os participantes
comunidade

Fonte: elaborado pela autora.


155

5. Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a eficácia da utilização dos


princípios da Justiça Restaurativa para a solução de conflitos em ambientes
escolares através da mediação. Entende-se que esses objetivos foram atingidos na
medida em que, ao cotejarmos a história da humanidade, podemos perceber que o
homem busca estabelecer um ambiente de convívio que atenda às suas
necessidades. No entanto, o ser humano não é um ser exato, tendo vontades e
necessidades de clamores diversos. Diante disso, o surgimento de conflitos foi
inevitável.

Diversas formas de solução de conflitos foram se desenvolvendo ao longo


dos anos, visando ao alcance de uma pacificação justa, que atendesse às
necessidades dos envolvidos no litígio. Surgem então as penas como forma de
aplicação da justiça, mas também como sinônimo de vingança, que possuía um
caráter religioso, aceito nas sociedades como forma de manifestação divina,
fortemente amparada pelo direito canônico, como reflexo da intervenção da Igreja na
estrutura estatal. Com o passar do tempo, a humanização das penas vem
gradualmente substituindo penas corporais, passando a ter um caráter de
reprimenda somente àqueles que praticassem atos que fossem, anteriormente,
definidos como delitos pela legislação.

A evolução do homem começa a dar sinais de que esses métodos


punitivos não mais atendiam às necessidades de ressocialização e reinserção, e
tanto ofensores quanto vítimas se veem desprotegidos pelo Estado. Nesse passo,
um olhar para o conhecimento ancestral traz as práticas da Justiça Restaurativa
como um novo olhar para as resoluções responsáveis de conflito.

As relações humanas contemporâneas estão se mostrando cada dia mais


distantes. O uso das tecnologias tem, por um lado, se mostrado de grande utilidade
quando encurta distâncias, mas por outro, propagou uma nova forma de conflito, o
virtual, que tem grande reflexo no ambiente escolar. Em razão dessa situação,
novas maneiras de tratar os conflitos foram se desenvolvendo.
156

Nesse contexto a Justiça Restaurativa desponta como um caminho útil a


ser aproveitado pelos mais diversos setores da sociedade como uma forma de
reaproximar os indivíduos e mostrar a eles que todo ser humano importa.

O lema da revolução francesa, Liberdade, Fraternidade e Igualdade,


como termos complementares, nunca foram tão necessários e atuais como são nos
dias de hoje. Para que isso se materialize, é preciso que as complexidades humanas
sejam assimiladas de forma que as experiências conservadoras se somem às
sabedorias progressistas e, assim, as ações do passado e as vozes do presente
construam, juntas, a perspectiva de um futuro coerente em direção a uma cultura de
paz sustentável.

O Estado, que é o guardião da pacificação social, na atualidade, parece


não manter um nível satisfatório de qualidade de vida no que tange às soluções de
conflitos. Exemplo disso é o constante clamor da sociedade por um Poder Judiciário
eficiente e eficaz.

Todavia, muito embora houvesse tentativas do legislador


infraconstitucional em amenizar essa morosidade com a edição de leis que
contemplem esse escopo, o país ainda carece de políticas públicas que efetivem
esses direitos consagrados. No entanto, alguns passos já foram dados. Nesse
diapasão, merece destaque, além dos institutos da tutela antecipada e da tutela
inibitória, os procedimentos previstos na Lei do Juizado Especial Cível, Mandado de
Segurança e Ações Coletivas, que visam agilizar a jurisdição, assim como as
audiências preliminares e o próprio procedimento sumário.

Vale destacar que o século XX findou-se com um Poder Judiciário ainda


deficitário, dando ensejo à criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Entretanto, o estigma da morosidade remonta de uma origem antiga, dos primórdios
do direito. Em consequência, as necessidades da sociedade ficam relegadas ao
segundo plano, deixando que os direitos e garantias fundamentais trazidas ao
convívio social pela Constituição Federal não passem de letras grafadas em papel.

Nesse passo, os princípios da Justiça Restaurativa nada mais são que um


norteador de respeito aos envolvidos em situações de conflitos e, quando aplicados
à tentativa de solução, fornecem dignidade não somente a essas partes, mas
também a todos aqueles que indiretamente ou reflexamente sentem as
157

consequências ou danos dos atos praticados, por meio de uma forma mais
humanizada e individualizada.

