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•? 2000 The University of Chicago. Ali righ ts re-served.


Tllulo original em ing lês: The Rood sin ce Structure
4:~ 2003 do uod uç6o b ra sileiro:
l'vndosõo Editoro do UNESP (FEU)
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Sumário

CIP - Brasil. Cotologoc;Oo no fonte


Sindicato No ó onol dos EditCH'es de livros, ~:J

K98c

Kuhn, Thomos S., 1922-1996


O cominho desde A Estruturo: ensoios filosóficos, 1970-1 993, com
uma entrevisto outobiogrófico I Thomo-s S. Kuhn; editodo pot' Jomes Prefácio 7
Conont e John Hougelond ; troduçõo de C:esor Mor1ori; revisóo tknico ]ehane R. Kuhn
J6zio Hernoni B. Gvtiene. • Sôo Pou1o: Ed~toro UNESP, 2006
Introdução dos Editores 9
TroduçOo de: lhe rood since Strvcture
lndui bib liog.rofio
ISBN 85-7139-658-2
Porte 1
l. Kuhn, ThomCtS S., 1922-1996 • Ent1revi:Stos. 2. Kuhn, Thomos S.,
1922-1996. Bibliogrofio. 3. Kuhn, ThomnsS.. 1922·1996.AEstrvturo .
Roconcebendo as revoluções científicas
.4. CiAncio - filosofia. 5. Ctênc.io - Históric1. I. Conont, Jomes.. 11. Ho uge-
lond, John, 1945·. 111. litulo. 1. O que são revoluções científicas? 23
06-1781 . CDD 501 _~~ Comensurabilidade, comparabilidade, comunicabilidade 47
CDU 501
3. Mund~possíveis na história da ciência 77
1. O caminho desde A estrutura 115
!i· O problema com a filosofia histórica da ciência 133

l)dltoro ofoliodo: l'nrte 2


I :omontórios e réplicas
M ......."'I,MI)rulll(l~t& 1'·
. . . I .,.IWM\\!t•• ""hlllll•t'I'Wf.,ll"
,t, ~;,.-,"'~ llll b•IIY ~ f._ll_. l;:t!MQf\I~ IJnlf'I''UI~ 'I•I llt\lbtõcs sobre meus críticos 155
Não tento dar ncuhu111a ll'~l"'"'" a <·ssa <JlWSião, mas goslaria tio 1•
uma. Juntamente com a maioria de vocús, compartilho do auscio dl' 1hunt ,
Preparar este artigo fez-me comprcctldcr que tal anseio talvez scjn iJII rr 111, ,
co ao jogo, mas não estou pronto para essa conclusão.

10
As ciências naturais e as ciências humanas

"The Natural and the Human Sciences" foi uma contribuição preparada para uma
mesa-redonda na Universidade La Sal/e, em 11 de fevereiro de 1989, patrocinada pelo
Greater Philadelphia Phüosophy Consortium. (Charles Taylor também participaria da
discussão, mas, à última hora, cancelou sua presença.) O artigo foi publicado em The
Interpretive Thrn: Phllosophy, Science, Cu! cure, editado por David R. Hüey, ]ames F.
Bohman e Richard Shusterman (Ithaca: Cornell University Press, 1991). Usado com per-
missão da CorneU University Press.

Permitam-me começar com uma passagem autobiográfica. Quarenta


anos atrás, quando comecei a desenvolver idéias heterodoxas a respeito da
natureza das ciências naturais, especialmente da fisica, deparei-me com
alguns ensaios da literatura continental sobre a metodologia das ciências
sociais. Em particular, se a memória não me falha, li alguns dos ensaios
metodológicos de Max Weber, então recentemente traduzidos por Talcott
Pars'ons.g Edward Shils, bem como alguns capítulos relevantes de Essay on
Man [Ensaio sobre o homem], de Ernst Cassirer. Fiquei entusiasmado e en-
corajado pelo que neles encontrei. Esses autores eminentes estavam des-
crevendo as ciências sociais de modo estreitamente paralelo ao tipo de des-
crição que eu esperava fornecer para as ciências fisicas. Talvez eu t ivesse
mesmo percebido algo valioso.

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Minha euforia, contutlu, ,.,,, "'Koola11owntc arrefecida pelos p:~r:\g;mfos rl:1, tinha convicção de que seria scguld:1 por uma viva c frutffcro 1r00\ de
finais dessas discussões, que leonhrav:un aos leitores que suas an.Uiscs apli- idéias. Por conseguinte, o cancelamento forçado da participação do profes·
cavam-se ~menJe às Gtistnwissnuchaften, às ciências sociais. "Die Naturwis- sor Taylor foi desapontador, mas isso ocorreu demasiado tarde para uma
muchafttn", proclamavam alto e bom som seus autores, "sind ganz ar.oders" mudança radical de planos. Embora relute em falar a respeito do professor
('~s ciências naturais são inteiramente diferentes") . O gue então se s•~guia làylor pelas costas, não vejo alternativa exceto desempenhar um papel pró-
era uma explicação re@tivamente padrão, empirista e quase-positivista das ximo daquele que me havia atribuldo o riginalmente.
ciê.ocias na~llrai~ a imag~tm mesma que e_!! !!SPera_y~_@scarrar~ .
Nessas circunstâncias, reto rnei prontamente ao meu próprio noétier,
cujo objeto eram as ciências fisicas, nas quais fizera meu doutorado. Na- Para evitar confusões, começo indicando a divergência fundamental en-
quela época, bem como agora, minha familiaridade com as ciências sociais tre mim e Taylor durante nossas discussões no curso ministrado em 1988.
era extremamente limitada. Meu presente tópico- a relação entre as ciên· Não~ quest~o de s~~s qências h~man~ e naturais pertencem à mes-
elas humanas e as naturais - não é um tópico a cujo respeito eu tenha refle- ma espécie. Ele insistia em que não, e eu, embora um pouco agnóstico, es·
tido muito, nem tenho a formação necessária para tanto. Não obstante, em- tava inclin-;;do a concordar. Mas, de fato, dtvcrgimos, com freqüência cate·
bora mantendo minha distância com relação às ciências sociais, encontrei, goricamenre, a respeito d~J;Ofllil.~ria ser t.raçada..a fu:!ha entre os dois
de tempos em tempos, outros artigos aos quais reagi como aos de We'ber e empreendi~entõs. Penso que sua maneira nil.o se sustentava de modo al-
Cassirer. Pareciam-me ensaios brilhantes e penetrantes a respeito das dên- gum. Mas minhas propostas sobre como substitui-la - a cujo respeito terei
cias sociais ou humanas, mas artigos que, aparentemente, precisavam defi- mais tarde algo bem breve a dizer - permaneceram extremamente vagas e
nir sua posição ao usar como contraste uma imagem das ciências natw'ais à incertas.
qual permaneço profundamente contrário. Um ensaio desse gênero pwpor- Para tomar mais concreta nossa diferença, permitam-me iniciar com
ciona a razlio para a minha presença aqui. uma versão bastante simplificada daquilo que a maioria de vocês sabe. Para
Esse artigo é ~Intergr~o e as ciências human~·.c{e_9iarles ia"yiÕf. y Taylor, as ações humanas constituem um texto escrito em caracteres com-
É um ensaio de minha particular predileção: li-o com freqüência, aprendi portamentais. Compreender as ações, recuperar o significado do comporta·
muito com ele e usei-o regularmente em minhas aulas. Em conseqüêmcia, mento, requer uma interpretação hermenêutica, e a imerpretaç~o apropria·
senti prazer especial pela oportunidade de participar com seu au tor de um da a um exemplo particular de comportamento, enfatiza Taylor, difere slste·
NEH Summer Institute sobre a Interpretação, • realizado durante o verã:o de maticamente de cultura para cultura, às vezes mesmo de individuo para
1988. Não tivéramos a oportunidade de falar em conjunto numa confe:rên- indivíduo._É esS,!_Ç!\Wterisrica a jntencionalidade do CO,!Il..22!!am~!ltO ­
cia, mas começamos rapidamente um animado diálogo, e combinamos con- que,..na visão de Taylor, disti.ngue._o..e.s.tudo de ações human<!$_d.aquele dos
tinuá-lo nesta mesa-redonda. Ao planejar minha contribuição introdutó- fenômenos naturais. No início do artigo clássico ao qual aqui me referi, ele
diz, por exemplo, qUe mesmo objetos como amostras de rocha ou cristais
de'n~e, embora tenham um padrão coerente, não têm significado, não ex-
I TAYLOR. C., "lmerpretatlon ond rhe Scienees ofMan", em TAYLOR, C. (ed.), J>hil.. press~nada. E mais adiante, no mesmo ensaio,lnsiste em que os c~u!' s~~
sophy and the Human Sdmcts, Cambridge: Cambridge University Press, 1985. gs meS!Jlt?S P!!!.!.od~s cult~~por exemplo, para os japoneses e para I
• O NEH (The National Endowment for the Humanities), entidade mantida !'C'I•' go- nós. Não ;;)recisa de nru:l.a semelhante à interpretação hermenêutica, in-
verno americano e dedicada ao fomento l educação, promove regularmente c urSI)S de sist; Taylor, p;ra ;;ud~objetos como ~~· Se se pode ;propriadamente
verão para o aperfeiçoamento de professores e alunos selecionados. No caso refi!rido
por Kuhn- •summer lnstitute on Intupreration in t.he Scitnces and Humanitie·s... -.
dizer que têm significado, esses sÍgnificados são os mesmos para todos.
o curso teve lugar em Santa Cruz, llll Universidade da Callfómb, entre 20 de junho e São, como Taylor mais recentemente o formulou, absolutos, independentes
29 de julho de 1988. [N. E.] de interpretação por sujeitos humanos.