Nesse aspecto, faz-se necessária uma observação. Como citado no


estudo, o conceito de Justiça Restaurativa ainda está em aberto, e em razão disso,
muito se tem deturpado sua ideia original, que é, fundamentalmente, solucionar o
conflito com o olhar voltado para o dano sofrido pela vítima, responsabilizando o
ofensor e, com essa responsabilização, fomentar sua conscientização com o intuito
de evitar a reincidência. O que se pôde perceber no decorrer da pesquisa foi que
muitas ações que estão sendo desenvolvidas sob o título de “práticas restaurativas”,
na verdade são apenas ações de mediação, ou outras formas de solucionar
conflitos, que não trazem em seu bojo a ideia original da Justiça Restaurativa.

Esse estudo procurou demonstrar que o melhor lugar para se começar a


praticar a busca de uma Cultura de Paz, que seja eficiente e sustentável, na qual a
solução de conflitos reverbera em toda a comunidade em seu entorno, é a escola. É
nesse ambiente que a formação do indivíduo para o mundo se consolida.

A realidade, não só brasileira, mas também mundial, tem nos apresentado


que nem sempre é a casa o lugar em que o jovem contemporâneo encontra seu
“porto seguro”. É nesse momento que a escola precisa assumir um papel
fundamental de guardiã desse jovem, proporcionando um acolhimento e dizendo o
quanto esse jovem importa para o mundo.

Infelizmente, a realidade da educação no país não se diferencia muito das


demais realidades sociais. Não se pode exigir de todos os professores uma resposta
rápida e satisfatória a essas necessidades da juventude mais necessitada,
principalmente os que atuam na rede pública, objeto do nosso estudo, que são mal
remunerados e não obtêm um reconhecimento profissional ou condições dignas de
trabalho.

Este estudo pôde observar que o conflito escolar, em linhas gerais,


aparece como uma forma de exposição de questões não resolvidas pelo ofensor,
que se materializa em ações não admitidas na sociedade e, inevitavelmente,
acabam por resultar em violência. Nesse contexto de desafios, a mediação escolar
aponta para um caminho novo e eficaz escolhido para a solução de conflitos, pois
integra toda a comunidade escolar na busca de um bem comum, que é a formação
158

de cidadãos. A mediação é um instrumento hábil para trabalhar questões


fundamentais do cotidiano, além de constituir ou aprimorar relacionamentos de
humanidade entre as partes, ou ainda, para extinguir relacionamentos de uma forma
que os reflexos psicológicos sejam minimizados.

Com efeito, olhar para a mediação escolar como um método de solução


de conflitos eficiente na escola necessita não somente políticas públicas voltadas à
sua aplicação, mas também um novo olhar para toda a sistemática da educação,
pois é árduo o trabalho do professor mediador, na medida em que, sem tomar
decisões pelas partes, já que não tem autoridade para tal, deve tornar a mediação
interessante, uma vez que a intenção é reconciliar interesses em conflitos e auxiliar
as partes a examinar suas necessidades a fim de que possam negociar uma troca
de responsabilidades que construa uma definição de relacionamento satisfatório e
justo.

É por meio da mediação que os conflitos que surgiram dentro ou fora dos
muros da escola e que podem ser refletidos nesse ambiente, aliados aos princípios
restaurativos, visam, pela solução do conflito, responsabilizar o ofensor pelos seus
atos, sem a necessidade de punição, que o estigmatiza, e atender às necessidades
do ofendido, quer quanto à reparação do dano sofrido, quer quanto às necessidades
emocionais experimentadas.

O reestabelecimento e enriquecimento das relações entre as partes que


compuseram o conflito são ações essenciais, fazendo com que o resultado
encontrado na solução apresentada seja útil não apenas para essas partes, mas
para toda a comunidade envolvida, trazendo um pensamento coletivo para a
responsabilização do ato e sua reparação. Tais características certamente podem se
transferir à mediação escolar para que possa ser utilizada com resultados mais
eficazes.

É da natureza humana o sentimento de que precisamos uns dos outros


para sobrevier, e compartilhar é uma forma de entender nossas diferenças e mudar
o olhar, para deixar de perceber a diferença como um problema e passar a tratá-la
como a solução. Muito além das discussões e momentos de reflexão, os professores
devem propor soluções e análises críticas acerca dos problemas, a fim de que os
alunos se percebam capacitados para agir como cidadãos, fazendo-os sentir que
159

são membros ativos de uma comunidade que se preocupa com o seu ponto de vista
e com a sua existência.

Nesta seara, a utilização dos princípios restaurativos na mediação escolar


é de rigor. Somente com a humanização das ações que visam à solução de conflitos
é que se pode trazer, novamente, a criança e o adolescente ao convívio social, que
se inicia dentro da escola.

A mediação vai à escola para contribuir para o bem-estar de todas as


pessoas da comunidade educacional. Em princípio, sua eficácia na gestão de
conflitos é surpreendente. Em seguida, é no envolvimento de crianças e jovens de
qualquer idade, na sua capacidade de ouvir, entender e procurar soluções criativas
que todos ganham. O melhor acontece quando o clima de todo o centro muda,
tornando-se aconchegante e harmonioso, graças aos valores que acompanham o
processo de mediação: autonomia, participação, liberdade, cooperação e
solidariedade.

A mediação também fornece uma rede de proteção contra qualquer


evento imprevisto porque, embora não possamos evitar problemas, podemos nos
preparar para transformá-los em desafios e oportunidades. Com a criação de
ambientes e espaços específicos nas escolas para encontrar a paz interna, e por
meio dos círculos, poderemos ouvir a nossa voz interna enquanto ouvimos a voz do
outro.

A Justiça Restaurativa oferece uma forma de reestruturar o cuidado


fraternal com base em quatro princípios: focar no dano, que é o primeiro passo para
responsabilização; determinar obrigações, maneiras de reparar o dano ao invés de
obrigar a fazer isso; envolvimento de todos que foram implicados; uso de processo
inclusivos e colaborativos.

Essa prática, quando iniciada pela mediação escolar, é possível de ser


aplicada em todos os campos da vida para que, ao assumir a responsabilidade e
agir em direção ao dano, o jovem aprenda desde cedo a evitar que a mesma ação
se repita e entenda os prejuízos que ela causou.

Aquele que recebe a punição se transforma, se sente como vítima e


desconectado com a vítima real. Já a reparação do dano é uma espécie de cura
160

para a vergonha – a responsabilização não é imposta ao ofensor, mas parte de


dentro dele, pois ele reconhece que causou o dano, reconhece que tinha opções
para ação e que poderia ter feito outra coisa, reconhece o impacto sobre o outro por
meio da escuta, dá passos em direção ao dano e faz reparações, identifica padrões
e hábitos que o levaram a cometer o dano e age para mudar. Ademais, aquele que
sofre o dano pode perceber os motivos, justos ou não, que levaram o ofensor a
praticar o ato, e conscientizar-se que não foi ele quem deu causa a essa ação,
buscando uma maior reparação de seu dano.

As observações feitas em campo demonstraram que tudo isso é possível


de ser alcançado quando as práticas restaurativas são aliadas à mediação escolar,
pois elas identificam o que precisa ser feito para reparar o dano, o que precisa ser
feito para que não aconteça de novo, e muda o modo de ver que quem causa o
dano não precisa, necessariamente, ser excluído do grupo. Além disso, essa
perspectiva também apresenta ao coletivo uma nova forma de ver e reconhecer seu
papel no dano e qual é o seu papel para essa reparação, o que é necessário mudar
na comunidade para que o dano não aconteça de novo, responsabilizando o todo.

Entretanto, para que o acordo realmente aconteça e seus resultados


possam ser duradouros e reverberarem na sociedade e no tempo, é necessário o
comprometimento de todos os sujeitos envolvidos na educação. Não só professores
e alunos, estes principalmente, mas também os pais, a comunidade, os agentes
públicos e os demais membros da sociedade que tanto discursam exigindo uma
educação e qualidade, mas em nada se movimentam para proporcioná-la.

Vem à tona, então, uma grande oportunidade de pensar e agir sobre o


que realmente é justiça, como esse termo está tão deturpado na mente do brasileiro
e vem sendo pouco reconhecido no ambiente escolar, que deveria ser o primeiro
lugar a identificá-lo. Faz-se urgente, não somente ressignificar o termo, mas retomar
o seu significado original, e também saber a diferença entre justiça e igualdade, a
diferença entre igualdade e equidade – e o papel da escola é fundamental nessa
retomada.