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U Ullllillho dosdo A ostrutvra

l!sse ponto d<L'dsta earcct•·m~· t'll,ulu. l',u'n sustentar minhas razões, novos membros. O que julgo ser "compartilhar um conceito" terá de aqui

'
usarei também o exemplo dos céus, o qual, por coincid!ncia, também havia permanecer não explicado, mas estou de acordo com Taylor .na rejeição vee-
usado no conjunto de conferências manuscritas que constiruÚ'am meu tex- mente de uma concepção que há muito tempo é padrão ..Jer ap_r~~dido U!!l_
to básico para o curso promovido em 1988. Não é, talvez, o exemplo mais conceito- de planetas ou estrelas. por um lado, de eqüidade ou negociação,
conclusivo, mas cenamente o menos complexo e, assim, o mais adequado por~- não é ter intemalizado um conjunto de características qu~ for-
para uma apresentação brev~ Não compa~nem posso comparar, nossos nece condições necessárias e suficientes para a aplicação ·desse conceito.
céus com os dos japon~ses, mas afirmei, e afirmarei aqui, que os nossos são Embora qualquer pessoa que compreenda um conceito tenha de saber algu-
diferentes d~us dos gregos antig~ Mais particularmente, quero enfati- mas características marcantes dos objetos ou situações abmngidos por ele,
zar que nós e os gregos divi.dimos a população dos céus em diferentes espé- tais características podem variar de individuo para individuo, e nenhuma
cies, diferentes categorias de coisas. Nossas taxonomias celestiais são siste- delas precisa ser companilhada para permitir a aplicação adlequada do con-
maticamente distintas. Para os gregos. os objetos celestes dividiam-se em ceito. T~to é. duas pessoas poderiam compartilhar um conceito sem com-
ues categorias: estrelas, planetas e meteoros. Nós temos categorias com es- partilhar uma única crença a respeito da característica ou características
ses nomes, mas o que os gregos incluíam nas suas é muito diferente daquilo dos objetos ou situações a que ele se aplica. Não suponho que isso ocorra
<JUC incluímos nas nossas. Por um lado, o Sol e a Lua penenciam à mesma com freqüência, mas poderia, em princípio, ocorrer.
categoria que Júpiter, Marte, Mercúrio, Saturno e Vênus. Para eles, esses Até esse pomo, Taylor e eu concordamos em grande pane'-Se~
corpos eram semelhantes uns aos outros. ao passo que diferentes de e.le- mo-nos, contudo, quando ele sustenta lll!..C. em~~t~~ ~­
mentos das categorias "estrela• e "meteoro· . Por outro lado, colocavam a ~Q.ldeiJI.Q.ffiUDdo a q~e são aplicados, os conceitos do muf!d~ na!U~I não o _ /\-