A nossa percepção é que em outras partes do mundo esse movimento


vem tomando força com uma intensidade admirável, pois a sociedade
161

contemporânea não tem mais tempo a perder quando o assunto é s olucionar ou


evitar conflitos.

Seria sem fundamento afirmar que a aceitação da proposta da Justiça


Restaurativa encontra braços abertos em todos os seguimentos, quer seja dos
poderes públicos, quer seja dos demais seguimentos da sociedade. Pelo contrário,
ainda há muito que se trabalhar na informação sobre esse novo paradigma de
soluções de conflitos.

O caminho para se chegar a uma compreensão dos resultados benéficos,


que é a soma de atos da mediação escolar e princípios da Justiça Restaurativa, é
árduo e somente poderá ser trilhado com um exercício continuo e de vivências
experimentas nas escolas, que serão refletidas nas comunidades e, por
consequência, irão se multiplicar nas sociedades.

É preciso que se mude o foco do olhar para os problemas c otidianos das


escolas, como vem ocorrendo nas escolas visitadas. Essas escolas puderam
demonstrar que, quando o aluno, apesar do todos os problemas que os rodeiam
dentro e fora da escola, é visto como pessoa, indivíduo, ele se sente parte do grupo,
e que por mais dificuldades que possa passar, ele se sente apto a ajudar o outro.

Outro braço fundamental para que esse foco de olhar seja alterado é a
participação do corpo diretivo/administrativo escolar. Não só professores, mas
também diretores e demais membros da administração escolar devem estar
engajados na busca de uma solução de conflitos que não somente leve ao caminho
da punição, mas que acolha e faça que o jovem se sinta pertencente ao grupo em
que está inserido.

Apesar do recorrente discurso da falta de reconhecimento do professor,


das mazelas tanto da carreira quanto das condições de trabalho, dos baixos
salários, da impossibilidade de se exigir maior desempenho de um professor que
está tão desestimulado, pudemos encontrar profissionais, que apesar dos
obstáculos, lutam por seus direitos, mas acima de tudo, são vocacionados e amam o
que fazem o que nos leva a acreditar que ainda é possível existir uma escola pública
de qualidade.
162

Outro ponto que merece destaque nessas considerações são as políticas


públicas voltadas à educação, e em especial à mediação escolar. O estudo pôde
observar que no país poucos são os estados que têm uma preocupação direcionada
exclusivamente à questão da solução de conflitos. À exceção dos estados do Mato
Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul, onde o empenho do Poder Executivo está
aliado ao Poder Judiciário, nos demais estados esses poderes pouco conversam
entre si sobre o problema da solução de conflitos escolares.

Já o estado de São Paulo, o mais populoso da federação, tem em sua


Secretaria de Estado da Educação uma equipe voltada para o trabalho de mediação
que, apesar do empenho árduo e um trabalho brilhante, sofre com a alternância de
governantes, que embora sejam de um mesmo partido político que se perpetua por
décadas no governo, a cada novo governador, ocorre uma descontinuidade de
programas e políticas públicas iniciadas pelo anterior.

Nesse contexto, é necessário que se promovam debates a fim de que se


entendam os conflitos distributivos que estão por trás de uma política educacional de
um estado que é tão grande e com vários territórios para serem atendidos, e que
acabam tendo atenções diferentes, não se sabendo ao certo qual a qualidade e qual
direito vai ser, concretamente, oferecido e assegurado, uma vez que vivemos em
uma sociedade que é, estruturalmente, desigual, excludente e violenta, o que nos
leva ao conflito.

O jovem deve ser olhado como um ser humano em formação, com


anseios, expectativas e desejos, vivendo em um mundo controverso, polarizado e
violento. O dano causado pelo ato do ofensor é resultado do meio, e o acordo
resulta da compreensão de detalhes que devem ser mudados no meio, sendo as
escolas os melhores lugares para nutrir atos que levem à Cultura de Paz.

Este estudo não se encerra aqui, já que novas pesquisas podem e devem
ser feitas. O Brasil carece, ainda, de um maior aprofundamento sobre o tema. Ações
e acompanhamentos acadêmicos dos métodos de soluções de conflitos que são
experimentados nas escolas, não só no estado de São Paulo, mas em todo o país
precisam ser feitos para a compreensão sobre quais formas melhor se adaptam às
realidades tão diversas de nossa cultura de dimensão continental.
163

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Legendas
JR – Justiça Restaurativa.
RJI – Restorative Justice International
173

ANEXO I – Questionário da Pesquisa


174

QUESTIONÁRIO
1 – APRESENTAÇÃO
Nome:
Idade: Sexo:
1 – FORMAÇÃO
Ensino ( ) Regular ( ) Magistério ( ) Técnico ( ) Supletivo
médio
Ano de
conclusão:
Escola: ( ) Pública ( ) Privada
Instituição:
Ensino Curso:
Superior Ano/início:
Ano/conclusão:
Escola: ( ) Pública ( ) Privada
Fez ou faz algum curso: ( ) sim ( ) não
Latu Sensu ( ) Pública ( ) Privada
Curso:
Instituição:
Mestrado ( ) Pública ( ) Privada
Pós- Curso:
Graduação Instituição:
Doutorado ( ) Pública ( ) Privada
Curso:
Instituição:
3 - PROFISSÃO
Há quanto tempo exerce a profissão?
( ) até 5 anos ( ) de 5 ( ) de 10 a 15 ( ) mais de 15 anos
a 10 anos anos
Qual rede trabalha? ( ) Pública ( ) Privada
4 – FORMAÇÃO EM MEDIAÇÃO
Seu grau de conhecimento em mediação escolar
( ) inicial ( ) intermediário ( ) avançado ( ) não sei e/ou não gosto
Você considera a mediação uma forma eficaz de solução/prevenção de
conflitos?
( ) sim ( ) talvez ( ) não ( ) não tenho opinião
formada
Na sua escola existe professor mediador?
( ) sim ( ) não
Obrigada por participar da pesquisa.
Valéria Bressan Candido
(valbressan@uol.colm.br)

1
175

ENTREVISTA

1. Fale sobre sua experiência em mediação escolar/justiça restaurativa


2. Como você vê a aplicação dos princípios restaurativos na mediação escolar?
3. A seu ver, como os conflitos interferem no ambiente escolar?
4. Você tem conhecimento de cursos para formação para mediadores escolares?
Como os classificaria?
5. Qual sua visão sobre os resultados da mediação escolar ?
6. Você conhece ou sabe como utilizar os princípios restaurativos na mediação
escolar?
7. Qual sua observação sobre os resultados verificados quando da utilização dos
princípios restaurativos nos processos de mediação escolar?
176

ANEXO II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


177

UMESP – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


Programa de Pós Graduação em Educação

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, Valéria Bressan Candido, RG nº 19.103.901, doutoranda do Programa de Pós


Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, sob a orientação
do Prof. Dr. Marcelo Furlin, propõe o desenvolvimento da pesquisa intitulada
PRINCIPIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA MEDIAÇÃO ESCOLAR”, que tem
por objetivo pesquisar, contribuir, investigar, analisar e refletir sobre o nível de
conhecimento dos professores mediadores sobre as práticas e princípios
restaurativos, a forma como os professores trabalham os princípios restaurativos na
mediação escolar, além de interpretar o significado das dificuldades que o processo
de solução de conflitos tem para se efetivarem; bem como, propor a mediação
escolar como a possibilidade de diálogo para a solução do conflito e, também, para
a prevenção do conflito. Para tanto, conto com a sua colaboração para a obtenção
dos dados para esta pesquisa, observando-se os esclarecimentos abaixo:
ESCLARECIMENTOS:

1) A participação nesta pesquisa é de livre escolha com a garantia de sigilo de


identificação dos sujeitos que se dispuserem a participar e, ainda, retirar seu
consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma;
2) A pesquisa não envolverá nenhum tipo de custo para os participantes;
3) A participação na pesquisa não possibilita desconforto ou risco ao participante por se
tratar de uma aplicação de questionário e/ou realização de uma entrevista.

São Bernardo do Campo, 26 de fevereiro de 2018.

______________________
Valéria Bressan Candido

Consentimento do(a) colaborador(a)

Nome completo e assinatura - ____________________________________________

Local, dia/mês/ano - ____________________________________________________

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