Via Láctea, para nós constituída por estrelas, na mesma categoria que fil'em Para Taylor mas não para mim:. os.céus são independentes da cul-
arco-íris, anéis ao redor da Lua, estrelas cadentes e outros meteoros. Há tura. Para defender essa posição, ele enfatizaria, acredito, que um america-
outras diferenças classificatórias similares. Coisas semelhantes em um sis- -;;;-ou europeu pode, por exemplo, apontar planetas ou e·suelas para um
tema eram dessemelhantes em outro. Desde a Antigüidade grega, a taxono- japonês, mas não pode fazer o mesmo para eqüidade ou negociação~
mia dos céus, os padrões de similaridade e diferença celestiais modifica- trucaria que é possível somente apontar paraas~emp).!.frg! ções inJ!~ _
ram-se sistematicamente. - ~~nceit~ pãra esta estrela ou aquele planeta, para este episódio de
Muitos de vocês, eu sei, desejarão juntar-se a Charles Taylor no dizer- negociação ou aquele de eqüidade -..~Jl.!:!.!L!t.c!i.~_:~}~ade.~~olvt~as~ ~­
me que essas sl!o..!!l_eras diferenças nas crenças a respeita de obj~ fazê-lo são da mesma natureza nos mundos natural e soei ai.
em !!J>e~Jl\.QS..IllJ:$CQQ§ para os gregos e para nós - algo que pode- Para o munao social, o próprio Tayl~~forn~eu ~s arg~entos. Para o
ria ser mostrado, por exemplo, fazendo que observadores apontem para mundo natural, os argumentos básicos são apresentados po"Õávid Wig-.
eles ou descrevam suas posições relativas. Este não é o lugar para que eu ~~·entre ouuos lugares. Sammess and Substame [lguaJdade e substân-
tente com seriedade convenc~-los a abandonar es~ po~lausível. Po- cia] .' "raque se aponte proveitosamente, informativamente, para um pl~­
rém, tivesse eu mais tempo, cenamente tentaria, e quero indic~ aq~ qual nera ou çsrrela particular, é preciso ser capu de apontar para ele ou ela ma>s
seria a estrutura de meu argumento. de uma vez de selecionar outra vez o mesmo objeto individual. E isso não
Começaria com alguns pontos a cujo respeito Charles Taylor e eu con- se pode f~~ menos que já se tenha apreendid~ o c~c:eito sonal sob o
cordamos~~ quer do mundo natural, quer do mundo social - são e
qual o indivíduo é subsumido. Héspero FÓSforo são o me~mo plantta, mas
propriedade~ <:_O':flunLdad_e_!? (culturas ou subculturas). Em qualquer época é apenas sob essa descrição, somente como planetas, que podem ser reco-
dada, eles silo largamente companilhados por membros da comunidade, e
sua rr;~oslll.i.u~q de geração a geração (algumas vezes com mudanças) de- 2 WlGG!NS, O.• S•meness and Subttanct, Cambrldge, MA: Harvrurd Univtrslty Press,
sempenha um papel central no processo pelo qual a comunidade credencia 1980.

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ThmtHn S. l<.ul.n

nhccldos como um c o mesmo. At6 <]tu' " hlt~ntitladc possa ser estabelecida, própria resistên:cia etnocCntrica arraigada, a assumir o choque como um
não há nada a ser aprendido (ou ensinado) pelo apontar. Como no caso da dado. Podemos, e na minha concepção precisamos, aprender a_f~e!:_~­
eqOidade _o~da n~~!ão,_~~m a apresentação nem o e~t~<!o d~~em pios mo p~(!Se!l§ mundos naturais.
, pode começar an~ q~..Q.fOnc!jtp_do obje~_o a ser exemplificado ou estuda-
do estela c:!isponível. I;_o _que o.torn.íl_dtSE.~~~-naS.d.ên!àa~ naturais,
quer nas sociais, é uma cult.!J~no.iru~.rioula..quaLele.é.transmitido por Caso isso t•udo seja convincente, o que teria a nos dizer a respeito das
exemplificação, às__ve~etc;!e forma alterada, d!:'..\l~.:_a!ão à seguinte. ciências naturai:s e humanas? Indicaria qu~ão s~~elhanres, exceto, talvez,
Em resumo, acredito realmente em alguns dos absurdos a mJm atribui- em seu grau de maturidade? Certamente reabre essa possibilidade, mas não
dos- embora de modo algum em todos. Os céus dos gregos eram irreduti- . precisa impo7t;ii!CõiiélüsliÕ.Meu desacordo com Taylor, lembremos, não se
velmente diferentes dos nossos. A natureza da diferença é a mesma que prendia à existêmcia de uma linha entre as ciências naturais e as ciências hu-
Taylor tão brilhantemente descreve entre as práticas sociais de diferentes manas, porém, tmais propriamente, ao modo pelo qual essa linha pode ser
culturas. Em ambos os casos, a diferença e§tá arraigada num vocabulário traçada. Embora a maneira clássica de traçá-la não esteja disponlvel para os
conceit.\!lll Ela não pode, em nenhum deles, ser resolvida por meio de uma que adoram o ponto de vista aqui desenvolvido, outra maneira de fazê-lo
descrição num_yocabulário <!:.,_d~~s. comportamental. E, na ausên- emerge de mod<J claro. Se estou inseguro, não é sobre a existência de~
cia de um vocabulário de dados brutos, qualquer tentativa de descrever um !enças, mas sobre se elas são de princípio ou un::a sj.rnpká..fQJ1seq.iiê~
conjunto de práticas no vocabulário conceitual, no sistema de significados, dos..esrad.Q.uela:tivos d~des<;~volvir:!le.':!!? dos dois conjuntos de campos.
usado para expressar o outro pode apenas causar distorção. Isso não significa Permitam-me, portanto, concluir essas reflexões com umas poucas ob-
que não se possam, com suficiente paciência e esforço, descobrir as catego- servações tenta•tivas a respeito dessa maneira alternativa de traçar a linha
rias de uma outra cultura ou de um estágio anterior da nossa própria cultu- divisória. Minha tese até agora foi a de que as ciências naturais de qualquer
ra. Mas indica, sim, qu_e é necessária uma descoberta e que a interpretação período são fun:damentadas em um conjunto de conceitos que a geração
hermen~utica - quer pelo antropólogo, quer pelo historiador -~ ­ corrente de pra1ticantes herda de seus predecessores imediatos. Esse con-
promove tal descoberta. Não e!isre nas ciências naturais, não mais do_g\le junto de conceitos é um produto histórico, embasado na cultura em que os
nas humanas, um conj_U!).!Q_<te.sategorias que seja IJe.u.tm.J.ndepeadenre praticantes corr·enres são iniciados durante seu processo de aprendizado, e
de~ no qual a população- seja de objetos, seja de ações- possa ser acesslvel a não-r~embros somente por intermédio das técnicas hermenêuti-
descrita.. cas pelas quais historiadores e antropólogos chegam a compreender outros
A maioria de vocês já deve ter há tempo reconhecido essas reses como modos de pensamento. Algumas vezes tenho falado disso como a..base h e r..
redesenvolvimentos de temas que podem ser encontrados em minha obra men~ para ª-S~~_e um determinado periodo, e vocês podem notar
Estrutura e em escritos relacionados com ela. Deixando que um único exem- que tem semelhança considerável a um dos sentidos daquilo que já chamei
plo sirva para todos.~que descrevi aqui separando os céus gregos dos de oaradiçma. ~~mb().!:!!~ramente empregue ~sse termo hoje em d_ia, tendo -;<
nossos é do tipo que somente poderia ter resultado do que anteriormente pe~o por completo o controle sobre ele, irei, a bem da brevidade, usá-lo
chamei~evolução ~!.~c': A distorção e a má representação resul- aqui atgumas VE~zes.
tantes de uma descrição dos céus deles no vocabulário conceitual requerido Se se adota a respeito das ciências naturais o ponto de vista que descre-
para descrever os nossos é um exemplo do que naquele momento chamei vi, é notável quE: aquilo que seus praticantes fazem a maior parte do tempo,
incomensurabilidade. E o choque gerado pela substituição de nossos ócu- dado um paradi.gma ou base hermenêutica, não é ordinariamente herme-
los cõnce~~a!s pelos deles é o choque que atribui, ainda que inadeq~ nêutica. Ao conuário, eles utilizam o paradigma recebido de seus professo-
mente, ao fato de viverem eles '!!!!D.!!lundo diferente. Quando está em res num esforço que denominei c~norma!. um empreendimento que
ques tão o mundo social de uma outra cultura, aprendemos, contra nossa procura resolve;r quebra-cabeças, como os de aperfeiçoar e estender a cor-

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llullllfla S. l<uhn

respondência entre teoria c •CXperWncla no longo do avanço da vanguarda especialidades atuais das ci\lncias humanas. Minha impressão é a de que,
do campo. A§. ciêpcias~iai.$, por sua vez. - pelo menos para estudiosos em P~!:~~~ ec~2mia <:J}_!t_~cologi~, isso já possa ter ocorrido.
como Taylor, por cuja concepo;ão tenho o mais profundo respeito ~p~cem Por outro lado, em algumas partes principais das ciências humanas, há
ser intei..ramen.tl:..h~n~u}!cas, interpretativas . Ml!ko.l?~co cJ!? que oc~t­ um argumento forte e bem conhecido contra a possibilidade de algo idênti-
re nelas se parece de algum modo com a pesqui~rm<!), soluciona.d ora de co à pesquisa normal solucionadora de quebra-cabeças. Sustentei antes que
~a6i:Ças, d~s -d~nclas ~];!;. Seu objetivo é, ou deveria ser na vi- os céus gregos eram diferentes dos nossos. Devo agora su stentar que a
são de Taylor, compreender o •comportamento, mas não descobrir as leis, se transição entre eles foi relativamente súbita, que resultou de pesquisa feita
houver alguma, que o governam. Essa diferença tem uma contrapartida que sobre a versão prévia dos céus, e qu~ céus permaneceram exataffi.~l).t~.
me parece igualmente surpwendente. Nas ciências naturais, o exercício da ..iguais.enquanto essa pesquisa esteve em andamento. Sem essa estabilida-
pesquisa po.J_v.~roduz n•ovos paradigmas,-novas maneiras de enieiiêlêr.. de, a pesquisa responsável pela mudança não poderia ter ocorrido:....M2~!l~.
-:-.;t~reza, de ler~s_textolbM~s <IS..Il~~esponsáv~ssas mu- se pode esperar por uma estabilidade desse tlR.C?.q~•ando a unidade_e~ !Srt~- 'I·
danças não as buscavam. A :reinterpretação que resultou de seus es!oiÇó'S' dQ..é.ym sistema.p.oUtico o~ Nenhuma base duradoura para a ciência
·roi involuntá~Í~~- com freqüência, obra da geração seguinte. Tipicamente, "' normal solucionadora de quebra-cabeças precisa estar disponível para os
as pessoas responsáveis foram incapazes de reconhecer a natureza do que que a investigam; ~~interpretação h~nêutica ~~e ~~-ç~mstante­
haviam feito. Contraste-se es.s e padrão com o padrão normal às ciência.J!.§.2:.. meme..requ.e.rià!:_Onde isso é o caso. a linha que Charles Taylor busca entre
ciais d e Taylor. Nestas, int:erpretaçõ~_n_QJ.!!.Le....mais prQfundas são o _ as ciências humanas e as naturais pode estar firmemente estabelecidl\, .~u:
~onhecid~~()-~~~;:_ · poonhQ..9J!~,_~m algumas áreas, ela possa perman~ç_~r aí para sempre.
As ciências naturais, portanto, embora possam requerer o que chamei
de uma base hermenêutica, não são, elas próprias, atividades hermenêuti-
cas. As ciências humanas, pe>r sua vez, freqüentemente o são e poodem não
ter alternativa. Mesmo que esteja correto, contudo, poode-se ainda pergun-
tar, com procedência, se estão restritas à hermenêutica, à interpretação.
Não seria possível que aqui e: ali, com o passar do tempo, um número cres-
cente de especialidades encontrasse paradigmas que viabilizassem a pes-
quisa normal, solucionadora de quebra-cabeças?
Quanto à resposta a essa.pergunta, estou totalmente incerto. Mas arris-

I
carei duas observações que apoontam para direções contrárias. Em primeiro
lugar,_Eão estou ciente de qualquer princípio que barre a ~ssibilidade de
uma ou g_utra pãrie de àlguma ciência humana encontrar u~~ádigma êa::-
paz de viabilizar a pesquisa mormal. solucionadora de quebra-cabeças. E-a
probabilidade da ocorrência dessa transição é, para mim. aumentada por
um forte sentimento de déjà vu. Muito do que ordinariamente é dito para
defender a impossibilidade d•e uma pesquisa solucionadora de quebra-cabe-
ças nas ciências humanas já foi mencionado há dois séculos, para negar a
possibilidade de uma ciência da química, e repetido um século depois, para
mostrar a impossibilidade de uma ciência dos seres vivos. Muito provavel-
mente, a transição que estou sugerindo já está em andamento em algumas

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